Teresa de Sousa,
incansável, honesta, benfazeja, tenta acertar as agulhas da sua visão do mundo
ideal que pretende para essa Europa da democracia, como de repente esta se
revelou com as suas uniões de interapoio (ou antes, de apoio dos grandes aos
mais pequenos), que não sei mesmo se não resultaram antes (ou também), de uma
consciência de responsabilidade nas tragédias que esfacelaram o mundo a quando
das descolonizações, de que eles foram grandemente responsáveis. O certo é que os
povos que tinham colónias iam contribuindo para uma evolução razoável desses
povos, num sentido de paz e de progresso, como, de resto, se fazia nos países
americanos que, de colónias passaram a países independentes, e por isso se
libertaram desses apodos vexatórios feitos aos povos colonialistas, de
desumanidade e exploração apenas, na expressão radical dos filósofos da
fraternidade universal. Feitas as descolonizações com o pontapé dos povos ricos
e “bondosos” do norte europeu – e americano - revelaram-se tais descolonizações
perniciosas e agravantes da paz desses povos, presas dos seus novos dirigentes
sem saber e sem escrúpulos, tornaram-se os continentes, como a África, foco de
insegurança, de miséria e de lutas contínuas, que forçaram muitos dos seus
habitantes a procurar refúgio junto dos anteriores responsáveis pelas suas
vidas. Daí, a invasão da Europa, daí a aceitação europeia desses povos, (e dos
do Médio Oriente, de outros contextos e atropelos religiosos e nacionalistas,
mas não menos cruéis que aqueles), aceitação pelo reconhecimento da parte que à
Europa e Américas coube na intrujice das descolonizações, daí a fraternidade,
daí, a democracia, daí a união europeia, exceptuadas outras razões de foro
económico e pseudo-fraterno, que as moveu.
O certo, é que tudo isso se está a
esbarrondar. A Europa dos nacionalismos retoma os seus trâmites e não está para
servir de apoio a esses que deles necessitam lá de fora – e de que tantas vezes
o Mediterrâneo é depósito – além de que os da riqueza bem encaminhada e obtida
na exigência do esforço se cansaram da irreflexão dos que deles vão mamando, e
com débitos estrondosos. Macron,
coitado, desfaz-se em arremetidas, para manter o equilíbrio anterior, Teresa de Sousa dá o seu parecer, os seus comentadores,
os deles, eu nada sei. Só sei que nada sei. E que tudo vai mal, os deputados
europeus, jogando as suas cartas, para o tacho individual. Para todos os
efeitos, a democracia tem um grande alcance. Excepto para os que morrem no
Mediterrâneo.
OPINIÃO
Não perguntem à Alemanha o que pode
fazer pela Europa...
A Alemanha, depois da unificação,
continua às voltas com o seu lugar no mundo e na Europa.
TERESA DE SOUSAPÚBLICO, 17 de
Março de 2019
1. Finda a leitura do artigo de Annegret
Kramp-Karrenbauer (AKK), publicado a 10 de Março no Die Welt, com a sua
resposta à Carta de Emmanuel Macron aos europeus, uma célebre frase
de JFK no seu discurso inaugural vem-nos imediatamente ao espírito. Basta
trocar a palavra América pela palavra Alemanha e temos um bom resumo do que
exprime a
sucessora de Angela Merkel na CDU e, provavelmente, na
chancelaria de Berlim. “Não perguntem à Alemanha o que pode fazer pela
Europa, perguntem à Europa o que pode fazer pela Alemanha.” O
Presidente francês propôs um Renascimento Europeu. AKK apenas
“Getting Europe right”. O que, bem vistas as coisas, não quer dizer absolutamente
nada.
Macron
apresenta uma ambiciosa visão para um continente ameaçado interna e
externamente, que já tem pouco tempo para encontrar a forma de não se
transformar num joguete das grandes potências mundiais, novas e velhas, e para
esconjurar o fantasma do nacionalismo que volta a assombrá-lo. Não é preciso concordar com todas as suas ideias para
perceber a diferença em relação a um texto sem qualquer particular ambição a
não ser a de destacar todas as áreas da integração europeia que dão jeito à
Alemanha para afirmar a sua economia e o seu estatuto, afastar todas aquelas
que podem alterar o status quo europeu ou reforçar o sentido de
solidariedade e de partilha entre os cidadãos europeus e acrescentar duas
provocações directas ao seu principal aliado europeu, mais uma ou outra ideia
tão estapafúrdia como construir um porta-aviões europeu.
