Tal como as “Viagens na minha Terra” que começam por justificar-se com o livro
de Xavier de Maistre, o tema dos textos que transcrevo – à roda de evolução –
bem podia servir-se do mesmo pretexto, de viajar no quarto ou na nossa
terra, para partir para outras vias, semânticas que sejam, ou políticas, das
que por cá ou pelo mundo se passam.
Assim, é de semântica que trata o curioso
tema do passo que Salles da Fonseca transcreve, de Amos Oz, em autobiografia onde este assinala a preocupação de um seu
tio, sábio judeu, e o rigor de precisão que este punha nas suas explicações
linguísticas. Faz lembrar a palavra “ministro”,
inicialmente significando “servidor” e que nos tempos de hoje, constitui lugar
meritório que, se alguma relação tem com o sentido primitivo, esse é o de servir
bastante bem os detentores do cargo.
Um caso, pois, de aristocratização, tal
como o citado “messias”, que de pomada, em judaico, passa a “Ungido” ou
Redentor”, especificamente aplicado a Cristo, para o “gentio” cristianizado..
Mas também é de evolução – neste caso
política – que trata o segundo texto, de Ana Sá Lopes, sobre a
evolução do BE, que da
extrema-esquerda passa a uma espécie de social-democracia, com objectivos
ocultos de se pendurar na governação, embora haja quem conteste isso, e dou a
palavra aos seus comentadores. O próprio Vasco Pulido Valente, no seu “Diário” também o dá
a entender, e por isso o acrescento aqui, para que a “viagem” seja de maior
recreio. Mas figuração por figuração, para não ser pedante, adopto antes o
paralelo com “Rock around the clock”,
definitivamente mais concordante com esta constância de agitação e barulho em
que vivemos, a viagem no quarto ou na terra - esta em lento navegar ou em passo
de mulinha - sendo demasiado brando, no rodopio destas andanças, com semântica
ou sem ela.
I - A POMADA
HENRIQUE SALLES DA FONSECA
A
BEM DA NAÇÃO02.03.19
Diz
o tio ao sobrinho:
- Faz-me o favor de perguntar à
tia onde está a pomada para a pele, o meu creme para o rosto. Diz-lhe, por
favor, que é o antigo porque o novo não presta para nada. E saberás tu, por
acaso, a enorme diferença que existe entre «O Redentor» na língua dos
góis e o nosso «messias»? Para nós, messias é apenas alguém que foi
ungido com óleo: todos os sacerdotes e reis da Bíblia são messias e em
hebraico a palavra «messias» é uma palavra totalmente prosaica e de todos os
dias, muito próxima da palavra «pomada» - ao contrário das línguas dos
gentios nas quais «messias» é chamado «O Redentor» e «O Salvador».
O
tio era Yosef Klausner (1874-1958) - professor de História e Literatura na Universidade de Jerusalém, foi
candidato (derrotado a favor de Chaim Weizmann) à presidência de Israel nas
primeiras eleições pós-independência, principal redactor da Enciclopédia Hebraica.
O
sobrinho era o escritor Amos Oz (1939-2018)
de cuja autobiografia romanceada «Uma história de amor e trevas», transcrevi o
breve trecho [1] acima.
II- EDITORIAL: 20
anos de Bloco: da extrema-esquerda à social-democracia
Ao dizer numa entrevista que a expressão
“extrema-esquerda até poderia ser ofensiva”, Catarina Martins quebrou um tabu
de um partido que, da primeira vez que chegou ao Parlamento, insistiu em
sentar-se à esquerda do PCP.
ANA SÁ LOPES 1 de Março de 2019
Uma
das mudanças mais interessantes que aconteceram no quadro político
português nestes últimos 20 anos foi como
dois partidos que acreditavam na revolução popular e um outro que juntava
alguns ex-militantes do PCP acabaram a produzir um partido social-democrata,
reformista, que já não acredita na revolução como ela era entendida pelos seus
pais fundadores, à época da criação do partido.
O
Partido Socialista Revolucionário, PSR, oriundo da LCI (Liga Comunista
Internacionalista), na época dirigido por Francisco Louçã, juntou-se à UDP
liderada por Luís Fazenda - União Democrática Popular, um partido
revolucionário que teve algum impacto nos primeiros anos da democracia - e à
Política XXI de Miguel Portas e fizeram o partido que se transformou em algo
que os três abjurariam na juventude.
O
primeiro fundador a perceber que o Bloco de Esquerda estava destinado a ser um
partido social-democrata, a ocupar um espaço às vezes deixado vago pelo PS, mas
que deveria trabalhar perto do PS, que defendeu essa linha, foi Miguel Portas,
que não viveu o suficiente para ver os resultados.
