Duas excelentes crónicas sobre o mundo
como vai: no seu global – caso da crónica de Rui Ramos, sobre o terrorismo ao nível geral, como produto de extremismos
ou vinganças, (mas esquecendo, contudo, de nele fazer figurar as
monstruosidades cometidas nas guerras ou revoluções ou até mesmo as perpetradas
pelas santas Inquisições, provando quanto o homem consegue ser um ser hediondo,
desde que lhe seja dado poder para o demonstrar). Também a Crónica de Sebastião Bugalho me parece uma excelente análise sobre o
nosso caso específico, de país governado sem grandes escrúpulos e sem grandes hipóteses.
I - TERRORISMO
O terrorismo é hediondo, seja racista ou
islâmico /premium
OBSERVADOR, 19/3/2019
Os terroristas, racistas ou islâmicos, usam os mesmos métodos com o
mesmo objectivo: separar as sociedades ocidentais em comunidades definidas pela
hostilidade mútua.
Não, o terrorismo racista não é
pior do que o terrorismo islamista ou do que o terrorismo da extrema-esquerda.
Todos os terrorismos são hediondos, embora haja muita gente para quem parece
ser mais fácil condenar uns do que outros. Mas o terrorismo é sempre o que
vimos na Nova Zelândia a semana passada ou em Paris em 2015: assassinos
cobardes a matar pessoas indefesas. Dostoievsky, em Os Possessos, ou
Conrad, em O Agente Secreto, descreveram estas personagens e os
respectivos novelos de delírio e de manipulação política, e desde então ninguém
inventou mais nada. Racistas, islamistas ou, como ainda era costume nos anos
70, marxistas-leninistas, são sempre os mesmos autodidactas que leram um livro
ou que, nos dias que correm, viram uns vídeo da internet, e se convenceram de que
tinham percebido tudo, ao ponto de ter o direito de precipitar o apocalipse. O
terrorismo, antes de ser usado em estratégias políticas, começa sempre por ser
um exercício de narcisismo para falhados.
Não
por acaso, o ataque racista da Nova Zelândia lembra os ataques
islamistas de Paris. Racistas e islamistas podem distinguir-se em muita coisa,
que os seus métodos são os mesmos, e o objectivo também é comum: separar as
sociedades ocidentais em comunidades definidas pelo medo e pela hostilidade,
como preparação para uma guerra civil. Racista, islamista ou esquerdista, o
terrorismo, chamem-lhe “jihad” ou “luta armada”, é fundamentalmente só
um.
Que fazer? Três coisas, pelo menos.
Em primeiro lugar, nunca tratar os terroristas como representantes de
quem quer que seja, como se a violência fosse a origem de um mandato,
segundo o mau hábito adquirido nas “lutas de libertação” do pós-guerra. Não, os
terroristas islâmicos não representam o Islão, mas os terroristas racistas
também não representam o nacionalismo ocidental. Numa sociedade livre e
plural, o terrorismo não tem razão de ser, a não ser precisamente a da falta de
representatividade e de argumentos de quem a ele recorre. Por isso, ao
terrorismo resiste-se, antes de mais, com vigilância e repressão. Não deve
haver nenhuma dúvida a esse respeito. Foi assim que se destruiu o terrorismo da
extrema-esquerda nos anos 70: enfrentando os seus protagonistas, até estarem
presos ou mortos. É assim que o terrorismo islâmico tem recuado, depois da
derrota do ISIS na Síria. É assim que se deve lidar com racistas como o
assassino de Christchurch. Os terroristas não se convencem: vencem-se.