2. Comecemos pela lista que justifica o nome
desta crónica. AKK, que será provavelmente a próxima chanceler da Alemanha,
quer mais investimento em I&D, mais cooperação na defesa e segurança,
políticas comuns para as migrações. O que se compreende, para um país
que, sendo embora a maior economia europeia, anda às voltas com um modelo de
desenvolvimento muito pouco inovador e que começa a perceber que esse modelo
pode estar em causa, num mundo em que quem marca o ritmo da inovação marca
também o ritmo da economia. Quer mais defesa e segurança (embora em
termos bastante vagos) porque quem lhe garantiu a sua própria segurança no
pós-guerra, permitindo-lhe um desenvolvimento económico sem precedentes, parece
agora estar menos disposto a continuar a fazê-lo ou, pelo menos, a
exigir-lhe que pague muito mais por ele. Com um exército a
romper pelas costuras e ainda uma grande incapacidade para assumir
responsabilidades militares, dá-lhe jeito distribuir o fardo. Quer mais
políticas europeias de imigração, porque não quer ver-se de novo na situação de
2015, que custou a Merkel e à CDU alguns votos e abriu
espaço a um partido de extrema-direita.
O que não quer? Aprofundar a coesão da zona euro, de forma a torná-la
menos vulnerável a qualquer nova recessão ou choque externo. AKK elenca a lista de “nãos” que já sabemos de
cor. Não a qualquer forma de mutualização da dívida, não
a qualquer forma de orçamento da zona erro que implique “transferências”
financeiras, não ao terceiro
pilar da União Bancária (garantia comum de depósitos). Mas vai mais longe, respondendo às propostas de Macron sobre a
dimensão social da integração europeia, hoje fundamental para reconquistar
a confiança dos europeus numa Europa que se preocupe com eles, que não os jogue
uns contra os outros e que lhes garanta que não serão sempre os mesmos a pagar
a factura. Isso, diz AKK, é centralismo e estatismo. Que não permitiria à Alemanha competir por
via dos salários ou estabelecer um salário mínimo, que não existe a não ser a
nível sectorial e porque o SPD o impôs como condição para firmar o acordo de
coligação com a CDU/CSU. Aliás, o modelo
alemão continua a assentar na contenção do consumo interno e na geração
de superavits orçamentais enormes, para manter a sua máquina
exportadora a funcionar a todo o vapor, independentemente dos danos que possa
causar a terceiros – dentro e fora da União Europeia. Sem o menor sinal de que poderá esforçar-se por
corrigir um desequilíbrio macroeconómico europeu que o próprio Tratado
Orçamental obriga a corrigir. Até a China consegue ser mais compreensiva
(com uma pequena “ajuda” dos EUA) quanto à necessidade de fazer a transição de
um modelo que assenta nas exportações para outro que conte também com o aumento
do consumo interno. A
novíssima preocupação alemã é com a dimensão das suas empresas para competirem
com os gigantes americanos e chineses, ao ponto de parecer disposta a abandonar
o seu precioso “ordoliberalismo” e aceitar menos concorrência e mais “campeões
europeus”. Como escrevia o Berlim Policy Journal, o problema não é o
número de empresas europeias nas 100 maiores do mundo, é a falta de qualquer
empresa europeia nas 20 maiores, repartidas entre os gigantes tecnológicos
americanos e os seus concorrentes chineses. Criar um gigante para fabricar
comboios não é propriamente uma grande inovação.
3. Quais são as provocações com destino a Paris? Uma é
absolutamente inútil: fechar a
sede do Parlamento Europeu em Estrasburgo. Até poderia fazer sentido.
Apresentá-la agora sabendo que não vale de nada é apenas para dizer a Paris:
“Não aborreçam.” A outra tem um significado que vai além do
provocatório: a
pretensão de substituir os dois lugares ou, em breve, o lugar da França (o
outro é do Reino Unido) no Conselho de Segurança da ONU por um lugar da União
Europeia. Para os mais ingénuos até pareceria uma ideia cheia de
europeísmo. Não é, e nem sequer apenas pela razão mais óbvia: não há, como
vemos todos os dias, uma Política Externa e de Segurança Comum. O que Berlim
quer é um lugar permanente para a Alemanha, o que até poderia vir a acontecer
no quadro de uma reforma profunda que abrisse as portas a outras potências
“emergentes” que querem ter também a sua representação. Estão na lista a Índia,
o Brasil ou o Japão. Mas o problema nem sequer é esse.
