sábado, 16 de março de 2019

Mas parecemos ingratos



No caso português, não fosse a entrada na CEE, e estaríamos no fundo de um qualquer poço de miséria, exceptuando os beneficiários usurpadores do costume. Foram muitos os milhões emprestados e continuam, que contribuíram para um fortalecimento do bem-estar social e da convicção de que os ganhámos honestamente e que a eles temos direito, hoje, mais do que nunca. A Europa serve para nos tranquilizar, no capítulo do auxílio económico, que nos instalou numa certa mândria, reclamadora de direitos e desinteressada de deveres. Como alguns meninos ricos de outrora, educados no mimo, sem responsabilidades de lutar pela vida, garantido o seu futuro sempre, no apoio da riqueza familiar. Somos esses meninos que, ao invés de crescermos, esperamos sempre que do céu – europeu, neste caso – nos caia o necessário favor. Tão pouco educados os que se safam melhor, astutamente e escusamente, como os que reclamam constantemente, fazendo greves e prejudicando o país.
O texto de António Barreto está, como sempre, construído segundo uma lógica de reflexão progressiva que me parece perfeita, mau grado opiniões de comentadores que não querem enfiar a carapuça, orgulhosos, talvez, dos seus percursos bem sucedidos – ou, quem sabe se conscientes de que a lição também lhes assenta, não querendo, contudo, admiti-lo.
Não, não devemos ser ingratos com a U E, de quem dependemos economicamente. Rezemos para que não nos falte nunca o leite que dela nos vem. Mas, é claro que o “nunca” não existe. Desaparecerá, na convulsão dos tempos e dos arreganhos dos homens, sempre instáveis, instabilidade e má educação geradas hoje por uma democracia embrutecedora, onde dificilmente poderá surgir um chefe capaz de gerir uma nação sem rédeas.

