Não é preciso o meu comentário. Por
enquanto são apenas 143, e nem todos, naturalmente dos prós. Mas bastou ler um
destes últimos, dos contras sem nível, para desistir e voltar a ler a crónica
maliciosa de AG. Admiro-me de que ninguém mais o tivesse feito, dos nossos
cronistas habituais. Eu vi apenas um pouco do final do evento narrado, que
colhi, por acaso no seu final, e logo o larguei para incitar o meu marido a
vê-lo na televisão dele, mas desprezou o alvitre e quando regressei à Sic já tudo se estava esvaindo, juntamente
com o sorriso carnudo de António Costa. Ontem foi Dia da Mulher – não sei bem
de qual delas – e na hora do “QUESTIONS POUR UN CHAMPION”, fui chorando, de
alegria íntima, ao ver a encantadora e formativa homenagem prestada às Avós e
respectivos netos, nesse programa maravilhoso, de um povo que soube prestar
inteligentemente homenagem à Mulher através da família, num jogo de colaboração
entre as avós e os netos, que seguiu os trâmites normais do programa e em que avós
e netos se saíram lindamente. Senti pena por nós, a quem jamais ocorreria tal
tipo de homenagem, de verdadeiro espectáculo.
Mas sinto pena também por este humor
corrosivo de AG, inteligente, sem dúvida, mas trop pénible, e, no fundo, duma indiscrição favorecedora de pior
comportamento ainda. Não comento o texto, tão real na sua exactidão descritiva,
que talvez mereçamos todos, mas que a todos rebaixa. Excepto o PM. Não dá por
isso.
O Costa da Cristina /premium
OBSERVADOR, 9/3/2019
A dona Cristina teima:
Pedrógão não está esquecido pois não? O dr. Costa balbucia uma salganhada e acaba
a pedir vinho verde para o tempero. Ao largo, o resto dos Costas – esposa,
crias e nora – sorri
O
PS (o PS dos boatos sobre Sá Carneiro, o PS do livro censurado de Rui
Mateus, o PS da Casa Pia, o PS das inúmeras habilidades do “eng.” Sócrates, o
PS dos telefonemas irados ou doces aos directores de informação, o PS que manda
na linha editorial dos jornais a ponto de os tornar irrelevantes ou extintos, o
PS que deu à Lusa uma credibilidade idêntica à do saudoso “O Crime”, o PS que inventou
a ERC, o PS dos resgates à banca e dos saques ao contribuinte, o PS das
negociatas disfarçadas de “desígnios”, o PS sem vergonha da vergonha dos
incêndios de 2017, o PS das austeridades viradas na retórica e agravadas na
prática, o PS do blogue Câmara Corporativa, do sr. Abrantes e de incontáveis
jagunços que saltitam nas “redes sociais” e nos espaços de “opinião pública”, o
PS da propaganda descarada, o PS dos paquistaneses travestidos de militantes, o
PS que branqueia o rosto do líder como branqueia cada embrulhada em que se
mete, o PS das prosperidades que terminam em bancarrota, o PS dos srs. Centeno,
Ferro e César, o PS que mais do que qualquer outro partido se confunde com o
sinistro “aparelho de Estado”, o PS enfim que, há dias, criou a agência espacial
portuguesa) quer acabar com as “fake news”.
Olha
que bom. O PS, aliás, aproveitou uma deixa “externa”: o plano contra a
“desinformação” aprovado pela Comissão Europeia em Dezembro. Lá fora e cá
dentro, o objectivo é comum, leia-se proteger o cidadão, coitadinho, das
falsidades difundidas por fontes duvidosas. No nosso caso particular, as fontes
duvidosas são, escusado explicar, aquelas de que o PS duvida e que, em troca,
duvidam do PS. Num mundo ideal, só haveria notícias verdadeiras, e por
verdadeiras entenda-se aquelas que o PS autoriza e, de preferência, produz. Por
azar, ainda não atingimos tamanha plenitude do Ser. Por sorte, já faltou mais.
Esta semana, tivemos um vislumbre do que será a informação pertinente, justa,
lúcida e escrupulosa do futuro. Falo, é evidente, da presença
do dr. Costa no programa da dona Cristina.
Os
cínicos que se dediquem a avaliar se o episódio é representativo da agonia dos
órgãos de soberania, cujas figuras passeiam jovialmente pela “trash tv”, ou se
traduz o estertor das televisões, que passaram a acolher qualquer pelintra em
prol das audiências. Por mim, limito-me a proceder com sobriedade à descrição
de tão relevante momento. Ou seja, a contar o que vi. E vi o seguinte.
