Prosseguindo.
Sismos. Do Hospital de Santa Maria à
Ponte 25 de Abril, até onde aguentariam as infraestruturas críticas?
▲O
sismo, de magnitude 5,3 (Richter), sentiu-se por volta das 5h desta
segunda-feira
A terra abanou na madrugada de
segunda-feira. Não se registaram danos, mas tudo podia ser diferente caso o
sismo fosse mais intenso. As infraestruturas do país estão preparadas para esse
cenário?
OBSERVADOR,26 ago. 2024, 21:361
Índice
E os hospitais do Porto estão preparados?
Uma ponte lisboeta com segurança à americana
Com Sines, podíamos “entrar numa catadupa de eventos”
É difícil dizer concretamente
qual a magnitude sísmica máxima que uma infraestrutura pode aguentar sem ficar
danificada, mas tendo por base sismos passados torna-se possível uma análise.
De uma lista de infraestruturas essenciais para o funcionamento da sociedade — como
hospitais e pontes — a maior
preocupação diz respeito àquelas que se situam em Lisboa. A Ponte 25 de Abril,
enquanto projecto americano inovador à época, é mais segura do que pode
parecer, mas o mesmo já não se verifica quando se fala do maior hospital do
país, o Santa Maria. Num sismo de magnitude 7 na escala de Richter em terra (na
zona Vale do Tejo) já seriam vários os danos provocados — cenário que agravaria
significativamente caso se repetisse um sismo idêntico ao de 1755, que se
estima ter tido uma magnitude
superior a 8.
O sismo de magnitude 5,3 na escala de Richter, que se sentiu durante a madrugada desta
segunda-feira, com epicentro a
cerca de 60 km a Oeste de Sines,
pôs toda a gente em alerta. O
presidente da Câmara de Lisboa, numa tentativa de tranquilizar a
população garantiu que “só 10%” dos edifícios
[municipais] precisam de reforço” antissísmico, mas em 2023 estimava-se que metade dos edifícios
da cidade não resistiriam a um sismo.
“Um
hospital é o que chamamos uma estrutura sensível. A função principal de um
engenheiro num edifício de habitação típico é proteger a vida humana. Mas no
hospital não é assim: tem de se manter funcional“, explica Rodrigo Falcão Moreira, especialista em Estruturas e Segurança Sísmica de Edifícios. O professor
do Instituto Superior de Engenharia do Porto (ISEP) explica que “a
magnitude, por si só, não chega” para avaliar as consequências de um sismo num
edifício porque “apenas mede a libertação de energia”. É importante ter em
conta o seu epicentro e a sua profundidade, diz. E também a data da construção
dos edifícios.
Foi em 1953 que terminou a
construção do hospital
de Santa Maria — sendo depois acrescentados os edifícios
da escola de enfermagem entre 1968 e 1972. E apenas quase 10 anos depois, em
1982, entrou em vigor o então denominado Regulamento de Segurança e Acções para Estruturas de Edifícios e
Pontes, que obrigava à existência de protecções contra acções sísmicas. Se houvesse uma repetição do
sismo de 1969, com uma magnitude de 7,8, os edifícios
“construídos até à década de 80 sofreriam danos estruturais severos”, diz
Rodrigo Falcão Moreira.
“A escala de magnitude, por si só,
não é linear. Mas só
comparando magnitudes, um 5 — em cidades com acção sísmica mais frequente — não
é preocupante, mas um 7 já não é assim, há riscos sérios”, afirma o
especialista. Assim, se se registasse uma “acção sísmica tipo 2,
com epicentro na zona de Vale do Tejo, em terra, e com magnitude 7, e olhando
para a época, é provável que [o Hospital de Santa Maria] sofresse danos”.
Num cenário mais grave, se
houvesse um terramoto idêntico ao de 1755, com uma magnitude de 8,7 e epicentro
no oceano, “já haveria muito mais em jogo”, havendo uma libertação de energia
significativamente grande, acrescenta o docente. Pior estaria ainda o
Hospital de São José, cuja fundação é ainda mais antiga, e que se localiza
numa zona central da capital e altamente povoada.
Daí a importância do isolamento sísmico dos hospitais. De
forma resumida, o engenheiro e projectista de pontes Armando Rito explica que “o
pilar não fica encastrado, directamente ligado entre o betão e a fundação. Há
um sistema — que pode ser, por exemplo, uma borracha artificial — que amortece
os efeitos.”
"Não
creio que um sismo violento possa pôr a Ponte 25 de Abril em risco. Pode haver
danos, mas não colapso" Armando Rito, engenheiro e projectista
de pontes
E os hospitais do Porto estão
preparados?
No sismo desta madrugada “desviámo-nos de um evento que podia ter
tido outras consequências”, em grande parte graças à profundidade e ao
epicentro deste sismo. No entanto, “em termos regulamentares, um sismo à volta de 6 na zona de Vale do
Tejo, provocaria vários danos. Lisboa tem edifícios muito antigos, as Torres
das Amoreiras são da década de 70“, lembra Rodrigo Falcão Moreira.
No segundo maior centro urbano do
país, o Porto, a
realidade é outra no que toca aos hospitais — “a perigosidade sísmica
decresce à medida que avançamos para Norte“, explica o especialista em Estruturas
e Segurança Sísmica de Edifícios. “A perigosidade não é uniforme. No Porto, a
acção sísmica é cerca de 70% inferior” à da capital, diz o especialista. “No dia em que tivermos consequências
[sísmicas] graves no Norte, Deus nos livre do que se irá estar a passar em
Lisboa.”
