segunda-feira, 18 de março de 2019

Demasiado pó neste caos



Teresa de Sousa, incansável, honesta, benfazeja, tenta acertar as agulhas da sua visão do mundo ideal que pretende para essa Europa da democracia, como de repente esta se revelou com as suas uniões de interapoio (ou antes, de apoio dos grandes aos mais pequenos), que não sei mesmo se não resultaram antes (ou também), de uma consciência de responsabilidade nas tragédias que esfacelaram o mundo a quando das descolonizações, de que eles foram grandemente responsáveis. O certo é que os povos que tinham colónias iam contribuindo para uma evolução razoável desses povos, num sentido de paz e de progresso, como, de resto, se fazia nos países americanos que, de colónias passaram a países independentes, e por isso se libertaram desses apodos vexatórios feitos aos povos colonialistas, de desumanidade e exploração apenas, na expressão radical dos filósofos da fraternidade universal. Feitas as descolonizações com o pontapé dos povos ricos e “bondosos” do norte europeu – e americano - revelaram-se tais descolonizações perniciosas e agravantes da paz desses povos, presas dos seus novos dirigentes sem saber e sem escrúpulos, tornaram-se os continentes, como a África, foco de insegurança, de miséria e de lutas contínuas, que forçaram muitos dos seus habitantes a procurar refúgio junto dos anteriores responsáveis pelas suas vidas. Daí, a invasão da Europa, daí a aceitação europeia desses povos, (e dos do Médio Oriente, de outros contextos e atropelos religiosos e nacionalistas, mas não menos cruéis que aqueles), aceitação pelo reconhecimento da parte que à Europa e Américas coube na intrujice das descolonizações, daí a fraternidade, daí, a democracia, daí a união europeia, exceptuadas outras razões de foro económico e pseudo-fraterno, que as moveu.
O certo, é que tudo isso se está a esbarrondar. A Europa dos nacionalismos retoma os seus trâmites e não está para servir de apoio a esses que deles necessitam lá de fora – e de que tantas vezes o Mediterrâneo é depósito – além de que os da riqueza bem encaminhada e obtida na exigência do esforço se cansaram da irreflexão dos que deles vão mamando, e com débitos estrondosos. Macron, coitado, desfaz-se em arremetidas, para manter o equilíbrio anterior, Teresa de Sousa dá o seu parecer, os seus comentadores, os deles, eu nada sei. Só sei que nada sei. E que tudo vai mal, os deputados europeus, jogando as suas cartas, para o tacho individual. Para todos os efeitos, a democracia tem um grande alcance. Excepto para os que morrem no Mediterrâneo.
OPINIÃO
Não perguntem à Alemanha o que pode fazer pela Europa...
A Alemanha, depois da unificação, continua às voltas com o seu lugar no mundo e na Europa.
TERESA DE SOUSAPÚBLICO, 17 de Março de 2019
1. Finda a leitura do artigo de Annegret Kramp-Karrenbauer (AKK), publicado a 10 de Março no Die Welt, com a sua resposta à Carta de Emmanuel Macron aos europeus, uma célebre frase de JFK no seu discurso inaugural vem-nos imediatamente ao espírito. Basta trocar a palavra América pela palavra Alemanha e temos um bom resumo do que exprime a sucessora de Angela Merkel na CDU e, provavelmente, na chancelaria de Berlim. “Não perguntem à Alemanha o que pode fazer pela Europa, perguntem à Europa o que pode fazer pela Alemanha.” O Presidente francês propôs um Renascimento Europeu. AKK apenas “Getting Europe right”. O que, bem vistas as coisas, não quer dizer absolutamente nada.
Macron apresenta uma ambiciosa visão para um continente ameaçado interna e externamente, que já tem pouco tempo para encontrar a forma de não se transformar num joguete das grandes potências mundiais, novas e velhas, e para esconjurar o fantasma do nacionalismo que volta a assombrá-lo. Não é preciso concordar com todas as suas ideias para perceber a diferença em relação a um texto sem qualquer particular ambição a não ser a de destacar todas as áreas da integração europeia que dão jeito à Alemanha para afirmar a sua economia e o seu estatuto, afastar todas aquelas que podem alterar o status quo europeu ou reforçar o sentido de solidariedade e de partilha entre os cidadãos europeus e acrescentar duas provocações directas ao seu principal aliado europeu, mais uma ou outra ideia tão estapafúrdia como construir um porta-aviões europeu.
2. Comecemos pela lista que justifica o nome desta crónica. AKK, que será provavelmente a próxima chanceler da Alemanha, quer mais investimento em I&D, mais cooperação na defesa e segurança, políticas comuns para as migrações. O que se compreende, para um país que, sendo embora a maior economia europeia, anda às voltas com um modelo de desenvolvimento muito pouco inovador e que começa a perceber que esse modelo pode estar em causa, num mundo em que quem marca o ritmo da inovação marca também o ritmo da economia. Quer mais defesa e segurança (embora em termos bastante vagos) porque quem lhe garantiu a sua própria segurança no pós-guerra, permitindo-lhe um desenvolvimento económico sem precedentes, parece agora estar menos disposto a continuar a fazê-lo ou, pelo menos, a exigir-lhe que pague muito mais por ele. Com um exército a romper pelas costuras e ainda uma grande incapacidade para assumir responsabilidades militares, dá-lhe jeito distribuir o fardo. Quer mais políticas europeias de imigração, porque não quer ver-se de novo na situação de 2015, que custou a Merkel e à CDU alguns votos e abriu espaço a um partido de extrema-direita.
