Textos que advertem contra erros
de governação, atidos ao provérbio da nossa insistência correctora “Água mole em pedra dura…”, que não
resulta, finórios que somos, à falta dos tais princípios de exigência,
responsabilidade e retribuição correspondente, desde sempre retirados dos nossos
parâmetros educacionais. A primeira crónica, de João Miguel Tavares, é
apoiada por comentadores experientes. A segunda, de Pedro Barros Ferreira, é
um retrato assustado, com razões de crédito, sobre um Bloco agressivo e
ambicioso de participar na família de que trata a primeira crónica. Como
é mais recente, ou porque são justas as críticas, ainda não recebeu comentários,
nem dos indignados defensores desse partido, geralmente de impaciência
desbocada, a comprovar a tal falta de princípios educacionais, que nos
persegue.
OPINIÃO
O país dos filhinhos do papá existe
mesmo – e é feio
Em Portugal, são demasiados casos,
demasiados exemplos, demasiados filhos, demasiados amigos, para que tantos
“filhos de” e “filhas de” sejam os mais competentes do país em tantos lugares
distintos.
JOÃO MIGUEL TAVARES, Jornalista, OBSERVADOR, 26 de Fevereiro de 2019
As
inúmeras reacções a desculpar o problema dos cruzamentos familiares no actual
governo, inclusivamente por parte de pessoas que tenho por sérias e
inteligentes, demonstram bem o caminho que este país ainda tem de trilhar para
adquirir uma cultura cívica minimamente decente. A ingenuidade (para utilizar uma palavra
simpática) com que o argumento da competência foi invocado para
justificar as opções de
António Costa – a saber: não interessa se são filhos, pais,
irmãos, maridos ou mulheres, o que interessa é se são competentes ou não –
deixa-me absolutamente estupefacto, porque é demasiado básico, vulgar e
terceiro-mundista. O problema não está, nem nunca esteve, na competência
das pessoas envolvidas. Está, como sempre esteve, na sua proximidade.
Quem
reflecte sobre relações e hierarquias sociais já compreendeu, há milénios, que a
proximidade familiar pode atrapalhar a tomada das melhores decisões, devido a
interesses secundários que se intrometem. Não é por acaso que as sociedades
mais desenvolvidas do planeta são aquelas em que as instituições melhor
resistem às tentações endogâmicas. O conceito de conflito de interesses não
depende da inteligência, da competência ou da seriedade dos envolvidos – ele
precede tudo isso. E precede-o não só para evitar que relações íntimas se
cruzem com as decisões políticas, mas também porque a nomeação de amigos ou
familiares para cargos poderosos e de difícil acesso transmite uma péssima
imagem para uma sociedade que se quer meritocrática. O que diz é isto: não
basta seres bom; precisas ser bem.
Não
deveria ser necessário migrar da província para a capital, ou viver fora de
grandes centros urbanos, para perceber o quanto a sociedade portuguesa é
sufocada por uma pequena elite que se vai perpetuando nos lugares mais elevados
de poder, e que à boa maneira aristocrática consegue que os privilégios passem
de pais para filhos ou circulem entre grupos de amigos próximos. A promoção dos
“filhos de”, como muito bem sabe quem lá anda, é constante nas faculdades de
Medicina, nos hospitais, nas faculdades de Direito, nos escritórios de
advogados. Ainda há poucos dias foi noticiado que o PS propôs para o Tribunal
Constitucional a jurista Mariana Canotilho. Filha de quem? Do professor José
Gomes Canotilho, claro está.
Isso
não significa, como é óbvio, que Mariana Canotilho não possa ser extremamente
competente como juíza. Tal como Maria na Vieira da Silva poderá certamente vir
a revelar-se muito competente como ministra. Só que, em Portugal, são
demasiados casos, demasiados exemplos, demasiados filhos, demasiados amigos,
para que tantos “filhos de” e “filhas de” sejam os mais competentes do país em
tantos lugares distintos. Tamanha excelência geneticamente concentrada não só é
coisa estatisticamente improvável, por melhores que sejam os papás e a educação
que deram aos seus meninos, como, ainda que fossem, de facto, as pessoas mais
competentes de Portugal, o problema que acima assinalei persistiria: o miúdo
nascido numa família modesta do Alandroal iria sempre sentir que o seu elevador
iria ficar encravado nos andares mais altos do país, por falta de lubrificação
social. E com razão.
O que acabo de dizer deveria ser
perfeitamente pacífico e consensual. Os problemas da endogamia portuguesa estão
detectados há muito, e há vasta literatura sobre o tema. Se já nem isto causa
um genuíno sobressalto cívico, então o país ainda está mais sonâmbulo do que eu
pensava.
COMENTÁRIOS
Joaquim Sá, Braga 27.02.2019: "a sociedade
portuguesa é sufocada por uma pequena elite que se vai perpetuando nos lugares
mais elevados de poder": Tem toda a razão. Isso somado aos "amigos
de", "ao pessoal de confiança de" dá uma mesquinha elite cuja
competência desce à medida que aumenta o amiguismo e o familiairismo. O que não
vê quem argumenta com a justificação da competência é que um recente estudo em
variadas empresas do Estado demonstra que ser eficiente, diligente,
cumpridor...etc, conta ZERO para na política de promoção na carreira. Andei 22
anos pela universidade e vos garanto que não são os melhores que chegam a
catedráticos, são os mais "adaptados" ao sistema de poder instalado.
Os diagnósticos estão feitos, mas nada muda, porque quem tem o poder de mudar é
quem mais perde. Somos uma equação sem solução.
albergaselizete,
27.02.2019 : Como
é que formando o estado os nossos médicos, a política os afastou, para
organizações privadas e detidas por pessoas conhecidas? Estes mesmos médicos
são contractados a estas "empresas", pelo SNS, a preços 3 ou 4 vezes
superiores, onerando os custos com os salários em 300 milhões de euros, em
2017. Quem ganhou e ganha com este negócio e quem perde? Parece que quem criou
estas empresas e "aluga" os médicos ao SNS, é um
"felizardo" e tem uma renda garantida. É apenas mais uma renda,
depois existem outras, cujos "criadores" destes
"empreendimentos" e empregadores, também conhecidos, coexistem noutra
dimensão, onde são alocados biliões de euros. Outra dimensão, mas paralela e
comulativa.
Americo
Silva, 27.02.2019 : Não passa um dia em que eu não assista a algo do género nos
ambientes trabalho, cidadania ou familiar! É a nossa cruz! O problema é que são
todos demasiadamente preguiçosos para mudar, pois o trabalho faz calos é duro e
ninguém está para isso...
Nós não queremos saber "puto" dessa história da
endogamia! O que nós queremos é uma fatia do bolo; seja a pessoa que trabalha
na construção civil, seja a pessoa que trabalha na presidência da república! O
que todos nós esperamos de cada dia é ter a oportunidade de conhecer alguém com
posição de relevância, travar conhecimento e, depois oferecer uma prenda em
troca do favor que sabemos vir a precisar no futuro! Isto somos nós Portugal e
os Portugueses, e vivemos perfeitamente bem com isso. Aliás quando esse elo é
rompido, surge um problema de confiança! No final somos uns idiotas que nos
queixamos da trapalhada em que vivemos, depois de a termos feito, para depois a
continuarmos a fazer!
Em primeiro lugar, se as filhas, os filhos, as amigas, os
amigos, etc. fossem realmente pessoas tremendamente competentes, há muito,
repito há muito que o nosso país mostrava uma saúde financeira invejável e,
também que a corrupção não existia! Mas, pasme-se o temos é exactamente o
oposto! Um problema económico financeiro gravíssimo sem solução e que ninguém
resolve, ao que acresce a permanente e diária descoberta de casos de corrupção!
Ora isto só acontece porque efectivamente somos todos, repito somos todos
incompetentes e cultivamos a endogamia!”
OBSERVADOR, 3/3/2019
Os partidos da direita democrática devem
ater-se no que importa e não em discursos patetas que levam ao afastamento das
mulheres que tenham um pingo de inteligência, ou dos ateus, ou dos
homossexuais.
É
conhecida a expressão “os extremos tocam-se”. De forma a ver se tal preposição
continua verdadeira, fui ler – não sem sacrifício – as opções
políticas do português Bloco de Esquerda, assim como as do denominado
“protofascista” Viktor Orbán da Hungria.
Assim,
e para começo de conversa, lemos na Declaração de princípios – “Começar
de novo” – (o manifesto político de
lançamento do Bloco) um ataque
à globalização, nos parágrafos – “Globalização uma civilização da
injustiça”, “A globalização contra o desenvolvimento”, “A globalização contra a
cidadania”. Como é bom de ver pelos títulos (e poupo o leitor ao
arrazoado) o Bloco está contra o movimento que – comprovadamente – retirou
da pobreza extrema, centenas de milhões de seres humanos em todo o Mundo. Fez
uns mais ricos? Claro que sim, mas o problema não é existirem ricos, é o de
existirem pobres.
Quem
perora contra a globalização? Assim que me lembre, o Orbán da Hungria e o
Presidente Trump. É verdade, esses dois alvos da retórica “bloquiana”
defendem o mesmo.
Duas
das primeiras medidas de Orbán foram a abolição das propinas universitárias e a
universalização dos benefícios à maternidade. O Bloco apoia, julgo.
Na
última Moção vencedora, “A força da esperança”, o Bloco afirma que as
forças reaccionárias da União Europeia tentam travar o Brexit. Ora, não é o
Brexit uma “conquista” das forças reaccionárias britânicas? Mau! Fico confuso.
Quem
também carrega forte na UE? O Orbán, pois claro. According to Politico,
Orbán political philosophy “echoes the resentments of what were once the
peasant and working classes” by promoting an “uncompromising defense of
national sovereignty and a transparent distrust of Europe’s ruling
establishments”.[71]
Mas
onde já li algo parecido? “Construída sempre à revelia dos povos e sem
os povos, esta União Europeia seria sempre um projecto contra os povos. Hoje,
sendo um projecto condenado pela espiral do desemprego e pela imposição, a
União Europeia é uma máquina de guerra contra as pessoas e os direitos sociais.
A esperança popular está na luta pelo emprego e pela soberania democrática em
cada país e pela emancipação social.” Bloco dixit.
Este
exercício, para quem tiver paciência, pode ser repetido em inúmeras matérias. Onde
diverge? Nos famosos direitos LGBTQIKHSDFR… Aí sim, são diferentes. Já deve
faltar pouco tempo para, em Portugal, o Bloco adoptar a ideia francesa de
alterar as fichas dos alunos para que contenham Progenitor 1 e 2, em vez de Pai
e Mãe. Acredito aliás, que o Bloco irá mais longe e irá propor o 1, o 1,5 e o
2.
O
Bloco de Esquerda nasceu de uma pantominice e continua alegremente no mesmo
estilo, tendo este Partido Socialista saído (terá?) do tempo “fantasmagórico”
de Sócrates dado a mão, que ele – o Bloco – precisava como de pão para a boca.
Por essa razão, os portugueses são obrigados a aturar pessoas intelectualmente
desonestas que não dizem verdadeiramente ao que vêm. Pessoas sem qualquer
capacidade profissional e/ou académica e que, pasme-se, acham que devem chegar
ao Governo da Nação. Pessoas que desvalorizam e relativizam o terrorismo do
fundamentalismo islâmico, porque – coitadinhos dos bombistas – são vítimas da
globalização. “Só combatendo as discriminações e investindo a sério na
coesão social e no diálogo intercultural poderemos conter as forças de que se
alimenta a escalada do terror.” (retirado da referida Moção). É, aliás, sintomático desta visão, a classificação
– por parte do Bloco – de Israel como sendo uma ditadura. “Deve terminar a
venda de armas aos regimes turco, saudita e israelita e a todas as ditaduras.” Podem
jogar com as palavras, mas a intenção está lá. Esquecem, no entanto, que Israel
é a única verdadeira democracia na região, com eleições livres e onde vigora um
Estado de Direito. Sabem quem não gosta de Israel? O Orbán é claro.
Quanto
ao modelo de sociedade;
“(..) Orbán
repudiated the classical liberal theory of the state as a free association
of atomistic individuals, arguing for the use of the
state as the means of organizing, invigorating, or even constructing the national community.(..) it is properly
called “illiberal” because it views the community, and not the individual, as
the basic political unit.[75] (..)”
“3.10.
O Bloco de Esquerda tem de estar onde estão as pessoas, onde elas mais sofrem,
aumentar o enraizamento na sociedade, na empresa, no sindicato, na escola ou na
colectividade, procurando fazer movimento, envolvendo todos para uma luta que
se adivinha dura.”
Ou
sou só eu, ou há aqui semelhanças… Por isso e resumindo: quer um, quer outro,
não são recomendáveis.
E
por não serem, é obrigatório que os partidos da direita democrática se atenham
no que importa e não em discursos patetas que levam ao afastamento, p.ex., das mulheres
que tenham um pingo de inteligência e de amor-próprio, ou dos ateus, ou dos
homossexuais, ou de quem não tenha um posicionamento ultramontano que já não se
usa e que também não se recomenda.
Militante
do CDS-PP. Politólogo
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