quarta-feira, 13 de março de 2019

A História que nunca aprenderemos



Não se trata do discurso que Emmanuel Macron mandou distribuir pelos parceiros europeus, defendendo a sua causa, como meio de continuar um projecto europeu de interajuda e reforço numa relação unionista que atravessa uma crise de nacionalismos separatistas, de que o RU é o primeiro a quebrar as amarras. Eu mal entendo do que comenta Rui Tavares a respeito da carta que Macron mandou distribuir pelos parceiros europeus, e desse modo escrevendo torto por linhas direitas, só porque defende a causa liberal, na organização unionista por que ele generosamente sempre lutou. Os comentadores de RT vão explicando e esclarecendo melhor a sua leitura. Quanto a mim, o que me prendeu na lição de História de RT, foi a referência às cidades holandesas, dos tempos de Erasmo, e o conceito de erradicar a pobreza permitindo a todos trabalharem pelo bem comum em função do bem nacional.” Penso que o que está por trás da referência do historiador Rui Tavares a essas políticas dos povos nórdicos, baseadas em coesão, respeito humano e inteligência, é um pensamento de regionalização que a esquerda defende por cá, mas deixo aos comentadores as alfinetadas ou as concordâncias com os seus dizeres. A mim, o que me deslumbrou mesmo foram os ditames humanistas que os povos nórdicos há muito seguem, melhor do que os do sul.

OPINIÃO: Macron escreve errado por linhas direitas
A maneira de resolver os nossos problemas é alargar a redistribuição e a concessão de bens públicos à escala europeia.
RUI TAVARES              PÚBLICO, 8 de Março de 2019
Ao contrário do que é por vezes erroneamente repetido, o primeiro estado social não é a nação, mas sim o concelho ou o município do Renascimento. Foi por esta altura que cidades holandesas e flamengas como Leiden ou Antuérpia começaram a experimentar dar aos seus pobres subsídios não-caritativos que lhes permitiam recuperar a dignidade, sair da miséria e reencontrar a capacidade de trabalho.
Estas cidades tinham dinheiro suficiente para o fazer, mas descobriram que reunir recursos para este esforço de erradicação da pobreza acabava por ser benéfico para toda a economia e a sociedade locais. Em vez de esmolas, essas comunidades estabeleciam conselhos que geriam dinheiro público para ajudar os pobres e, na prática, erradicar a miséria à escala local.
Isto significa que, em vez de cederem ao receio egoísta de que uns vivessem à conta dos outros, os citadinos flamengos e holandeses do Renascimento perceberam que o estabelecimento de uma rede de segurança permitia a todos trabalharem pelo bem comum, aumentando assim a coesão das suas comunidades. E atenção: não era só nos Países Baixos que estas ideias corriam.
Pela mesma época o humanista ibérico Juan Luís Vives escrevia, no ano de 1526, uma obra sobre a erradicação da pobreza através da atribuição de subsídios de sobrevivência a que deu o título latino De Subventione Pauperum ou, em castelhano, Tratado del Socorro de Pobres.
Passado pouco tempo, porém, houve uma consequência involuntária. A implementação destas medidas atraía os pobres das cidades vizinhas, de modo que Erasmo de Roterdão chega a inventar, numa das suas Conversas Familiares (Colloquia familiaria, de 1518), um diálogo entre dois pobres que se queixavam de entraves à liberdade de circulação “porque agora cada cidade quer manter só os seus pobres e não receber os das outras”.
Ou seja: descobriu-se ali a ligação entre redistribuição e migração. Se as pessoas migram à procura de melhor vida, há dois tipos de resposta: uma que funciona (alargar a redistribuição) e outra que não funciona (limitar a liberdade de circulação).
A prazo tornou-se claro que a solução para as migrações de pobres entre cidades neerlandesas não estava em introduzir passaportes para impedir as pessoas de andar de cidade para cidade — o que acabaria por prejudicar a vida de todos e fragmentar a economia regional — mas em alargar a concessão de bens públicos, criando assim um novo círculo mais amplo de coesão social. Passados vários séculos, as políticas de apoio e bem-estar social cresceram finalmente de forma sistemática à escala do estado-nação.
E aqui chegamos à carta que o presidente francês Emmanuel Macron enviou a 500 milhões de cidadãos europeus, publicada em jornais de todos os 28 países da UE. Não é todos os dias que um gesto destes acontece, e não é natural que o deixemos passar sem debate.
Macron acerta numa coisa grande — a escala europeiae falha, do meu ponto de vista, nas restantes coisas — ou seja, o que fazer com a escala. Ao invés de “escrever direito por linhas tortas”, Macron acaba por escrever torto por linhas direitas.
Em que acerta Macron? Nisto: a escala dos problemas não é opcional. Se nos desfizermos da União Europeia, os problemas que temos à escala continental e global não ficam mais pequenos só porque decidimos que agora só trabalhamos à escala nacional.
Nem a crise ecológica passa a respeitar fronteiras, nem os paraísos fiscais desaparecem, nem os países deixam de pedir dinheiro emprestado uns aos outros e a instituições internacionais. O mais provável é que acabássemos a ter de reconstruir uma espécie de União Europeia, perdendo tempo precioso de que nesta fase da história não dispomos.
Em que falha Macron? Falha porque ainda não percebeu o falhanço do neoliberalismo. Isto, é claro, é matéria de opinião minha, com que o leitor não tem de concordar. Mas que aponta para uma realidade política: numa leitura desapaixonada, a União Europeia é apenas um terreno de jogo político. Se a direita, os neoliberais e até os neofascistas jogarem nele, mas a esquerda decidir num capricho deixar de ir a jogo, é natural que o resultado saia desequilibrado. E isso é mau para todos, porque a descoberta da Geração de Erasmus (a de 1500) continua a valer para a Geração Erasmus (a de agora): a maneira de resolver os nossos problemas é alargar a redistribuição e a concessão de bens públicos à escala europeia.  (O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico)