Num cenário que imita uma casa, a casa de Liberace se este fosse
pobre, a dona Cristina abre a porta ao dr. Costa e inaugura uma série de gritos
que pelos vistos são permanentes. No meio da gritaria, captei a palavra
“lindo!” e a frase “um espaço de comunicação que não é para toda a gente”. Entretanto, o dr. Costa já está sentado e a recordar
um concurso de fantasias que venceu em criança. Provavelmente, acabou em
segundo lugar e uniu-se ao terceiro classificado para fintar a votação. Depois,
parte para divagações sortidas acerca da infância. Insiro um parêntesis para
notar que o “português” do dr. Costa é apenas ocasionalmente perceptível e
frequentemente sujeito a tradução: “pa” significa “para”, “sançal” significa
“segurança social”, “sómairéquecebi” significa “só mais tarde é que percebi”,
“grembombom” não sei o que é, etc. O importante é que, da juventude, ficou-lhe
o gosto pela liberdade, proeza que induz sucessivos guinchos na dona Cristina,
a qual, para aprimorar o glamour, insiste em rir com a boca escancarada. Nisto,
irrompe em cena a mulher do dr. Costa, que ele abraça com as saudades de quem
não a via há dois minutos.
O
tema da conversa segue para a cozinha. De seguida, seguem os intervenientes. A
sra. Costa, Fernanda de sua graça, assegura que o marido cozinha muito bem (não
duvido: é humanamente impossível ser-se incapaz em tudo) e tinha imensas
namoradas (não comento). Nisto, empenhado em confirmar as alegações, o dr.
Costa já desatou a namorar, perdão, a cozinhar uma cataplana de peixe e a
sublinhar a importância de uma cozinha limpa. Quanto ao cozinheiro, tanto faz:
o dr. Costa não lavou as mãos. Instada pela dona Cristina a aliviar-se de
intimidades, Fernanda diz que “tudo é de imprevisto” (queria dizer “improviso”,
mas dado o meu desconhecimento da língua em que ela comunica com o cônjuge, não
julgarei o deslize com severidade). O dr. Costa continua a cortar hortaliças.
Acontece
uma pausa para compromissos publicitários, onde se divulga um pedacinho do
orçamento destinado a apoiar as crianças pobres intolerantes à lactose, esse
drama social. Os Costas lembram que a filha também era intolerante a uma
substância qualquer. A dona Cristina comove-se com “as coincidências da vida” e
proporciona-nos assinalável berreiro. O dr. Costa não pára de fatiar hortaliças
no instante em que, para surpresa geral com as coincidências da vida, entram na
cozinha os seus filhos e uma moça que, sob o chinfrim da apresentadora, não
identifiquei. Há uma
sessão de perguntas e respostas, ilustradas com fotografias de família. A
emoção é palpável. A dona Cristina informa que o dr. Costa gosta de ir à
lavandaria. Ele confirma: gosta muito. De prémio, recebe um puzzle do programa
da Cristina, que em atenção ao público-alvo tem três peças (brinco: tem 20).
De
súbito, o registo muda. A dona Cristina, implacável, questiona o dr. Costa se
isto (ser primeiro-ministro, não fazer cataplanas) é mesmo uma “missão” que ele
quis para a sua vida “na tentativa de ajudar os outros”. Até o dr. Costa se
sentiu atrapalhado com tamanha exibição de sabujice. A dona Cristina recusa
abordar matérias polémicas (o défice “não interessa nada”), arriscando um
saltinho a Pedrógão, a “mancha negra” do mandato do dr. Costa, uma maçada que
lhe caiu em cima, quase como uma camisa que se descoseu na lavandaria. O dr.
Costa admite que foi uma tragédia e que pensa todos os dias naquilo, e que os
“sidãos” (cidadãos) foram generosos e que afinal – interrompe-se todo contente
– o peixe disponível permite mesmo uma petiscada valente: a propósito, ele
aprecia bastante raia. A dona Cristina teima: Pedrógão não está esquecido, pois
não? O dr. Costa balbucia uma salganhada e termina a pedir vinho verde para o
tempero. Ao largo, o resto dos Costas – esposa, crias e, vim a descobrir, nora
– sorri.
No
derradeiro acto, a dona Cristina remove “os xapatos” (ela diz assim) e, com
berros dilacerantes, propõe a todos “xentarem-se” à mesa. Confrontado com a
ausência de netos, o dr. Costa denuncia um dos grandes problemas da nossa
“siedade” (sociedade), o tempo que as pessoas demoram a ter o primeiro filho –
cerca de 9 meses, da última vez que vi.
A
boa notícia é que ninguém provou a cataplana. A má é que semelhante mistela era
a coisa menos “fake” desta história.
APENAS DOIS COMENTÁRIOS (de 143, por
enquanto)
Antonio Fonseca: Sublime. A conservar para a eternidade!
chints CHINTS: Cada linha é um espectáculo de inteligência e humor. Obrigada! Sinto-me irmanada
no incómodo com a berraria da dona Cristina (eu sentia-me muito injusta,
parecia que toda a gente gostava dessa gritaria) e muito curiosa sobre o que
será o gembombom. Alberto
Gonçalves é uma imensa lufada de ar fresco!
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