A França e o Reino Unido desempenham o
seu papel de potências ocidentais e democráticas, ao lado dos EUA, para fazer
valer a ordem internacional criada depois da Guerra. Nem sempre votam com os
EUA, mas votam no essencial. Não votam certamente com a Rússia ou com a China.
A Alemanha, depois da unificação, continua às volta com o seu lugar no mundo e
na Europa, comportando-se mais vezes como uma potência geoeconómica do que como
uma potência geopolítica, o que a leva a cair na tentação de alinhar com as
“potências emergentes”. Não era
certamente este o passo a dar para consolidar a política externa europeia. Como
refere o Berlim Policy Journal, “nem sequer é suficientemente
claro que tenhamos consciência do imenso que beneficiámos com os EUA e a União
Europeia, ou que o queiramos reconhecer para tirar as devidas conclusões”.
E continua: “E recusamo-nos a reconhecer que as nossas decisões – no Nord
Stream II, na zona euro ou na crise dos refugiados – têm consequências (e custos) muito para além das
nossas fronteiras.” Na própria Alemanha, a carta de AKK não merece grandes
elogios. Falta de ambição – é a crítica mais comum. “Macron voltou a falar
para um muro”, reconhece muita gente.
4. A Alemanha continua a manter-se fiel à opção estratégica que fez
depois da unificação: “manter-se rodeada de Ocidente por todos os lados”,
como dizia na altura Timothy
Garton Ash ou, como se pode dizer agora, rodeada de
democracias a Ocidente e a Leste, incluídas na União Europeia. O euro nasceu
desta promessa. As crises democráticas nos países da Europa Central são
preocupantes e Berlim procura reagir-lhes com cuidado, como se viu também na
carta de AKK, que não menciona esse desafio existencial que a União enfrenta.A crise
que hoje vive o projecto de integração europeia – que já não é sobre maior ou
menor integração, mas sobre como evitar a desagregação – torna indispensável e
urgente debater sem complexos o que quer a Alemanha da Europa. Não nos termos,
profundamente errados, do regresso ao passado, mas nos termos do presente e com
as evidências do presente. Os títulos mais simpáticos falam de “hegemonia
relutante”. Os mais directos dizem que a “Alemanha finge que dorme” ou “faz-se
de surda”. O debate tem de ser feito, a bem da Europa e a bem da Alemanha.
COMENTÁRIOS:
Jonas Almeida, Stony Brook NY, Marialva
Beira Alta00:42: A Alemanha é uma país e uma nação perfeitamente normal
- as pessoas votam em quem defendem os seus interesses, as regiões organizam os
seus referendos quando querem. O euro não foi uma opção dos alemães, que
preferiam o marco, foi uma imposição francesa para não bloquearem a
reunificação, como recordava o Der Spiegel em artigo de 2010, título na versão
inglesa "Was the Deutsche Mark Sacrificed for Reunification?". Tenho
lá amigos de longuíssima data e dou lá aulas periodicamente. Não sinto nem na
sua juventude nem nos seus valores de pragmatismo quaisquer dúvidas identitárias.
A crítica de TdS não faz sentido - o gato por lebre que os europeizinhos da
treta vendem não é deles. É mais um hegemon totalitário no qual o povo alemão
desta vez não está interessado. Há quem aprenda com a História.
AndradeQB, Porto 17.03.2019: Como é que
alguém adulto como Teresa de Sousa admite como possível a mutualização da
divida, as transferências financeiras, ou a garantia comum de depósitos, sem a
correspondente transferência de poder? Poder-se-á achar mal transferir o lugar
no Conselho de Segurança da ONU da França para a EU/Alemanha, enquanto se acha
bem transferir o pagamentos das dividas da EU/ França para a Alemanha?
Raquel Azulay, 17.03.2019 1: Cara Dra
Teresa, eu só tenho fé na juventude europeia, especialmente na juventude alemã.
Só elas e eles poderão alterar a equação, de baixo para cima. As elites terão
de ser (democraticamente) forçadas a pensar de forma diferente. Não há outra
saída. As elites políticas europeias estão presas a um paradigma anacrónico.