COMENTÁRIOS
Gnôthi SautónEuropa, Paz e Democracia 09.03.2019 : O texto de Macron foi publicado em todos os países da União Europeia. Mas não no Público, aparentemente. Acabo de o descobrir agora via Internet. Muito muito resumidamente, a crítica de Rui Tavares cinge-se ao facto de que Macron não quererá "alargar a redistribuição e a concessão de bens públicos à escala europeia". Tal não consta nem se vislumbra no texto de Macron, muito pelo contrário. Tudo o que é europeu, ou aceite pela "Europa" é acarinhado e bem-vindo. O óbice reside no que, pessoas ou "coisas", vindos de fora, não são por ela aceites. E aí, meu(s) menino(s) [Peço-lhe desculpa, a si, Sr. Professor Tavares, pela ligeireza do tratamento], aí pergunto: o que fazer? É da política, que não é a santidade absoluta. E Macron é um político. Já Pascal dizia: Quem se faz de anjo, faz-se de burro.
nelsonfari, Portela-Loures 09.03.2019: Vou reescrever o comentário censurado: a França considera ter-se dedicado excessivamente ao eixo franco-alemão. Vai, doravante, reassumir com maior empenho a sua acção geopolítica. A Alemanha tem grandes problemas ligados ao atraso tecnológico e ao descrédito em que caiu a sua indústria automóvel, com a agravante de partir em desvantagem na transição ecológica na adopção de viaturas eléctricas. A situação está a mudar. Macron não perdoa a circunstância de Berlim ter ignorado e menosprezado as suas propostas de aprofundamento dos mecanismos de convergência, imediatamente após a sua eleição nas presidenciais de França. Os dias em Berlim são difíceis: a economia esteve à beira da recessão técnica em finais de 2018.
Apenso mais alguns apontamentos: a China neste momento é o corrente natural da Alemanha, está no mesmo nível tecnológico de Berlim. Mas a Oriente produz-se o mesmo mas mais barato, apesar da desvalorização interna encetada por Schoreder/Merkel desde 2000. E a China está em fase de crescimento de um dígito - já passou o tempo de last comer, fast grower. Daí a posição de Macron querer afastar o abraço de urso de Berlim. A Macron não lhe interessa ficar atrelado a um comboio que muito proximamente só terá um maquinista. E este Jornal não ganha nada com este puritanismo de moderadores com problemas com o pluralismo de opiniões.
Tiago Pereira, 08.03.2019: Viva ao neoliberalismo!
MTeixeira, 08.03.2019: O Neoliberalismo falha? Então qual o percurso? O mesmo percurso da Venezuela e Coreia do Norte? Ou temos que escolher um caminho que nos faça divergir, cada vez mais, dos restantes países da UE, que é o que acontece, desde 1995, após anos que em que predominou a governação socialista?
Lopes Martins Lopes Martins, 08.03.2019: Tenho a ideia de que a esquerda é quem mais se opõe ao neoliberalismo, e sendo assim é quem mais tem sido prejudicada com isso. Quando começa a haver falhas nos regimes mais próximos do neoliberalismo, o que vemos é uma volta do eleitorado à direita e não à esquerda. Os eleitorados dos países europeus mais desenvolvidos são mais de direita e neoliberais do que os países economicamente mais débeis. Os recursos são uma preocupação das populações, o que as arrasta para a direita e não para a esquerda. Acho que este seria um bom ponto para se reflectir e tentar perceber se o neoliberalismo tem mais futuro do que a esquerda.
Alforreca Passista, Anti-liberal fascistas08.03.2019:  E que tal parar de mentir? Não foi neoliberalismo que criou sociedades mais igualitárias da Escandinávia!
Qualquer coisa, Far away 10.03.2019: @Alforreca: Jesus homem! Mentir? Uma opinião só é mentira em certos tipos de sociedades. O Lopes até escreveu que tem a ideia, reforçando a ideia que está a esgrimir ideias. Mas tenho tristes novidades para o seu pequeno mundo: A Escandinávia é neo-liberal segundo o seu cânone! Olhe para a Dinamarca e a Maersk, para a Suécia e para a Volvo (vendida ao capital chinês), e olhe para o fundo soberano norueguês a investir no mercado. Falarei sobre a Nokia na Finlândia? O que tenho a certeza é que a Venezuela não foi criada pelo neoliberalismo da Alforreca ;)


Nenhum comentário: