Acabo de ler, na revista E
o texto de Miguel de Sousa Tavares
sobre o mistério da criação romanesca no que concerne a “angústia da página em branco”, e a forma como, dez anos depois de
preparativos e leituras para o seu romance “EQUADOR”, se libertou dos seus compromissos laborais para se
concentrar exclusivamente na escrita da obra que se tornaria “best-seller”, que com muito interesse li
também, na altura, sentindo quanto, nobremente, aquele não ostracizava
totalmente a sociedade ultramarina, como era comum na época, por cá, e, pelo
contrário, soubera imprimir, ao enredo criado, um ambiente natural e social de
uma elegância e beleza que já admiráramos no filme “África Minha”, na intensidade das paixões e na beleza das paisagens
- os condicionalismos de exploração esclavagista do povo de São Tomé, tratados
sem a iracúndia acusatória que os metropolitanos distribuíam então pelo povo
retornado de África.
Mas o tema que ele trata no
seu texto – a angústia da página em
branco - levou-me, por vias sinuosas, a Agatha Christie que sinto
gosto em referir: travei há tempos relações com uma moça alemã, Sabine, que já
correra um mundo de aventura, entre a Europa e a América, nomeadamente as
Caraíbas e o Canadá, a qual, por motivos da sua vida complicada, vai voltar
para a Alemanha, para um novo emprego, e, como não quer perder a casa cá,
entregou-me três vasos de plantas, entre as quais um hibisco.
Ao ouvir falar de hibisco, recordei imediatamente um livro
de Agatha Christie – “Le Major parlait trop”, tradução
francesa de “THE CARIBBEAN MYSTERY” – onde,
no retrato que o tal major pretende mostrar à sagaz miss Marple, aparece, ao lado de gracioso hibisco, a figura do pretenso assassino das histórias
que o tagarela lhe está contando, mas que logo tenta guardar de novo no seu
bolso, ao avistar, com olho estrábico, qualquer coisa que nitidamente o
desconcerta e assusta. É claro que o major será a primeira vítima do tal
assassino do retrato e do hotel nas Caraíbas onde Miss Marple curte umas férias
proporcionadas por um seu sobrinho e admirador. É claro que Miss Marple desvendará
a autoria desse crime e do seguinte que o criminoso se propõe cometer, na
pessoa da sua própria mulher jovem, como o fizera com as outras duas de
casamentos anteriores que o tal major referira a Miss Marple, na sua tagarelice
de militar viajado e também de férias. Todo um mundo de peripécias que as
inteligentes lucubrações e deduções de Miss Marple saberá interligar, baseadas
na sua percepção da natureza humana, de semelhança eterna, quer se trate das
gentes da sua aldeia inglesa St. Mary Mead, quer de qualquer outra parte do
mundo.
Sim, os livros de Agatha Christie são fabulosos de engenho
labiríntico num contínuo suspense de mistério e argúcia reflexiva gradual,
tantas vezes aterradores os casos e os protagonistas do crime, castigados no seu
desfecho, como recomendam as leis do equilíbrio ético.
Foi, de facto, o hibisco, que a Sabine me deu a conhecer e
a guardar, que me trouxe à lembrança o livro onde conheci o nome dessa planta,
ligada, para mim, a um fascinante mundo tenebroso, de extraordinária alquimia
de leitura e magia, no suspense da sua intriga e do seu mistério.
Mas foi também a expressão “angústia da página em branco” de MST que me levou à novelista policial
inglesa. Não, não creio que esta alguma vez sentisse esse desejo de valorizar a
sua escrita. Esta era-lhe natural, na sua criatividade inesgotável e
despretensiosa, criadora de personagens vivas e sui generis, como as de acção detectivesca, Poirot, Tuppence, Miss Marple, infiltradas num mundo de enredo romanesco,
a que não faltou a especificidade do temperamento psicológico relevante das
personagens da acção, que soube recriar.
As «agonias das páginas em branco» servem, aos nossos escritores, por
cá, para desenharem um pouco o seu próprio perfil, em termos da posteridade que
apetecem. Agatha Christie não precisou
disso para se promover. Universalmente.
Nenhum comentário:
Postar um comentário