Tudo o que segue parece óbvio:
Eleitoralismo na redução dos preços dos passes, que os impostos pagam e não o
desenvolvimento económico necessário (Editorial
de Manuel Carvalho); falta de investimento conducente a desenvolvimento e
poupança, no país (2º Texto, de Luís Aguiar Conraria). Simples e
óbvio. Apetece dizer, como a Catarina
d’ OS BATANETES, perante a professora expressivamente siderada ante
tanta familiaridade de um desprezo inesperado: “Ó senhores! Hein?!” Mas eu acrescentaria como condição sine qua non para o tal desenvolvimento:
decência, precisa-se.
I - EDITORIAL: Haja dinheiro para os passes, que o resto
é paisagem
O que torna esta medida dos passes discutível é que
quem paga a quase 100% a factura de Lisboa e Porto é o Estado com os impostos
de todos os portugueses.
MANUEL CARVALHO PÚBLICO, 20 de Março de 2019
Só por excesso de credulidade alguém
pode acreditar que a entrada em vigor da redução do custo dos transportes
públicos a dois meses de umas eleições não contempla uma fortíssima dose de
eleitoralismo.
Num
domínio em que António Costa é mestre, a produção da legislação necessária para
a aplicar foi sabiamente gerida desde a sua apresentação no Verão, passando
pela sua aprovação no Orçamento do Estado no Outono, até à sua aplicação na
Primavera, quando no ar já se respira o odor das europeias.
Durante
todo este tempo, o PSD e o CDS foram incapazes de impor na agenda do debate as
suas críticas à opção política da esquerda e ambos tentam agora recuperar o
tempo perdido com o argumento do eleitoralismo e a injustiça de uma medida de
apoio que põe todo o país a pagar 85% de um
programa destinado aos habitantes de Lisboa e do Porto. Têm razão, mas é
tarde demais.
Deixando
de lado o óbvio eleitoralismo da medida, sobra a crítica segundo a qual é
injusto que todo o país pague os passes dos lisboetas e portuenses – algo que o
Governo tratou de desminar ao alargar os benefícios às comunidades
intermunicipais, às
quais caberá uma magra fatia de 15% dos gastos.
Por
princípio, o benefício exclusivo de um morador de uma cidade deve ser pago pela
sua autarquia, ainda que em casos de óbvio interesse público (como é o da
descarbonização ou o apoio social a cidadãos com menos rendimentos) possa haver
uma ajuda do Estado. Não foi isso que aconteceu.
O que torna esta medida dos passes
discutível é que quem paga a quase 100% a factura de Lisboa e Porto é o Estado
com os impostos de todos os portugueses.
Esta
medida é ainda mais susceptível de crítica porque revela uma
desproporcionalidade entre o cuidado que o Estado concede aos portugueses do
interior em comparação com os das grandes cidades.
O
argumento de que a carestia no Porto e Lisboa obrigam a uma especial atenção
dos poderes públicos exige que as carências dos jovens e dos idosos em
condições de excepcional fragilidade dos territórios de baixa densidade mereçam
o mesmo tratamento.
O
que é inaceitável nesta história não é por isso o eleitoralismo (uma prática
infelizmente banal), nem até o facto (discutível) de os pensionistas de Macedo
de Cavaleiros estarem a pagar os passes em Lisboa: é fundamentalmente aquela
óbvia constatação de que Lisboa e também o Porto são Portugal e o resto é
paisagem.
II - OPINIÃO:
Sem poupança não há investimento e sem investimento não há crescimento
As baixas taxas de poupança são uma das
principais restrições ao crescimento económico em Portugal.
Este
ano, na Licenciatura de Economia, lecciono a disciplina de Economia
Monetária Internacional. Umas semanas atrás, numa aula mais prática, quer
eu quer os alunos não pudemos deixar de largar uma pequena gargalhada
desconfortável perante um dos exercícios que vinha no manual de Paul Krugman
(com mais dois co-autores).
A
pergunta partia de um cenário hipotético: imagine que está perante um país cuja
dívida líquida externa é de cerca de 25% do PIB, será o serviço da dívida
sustentável? Logo a seguir, muda o cenário e pergunta: como alteraria a sua
resposta se a dívida fosse de 100%? O propósito desta sequência de perguntas
era óbvio.
Pretendia-se
que se respondesse que uma dívida externa de 25% é perfeitamente sustentável,
mas que uma dívida de 100% já não o seria. O nosso riso incomodado tinha uma razão de ser: na
aula anterior, tínhamos visto que a dívida líquida externa portuguesa, em 2000,
era de 26% e que agora era de 90% do PIB.
