No caso português, não fosse a entrada
na CEE, e estaríamos no fundo de um qualquer poço de miséria, exceptuando os beneficiários
usurpadores do costume. Foram muitos os milhões emprestados e continuam, que
contribuíram para um fortalecimento do bem-estar social e da convicção de que
os ganhámos honestamente e que a eles temos direito, hoje, mais do que nunca. A
Europa serve para nos tranquilizar, no capítulo do auxílio económico, que nos
instalou numa certa mândria, reclamadora de direitos e desinteressada de
deveres. Como alguns meninos ricos de outrora, educados no mimo, sem
responsabilidades de lutar pela vida, garantido o seu futuro sempre, no apoio
da riqueza familiar. Somos esses meninos que, ao invés de crescermos, esperamos
sempre que do céu – europeu, neste caso – nos caia o necessário favor. Tão
pouco educados os que se safam melhor, astutamente e escusamente, como os que
reclamam constantemente, fazendo greves e prejudicando o país.
O texto de António Barreto está, como sempre, construído segundo
uma lógica de reflexão progressiva que me parece perfeita, mau grado opiniões
de comentadores que não querem enfiar a carapuça, orgulhosos, talvez, dos seus
percursos bem sucedidos – ou, quem sabe se conscientes de que a lição também
lhes assenta, não querendo, contudo, admiti-lo.
Não, não devemos ser ingratos com a U E,
de quem dependemos economicamente. Rezemos para que não nos falte nunca o leite
que dela nos vem. Mas, é claro que o “nunca” não existe. Desaparecerá, na
convulsão dos tempos e dos arreganhos dos homens, sempre instáveis, instabilidade
e má educação geradas hoje por uma democracia embrutecedora, onde dificilmente
poderá surgir um chefe capaz de gerir uma nação sem rédeas.
OPINIÃO
Uma Europa longe demais
Durante sessenta anos, a Europa mostrou
uma folha de serviços invulgar de paz e desenvolvimento social. Mas é uma
história de êxito que está a acabar mal.
ANTÓNIO BARRETO
PÚBLICO, 10 de Março de 2019
Há
décadas, a Europa era, para uns, sonho de paz e grande projecto em construção.
A paz perpétua estava ali, ao virar do século. Democratas, cristãos sociais,
liberais e socialistas empenhavam-se no seu desenvolvimento. Para outros, era a
“Europa das burocracias”, a mando das multinacionais. Para outros ainda,
era a “Europa dos monopólios” e do “grande capital”. Mas os gaullistas
queriam a “Europa das Nações”. E alguns grupos de esquerda propunham a “Europa
dos trabalhadores”, enquanto os comunistas defendiam o internacionalismo.
O
que se seguiu, depois da Segunda Guerra, foi uma das mais interessantes páginas
da história, no capítulo das relações internacionais. O continente mais
massacrado durante um milénio encontrava meio século de paz. Os países
responsáveis pela morte de dezenas de milhões de pessoas em duas guerras
criaram um modo de vida baseado na cooperação. Tudo isto, com a ajuda decisiva
da NATO, do alto patrocínio militar dos Estados Unidos e da Guerra Fria.
O Mercado
Comum passou a Comunidade e esta a União, ficando quase a coincidir
com a Europa continental. Criava-se o Euro e o Espaço Schengen, além
de outras formas de cooperação. O clube inicial de seis países
atingiu o número de 28 e vai passar brevemente a 27, graças à saída
da Grã-Bretanha, uma das mais estúpidas decisões políticas contemporâneas.
Durante
sessenta anos, a Europa mostrou uma folha de serviços invulgar de paz e
desenvolvimento social. Mas é
uma história de êxito que está a acabar mal. Já não faz frente ao comunismo,
porque não há comunismo. Já não é uma União a lutar pelo
primeiro lugar na economia, na coesão social e na ciência. Foi ultrapassada ou
distanciada pelos Estados Unidos. Está em vias de ser ultrapassada pela China.
Já nem sequer deixa a Rússia a milhas atrás de si. Porto seguro de tantos exilados,
durante décadas, a Europa estremece hoje com os imigrantes e os refugiados
ilegais.
A
história de Portugal europeu é igualmente um êxito. Em 1974, a Europa era um atalho para a democracia
e o desenvolvimento. Era o melhor futuro que se imaginava. A adesão portuguesa
foi um dos assuntos menos controversos da história do país. Foram cometidos
erros e aceitaram-se dogmas de integração, mas a verdade é que estes anos de
Europa foram globalmente felizes.