Ao
dizer numa entrevista recente que a expressão “extrema-esquerda até poderia ser
ofensiva”, Catarina Martins quebrou um tabu de um partido que, da primeira vez
que chegou ao Parlamento, insistiu em sentar-se à esquerda do PCP, precisamente
no extremo esquerdo do hemiciclo.
Na
época havia uma revolução para fazer – agora, e deixemos de lado o peso
simbólico da retórica, o que o Bloco quer fazer são reformas à boa maneira
social-democrata, a tendência que modelou os partidos socialistas europeus
(embora actualmente alguns hoje não sejam reconhecíveis) no século XX.
Alguma
direita não percebe isto, ou não quer perceber, porque lhe dá jeito colar o
Bloco ao “estalinismo” e à extinção da democracia. O PCP percebe bem demais. O
Bloco não pode falar sobre o assunto: a palavra social-democracia está
demasiado colada ao PSD, o partido que em Portugal se chama “social-democrata”,
embora seja o PS a pertencer à Internacional Socialista.
A
expressão “social-democratizante” foi sempre o ataque que o PCP fez ao Bloco,
assim como sempre foi um argumento de todas as tendências minoritárias que são
contra a actual direcção – e de muitos dos militantes que abandonaram o
partido. É de certa maneira, a expressão tabu dentro do BE, que não pode dizer
aquilo que realmente é, sob pena de um tsunami. As questões de identidade partidária sempre foram um
mau karma - em quase todos os partidos, na realidade.
Comentários:
José Manuel Martins, Évora: Um pouco
mais de perspectiva, e poderíamos enterrar definitivamente essa deriva do
hegelianismo de esquerda (mais o mito oitocentista do sistema e da ciência) que
deu pelo nome de marxismo-leninismo, hoje reduzido a uma pós-bolsa de
pós-intelectuais patéticos. Na verdade, a revolução sempre foi uma barata tonta
perdida na história, e a única indicação demonstrativamente segura que soube
dar foi o seu próprio repetido óbito: a trajectória exemplar e eloquente do
bloco apenas repete o estoiro do bolchevismo, a descolonização do império
soviético, a capitalização do pc chinês e a consagração do fim-da-história: o
'desencadeamento das forças produtivas' faz-se do socialismo para o
capitalismo, não o contrário. Não há 'esquerda', apenas capitalismo, mas tudo
isso já se sabia em 1900. Boa noite.
Não
percebo o que tem de espantoso q o portas tivesse descongestionado o cérebro:
muito antes de ele 'militar' já lhe poderiam ter dito (à direita) q corria
atrás de bolinhas de sabão, daquelas que por vezes sangram (nunca se sabe de
que paris nos surge um pol pot). De maneira que essa 'grandeza' de idiotas que
deixaram vagamente de o ser, só mesmo 'à esquerda' se poderia festejar, e não
sei se a ilusão não será apesar de tudo menos patética que a desilusão, duas
variantes da estupidez a correr atrás de miragens. De resto, ASL sabe
perfeitamente do que fala: na verdade, este artigo está a autobiografar a sua
própria deriva tardia. Quem a leu e quem a lê. Mas preferia a genica crítica de
outrora, q envergonha esta recém-conquistada aquietação numa espécie de profissionalismo
da moderação.
A. Martins, Almada 01.03.2019:
Em 20 anos de Bloco é a primeira vez que
vejo alguém apelidá-los de sociais-democratas. Nem os Estalinistas mais
ferrenhos ousam classificar como tal um partido que quer: Nacionalizar a Banca;
nacionalizar as companhias de Seguros; nacionalizar os CTT; destruir ou retirar
apoios às empresas privadas de saúde; retirar apoios aos colégios e Escolas
privadas (já aconteceu) ; Quer que o país saia da Nato; é eurocéptico e
participa nos comicios dos eurocépticos (Melanchon e quejandos); Faz comicios
nos acampamentos da juventude a dizer que a "propriedade é roubo"
(Mortagua); Apoia os ditadores como o Maduro, e outros; etc. etc. O BE é um
partido comunista/marxista encapotado sob o nome de "esquerda" que,
se um dia for poder, conduzirá o país à miséria, tal como fez o Hugo Chavez na
Venezuela.
A NON DOMINO: Terra 01.03.2019:
A direita percebe muito bem o Bloco: o
partido do Estalinismo é o PCP, já o BE é uma mistura de partido albanês,
maoísta e outras correntes radicais marxistas-leninistas com tendências para a
alucinação, que cavalga qualquer onda de activismo "progressista"
para se manter nos telejornais. Se há uma tendência para a social democracia é
na atracção pelo emprego político que a liderança do BE tanto almeja. Não há
dúvidas que o BE quer muito chegar-se ao Governo para invadir o Estado com os
seus quadros, muitos em situação precária após anos a viver de sucessivas
bolsas para mestrados, Docs e Pós-Docs sobre assuntos inúteis em
"faculdades de teologia" do BE (CES de Coimbra, ISCTE, etc.). Tal como
o PS está a fazer actualmente.