(mas ainda vigente, como é obvio). As próximas eleições europeias e nacionais
(especialmente na Alemanha) serão absolutamente decisivas. É incrível: o futuro
do velho continente nas mãos dos que menos se importam com a política.
Sinceramente, eu não sei se esta é uma situação trágica ou o preâmbulo de uma
nova era...Alea iacta est
Jonas Almeida, Stony Brook NY, Marialva
Beira Alta 00: Raquel,
conheço bem a Alemanha. Os seus jovens não parecem ter dúvidas sobre o que são
e o que querem. É normal que queiram da "Europa" apenas aquilo que
lhes interessa. Os portugueses sacrificam hoje a sua juventude na mesma pira de
ilusões que usávamos nas ex colónias quando vendíamos a "assimilação":
com o objectivo de aceder a recursos e mão de obra barata, não havia dúvidas
quem eram os "verdadeiros portugueses". A única novidade é que no
nosso caso agora não houve qualquer resistência - vendemo-nos uns aos outros
desde o primeiro dia. Uma imensa e ruinosa vergonha.
nelsonfari, Portela-Loures 17.03.2019:
Mas a Europa para sobreviver nos tempos actuais precisa
da UE. A UE, na guerra dos mundos, é imprescindível. A apreciação maniqueísta
entre Macron-AKK não conduz a nada. E se a dívida francesa é elevada (100% do
PIB) tem a ver com o seu sistema de protecção social e os consulados de Sarkozy
e Hollande .A Alemanha contou com o colaboracionismo de Schröder(SPD) para
provocar a desvalorização interna tendo em vista o comércio externo. Impôs à
Europa ondas crescentes de austeridade e, ironia das ironias, hoje sente que o
chão lhe escapa face ao atraso tecnológico. O Oriente actualmente produz o
mesmo com mais racionalidade. O discurso continua egoísta com AKK. Macron já
percebeu: a Alemanha, sem poder dissuasivo face a Putin, atrasada
tecnologicamente é um gigante de pés-de-barro. Le suivant.
publico1234567,
17.03.2019: "E se a dívida francesa é elevada(100% do
PIB) tem a ver com o seu sistema de protecção social" - Pois, o povo
(trabalhador que desconta para o efeito) é sempre o responsável do descalabro.
A financeirização das coisas (responsabilidade do sistema predatório bancário)
não tem nada a ver.
nelsonfari, Portela-Loures 17.03.2019: Não fui claro, porventura. Quis dizer que a
França não fez desvalorização interna como a Alemanha, que fez desvalorização
interna de salários para se tornar competitiva nas exportações. Mas,
actualmente, já reconhece o erro cometido.
Raquel Azulay, 17.03.2019: Cont.
> aliás, como certamente terá percebido, as propostas de
Macron têm muito mais que ver com uma tentativa de persuadir algumas elites
políticas europeias a pressionar Berlim do que com qualquer pragmatismo político.
Macron está fartinho de saber que as suas propostas jamais seriam aceites por
Berlim. Ou seja, a iniciativa de Macron foi uma manobra de relações públicas.
Nada mais do que isto. Objectivo:
encurralar Berlim. Macron foi completamente inconsequente. Berlim bateu-lhe com
a porta na cara, como seria de esperar. A UE é isto e nada mais do que isto:
interesses nacionais travestidos de interesses comuns. Em Portugal tb é isto
que acontece. O estado-nação perdura.
A
"visão" de Macron apresenta os interesses nacionais franceses como
interesses europeus. A de AKK idem. Ou seja, o que ambas reflectem é a
persistência ou a primazia dos interesses nacionais. A Teresa acredita que os
alemães aceitariam a mutualização da dívida ou uma garantia comum de depósitos
no presente contexto? (isto é, com países como a Hungria, Polónia e Itália que
questionam as directrizes de Bruxelas).
AKK quer mais cooperação na defesa porque quer gastar menos com a defesa
(quer distribuir o fardo, como diz), quer uma política comum para lidar com as
migrações porque este é um prob que aflige Berlim. Macron luta pela
mutualização da dívida porque as contas públicas francesas estão de rastos...As
propostas de Macron são absurdas pq ignoram p completo os interesses alemães.
Fernando Carvalho, Alverca 17.03.2019
: Macron apresentou um programa ambicioso para a Europa?!
Mas na opinião de vários autores, o seu discurso abunda em banalidades e
esbarra nas influências hegemónicas em que a ue acabou por se enredar.
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