OPINIÃO
Uma Europa longe demais
Durante sessenta anos, a Europa mostrou uma folha de serviços invulgar de paz e desenvolvimento social. Mas é uma história de êxito que está a acabar mal.
ANTÓNIO BARRETO
PÚBLICO, 10 de Março de 2019
Há décadas, a Europa era, para uns, sonho de paz e grande projecto em construção. A paz perpétua estava ali, ao virar do século. Democratas, cristãos sociais, liberais e socialistas empenhavam-se no seu desenvolvimento. Para outros, era a “Europa das burocracias”, a mando das multinacionais. Para outros ainda, era a “Europa dos monopólios” e do “grande capital”. Mas os gaullistas queriam a “Europa das Nações”. E alguns grupos de esquerda propunham a “Europa dos trabalhadores”, enquanto os comunistas defendiam o internacionalismo.
O que se seguiu, depois da Segunda Guerra, foi uma das mais interessantes páginas da história, no capítulo das relações internacionais. O continente mais massacrado durante um milénio encontrava meio século de paz. Os países responsáveis pela morte de dezenas de milhões de pessoas em duas guerras criaram um modo de vida baseado na cooperação. Tudo isto, com a ajuda decisiva da NATO, do alto patrocínio militar dos Estados Unidos e da Guerra Fria.
O Mercado Comum passou a Comunidade e esta a União, ficando quase a coincidir com a Europa continental. Criava-se o Euro e o Espaço Schengen, além de outras formas de cooperação. O clube inicial de seis países atingiu o número de 28 e vai passar brevemente a 27, graças à saída da Grã-Bretanha, uma das mais estúpidas decisões políticas contemporâneas.
Durante sessenta anos, a Europa mostrou uma folha de serviços invulgar de paz e desenvolvimento social. Mas é uma história de êxito que está a acabar mal. Já não faz frente ao comunismo, porque não há comunismo. Já não é uma União a lutar pelo primeiro lugar na economia, na coesão social e na ciência. Foi ultrapassada ou distanciada pelos Estados Unidos. Está em vias de ser ultrapassada pela China. Já nem sequer deixa a Rússia a milhas atrás de si. Porto seguro de tantos exilados, durante décadas, a Europa estremece hoje com os imigrantes e os refugiados ilegais.
A história de Portugal europeu é igualmente um êxito. Em 1974, a Europa era um atalho para a democracia e o desenvolvimento. Era o melhor futuro que se imaginava. A adesão portuguesa foi um dos assuntos menos controversos da história do país. Foram cometidos erros e aceitaram-se dogmas de integração, mas a verdade é que estes anos de Europa foram globalmente felizes.
Hoje, para os portugueses, a Europa é o que é, o que está e o que não se nota. A abstenção eleitoral em Portugal, nas eleições de 2014, foi de 66%. O contexto não é muito diferente: em 28 países, há apenas oito em que a participação eleitoral é superior a metade do eleitorado. Em vinte, a abstenção é superior a 50%. Certo é que os portugueses, que se declaram favoráveis à Europa em mais de dois terços, não votam nas eleições europeias.
Que aconteceu à Europa? Por que se vota tão pouco? Por que motivos as pessoas não se interessam pelas eleições? Por que razão os resultados podem ser tão diferentes das eleições nacionais?
Há muitas respostas. Os resultados das eleições europeias, no plano nacional, não têm consequências no plano europeu. Uma maioria de esquerda, em Portugal, não tem qualquer efeito, porque é anulada por uma maioria de direita, na Holanda. Ou vice-versa. Mesmo quando os resultados variam muito de país para país, os efeitos finais são nulos. O Parlamento é uma organização híbrida, com enormes poderes dentro da “bolha europeia”, sem capacidade de representação, sem intervenção nas comunidades nacionais e sem interlocução com os cidadãos. O Parlamento Europeu é um embuste: criado para lutar contra o “défice democrático”, apenas legitima esse mesmo défice. Importantes são as eleições nacionais alemãs.
O que pretende a Europa? A paz? Já conseguiu. Integrar todos? Está feito. Criar as bases para a democracia nos países europeus? Realizado. Neutralizar as tendências imperiais da Alemanha? Cumprido. Criar uma base estável de defesa com os Estados Unidos? Efectuado. Resistir ao comunismo soviético? Foi um êxito. Fundar novos sistemas de livre circulação de pessoas, de ideias, capitais e mercadorias? Executado. O que é mais confrangedor é que a Europa não tem nada para oferecer, a não ser o que é e o que está. Oferecer aos cidadãos o que já têm, paz, liberdade e livre circulação, não parece especialmente excitante. Mobilizar os eleitores para a democracia que têm há décadas também não é emocionante. Olha-se para a Europa e não se vê o que nos possa dar de novo. Mais do mesmo é receita para desastre ou abstenção. E dá o flanco aos seus inimigos.
Faz algum sentido “lutar contra a abstenção” e “encorajar a participação dos cidadãos”? Se sim, do que se duvida, como fazer para que os europeus se interessem pela Europa e pelas eleições? As respostas são conhecidas. Mais Europa. Mais Parlamento Europeu. Mais sessões de esclarecimento. Mais colóquios sobre as benfeitorias de Europa. Mais subsídios. Mais excursões a Bruxelas. Mais regiões. Mais votos obrigatórios. Multas para quem não vota. Nada disto serve absolutamente para nada, a não ser dar emprego às agências de comunicação.
A crise de cidadania e de participação política na Europa resulta da metamorfose dos cidadãos nacionais, uma certeza, em cidadãos europeus, uma abstracção. Como é efeito da transferência das soberanias nacionais, conhecidas, para a soberania europeia, inexistente. A crise política é consequência do definhamento dos parlamentos nacionais e da emergência de um parlamento artificial sem identidade.
A soberania europeia não existe. Como não existem cidadãos europeus. Os cidadãos são nacionais. Que estes sejam europeus, muito bem. Mas que sejam cidadãos europeus, nem pensar. A cidadania exige e implica reconhecimento e identidade, pertença e justiça, cultura e tradição! Praticamente nada disso existe na Europa, a não ser dentro dos Estados e das nações. Para tudo o que é político e democrático, os cidadãos querem tratar com o seu país e a sua comunidade, não com a Europa. Para a justiça e a coesão, os cidadãos olham para os seus Estados, não para a Europa.
A União Europeia pode e deve respeitar a democracia, mas não é democrática. Faz tudo o que se imagina para diminuir a abstenção e aproximar os cidadãos. Mas é tarefa inútil. As liberdades, a cultura, a ciência e a protecção social são construções humanas e sociais, com história e geografia, não resultam da política europeia, nem de construções jurídicas ou de sistemas internacionais de equilíbrio.
Fizemos uma Europa longe demais. Recuar é difícil. Mudar de rumo ainda é mais difícil, mas necessário. Se assim não for, a alternativa, a liquidação, é desastrosa.
Sociólogo

