Não se trata do discurso que Emmanuel
Macron mandou distribuir pelos parceiros europeus, defendendo a sua causa, como
meio de continuar um projecto europeu de interajuda e reforço numa relação
unionista que atravessa uma crise de nacionalismos separatistas, de que o RU é
o primeiro a quebrar as amarras. Eu mal entendo do que comenta Rui Tavares a
respeito da carta que Macron mandou distribuir pelos parceiros europeus, e
desse modo escrevendo torto por linhas
direitas, só porque defende a causa liberal, na organização unionista por
que ele generosamente sempre lutou. Os comentadores de RT vão explicando e esclarecendo
melhor a sua leitura. Quanto a mim, o que me prendeu na lição de História de
RT, foi a referência às cidades holandesas, dos tempos de Erasmo, e o
conceito de erradicar a pobreza permitindo a todos trabalharem pelo bem comum
em função do bem nacional.” Penso que o que está por trás da referência do
historiador Rui Tavares a essas
políticas dos povos nórdicos, baseadas em coesão, respeito humano e
inteligência, é um pensamento de regionalização que a esquerda defende por cá,
mas deixo aos comentadores as alfinetadas ou as concordâncias com os seus
dizeres. A mim, o que me deslumbrou mesmo foram os ditames humanistas que os
povos nórdicos há muito seguem, melhor do que os do sul.
OPINIÃO: Macron
escreve errado por linhas direitas
A maneira de resolver os nossos
problemas é alargar a redistribuição e a concessão de bens públicos à escala
europeia.
RUI TAVARES PÚBLICO, 8 de Março de 2019
Ao
contrário do que é por vezes erroneamente repetido, o primeiro estado social
não é a nação, mas sim o concelho ou o município do Renascimento. Foi
por esta altura que cidades holandesas e flamengas como Leiden ou Antuérpia
começaram a experimentar dar aos seus pobres subsídios não-caritativos que lhes
permitiam recuperar a dignidade, sair da miséria e reencontrar a capacidade de
trabalho.
Estas
cidades tinham dinheiro suficiente para o fazer, mas descobriram que reunir
recursos para este esforço de erradicação da pobreza acabava por ser benéfico
para toda a economia e a sociedade locais. Em vez de esmolas, essas comunidades
estabeleciam conselhos que geriam dinheiro público para ajudar os pobres e, na
prática, erradicar a miséria à escala local.
Isto
significa que, em vez de cederem ao receio egoísta de que uns vivessem à conta
dos outros, os citadinos flamengos e holandeses do Renascimento perceberam que
o estabelecimento de uma rede de segurança permitia a todos trabalharem pelo
bem comum, aumentando assim a coesão das suas comunidades. E atenção: não era
só nos Países Baixos que estas ideias corriam.
Pela
mesma época o humanista ibérico Juan Luís Vives escrevia, no ano de 1526,
uma obra sobre a erradicação da pobreza através da atribuição de subsídios de
sobrevivência a que deu o título latino De
Subventione Pauperum ou, em castelhano, Tratado del Socorro
de Pobres.
Passado
pouco tempo, porém, houve uma consequência involuntária. A implementação
destas medidas atraía os pobres das cidades vizinhas, de modo que Erasmo de
Roterdão chega a inventar, numa das suas Conversas Familiares (Colloquia familiaria,
de 1518), um diálogo entre dois pobres que se queixavam de entraves à liberdade
de circulação “porque agora cada cidade quer manter só os seus pobres e não
receber os das outras”.
Ou
seja: descobriu-se ali a ligação entre redistribuição e migração. Se as pessoas migram à procura de melhor vida, há
dois tipos de resposta: uma que funciona (alargar a redistribuição) e outra que
não funciona (limitar a liberdade de circulação).
A
prazo tornou-se claro que a solução para as migrações de pobres entre cidades
neerlandesas não estava em introduzir passaportes para impedir as pessoas de
andar de cidade para cidade — o que acabaria por prejudicar a vida de todos e
fragmentar a economia regional — mas em alargar a concessão de bens
públicos, criando assim um novo círculo mais amplo de coesão social. Passados
vários séculos, as políticas de apoio e bem-estar social cresceram finalmente
de forma sistemática à escala do estado-nação.
E
aqui chegamos à carta que o presidente francês Emmanuel Macron enviou a 500
milhões de cidadãos europeus, publicada em jornais de todos os 28 países da UE.
Não é todos os dias que um gesto destes acontece, e não é natural que o
deixemos passar sem debate.
Macron
acerta numa coisa grande — a escala europeia — e falha, do meu ponto de vista, nas restantes
coisas — ou seja, o que fazer com a escala. Ao invés de “escrever direito
por linhas tortas”, Macron acaba por escrever torto por linhas direitas.
Em que acerta Macron? Nisto: a
escala dos problemas não é opcional. Se nos desfizermos da União Europeia, os
problemas que temos à escala continental e global não ficam mais pequenos só
porque decidimos que agora só trabalhamos à escala nacional.
Nem
a crise ecológica passa a respeitar fronteiras, nem os paraísos fiscais
desaparecem, nem os países deixam de pedir dinheiro emprestado uns aos outros e
a instituições internacionais. O mais provável é que acabássemos a ter de
reconstruir uma espécie de União Europeia, perdendo tempo precioso de que nesta
fase da história não dispomos.
