Há muito que deixei de ler e ouvir Pedro
Mexia, de quem admirava a postura serena e o discurso rico, de aparência
simples. Voltei a “ouvi-lo”, desta vez em entrevista, que aqui coloco, com
gosto, como retrato de naturalidades e concisões abarcando mundos, julgo que
sem pedantismos. Mesmo nos seus poemas esse carácter se afirma, o real
implicando o incognoscível, instalado na consciência humana mais rebuscadamente
questionável.
Pedro Mexia: "Tudo
o que faço que não seja escrever é para ganhar a vida ou por simpatia. Escrever
é que é importante"
OBSERVADOR, 04
ago. 2024, 19:031
"Poesia
Reunida" é o novo livro que cumpre a função anunciada e celebra
25 anos de obra publicada. Em entrevista, Pedro
Mexia é o poeta que mostra como tudo
o resto, por mais popular, é secundário.
Comentador, cronista, consultor do
Presidente da República para a área da Cultura, editor de uma colecção de
poesia. Pedro Mexia é tudo isto, mas é poeta. Talvez antes de tudo isto. Tem
publicadas duas antologias de poesia em Portugal e uma terceira no Brasil. Foi
aos 27 anos que colocou pela primeira vez poemas em livro e lança agora, aos
51, os seus Poemas Reunidos (ed.
Tinta da China). Há nestas páginas um pequeno poema que sintetiza em muito o seu trabalho – o tempo e a memória, as referências
literárias (Camões, Camilo, Ibsen [dramaturgia], Cesare Pavese, Wallace
Stevens, James Joyce), e cinematográficas (A Doce Vida, A Ultrapassagem, Taxi
Driver, Fúria de Viver), a experiência e a não-experiência, a carga imagética
do não-dito, a necessidade do distanciamento emocional e da postura analítica.
Chama-se A Banhista
de Pavese:
“A juventude morre
a consciência vivifica
De fora do tempo
vem uma imagem
comum e inatingível:
a entrada da piscina
lá onde uma rapariga é já
E quando ela regressa
à tona, o que vemos?
Que a diverte não a malícia,
mas um frio agradável, fugaz.”
Porquê uma terceira antologia agora,
depois de uma segunda publicada em 2021?
Na
verdade, os três livros são completamente diferentes. As outras duas são
simplesmente antologias, são o resultado do que fui publicando. Publiquei um
livro em edição de autor, publiquei três ou quatro em editoras que já acabaram,
e, portanto, os livros originais não eram fáceis de encontrar. Por duas
vezes foi-me proposto que fizesse antologias – e fiz. Este livro é
completamente diferente, é uma antologia no sentido em que é uma escolha. Mas é
uma escolha, digamos assim, definitiva. Isto é, os poemas que não estão
neste livro estão fora de jogo. O que quis fazer foi um livro de poemas que
quero, por agora, que fiquem disponíveis e as pessoas leiam. Mas, ao mesmo
tempo, fazendo uma coisa que aprendi a fazer, como digo na nota do final do
livro – acho eu, espero que tenha aprendido, mais nas antologias do que nos
livros –, que é justamente construir livros.
Não está contente com os livros
anteriores que publicou?
Não
estou contente com nenhum dos livros enquanto livro. Acho que falharam sempre. E
fiquei sempre contente com as antologias: foram duas vezes, e mais uma no
Brasil. Achei que nas antologias havia uma estrutura. E agora foi
uma possibilidade de fazer um livro onde estão ao mesmo tempo todos os poemas
que quero guardar por ora e onde eles têm uma legibilidade, parece-me, maior.
Havia poemas que estavam mal organizados, a sequência não lhes dava
legibilidade. Acho que agora estão todos ordenados por afinidades. Não
diria exactamente temáticas, mas têm afinidades evidentes. Acho que as pessoas,
depois de lerem três ou quatro poemas em cada uma das secções, percebem qual é
a afinidade dentro de cada uma. Uma das duas dúvidas que tive era se, por
exemplo, mantinha ou não poemas de que ainda gosto, mas que já não
escreveria hoje. E há vários que não escreveria, de todo. Mas não é
por não gostar deles, tanto que os poemas estão aí, é porque eu já não sou
essa pessoa. Sou muito diferente hoje do que era aos 20 anos, mesmo muito. Os
poemas não têm, na verdade, uma intemporalidade absoluta, nem essa indexação
biográfica tem, no fundo, muita importância.