O mesmo lembra o engenheiro Armando
Rito. Focando-se na emblemática Ponte D. Luís, o especialista diz que, além de
um risco sísmico reduzido, a estrutura “é leve”. “Não acredito que, mesmo com um sismo
intenso, possa ter problemas graves”, diz.
Uma ponte lisboeta com segurança à
americana
Quando as pontes começaram a surgir em
Lisboa, “na altura não se faziam
análises dinâmicas, não havia meios”. “Considerava-se apenas que tinham de resistir a um sismo cuja força
fosse 0,15 da massa da obra. Isso era a regulamentação”, lembra o
projectista de pontes Armando Rito. Mas
agora é diferente: “há dispositivos que amortecem o sismo”.
Foi há quase 60 anos que a Ponte 25 de
Abril ganhou forma. “O projecto
é americano. E os projetistas responsáveis estiveram até envolvidos na
construção de pontes como a Golden Gate [em São Francisco, Califórnia] e
outras, que estão em zonas altamente sísmicas. E na época, é possível que
tivessem mais experiência, [apesar de] em Portugal se ir falando que era
importante olhar para os sismos”, diz Armando Rito.
O engenheiro desconhece “qual é o
grau de sismo previsto” para a ponte suportar, mas admite que “vai
resistir a 10” se estivermos a falar da escala de Mercalli. À época da
sua construção, numa edição de 1966 do Diário de Lisboa, lia-se que “a sua estrutura foi calculada para suportar abalos sísmicos da ordem
dos 10 graus da escala internacional”. Em causa está a medida dos impactos
do sismo e não da magnitude do mesmo.
Ponte
25 de Abril picture alliance via Getty Image
Ponte Vasco da Gama
“A ponte tem de resistir a 4,5 vezes as forças
que vêm do sismo, foi feito um decreto especial”, porque se trata de “uma
ligação fundamental entre o norte e o sul”, diz o engenheiro. E explica
que se trata de uma verdadeira ponte suspensa: “Está apoiada, mas o tabuleiro
está suspenso. Não creio que um sismo violento possa pô-la em
risco. Pode haver danos, mas não colapso.”
Já
a resistência da Ponte Vasco da Gama será apenas ligeiramente menor, uma
vez que não tem cabos curvos, mas sim uns tirantes, que partem dos pilares
principais. O tabuleiro está semi-suspenso, explica Armando Rito. “Não apoia na
torre, tem uns dispositivos para amortecer. Se não existissem tínhamos
movimentos do tabuleiro de até quatro metros. Agora, se abanar a torre
principal, só será transmitido ao tabuleiro uma força baixinha.”
O especialista em pontes explica que “as
regulamentações vão-se alterando; estão em permanente revisão consoante os
conhecimentos”. “Se se
achar conveniente e pudermos, muda-se a estrutura. Mas se fossemos mexer
em todas as pontes mais antigas, durante anos não fazíamos mais nada”, diz,
dando como exemplo as pontes no Douro. “O projecto é francês e na altura não pensavam em sismos. Essas não
foram projectadas para aguentar [sismos].”
Armando Rito lembra, no entanto, que nos
últimos anos foram levados a cabos alguns projectos de reabilitação, como o viaduto Duarte Pacheco e o Viaduto
de Sacavém sobre o rio Trancão.
Com Sines, podíamos “entrar numa
catadupa de eventos”
O epicentro do sismo da madrugada
passada foi no oceano, mas, questionado sobre o que poderia ter acontecido em
Sines caso tivesse sido em terra, Rodrigo
Falcão Moreira aponta alguma preocupação, uma vez que se trata de uma
localidade com uma refinaria e um indústria.
“Normalmente [estas
infraestruturas] são previstas para resistir à intensidade sísmica acima da
[intensidade prevista para] habitação, ou seja, o suficiente para garantir que
a estrutura não colapsa e que as pessoas conseguem fugir”, diz o especialista
em Estruturas e Segurança Sísmica de Edifícios do Porto. E lembra que em causa
estão “além dos edifícios, condutas, pipelines e produtos
inflamáveis”.
“Podemos entrar numa catadupa de eventos. Se houver rotura de
uma pipeline, há um derrame de fluído inflamável, que leva a um incêndio.
Tudo se pode precipitar”, diz, recordando o que aconteceu em 1755, quando um
incêndio provocado por velas acesas em virtude do Dia de Todos os Santos se
alastrou pela cidade.
E em Lisboa? Há ainda que pensar “nas redes integradas de gás”. Mais: “Focamo-nos nos edifícios, mas também
temos a questão das pontes e das estradas. Se tenho uma estrada intransitável,
como é que chego ao hospital, que até está bem construído e planeado?”,
questiona Falcão Moreira.
“O sismo desta segunda-feira
foi relativamente superficial. Mas se tivesse sido localizado aos mesmos 10
quilómetros e directamente por baixo de Sines estávamos a contar números de
mortos”, remata.
SISMO DESASTRES
NATURAIS NATUREZA AMBIENTE CIÊNCIA INFRAESTRUTURAS PAÍS HOSPITAIS SAÚDE PONTE 25 DE
ABRIL SEGURANÇA SOCIEDADE
COMENTÁRIOS
Pertinaz: Ninguém
sabe quais são…
Nenhum comentário:
Postar um comentário