Em segundo lugar, nunca deixar os terroristas apropriarem-se de
problemas e converterem-nos em temas de apocalipse. O Ocidente, especialmente
na Europa e na América do Norte, está em transformação: a população a que, de
um ponto de vista de meados do século XX, podemos chamar “nativa” envelhece e
diminui, ao mesmo tempo que migrações frequentemente desordenadas originam
novas comunidades, jovens e em crescimento, cuja probabilidade de simplesmente
se diluírem nas culturas anfitriãs, como no passado, é baixa. Mais:
enquanto as identidades dos “nativos” estão sujeitas ao repúdio e à
desconstrução, as dos recém-chegados parecem protegidas por velhas culpas
coloniais. É fácil, neste ambiente, fazer da pluralidade uma fonte de
desconfiança e da mudança um factor de ressentimento. Discutir estas
questões, de modo que não sejam debatidas unicamente nos termos de racistas e
de islamistas, não é servir os extremismos, mas precisamente o contrário.
Em terceiro lugar, nunca deixar as vítimas do terrorismo serem
reduzidas, através dos noticiários e das análises, ao pó indiferente das
estatísticas. Importa contar as suas histórias pessoais, porque é isso
mesmo que o terrorista nega: que o outro seja uma pessoa, com uma história que
é só sua, única, irrepetível. Afinal, é talvez aí, no facto de não sermos todos
iguais, uma massa anónima meramente definida por identidades colectivas, que
esteja o único motivo de esperança para a humanidade.
COMENTÁRIOS
Manuel Lisboa XII: Palavras
sábias e bons conselhos. Parabéns Rui Ramos!
Amora Bruegas > Manuel Lisboa XII: Sábias??? O prof. já criticou o terrorismo de estado
a que estamos sujeitos há mais de 40 anos?
Ou
o que foram/são situações como os assassinatos de Sá Carneiro e Adelino Amaro
da Costa, as nacionalizações, as falências bancárias e fraudulentas de empresas
e os incêndios que matam centenas de pessoas e destroem a vida a
milhares? Os democratas responsáveis foram condenados e estão presos? As
vítimas foram ressarcidas?... NÃO!
E
os terroristas das FP25Abril foram condenados e presos, bem como as vítimas e
famílias ressarcidas? Não!
Onde
está essa "sapiência", cabeças emotivas e manipuláveis pelo instantâneo
e passageiro?
II - MAIORIA DE
ESQUERDA
Quem vai vender o sonho do “país sem
austeridade”? /premium
SEBASTIÃO BUGALHO
OBSERVADOR, 22/2/2019
Ao utilizar uma mentira para legitimar a
sua existência – «o fim da austeridade» –, a geringonça subtraiu a verdade do
espaço público, aumentando o risco de mais facilmente o país acolher o populismo.
1.
Outubro de 2018 foi o pior mês para a Bolsa norte-americana desde a grande
crise de 2009. Sem querer apostar em profecias pessimistas, é inquestionável
que o período de crescimento global a que a Europa vem assistindo nos últimos
quatro anos está a terminar. Para roubar a alegoria ao
primeiro-ministro: as vacas gordas vão descer à terra. O problema está em perguntarmo-nos quem terá o
capital político para dizê-lo e, sobretudo, para governar dizendo-o. Num novo
período de contenção orçamental, os eleitores lembrar-se-ão, com certeza,
daquilo que a ‘geringonça’ lhes prometeu em 2015: «um país sem
austeridade».
Quando
o contexto económico deixar de ser tão sorridente, a esquerda, agora no
poder, já não poderá vender esse sonho. Mas isso não significa que os eleitores
não o quererão comprar. O que me preocupa é quem venderá esse «país sem
austeridade» quando a devolução de rendimentos sair das prioridades do governo.
Na oposição, PSD e CDS estão limitados pela sua matriz não populista e pela sua
governação mais recente, que os impossibilita de crescer à conta do tal «país
sem austeridade». À esquerda, o Bloco de Esquerda e o PCP estão
condicionados pelos seus últimos quatro anos de tolerância a cativações e metas
de Bruxelas. No executivo, o Partido Socialista poderá insistir que aplicará
esse tipo de medidas como algo «temporário» e com «menos dor» ou vontade do que
a direita faria, mas isso também não chegará. As pessoas quererão aquilo que a
‘geringonça’ lhes vendeu como possível em 2015 – o país sem austeridade – e as
pessoas votarão em quem que lhes prometer isso.