COMENTÁRIOS:
Rusty Tachikoma, 11.03.2019: "Mas é tarefa inútil. As liberdades, a cultura, a ciência e a protecção social são construções humanas e sociais, com história e geografia, não resultam da política europeia, nem de construções jurídicas ou de sistemas internacionais de equilíbrio." Errado, meu caro. As últimas podem ajudar a acelerar a realização das primeiras. As primeiras são aquilo que irá resultar em cada vez maior trânsito de pessoas e ideias (como nunca se viu sequer até à 15 anos atrás). Além disso, algumas dessas construções que enumerou não necessitam do conceito "nação" para existirem.
António M. Pinto, V. N. de Gaia 11.03.2019: Numa coisa o António Barreto se parece com Karl Marx: analisa bem a situação mas perde-se na solução. Marx, por excesso; Barreto, por escassez.
FS, Lisboa 10.03.2019: A Europa sem nada para fazer? Está tudo feito? Onde é que vive o António Barreto?
Jonas New York, 10.03.2019: É por demais claro que a UE caminha para o abismo. Portugal devia aliar-se a potências económicas suas amigas como o Brasil e Angola, não aos suseranos capitalistas da EU.
José Sousa, 10.03.2019: Um texto claro que incomodará muita gente, como é óbvio. Um texto que alerta que o caminho mais seguro não é mais Europa, é menos. Uma Europa que não permite as nações serem nações está condenada a ser uma panela de pressão que irá explodir. Não querer ver isto na ânsia das esmolas que nos dão, ou no sonho funesto de querer que os outros paguem os nossos problemas, é não compreender a realidade. Foi esta cegueira que levou ao Brexit, e infelizmente se continuarmos a espremer irá levar a outros.
Fowler Fowler, 10.03.2019 : Nota-se à distância que o sr. Barreto andou a ler, com devoção, livros de aristocratas conservadores britânicos, os eurocépticos. Volta e meia aplica aqui o que aprendeu com eles, a chapa 4: os pequenos passos, “manhosos”, versus, largos passos “perigosos”. Como se diz em português: “ é preso por ter cão e preso por não ter”. Sem ideias e com a lente a necessitar de ser substituída, o sr. Barreto tomou a liberdade de prender tudo o que mexe. Como sempre.
Jose, 10.03.2019: Vasco Pulido Valente diz: "Macron apela ao renascimento europeu. Como sempre, a França toma-se pelo que não é e quer-se fazer passar pela cabeça da Europa. Não admira que os franceses e o Estado-Fantasma de Bruxelas tenham tanta dificuldade em compreender o “Brexit”. Afinal, a União Europeia é, na essência, uma aliança entre as três potências do Continente – a França, a Alemanha e a Itália – que foram derrotadas na II Guerra Mundial. Há 74 anos? Sim, mas não é muito tempo."
ana cristina, Lisboa et Orbi 10.03.2019 : as linhas que cita do VPV são poesia surrealista: fazem pensar mas é para levar à letra.
Jorge Sm, Portugal : Caramba, mais um texto de António Barreto cheio de erros de análise e de afirmações em choque com a realidade. Tantas que seria preciso escrever muitos comentários para desmontá-las.
Jonas New York, 10.03.2019: A Europa ficou mais pobre desde que eu emigrei para os EUA, isso é claríssimo
rafael.guerra.www, 10.03.2019: Não nos diga que já fechou a torneira a todas aquelas remessas que alimentavam todos os nossos vícios?
AA...Para a mentira ser segura ... tem que ter qualquer coisa de verdade,Portugal 10.03.2019 :  Quais são os poderes do PE?!! Nenhuns. Quem manda na U E  é a Comissão Europeia e a Alemanha. O PE é apenas um bom tacho para premiar políticos de fiéis dos partidos. Ganham 20.000 euros limpinhos por mês e uma reforma garantida até ao fim. O PE não serve para nada a não ser para queimarem dinheiro dos contribuintes europeus e para a malta que lá está, dizer umas banalidades de vez em quando. Quanto à paz na Europa, é um facto adquirido. Deixaram a NATO a cargo dos EUA e não querem pagar a conta. A verdade é que nenhum europeu arriscaria a vida pelo que quer que fosse, aqui ou noutro lado qualquer. Os americanos tratam de tudo. O verdadeiro inimigo, que é a China, anda por aí a comprar as empresas europeias sem qualquer travão. Quando acordarem será tarde. Quem vier a seguir que feche a porta.


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