Em que falha Macron? Falha
porque ainda não percebeu o falhanço do neoliberalismo. Isto, é claro, é
matéria de opinião minha, com que o leitor não tem de concordar. Mas que aponta
para uma realidade política: numa leitura desapaixonada, a União Europeia é
apenas um terreno de jogo político. Se a direita, os neoliberais e até
os neofascistas jogarem nele, mas a esquerda decidir num capricho deixar de ir
a jogo, é natural que o resultado saia desequilibrado. E isso é mau para todos,
porque a descoberta da Geração de Erasmus (a de 1500) continua a valer para a
Geração Erasmus (a de agora): a maneira de resolver os nossos problemas é
alargar a redistribuição e a concessão de bens públicos à escala europeia. (O autor
escreve segundo o novo acordo ortográfico)
COMENTÁRIOS
Gnôthi SautónEuropa, Paz e Democracia 09.03.2019 : O texto de Macron foi publicado em todos os países da
União Europeia. Mas não no Público, aparentemente. Acabo de o descobrir agora
via Internet. Muito muito resumidamente, a crítica de Rui Tavares cinge-se ao
facto de que Macron não quererá "alargar a redistribuição e a concessão
de bens públicos à escala europeia". Tal não consta nem se
vislumbra no texto de Macron, muito pelo contrário. Tudo o que é europeu, ou
aceite pela "Europa" é acarinhado e bem-vindo. O óbice reside no que,
pessoas ou "coisas", vindos de fora, não são por ela aceites. E
aí, meu(s) menino(s) [Peço-lhe desculpa, a si, Sr. Professor Tavares, pela
ligeireza do tratamento], aí pergunto: o que fazer? É da política, que não é a
santidade absoluta. E Macron é um político. Já Pascal dizia: Quem se faz de anjo,
faz-se de burro.
nelsonfari, Portela-Loures 09.03.2019:
Vou reescrever o comentário censurado: a
França considera ter-se dedicado excessivamente ao eixo franco-alemão. Vai,
doravante, reassumir com maior empenho a sua acção geopolítica. A Alemanha tem
grandes problemas ligados ao atraso tecnológico e ao descrédito em que caiu a
sua indústria automóvel, com a agravante de partir em desvantagem na transição
ecológica na adopção de viaturas eléctricas. A situação está a mudar. Macron
não perdoa a circunstância de Berlim ter ignorado e menosprezado as suas
propostas de aprofundamento dos mecanismos de convergência, imediatamente após
a sua eleição nas presidenciais de França. Os dias em Berlim são difíceis: a
economia esteve à beira da recessão técnica em finais de 2018.
Apenso
mais alguns apontamentos: a China neste momento é o corrente natural da Alemanha,
está no mesmo nível tecnológico de Berlim. Mas a Oriente produz-se o mesmo mas
mais barato, apesar da desvalorização interna encetada por Schoreder/Merkel
desde 2000. E a China está em fase de crescimento de um dígito - já passou o
tempo de last comer, fast grower. Daí a posição de Macron querer afastar o
abraço de urso de Berlim. A Macron não lhe interessa ficar atrelado a um
comboio que muito proximamente só terá um maquinista. E este Jornal não ganha
nada com este puritanismo de moderadores com problemas com o pluralismo de
opiniões.
Tiago Pereira, 08.03.2019: Viva ao neoliberalismo!
MTeixeira, 08.03.2019: O Neoliberalismo falha? Então qual o
percurso? O mesmo percurso da Venezuela e Coreia do Norte? Ou temos que
escolher um caminho que nos faça divergir, cada vez mais, dos restantes países
da UE, que é o que acontece, desde 1995, após anos que em que predominou a
governação socialista?
Lopes
Martins Lopes Martins, 08.03.2019:
Tenho a ideia de que a
esquerda é quem mais se opõe ao neoliberalismo, e sendo assim é quem mais tem
sido prejudicada com isso. Quando começa a haver falhas nos regimes mais
próximos do neoliberalismo, o que vemos é uma volta do eleitorado à direita e
não à esquerda. Os eleitorados dos países europeus mais desenvolvidos são
mais de direita e neoliberais do que os países economicamente mais débeis. Os
recursos são uma preocupação das populações, o que as arrasta para a direita e
não para a esquerda. Acho que este seria um bom ponto para se reflectir e
tentar perceber se o neoliberalismo tem mais futuro do que a esquerda.
Alforreca
Passista, Anti-liberal
fascistas08.03.2019: E que tal parar de mentir? Não foi
neoliberalismo que criou sociedades mais igualitárias da Escandinávia!
Qualquer
coisa, Far
away 10.03.2019: @Alforreca:
Jesus homem! Mentir? Uma
opinião só é mentira em certos tipos de sociedades. O Lopes até escreveu que
tem a ideia, reforçando a ideia que está a esgrimir ideias. Mas tenho tristes
novidades para o seu pequeno mundo: A Escandinávia é neo-liberal segundo o
seu cânone! Olhe para a Dinamarca e a Maersk, para a Suécia e para a Volvo
(vendida ao capital chinês), e olhe para o fundo soberano norueguês a investir
no mercado. Falarei sobre a Nokia na Finlândia? O que tenho a certeza é que a
Venezuela não foi criada pelo neoliberalismo da Alforreca ;)
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