Mais
do que qualquer árvore geneológica, esse é o maior risco que a actual solução
de governo deixa como legado. Ao utilizar uma mentira para legitimar a sua
existência – «o fim da austeridade» –, a ‘geringonça’ subtraiu a verdade do
nosso espaço público. E não me venham dizer que é exagero. Em três anos de
governação, Costa teve mais greves, mais cativações e mais impostos do que
Passos em quatro anos de assumido rigor financeiro. A precariedade laboral não mexeu
um milímetro. A austeridade nunca acabou e o PS sabe-o muito bem. No
entanto, fabricou e difundiu esse engodo por mera necessidade política. Foi isso que aconteceu em 2015, senhoras e senhores:
o poder sacrificou a realidade. Desde aí, desde que António Costa subtraiu a
verdade do espaço público, que Portugal corre o risco de mais facilmente
acolher fenómenos populistas – à esquerda e à direita – porque é isso que
sucede quando se promove uma farsa: qualquer actor fica com a cortina aberta
para o teatro.
Se
é previsível que o próximo ciclo económico seja propício a esse tipo de
dramaturgia, a responsabilidade será da esquerda, que inaugurou a encenação.
2. A
questão está em como responder à universalização do disparate. Que
comportamento devem ter aqueles que sobram – e aqueles que chegam – face à
falência política da ‘geringonça’ e diante da janela eleitoral que tal
representa? Fala-se em refundações, federações, pré-coligações, pós-acordos
e futuras maiorias. Fala-se, portanto, em muita coisa. Mas faz-se pouco. Não
vejo, até agora, nenhum partido com uma estratégia séria para lidar com o
impacto de André Ventura no próximo ciclo eleitoral. Não vejo, à excepção do
CDS-PP, uma força política preocupada em defender os três pilares que uma
maioria do Partido Socialista inevitavelmente ameaçará: o escrutínio
parlamentar, a liberdade de imprensa e a independência da justiça. E não
vejo, para ser sincero, grande problema num eventual desaparecimento do PSD
como o conhecíamos. O problema está em quem ocupará o seu lugar.
3.
Quando li «A Guerra do Peloponeso», dobrei uma das páginas que relata a revolução na
Córcira. Nela, Tucídides conta como «aquilo
que antes era considerado um impensável ato de agressão passou a ser encarado
como a coragem de um militante», como «pensar no futuro passou a ser somente
uma forma de cobardia», como «qualquer ideia de moderação não era mais do que
uma falta de vigor» e como «entender um problema de diferentes pontos de vista
significava ser totalmente inapto para a acção». Escreveu o ateniense que «o
entusiasmo fanático era a marca de um verdadeiro homem», que «qualquer um que
manifestasse opiniões violentas era de confiança» e que «quem fosse contra
essas opiniões tornar-se-ia prontamente suspeito».
«Os líderes partidários de
cada cidade apresentavam programas admiráveis – de um lado, pela igualdade para
as massas; do outro, por uma governação segura para a aristocracia – mas,
enquanto afirmavam defender o interesse público, apenas procuravam prémios para
si próprios», diagnosticou Tucídides,
apuradamente, há mais de 2450 anos.
Escusado
será dizer que a guerra civil na Córcira terminou num banho de sangue entre facções
igualmente extremadas, depois igualmente mortas. Sem desejar estabelecer um anacronismo entre o mundo
helénico e o regime português, creio que o caminho mais digno para derrotar
aqueles que não se importaram de prometer o irrealizável – «um país sem
austeridade» – passa por resistir à tentação de cometer erros semelhantes.
Há, evidentemente, uma janela eleitoral para candidatos a farsantes. Mas
quereremos mesmo abri-la?
COMENTÁRIO
João Paulo Reis: O Sebastião
Bugalho continua a ser uma lufada de ar fresco, precisamente por ser um jovem
culto que sabe pensar. Os comentadores reaccionários tipicamente ‘esquerdoides’
e que comem à mesa do orçamento, esses não lhe perdoam esquecendo-se das
tristes figuras que fazem
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