Teve necessidade de dar título a cada
capítulo de poemas.
Na verdade, uns tinham título, outros não
tinham título, e depois achei que, por uma questão de uniformidade… Encontrei
alguns títulos que correspondem a títulos originais dos livros como, por
exemplo, Avalanche e Vida Oculta – embora não reúnam necessariamente os poemas
que esses títulos continham. Outro é Camões
Binocular, de que gosto muito: faz parte de um poema do Vitorino Nemésio [Pedra
de Canto].
▲A capa de "Poemas
Reunidos", de Pedro Mexia (Tinta da China)
O seu primeiro livro foi
autopublicado. O que é que o levou a querer publicar a poesia que escrevia?
O
livro foi enviado para uma editora que acabou por manifestar o interesse em
publicá-lo, depois de já estar publicado. Portanto, se eu tivesse sido um pouco
mais paciente, não teria sido uma edição de autor, mas tinha bastante pressa em
publicá-lo. Foi publicado em ’99. Estava convicto de que tinha ali trabalho
publicável.
Não tinha dúvidas sobre o seu
trabalho?
Isso
tinha imenso. É um livro que tem algumas coisas de que gosto ainda hoje muito,
mas tem outras bastante incipientes. Já escrevia havia algum tempo, tinha
vontade de publicar um livro. Tinha feito umas edições mais privadas, umas
coisas até fotocopiadas, mas tinha interesse em ter um livro. Na verdade, esse
primeiro livro esteve em duas livrarias porque eu conhecia os livreiros.
Porquê a pressa de publicar?
Não
sei… para ver o olhar de outras pessoas sobre aquilo, para perceber se era por
ali. Suponho que era isso. Apesar de tudo, não foi nem muito cedo nem muito
tarde. Eu tinha 27 anos. É uma idade mais ou menos dentro do padrão. Em geral,
as pessoas estreiam-se tarde. De vez em quando, vejo poetas estrangeiros com
mais do que um livro publicado e que têm 22 anos. Isso não acontece cá. E eu
não escrevia nada que fosse visível com 22 anos, certamente. Mas depois houve
um pequeno núcleo – e que são, curiosamente, boa parte dos poemas que estão na
primeira parte deste livro – que são os poemas sobre um tema que é estranho
interessar-me na altura. Agora é mais normal.
Que é o tempo e a memória.
São
temas que me interessavam muito. E que aos 50 anos são temas mais ou menos
quase fatais. Mas aos 20 é esquisito. Falar sobre a memória aos 20 anos, sobre
o tempo que passou aos 20, pode parecer estranho. Hoje em dia esses poemas têm
uma carga diferente porque há uma série de acontecimentos, de pessoas que
morreram, de pessoas que envelheceram, eu próprio envelheci, etc. O tempo agora
é menos abstracto do que era antes. Quer dizer, o tempo continua a ser abstracto,
mas a experiência do tempo é menos abstracta hoje do que era nessa altura.
"Seja num momento de
grande alegria, seja num de grande tristeza, está-se provavelmente mergulhado
nessa experiência. Evidentemente que se pode estar a escrever quando se está a
viver esses momentos mais intensos. Mas, em geral, acho que o poema tem mais sentido
e coerência quando já temos uma pequena distância."
Vê a memória como uma sombra do tempo
ou como um espelho?
É
uma pergunta a que não sei exactamente responder. Não tinha pensado nessa
imagem da sombra, mas é claro que são dois corpos que se movem em relação um
com o outro. Com o tempo que passou, fica em nós a memória das coisas… O resto,
não é? Portanto, a maioria dos poemas são sobre as duas coisas ao mesmo
tempo. Embora haja um ou outro poema só sobre o tempo, e um núcleo
pequeno de poemas só sobre a memória, não consigo separá-los, porque os
poemas são quase todos escritos muito a posteriori. Falam de coisas que já
passaram, que já não existem ou que estão muito diferentes. Há alguns neste
livro que são poemas de Lisboa – que falam muito de ruínas, de pedras em
ruínas, esse género de coisas. Há a necessidade de deixar pousar durante
um tempo alguma experiência, alguma coisa marcante, para depois escrever sobre
ela.
Não há poemas escritos na pele dos
acontecimentos?
Há
dois ou três, são aqueles que têm um referente muito explícito, por exemplo, a
morte de alguém. Esses poemas são escritos imediatamente. Aquilo a que se
chama “poemas de amor”, raramente são escritos contemporaneamente. Mesmo
aqueles que estão escritos no presente do indicativo e parece que estão a
acontecer. É como aquela ideia do [poeta inglês William] Wordsworth: a emoção recordada na tranquilidade. Simpatizo
com essa ideia. Acho que é preciso que haja alguma coisa que seja mais da ordem
da emoção do que da intelectualização. Embora haja poetas que
intelectualizam mais do que geram emoções. As experiências inebriantes,
como, por exemplo, o momento em que alguém se apaixona por outra pessoa, podem
gerar um impulso poético. Mas a minha experiência é que não são esses os
poemas mais interessantes.
Porque, se se está a viver o amor,
não se está a escrever sobre ele?
Sim,
é isso. Acho que, digamos assim, a experiência da escrita tem qualquer coisa de
substituto. Seja num momento de grande alegria, seja num de grande tristeza,
está-se provavelmente mergulhado nessa experiência. Evidentemente que se pode
estar a escrever quando se está a viver esses momentos mais intensos. Mas, em
geral, acho que o poema tem mais sentido e coerência quando já temos uma
pequena distância. É um pouco como aquelas pessoas que escrevem um poema,
deixam-no na gaveta durante uns meses e mais tarde é que voltam a ele.
"A maioria dos poemas foram escritos com 27, 30, 35 anos. Nesses,
não penso que isso seja tão evidente. Mas são poemas em que é inevitável que,
com a passagem do tempo, se sinta que há caminhos não percorridos ou que o
menino cresceu bem comportado. Isso não me incomoda nada."
O Pedro é também assim?
Nunca
fui muito metódico desse ponto de vista. Mas acho que há um momento, quando
os escrevo, em que os poemas têm quase todos um fundamento biográfico. E depois
tem de haver um segundo momento em que o poema é independente da biografia.
Nasceu daí, mas tem de se libertar disso. Por exemplo, ao rever estes poemas
reparei que há poemas que dizem coisas que não são verdade mas que eram verdade
para mim naquela altura. Até factualmente.
São memórias implantadas?
Não
tenho a noção de alguma vez ter escrito um poema cuja representação da
realidade eu soubesse que era falsa, não tenho mesmo. E não interessa nada, também. Há experiências nos
poemas deste livro que pelas quais não passei, histórias que não são minhas.
Por exemplo, há uma parte do livro que se chama Academia das Musas, que são
poemas de amor, genericamente. São, muitas vezes, baseados em histórias
biográficas de escritores. Diria que três quartos não correspondem à minha
experiência, mas são experiências em que me reconheço de alguma maneira.
Eu podia ser aquela pessoa. Há um poema sobre uma história lancinante de um
poeta de que gosto muito, o Thomas Hardy. O
Thomas Hardy teve um primeiro casamento muito quezilento. A mulher morreu, ele
volta a casar-se. Durante este casamento, apaixona-se pela primeira mulher.
Eu, felizmente, nunca passei por uma história tão tétrica, mas achei aquilo
fascinante: a ideia de se apaixonar pelo fantasma. A experiência não
tinha sido boa mas, a posteriori, ele culpabiliza-se por não ter tentado que
fosse melhor. Outra história foi a do poeta espanhol Pedro Salinas. Quando deu
aulas nos Estados Unidos, teve um caso com uma americana, ela era professora de
literatura hispânica. Ele escreveu três livros de poemas de amor dedicados a
ela. O nome dela não aparecia porque ele era casado e ela, na altura, penso que
ainda não o era. Mas, entretanto, também se casou e, depois de os livros
serem publicados, ela dava os poemas – dele dedicados a ela – aos seus alunos.
É fascinante: uma pessoa estar a ensinar poemas, a dizer “aqui, a amada do
poeta” e ser ela própria a amada. Não tem, evidentemente, nada a ver comigo,
mas são momentos em que me reconheci naquilo que não vivi. De certa forma, a
literatura é muito parecida com essa coisa do não acontecido. Toda a gente,
para quem a literatura é importante, concordará que aquilo que leu faz parte da
sua vida mental, faz parte da sua experiência, num certo sentido.
Lemos este livro e temos a sensação
de que o poeta foi alguém que ficou com muitas coisas por viver. Faz sentido?
Faz.
Faz ainda mais sentido em alguns poemas, que são poucos neste livro, que foram
escritos nos últimos anos. A maioria dos poemas foram escritos com 27, 30, 35
anos. Nesses, não penso que isso seja tão evidente. Mas são poemas em que é
inevitável que, com a passagem do tempo, se sinta que há caminhos não
percorridos ou que o menino cresceu bem comportado. Isso não me incomoda nada.
▲ "Espero que o que venha
a escrever seja diferente do que está aqui, mas há algumas coisas que ainda
fazem a ponte"
TOMÁS SILVA/OBSERVADOR
Os poetas alimentam-se muito da ideia da falta.
Há
experiências, há situações, seja o que for, que eu passei ao lado – de umas,
felizmente, de outras, infelizmente. Para outras era bom que tivesse ainda
idade, outras felizmente já se foram. Não há uma regra, há, sim, experiências e
não-experiências. Há um autor de que gosto muito que é o Adam Phillips.
Ele é psicanalista e tem um livro sobre o facto de as coisas não vividas, uma
vez que existem na nossa cabeça, fazerem parte da nossa biografia. Pensámos
fazê-las e não as fizemos – não tem de ser nada de especial, não tem de ser uma
decisão drástica de vida. Por exemplo, houve dois ou três momentos em que
pensei ir viver para o estrangeiro. Naquela altura, aquilo foi muito importante
para mim, pensei bastante e não o fiz nenhuma das vezes. Lembro-me que escrevi
muito sobre isso. Na verdade, não escrevi quase nada de aproveitável. Há, na
realidade, um poema, que não está neste livro porque não o encontrei, apenas
por isso. Há-de estar num caderno algures.
Não escreve ao computador?
Não,
nunca escrevi poemas ao computador, acho que nunca escrevi nenhum, não me
lembro… A não ser que o computador esteja aberto e me ocorra qualquer coisa,
não sei… Acho antinatura escrever um poema ao computador.
Escreve crónicas, escreve críticas,
escreve sobre a actualidade, escreve sobre literatura. Faz comentário
televisivo. São muitos campos. O que é que sobra para veicular através da
poesia?
Na
verdade, só vejo dois campos aí, que é o campo da escrita e o outro – o
programa de televisão. É outra coisa. Não o estou a menosprezar, mas é outra
coisa. Não tem para mim a mesma importância. A escrita, tudo o que é escrito.
Quanto a tudo o que é escrita, é evidentemente muito diferente escrever, por
exemplo, uma crónica ou uma recensão, com que estou contratualmente obrigado e
tenho um prazo, um tamanho, do que escrever uma poema. Uma poema
escrevo quando quiser, se quiser, se conseguir, com o tamanho e a tonalidade
que possa ter. Portanto, são protocolos muito diferentes. Na verdade, tudo o que faço que não seja escrever é
para ganhar a vida ou por simpatia. Por exemplo, apresentar livros, esse tipo
de coisas a gente faz – e não me custa sequer –, mas não acordo de manhã a
dizer quem me dera que alguém me convidasse para apresentar um livro. E muitas
vezes é agradável. Descubro autores e gosto de estar com as pessoas. A política
que me interessa – não sou um militante, nem um activista – interessa-me porque
estou atento ao que se passa.
