sábado, 9 de março de 2019

Um fartote



Não é preciso o meu comentário. Por enquanto são apenas 143, e nem todos, naturalmente dos prós. Mas bastou ler um destes últimos, dos contras sem nível, para desistir e voltar a ler a crónica maliciosa de AG. Admiro-me de que ninguém mais o tivesse feito, dos nossos cronistas habituais. Eu vi apenas um pouco do final do evento narrado, que colhi, por acaso no seu final, e logo o larguei para incitar o meu marido a vê-lo na televisão dele, mas desprezou o alvitre e quando regressei à Sic já tudo se estava esvaindo, juntamente com o sorriso carnudo de António Costa. Ontem foi Dia da Mulher – não sei bem de qual delas – e na hora do “QUESTIONS POUR UN CHAMPION”, fui chorando, de alegria íntima, ao ver a encantadora e formativa homenagem prestada às Avós e respectivos netos, nesse programa maravilhoso, de um povo que soube prestar inteligentemente homenagem à Mulher através da família, num jogo de colaboração entre as avós e os netos, que seguiu os trâmites normais do programa e em que avós e netos se saíram lindamente. Senti pena por nós, a quem jamais ocorreria tal tipo de homenagem, de verdadeiro espectáculo.
Mas sinto pena também por este humor corrosivo de AG, inteligente, sem dúvida, mas trop pénible, e, no fundo, duma indiscrição favorecedora de pior comportamento ainda. Não comento o texto, tão real na sua exactidão descritiva, que talvez mereçamos todos, mas que a todos rebaixa. Excepto o PM. Não dá por isso.
O Costa da Cristina /premium
OBSERVADOR, 9/3/2019
A dona Cristina teima: Pedrógão não está esquecido pois não? O dr. Costa balbucia uma salganhada e acaba a pedir vinho verde para o tempero. Ao largo, o resto dos Costas – esposa, crias e nora – sorri
O PS (o PS dos boatos sobre Sá Carneiro, o PS do livro censurado de Rui Mateus, o PS da Casa Pia, o PS das inúmeras habilidades do “eng.” Sócrates, o PS dos telefonemas irados ou doces aos directores de informação, o PS que manda na linha editorial dos jornais a ponto de os tornar irrelevantes ou extintos, o PS que deu à Lusa uma credibilidade idêntica à do saudoso “O Crime”, o PS que inventou a ERC, o PS dos resgates à banca e dos saques ao contribuinte, o PS das negociatas disfarçadas de “desígnios”, o PS sem vergonha da vergonha dos incêndios de 2017, o PS das austeridades viradas na retórica e agravadas na prática, o PS do blogue Câmara Corporativa, do sr. Abrantes e de incontáveis jagunços que saltitam nas “redes sociais” e nos espaços de “opinião pública”, o PS da propaganda descarada, o PS dos paquistaneses travestidos de militantes, o PS que branqueia o rosto do líder como branqueia cada embrulhada em que se mete, o PS das prosperidades que terminam em bancarrota, o PS dos srs. Centeno, Ferro e César, o PS que mais do que qualquer outro partido se confunde com o sinistro “aparelho de Estado”, o PS enfim que, há dias, criou a agência espacial portuguesa) quer acabar com as “fake news”.
Olha que bom. O PS, aliás, aproveitou uma deixa “externa”: o plano contra a “desinformação” aprovado pela Comissão Europeia em Dezembro. Lá fora e cá dentro, o objectivo é comum, leia-se proteger o cidadão, coitadinho, das falsidades difundidas por fontes duvidosas. No nosso caso particular, as fontes duvidosas são, escusado explicar, aquelas de que o PS duvida e que, em troca, duvidam do PS. Num mundo ideal, só haveria notícias verdadeiras, e por verdadeiras entenda-se aquelas que o PS autoriza e, de preferência, produz. Por azar, ainda não atingimos tamanha plenitude do Ser. Por sorte, já faltou mais. Esta semana, tivemos um vislumbre do que será a informação pertinente, justa, lúcida e escrupulosa do futuro. Falo, é evidente, da presença do dr. Costa no programa da dona Cristina.
Os cínicos que se dediquem a avaliar se o episódio é representativo da agonia dos órgãos de soberania, cujas figuras passeiam jovialmente pela “trash tv”, ou se traduz o estertor das televisões, que passaram a acolher qualquer pelintra em prol das audiências. Por mim, limito-me a proceder com sobriedade à descrição de tão relevante momento. Ou seja, a contar o que vi. E vi o seguinte.
Num cenário que imita uma casa, a casa de Liberace se este fosse pobre, a dona Cristina abre a porta ao dr. Costa e inaugura uma série de gritos que pelos vistos são permanentes. No meio da gritaria, captei a palavra “lindo!” e a frase “um espaço de comunicação que não é para toda a gente”. Entretanto, o dr. Costa já está sentado e a recordar um concurso de fantasias que venceu em criança. Provavelmente, acabou em segundo lugar e uniu-se ao terceiro classificado para fintar a votação. Depois, parte para divagações sortidas acerca da infância. Insiro um parêntesis para notar que o “português” do dr. Costa é apenas ocasionalmente perceptível e frequentemente sujeito a tradução: “pa” significa “para”, “sançal” significa “segurança social”, “sómairéquecebi” significa “só mais tarde é que percebi”, “grembombom” não sei o que é, etc. O importante é que, da juventude, ficou-lhe o gosto pela liberdade, proeza que induz sucessivos guinchos na dona Cristina, a qual, para aprimorar o glamour, insiste em rir com a boca escancarada. Nisto, irrompe em cena a mulher do dr. Costa, que ele abraça com as saudades de quem não a via há dois minutos.
O tema da conversa segue para a cozinha. De seguida, seguem os intervenientes. A sra. Costa, Fernanda de sua graça, assegura que o marido cozinha muito bem (não duvido: é humanamente impossível ser-se incapaz em tudo) e tinha imensas namoradas (não comento). Nisto, empenhado em confirmar as alegações, o dr. Costa já desatou a namorar, perdão, a cozinhar uma cataplana de peixe e a sublinhar a importância de uma cozinha limpa. Quanto ao cozinheiro, tanto faz: o dr. Costa não lavou as mãos. Instada pela dona Cristina a aliviar-se de intimidades, Fernanda diz que “tudo é de imprevisto” (queria dizer “improviso”, mas dado o meu desconhecimento da língua em que ela comunica com o cônjuge, não julgarei o deslize com severidade). O dr. Costa continua a cortar hortaliças.
Acontece uma pausa para compromissos publicitários, onde se divulga um pedacinho do orçamento destinado a apoiar as crianças pobres intolerantes à lactose, esse drama social. Os Costas lembram que a filha também era intolerante a uma substância qualquer. A dona Cristina comove-se com “as coincidências da vida” e proporciona-nos assinalável berreiro. O dr. Costa não pára de fatiar hortaliças no instante em que, para surpresa geral com as coincidências da vida, entram na cozinha os seus filhos e uma moça que, sob o chinfrim da apresentadora, não identifiquei. Há uma sessão de perguntas e respostas, ilustradas com fotografias de família. A emoção é palpável. A dona Cristina informa que o dr. Costa gosta de ir à lavandaria. Ele confirma: gosta muito. De prémio, recebe um puzzle do programa da Cristina, que em atenção ao público-alvo tem três peças (brinco: tem 20).
De súbito, o registo muda. A dona Cristina, implacável, questiona o dr. Costa se isto (ser primeiro-ministro, não fazer cataplanas) é mesmo uma “missão” que ele quis para a sua vida “na tentativa de ajudar os outros”. Até o dr. Costa se sentiu atrapalhado com tamanha exibição de sabujice. A dona Cristina recusa abordar matérias polémicas (o défice “não interessa nada”), arriscando um saltinho a Pedrógão, a “mancha negra” do mandato do dr. Costa, uma maçada que lhe caiu em cima, quase como uma camisa que se descoseu na lavandaria. O dr. Costa admite que foi uma tragédia e que pensa todos os dias naquilo, e que os “sidãos” (cidadãos) foram generosos e que afinal – interrompe-se todo contente – o peixe disponível permite mesmo uma petiscada valente: a propósito, ele aprecia bastante raia. A dona Cristina teima: Pedrógão não está esquecido, pois não? O dr. Costa balbucia uma salganhada e termina a pedir vinho verde para o tempero. Ao largo, o resto dos Costas – esposa, crias e, vim a descobrir, nora – sorri.
No derradeiro acto, a dona Cristina remove “os xapatos” (ela diz assim) e, com berros dilacerantes, propõe a todos “xentarem-se” à mesa. Confrontado com a ausência de netos, o dr. Costa denuncia um dos grandes problemas da nossa “siedade” (sociedade), o tempo que as pessoas demoram a ter o primeiro filho – cerca de 9 meses, da última vez que vi.
A boa notícia é que ninguém provou a cataplana. A má é que semelhante mistela era a coisa menos “fake” desta história.

APENAS DOIS COMENTÁRIOS (de 143, por enquanto)
Antonio Fonseca: Sublime. A conservar para a eternidade!
chints CHINTS: Cada linha é um espectáculo de inteligência e humor. Obrigada! Sinto-me irmanada no incómodo com a berraria da dona Cristina (eu sentia-me muito injusta, parecia que toda a gente gostava dessa gritaria) e muito curiosa sobre o que será o gembombom Alberto Gonçalves é uma imensa lufada de ar fresco! 


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