Física também é condicionada pela robustez espiritual. E vice-versa. Mas
um país tão extraordinariamente centrado em assuntos futebolísticos, como o
demonstram os meios de comunicação social, aparentemente descarrega sobre os
pés o seu conforto espiritual. É por aí que se inicia o zelo espiritual de uma
população passiva – com as gratas excepções de quem desalinhou.
O país dos heróis improváveis
Impor medalhas e emitir
desilusão pelos resultados é, em Portugal, um capricho, e em certa medida, uma
hipocrisia de quem pede o que não dá e exige o que não faz.
RODRIGO ADÃO DA
FONSECA Colunista
OBSERVADOR, 06
ago. 2024, 00:151
Na última crónica –“O país dos homens providenciais”– recuperei
a nossa experiência recente no Europeu de futebol masculino para, a partir daí,
fazer uma crítica à habitual aversão que o país tem à mudança, e à forma
como somos incapazes de acomodar o risco e a incerteza que acompanham as
transformações sociais.
Já os recentes Jogos Olímpicos de Paris
estão a mostrar uma faceta paradoxal de uma boa parte do nosso Povo: a crença nas capacidades sobre-humanas
dos nossos atletas a quem, não se percebe bem porquê, se exige uma quantidade
de medalhas incompatível com o apoio que se lhes dá na hora da labuta. Falando
bom português, fica-se com a sensação que por cá não falta quem goste de
“galinha gorda com pouco milho”. Um país com apenas 10 milhões de habitantes,
bastante envelhecido, com baixa prática desportiva (mais de dois
terços da população não pratica qualquer tipo de exercício), em
que o desinteresse por tudo o
que não seja futebol é conhecido, de quatro em quatro anos descobre que,
afinal, tem alguns atletas que, por mérito próprio e com enorme resiliência,
são competitivos – vai daí, toca a exigir medalhas.
Não me interpretem mal, não considero
que o nível mais elevado de alguns dos nossos atletas deva ser tributado apenas
aos próprios, há seguramente bom
trabalho de pequenos focos de excelência – treinadores, outros atletas,
federações, famílias e aficionados das modalidades – que, não obstante a falta
de dimensão do país e de interesse da sociedade em geral, permitem que sejamos,
a espaços, competitivos no panorama global. Os resultados
consistentes em modalidades como o atletismo, judo, triatlo, natação,
ginástica, entre outras, não é – nunca é – fruto do acaso. Exigir, porém, medalhas por medalhas, não compreender
que o desporto de elite é altamente competitivo, é um desrespeito a atletas que
– todos eles – para estarem nos Jogos, tiveram seguramente um trajeto duro e
bem planeado. Poderá ter havido falhas? Acredito que sim, mas não é a parte do
nosso país desinteressado pelo desporto quem terá a legitimidade para fazer
essa avaliação. Impor medalhas e emitir desilusão pelos
resultados é, em Portugal, um capricho, e em certa medida, uma hipocrisia de
quem pede o que não dá e exige o que não faz
À semelhança do que vimos no europeu de
futebol, também aqui deveríamos pôr os olhos em Espanha. A
comparação é inevitável e bastante elucidativa. Em 1992, os Jogos Olímpicos de
Barcelona marcaram um ponto de viragem para os nossos vizinhos. Com um
recorde de 22 medalhas, Espanha demonstrou que o sucesso não é obra do acaso,
mas sim resultado de um esforço consistente e planeado. Desde então, Espanha tem brilhado
em inúmeras modalidades, não apenas no futebol. Esse sucesso é fruto de um
trabalho de base fantástico, de uma sociedade – enfatizo, de uma sociedade –
que se organizou e investiu no desporto de forma coerente e contínua.
Portugal, infelizmente, ainda
depende de epifenómenos, de momentos de génio individual que surgem apesar das
dificuldades. A nossa abordagem ao desporto, e em
particular ao desporto olímpico, não deve, porém, ser surpresa para ninguém,
pois reflecte uma certa atitude geral perante a mudança e o progresso. Não é
incomum pedirmos muito, quando damos pouco. Temos grandes expectativas, mas
raramente criamos as condições necessárias para que elas se realizem.
São
várias as áreas onde Portugal está a fazer bem: nas indústrias exportadoras (do
têxtil, ao calçado, da agricultura ao turismo). Onde há planeamento, cooperação e
persistência. A boa performance nestes sectores não nos deve fazer
esquecer que grande parte dos problemas que enfrentamos, hoje, são
consequência da impreparação e dificuldade de acompanhar a mudança e de
assinalar persistência. Temos problemas na habitação ou na saúde? Há dificuldades graves no ensino, com o envelhecimento
da população e do pessoal docente? As nossas forças armadas e policiais
enfrentam uma profunda crise? A justiça não responde aos nossos anseios?
Tudo isto acontece, não por acaso do destino, mas porque temos sido pouco exigentes
na hora de escolher quem nos governa, apostando em soluções políticas que não
resolvem as nossas falhas estruturais.
Temos sido sempre bons a exigir resultados, aos atletas, ao sistema
político. O sucesso – o que não
se faz de epifenómenos – não é, contudo, obra do acaso: é o resultado de um
esforço contínuo e de escolhas certas. O fracasso, esse, é a consequência
natural da inação ou das más escolhas. Saibamos fazer boas escolhas e ser
persistentes. E naturalmente teremos as medalhas que tanto desejamos.
PAÍS COMPORTAMENTO SOCIEDADE TRABALHO ECONOMIA
COMENTÁRIOS:
Carlos
Ferreira: Efectivamente não existe uma política nacional de
desporto. Nunca foi objectivo de nenhum governo e também não parece ser um
desejo ou aspiração da população. O único desporto em PT é o futebol e os
resultados estão à vista - somos realmente fortes em futebol e fraquíssimos em
tudo o resto, com excepção de alguns epifenómenos. Relativamente à
"exigência" de medalhas, o comentariado e o jornalismo também não
ajudam! Foram eles que publicitaram e "quase exigiram" o objectivo
das 4 medalhas. Miguel Ramos: Só para recordar que as escolhas nos últimos 50 anos
foram, na maior parte das vezes, o PS e nas restantes o PSD. Na última eleição,
a cereja no topo do bolo foi o Chega. Jorge Pereira: Desde sempre há uma quase unanimidade nas declarações
dos nossos desportistas, também dos nossos comentadores: Fantásticos, únicos,
antes das competições, sempre vítimas inocentes, injustiçadas e incompreendidas
depois...
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