Hoje,
para os portugueses, a Europa é o que é, o que está e o que não se nota. A abstenção eleitoral em Portugal, nas eleições de
2014, foi de 66%. O contexto não é muito diferente: em 28 países, há apenas
oito em que a participação eleitoral é superior a metade do eleitorado. Em
vinte, a abstenção é superior a 50%. Certo é que os portugueses, que se
declaram favoráveis à Europa em mais de dois terços, não votam nas eleições
europeias.
Que
aconteceu à Europa? Por que se vota tão pouco? Por que motivos as pessoas não
se interessam pelas eleições? Por que razão os resultados podem ser tão
diferentes das eleições nacionais?
Há
muitas respostas. Os resultados das eleições europeias, no plano nacional,
não têm consequências no plano europeu. Uma maioria de esquerda, em
Portugal, não tem qualquer efeito, porque é anulada por uma maioria de direita,
na Holanda. Ou vice-versa. Mesmo quando os resultados variam muito de
país para país, os efeitos finais são nulos. O Parlamento é uma organização
híbrida, com enormes poderes dentro da “bolha europeia”, sem capacidade de
representação, sem intervenção nas comunidades nacionais e sem interlocução com
os cidadãos. O Parlamento Europeu é um embuste: criado para lutar contra o
“défice democrático”, apenas legitima esse mesmo défice. Importantes são as
eleições nacionais alemãs.
O que pretende a Europa? A paz? Já conseguiu. Integrar todos? Está feito.
Criar as bases para a democracia nos países europeus? Realizado. Neutralizar
as tendências imperiais da Alemanha? Cumprido. Criar uma base estável de defesa
com os Estados Unidos? Efectuado. Resistir ao comunismo soviético? Foi um
êxito. Fundar novos sistemas de livre circulação de pessoas, de ideias,
capitais e mercadorias? Executado. O que é mais confrangedor é que a Europa não
tem nada para oferecer, a não ser o que é e o que está. Oferecer aos cidadãos o
que já têm, paz, liberdade e livre circulação, não parece especialmente
excitante. Mobilizar os eleitores para a democracia que têm há décadas também
não é emocionante. Olha-se para a Europa e não se vê o que nos possa dar de
novo. Mais do mesmo é receita para desastre ou abstenção. E dá o flanco aos
seus inimigos.
Faz
algum sentido “lutar contra a abstenção” e “encorajar a participação dos
cidadãos”? Se sim, do que se duvida, como fazer para que os europeus se
interessem pela Europa e pelas eleições? As respostas são conhecidas. Mais
Europa. Mais Parlamento Europeu. Mais sessões de esclarecimento. Mais colóquios
sobre as benfeitorias de Europa. Mais subsídios. Mais excursões a Bruxelas.
Mais regiões. Mais votos obrigatórios. Multas para quem não vota. Nada disto
serve absolutamente para nada, a não ser dar emprego às agências de
comunicação.
A crise de cidadania e de participação política na Europa resulta da
metamorfose dos cidadãos nacionais, uma certeza, em cidadãos europeus, uma
abstracção. Como é efeito da
transferência das soberanias nacionais, conhecidas, para a soberania europeia,
inexistente. A crise política é consequência do definhamento dos parlamentos
nacionais e da emergência de um parlamento artificial sem identidade.
A soberania europeia não existe. Como
não existem cidadãos europeus. Os cidadãos são nacionais. Que estes sejam
europeus, muito bem. Mas que sejam cidadãos europeus, nem pensar. A cidadania
exige e implica reconhecimento e identidade, pertença e justiça, cultura e tradição!
Praticamente nada disso existe na Europa, a não ser dentro dos Estados e das
nações. Para tudo o que é político e democrático, os cidadãos querem tratar com
o seu país e a sua comunidade, não com a Europa. Para a justiça e a coesão, os
cidadãos olham para os seus Estados, não para a Europa.
A União Europeia pode e deve
respeitar a democracia, mas não é democrática. Faz tudo o que se imagina para
diminuir a abstenção e aproximar os cidadãos. Mas é tarefa inútil. As
liberdades, a cultura, a ciência e a protecção social são construções humanas e
sociais, com história e geografia, não resultam da política europeia, nem de
construções jurídicas ou de sistemas internacionais de equilíbrio.
Fizemos uma Europa longe demais.
Recuar é difícil. Mudar de rumo ainda é mais difícil, mas necessário. Se assim
não for, a alternativa, a liquidação, é desastrosa.