Uma questão de cidadania.
Exactamente. Escrever é que é importante.
Organiza também uma colecção de
poesia. Edita outros poetas. Não lhe é estranho escrever poesia e escolher
obras dos seus pares para editar?
Essas
águas são completamente diferentes. É até bastante frequente as pessoas que
coordenam colecções de poesia serem autores de poesia. Há muitos tradutores de
poesia que são poetas. Acaba por ser natural. A colecção aconteceu de uma forma
um pouco inusitada porque não fui eu que a propus. Foi a minha editora que me
disse que gostava que a Tinta da China tivesse uma colecção de poesia. E é uma
colecção de poesia que tem alguns constrangimentos. São quatro títulos por ano.
Portanto, é uma pequena colecção. Para mim foi importante no sentido de, não
só estar atento a alguns autores muito novos – não necessariamente novos de
idade, mas até publicarem os primeiros livros –, mas também de recuperar alguns
autores que não tinham editor e que estavam esquecidos. Superar algumas lacunas
em termos do mercado da poesia, da edição de poesia.
Há muita edição de poesia,
nomeadamente em editoras ou edições alternativas.
Sim.
Na verdade, a poesia mais interessante hoje em dia é a alternativa. Porque as
editoras desinvestiram, as editoras clássicas, tirando o caso da Assírio &
Alvim, que é a editora mais canónica, ainda – e será –, da poesia portuguesa. A
Relógio d’Agua também tem uma colecção de poesia que continua importante. Mas
outras colecções de poesia das grandes editoras, sobretudo porque estão já
inseridas nos grandes grupos, tendem a ser cada vez mais residuais. Há colecções
de poesia em que dá a ideia que, quando morrer o último dos poetas do catálogo,
já não entrará mais nenhum. Eu respeito isso, cada um sabe de si. Mas senti
que, em alguns casos, já aconteceu num ou noutro autor, de pessoas que eu sabia
que não conseguiam editar livros e que conseguiriam noutra altura, em que havia
coleções mais pujantes, quando havia a colecção da Presença, quando havia a
colecção no tempo da Moraes. Enfim, outras colecções marcantes na história da
poesia portuguesa. Portanto, a colecção de poesia não tem, como é muito
evidente e procurado, aliás, uma linha programática.
Essas supostas linhas, interessam-lhe?
Nenhum
interesse. Basicamente, são todos poetas de que gosto. Não ia publicar um poeta
que não me interessasse. Primeiro, começámos por não editar primeiros livros.
Acabámos logo por editar um primeiro livro ou segundo título. Depois, decidimos
que não íamos publicar traduções, já publicámos algumas, mas não muitas. É uma
colecção que se vai fazendo assim um pouco por acaso. A certa altura, tínhamos
o ano editorial fechado e o neto do Carlos Drummond de Andrade disse que
gostava de publicar um livro do avô na colecção. E nós, com certeza que sim,
não é? Portanto, mudou-se o editorial. Publicámos os três volumes do Bomtempo num
só. E, portanto, é uma colecção que vai sendo feita à base de… não totalmente
de acasos. Dos 40 títulos publicados, pouco menos da metade eram livros que eu
queria publicar logo, antes de o primeiro título ter saído. Mas outros foram
coisas que foram aparecendo, ou reuniões de obra completa, ou antologias.
Infelizmente, não têm aparecido primeiros livros. Acho que só publicámos três
primeiros livros, e eu gostava que tivessem sido mais. Podíamos ter publicado
mais um ou dois: foram originais a que não respondi imediatamente e entretanto
as pessoas publicaram noutro sítio. Mas não muito mais. Nunca me passaram
livros em que dissesse “ah, que pena não ter publicado este”, isso nunca me
aconteceu. Aconteceu com três e fiquei contente porque foram todos publicados
noutro sítio. Portanto, isso significa que um livro que tenha mérito para ser
publicado seja publicado. Também é provável que livros sem mérito sejam
publicados, mas isso é outra questão.