Aquilo
que no manual era apresentado como dois casos para exemplificar uma situação
sustentável e outra insustentável correspondiam a um Portugal passado (por
coincidência, o ano em que parte dos meus alunos nasceu) e ao Portugal
presente. O desequilíbrio insustentável é a nossa realidade.
Pior que a nossa, na Europa, só a Grécia e Chipre.
Na
semana que passou, fomos presenteados com as projecções do Conselho de Finanças
Públicas para os próximos anos. Até 2023, as nossas taxas de crescimento
andarão na casa dos 1,5%. É difícil imaginar um cenário mais medíocre.
Fico com a ideia de que os crescimentos mais elevados que tivemos desde 2015 se
devem à descida do desemprego.
Agora,
com muito menos desempregados - o que é óptimo -, para Portugal crescer é
necessário aumentar a produtividade dos trabalhadores. A dificuldade está,
obviamente, em saber como. No muito longo prazo, o investimento da educação
trará os seus frutos, mas, no imediato, para se aumentar a produtividade é
necessário investimento mais palpável. Investimento que aumente capacidade
produtiva e exportadora da economia.
Precisamos de investimento público e
privado. Como podemos
ver nos gráficos que apresento (dados do Eurostat para 2017, último ano com
dados já fechados), Portugal está na cauda da Europa no que toca ao
investimento. Nem sempre foi assim. Até 2010, Portugal tinha taxas de
investimento que estavam na média europeia. Infelizmente, vários estudos o
mostram, o crédito existente fluiu para empresas pouco produtivas.
O
último estudo que conheço a este respeito é de três investigadores
do Banco de Portugal que mostram que uma parte muito substancial do crédito
bancário em Portugal foi afectado a empresas de muito baixa produtividade
(muitas vezes conhecidas como empresas zombies). Por exemplo, em 2014, quase
metade do crédito total estava empenhado neste tipo de empresas.
Mas
regressemos a 2019. Neste momento, o problema não é o da qualidade do
investimento, mas sim o nível do mesmo. Esse é, provavelmente, o principal
obstáculo que temos ao crescimento. Precisamos de mais investimento. Mas, para
o financiar, precisamos de mais poupança.
Nas
aulas de Economia Monetária Internacional, explicamos que essa poupança pode
ser interna ou externa. Ou seja, é possível financiar o investimento à custa de
défices externos. Foi o que fizemos na primeira década deste século.
Infelizmente, essa via está esgotada: a nossa dívida externa já está próxima do
insustentável, pelo que precisamos é de a reduzir.
Na
minha opinião, as baixas taxas de poupança são uma das principais restrições ao
crescimento económico em Portugal. Numa economia perto do pleno emprego, como
a nossa, dificilmente há crescimento sem investimento e este é impossível sem
poupança. E se, na Europa, a taxa de poupança das famílias é superior a 10%, em
Portugal a taxa de poupança das famílias anda entre os 4 e os 5% (dados do
Eurostat). A poupança das empresas é, naturalmente, maior (cerca de 12.5% do
PIB), mas ainda insuficiente. Com este nível de poupança, percebe-se a
dificuldade em aumentar o investimento.
Daí
que aumentar a poupança deva ser um desígnio nacional. Bem sei que se costuma dizer que, com taxas de juro
tão baixas, não há incentivos a poupar. Mas, na verdade, essa associação entre
taxas de juro e taxas de poupança não é assim tão óbvia. Basta ver, por
exemplo, que a taxa de poupança das famílias alemãs anda nos 18% e as taxas de
juro são tão baixas lá como cá.
Também
se argumenta que, com os nossos baixos rendimentos, é difícil poupar mais.
Compreendo, naturalmente, este argumento, mas países como a Eslovénia, Hungria,
Republica Checa não são mais ricos do que nós e têm taxas de poupança bastante
superiores às nossas. É verdade que, nos últimos anos, todos ouvimos o
argumento de que Portugal tinha crescido graças à recuperação de rendimentos,
que teria estimulado o consumo e, por essa via, o crescimento.
Independentemente de eu disputar essa narrativa, mesmo quem nela acredita
concordará que essa forma de crescer se esgotou.
As
projecções do Conselho de Finanças Públicas são um banho de realidade (apesar
de se tratar apenas de previsões) que nos obriga a repensar a estratégia de
crescimento. Face à necessidade de baixar o endividamento externo,
o crescimento terá de vir, preferencialmente, pelas exportações e por um
aumento da produtividade. Nada disso parece possível, pelo menos
sustentadamente, sem um aumento estrutural do investimento e da poupança
interna. Infelizmente, não há uma forma fácil de o fazer. Voltarei a este assunto num próximo artigo.
Professor da Escola de Economia e Gestão da Universidade do Minho
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