Sociólogo
COMENTÁRIOS:
Rusty Tachikoma,
11.03.2019: "Mas é tarefa inútil. As liberdades, a cultura, a ciência e
a protecção social são construções humanas e sociais, com história e geografia,
não resultam da política europeia, nem de construções jurídicas ou de sistemas
internacionais de equilíbrio." Errado, meu caro. As últimas podem ajudar a acelerar a
realização das primeiras. As primeiras são aquilo que irá resultar em cada vez
maior trânsito de pessoas e ideias (como nunca se viu sequer até à 15 anos
atrás). Além disso, algumas dessas construções que enumerou não necessitam do
conceito "nação" para existirem.
António M. Pinto, V. N. de Gaia 11.03.2019: Numa coisa o António Barreto se parece
com Karl Marx: analisa bem a situação mas perde-se na solução. Marx, por
excesso; Barreto, por escassez.
FS, Lisboa 10.03.2019: A Europa sem nada para fazer? Está tudo
feito? Onde é que vive o António Barreto?
Jonas New York, 10.03.2019: É por demais claro que a UE caminha para
o abismo. Portugal devia aliar-se a potências económicas suas amigas como o
Brasil e Angola, não aos suseranos capitalistas da EU.
José Sousa, 10.03.2019: Um texto claro que incomodará muita
gente, como é óbvio. Um texto que alerta que o caminho mais seguro não é mais
Europa, é menos. Uma Europa que não permite as nações serem nações está
condenada a ser uma panela de pressão que irá explodir. Não querer ver isto na ânsia
das esmolas que nos dão, ou no sonho funesto de querer que os outros paguem os
nossos problemas, é não compreender a realidade. Foi esta cegueira que levou ao
Brexit, e infelizmente se continuarmos a espremer irá levar a outros.
Fowler
Fowler, 10.03.2019 : Nota-se
à distância que o sr. Barreto andou a ler, com devoção, livros de aristocratas
conservadores britânicos, os eurocépticos. Volta e meia aplica aqui o que
aprendeu com eles, a chapa 4: os pequenos passos, “manhosos”, versus, largos
passos “perigosos”. Como se diz em português: “ é preso por ter cão e preso por
não ter”. Sem ideias e com a lente a necessitar de ser substituída, o sr.
Barreto tomou a liberdade de prender tudo o que mexe. Como sempre.
Jose, 10.03.2019: Vasco
Pulido Valente diz: "Macron apela ao renascimento europeu. Como sempre, a
França toma-se pelo que não é e quer-se fazer passar pela cabeça da Europa. Não
admira que os franceses e o Estado-Fantasma de Bruxelas tenham tanta
dificuldade em compreender o “Brexit”. Afinal, a União Europeia é, na essência,
uma aliança entre as três potências do Continente – a França, a Alemanha e a
Itália – que foram derrotadas na II Guerra Mundial. Há 74 anos? Sim, mas não é
muito tempo."
ana cristina, Lisboa et Orbi 10.03.2019
: as linhas que cita do VPV são poesia surrealista: fazem pensar
mas é para levar à letra.
Jorge Sm, Portugal : Caramba, mais um texto de António Barreto cheio de erros de
análise e de afirmações em choque com a realidade. Tantas que seria preciso
escrever muitos comentários para desmontá-las.
Jonas New York, 10.03.2019: A Europa ficou mais pobre desde que eu
emigrei para os EUA, isso é claríssimo
rafael.guerra.www,
10.03.2019: Não nos diga que já fechou a torneira a todas aquelas remessas
que alimentavam todos os nossos vícios?
AA...Para
a mentira ser segura ... tem que ter qualquer coisa de verdade,Portugal 10.03.2019 : Quais são os poderes do PE?!! Nenhuns. Quem manda na U E é a Comissão Europeia e a Alemanha. O PE é
apenas um bom tacho para premiar políticos de fiéis dos partidos. Ganham 20.000
euros limpinhos por mês e uma reforma garantida até ao fim. O PE não serve para
nada a não ser para queimarem dinheiro dos contribuintes europeus e para a
malta que lá está, dizer umas banalidades de vez em quando. Quanto à paz na
Europa, é um facto adquirido. Deixaram a NATO a cargo dos EUA e não querem
pagar a conta. A verdade é que nenhum europeu arriscaria a vida pelo que quer
que fosse, aqui ou noutro lado qualquer. Os americanos tratam de tudo. O
verdadeiro inimigo, que é a China, anda por aí a comprar as empresas europeias
sem qualquer travão. Quando acordarem será tarde. Quem vier a seguir que feche
a porta.
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