"O que era importante
para mim era ter os poemas disponíveis. Reunidos, na verdade, é o que eles são.
Parece mais grandioso do que é. Depois, havia essa coisa das datas redondas: 25
anos desde que publiquei o primeiro livro... Não é um acontecimento editorial,
como se costuma dizer."
Estar tão por dentro do que se faz em termos de poesia permite-lhe
identificar correntes actuais, em Portugal?
Acho
que isso é verdade de formas diferentes nas várias tradições. Mas, no caso
português, houve uma legibilidade por correntes que nos últimos 50 anos se foi
desmoronando naturalmente. Evidentemente que todo o século XX foi feito à base
de revistas, manifestos, grupos, cafés, tertúlias, etc., onde se juntava as
estéticas, a política, as amizades pessoais. A partir dos anos 70, dando
como movimento uma galáxia com mais ou menos afinidades, os poetas da [edição
de poesia colectiva] Cartucho – o Joaquim Manuel Magalhães, o João Miguel
Fernandes Jorge, o Hélder Moura Pereira, o António Franco Alexandre. Apesar de
tudo, esses poetas trouxeram qualquer coisa para a poesia portuguesa que era
nova naquele momento, que teve a ver com um discurso menos textualista, menos hermético
– como foi uma parte da poesia portuguesa dos anos 60 –, mais coloquial, em
alguns sentidos, às vezes mais quotidiana, etc. Às vezes diz-se, até
pejorativamente, que os poetas que apareceram depois não se libertaram dessa
matriz.
É verdade?
Não
tenho a certeza, não tenho a certeza de que seja verdade para todos, mas, em
todo caso, sei que, se é verdade que já não há essas tendências – eu não sinto
grande falta disso, não me parece que isso seja particularmente problemático –
uma coisa mais importante do que isso é que há em todas as gerações poetas
relevantes que não têm nada a ver com tendências. Há um caso flagrantíssimo
de um poeta que já morreu, mas que tinha a minha idade, que foi o Daniel
Faria. O Daniel Faria é um objecto não identificável que apareceu na poesia
portuguesa, que se revela e morre logo. Não faz muito sentido comparar o
Daniel Faria. Mesmo a tentação de o compararem com o José Tolentino Mendonça…
não têm nada a ver. Não é a pista eclesiástica que os une, certamente. Há
autores que, por facilidade, dizemos que eles fazem parte de uma estética, de
um grupo, de uma tendência, mas, na verdade, têm tantas características que os
singularizam, mesmo dos seus companheiros de geração, que é por comodidade que
as inventamos. Portanto, há tendências e há movimentos, mas não é isso que
fica. O que fica são o poeta A, o B, o C. Isso é que é importante.
Quando lemos um título como este, de
poemas reunidos, dá a ideia de remate. Fechou-se um ciclo?
Não
sei se é importante para mim. O que era importante para mim era ter os poemas
disponíveis. Muitos desses poemas não tinham voltado a ser publicados desde o
lançamento no livro original, que já não está disponível. Era ter os poemas, um
núcleo substancial de poemas disponíveis e, ao mesmo tempo, filtrar aquilo que
me interessava manter. Reunidos, na verdade, é o que eles são. Parece mais
grandioso do que é. Depois, havia essa coisa das datas redondas: 25 anos
desde que publiquei o primeiro livro… Não é um acontecimento editorial, como se
costuma dizer.
Já escreveu poemas desde que saiu este livro?
Desde
que saiu da máquina, não, mas desde que o entreguei para a impressão, sim, já
há alguns. São, na verdade, ainda adendas a este. Espero que o que venha a
escrever seja diferente do que está aqui, mas há algumas coisas que ainda fazem
a ponte. Boa parte dos poemas são poemas de juventude e não vou ficar preso à
juventude, que está cada vez mais remota. Vou escrever certamente outros poemas
e tenho até ideias já concretas sobre o que quero escrever.
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COMENTÁRIO:
Fernando Freitas: Pedro Mexia quer é
surubas e windsurf.
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