III - OPINIÃO: Diário
António
Guterres e Marcelo Rebelo de Sousa são "dois produtos da Igreja Católica,
que sempre se deliciaram a exibir as suas belas almas, nunca conseguiram
aceitar verdadeiras responsabilidades. São ornamentos", escreve VASCO
PULIDO VALENTE.
PÚBLICO,2 de Março de 2019
24 de Fevereiro
Um
documentário da RTP atesta que Ana Gomes é tão idolatrada numa parte qualquer
da Etiópia que as mãezinhas do sítio chamam às suas filhinhas Ana e Anagomes.
Gostava de saber por que razão a nossa querida inquisidora não emigra para a
Etiópia.
25 de Fevereiro
António
Guterres continua preocupado e “alarmado”, agora com o “populismo”. Quem se
lembra do governo dele, e já lá vão mais de vinte anos, também se lembra das crises
semanais por causa do primeiro-ministro não ser capaz de se decidir sobre coisa
alguma. Hoje, na ONU, basta-lhe ter estados de alma. Como, de resto,
o seu grande amigo, Marcelo Rebelo de Sousa, que da eminência de Belém
comenta diariamente a vida política portuguesa. Estes dois produtos da
Igreja Católica, que sempre se deliciaram a exibir as suas belas almas, nunca
conseguiram aceitar verdadeiras responsabilidades. São ornamentos.
26 de Fevereiro
O
governo não quer reconhecer a dívida do Estado aos professores de nove anos,
quatro meses e dois dias de serviço. A “oposição”, do Bloco ao CDS,
uniu-se para recomendar ao governo negociações, sabendo que a única concessão
possível era o “escalonamento”, ou seja, ir pagando a pouco e pouco, em
2020, 2021 e por aí fora. António Costa espera continuar a ser
primeiro-ministro nos próximos quatro anos e faz tudo para não se arranjar
dificuldades no futuro. A oposição, que não espera governar nos próximos quatro
anos, pode empenhar o Estado à sua vontade.
Esta
confissão antecipada de impotência e derrota não se esperava tão cedo e tão
claramente.
27 de Fevereiro
Nixon
caiu por causa da investigação judicial que ficou conhecida por Watergate. O partido democrático tentou inventar contra
Reagan um novo Watergate, o Irangate. Mas não pegou. Os republicanos
quiseram remover Clinton a pretexto de um negócio imobiliário, o Whitewater, e
de Monica Lewinsky. E quase conseguiram. Os republicanos, principalmente
Trump, levantaram dúvidas sobre a nacionalidade de Obama. Ultimamente,
os democratas julgam que se vão desembaraçar de Trump com uma nova investigação
judicial, a de Mueller.
Isto
é ilógico. Trump talvez possa ser destituído. Mas o eleitorado dele não é
destituível. A elite americana não viu que Trump podia chegar ao poder. Na
véspera da eleição ainda se ria dele. Depois chorou. E agora vem
entusiasticamente desculpar-se, descobrindo no homem as maiores perversidades
da história.
O
espectáculo do depoimento de Michael Cohen ao Congresso,
como a CNN o apresentou, foi um drama romântico. Michael Cohen teve o papel
do traidor arrependido. O presidente da comissão de inquérito teve o do juiz
bondoso. Os republicanos e os democratas agatanharam-se, mas com lágrimas e
suspiros, declarações de culpa e de amizade eterna, e com a invocação chorosa
dos antepassados e dos filhos. Ninguém se conseguiu portar com alguma
sobriedade clássica, a que antigamente se chamava dignidade.
Compreende-se: no novo
mundo global toda a gente ama, ou deve amar, toda a gente.
28 de Fevereiro
Há
20 anos, meia dúzia de jovens da classe média, que não tinham qualquer ligação
à sociedade portuguesa, e só tinham em comum o sentimento da sua derrota
política e uma mistura de lugares comuns a que eles chamavam
marxismo-leninismo, resolveu fundar
um novo partido, o Bloco de Esquerda.
Sem
perceber, e ainda hoje não percebem, limitavam-se a reinventar mais uma vez o
radicalismo urbano. Não tinham, e não têm, um verdadeiro destino. Balançam, e
hão-de balançar, entre o seu amor pela igualdade e o seu amor pela ascensão
social. É uma maldição histórica.
1 de Março
Guaidó
diz que volta à Venezuela segunda-feira. É um homem de coragem. Ainda o matam.
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