O que não quer? Aprofundar a coesão da zona euro, de forma a torná-la menos vulnerável a qualquer nova recessão ou choque externo. AKK elenca a lista de “nãos” que já sabemos de cor. Não a qualquer forma de mutualização da dívida, não a qualquer forma de orçamento da zona erro que implique “transferências” financeiras, não ao terceiro pilar da União Bancária (garantia comum de depósitos). Mas vai mais longe, respondendo às propostas de Macron sobre a dimensão social da integração europeia, hoje fundamental para reconquistar a confiança dos europeus numa Europa que se preocupe com eles, que não os jogue uns contra os outros e que lhes garanta que não serão sempre os mesmos a pagar a factura. Isso, diz AKK, é centralismo e estatismo. Que não permitiria à Alemanha competir por via dos salários ou estabelecer um salário mínimo, que não existe a não ser a nível sectorial e porque o SPD o impôs como condição para firmar o acordo de coligação com a CDU/CSU. Aliás, o modelo alemão continua a assentar na contenção do consumo interno e na geração de superavits orçamentais enormes, para manter a sua máquina exportadora a funcionar a todo o vapor, independentemente dos danos que possa causar a terceiros – dentro e fora da União Europeia. Sem o menor sinal de que poderá esforçar-se por corrigir um desequilíbrio macroeconómico europeu que o próprio Tratado Orçamental obriga a corrigir. Até a China consegue ser mais compreensiva (com uma pequena “ajuda” dos EUA) quanto à necessidade de fazer a transição de um modelo que assenta nas exportações para outro que conte também com o aumento do consumo interno. A novíssima preocupação alemã é com a dimensão das suas empresas para competirem com os gigantes americanos e chineses, ao ponto de parecer disposta a abandonar o seu precioso “ordoliberalismo” e aceitar menos concorrência e mais “campeões europeus”. Como escrevia o Berlim Policy Journal, o problema não é o número de empresas europeias nas 100 maiores do mundo, é a falta de qualquer empresa europeia nas 20 maiores, repartidas entre os gigantes tecnológicos americanos e os seus concorrentes chineses. Criar um gigante para fabricar comboios não é propriamente uma grande inovação.
3. Quais são as provocações com destino a Paris? Uma é absolutamente inútil: fechar a sede do Parlamento Europeu em Estrasburgo. Até poderia fazer sentido. Apresentá-la agora sabendo que não vale de nada é apenas para dizer a Paris: “Não aborreçam.” A outra tem um significado que vai além do provocatório: a pretensão de substituir os dois lugares ou, em breve, o lugar da França (o outro é do Reino Unido) no Conselho de Segurança da ONU por um lugar da União Europeia. Para os mais ingénuos até pareceria uma ideia cheia de europeísmo. Não é, e nem sequer apenas pela razão mais óbvia: não há, como vemos todos os dias, uma Política Externa e de Segurança Comum. O que Berlim quer é um lugar permanente para a Alemanha, o que até poderia vir a acontecer no quadro de uma reforma profunda que abrisse as portas a outras potências “emergentes” que querem ter também a sua representação. Estão na lista a Índia, o Brasil ou o Japão. Mas o problema nem sequer é esse.
A França e o Reino Unido desempenham o seu papel de potências ocidentais e democráticas, ao lado dos EUA, para fazer valer a ordem internacional criada depois da Guerra. Nem sempre votam com os EUA, mas votam no essencial. Não votam certamente com a Rússia ou com a China. A Alemanha, depois da unificação, continua às volta com o seu lugar no mundo e na Europa, comportando-se mais vezes como uma potência geoeconómica do que como uma potência geopolítica, o que a leva a cair na tentação de alinhar com as “potências emergentes”. Não era certamente este o passo a dar para consolidar a política externa europeia. Como refere o Berlim Policy Journal, “nem sequer é suficientemente claro que tenhamos consciência do imenso que beneficiámos com os EUA e a União Europeia, ou que o queiramos reconhecer para tirar as devidas conclusões”. E continua: “E recusamo-nos a reconhecer que as nossas decisões – no Nord Stream II, na zona euro ou na crise dos refugiadostêm consequências (e custos) muito para além das nossas fronteiras.” Na própria Alemanha, a carta de AKK não merece grandes elogios. Falta de ambição –​ é a crítica mais comum. “Macron voltou a falar para um muro”, reconhece muita gente.
4A Alemanha continua a manter-se fiel à opção estratégica que fez depois da unificação: “manter-se rodeada de Ocidente por todos os lados”, como dizia na altura Timothy Garton Ash ou, como se pode dizer agora, rodeada de democracias a Ocidente e a Leste, incluídas na União Europeia. O euro nasceu desta promessa. As crises democráticas nos países da Europa Central são preocupantes e Berlim procura reagir-lhes com cuidado, como se viu também na carta de AKK, que não menciona esse desafio existencial que a União enfrenta.A crise que hoje vive o projecto de integração europeia – que já não é sobre maior ou menor integração, mas sobre como evitar a desagregação – torna indispensável e urgente debater sem complexos o que quer a Alemanha da Europa. Não nos termos, profundamente errados, do regresso ao passado, mas nos termos do presente e com as evidências do presente. Os títulos mais simpáticos falam de “hegemonia relutante”. Os mais directos dizem que a “Alemanha finge que dorme” ou “faz-se de surda”. O debate tem de ser feito, a bem da Europa e a bem da Alemanha.
COMENTÁRIOS:
Jonas Almeida, Stony Brook NY, Marialva Beira Alta00:42: A Alemanha é uma país e uma nação perfeitamente normal - as pessoas votam em quem defendem os seus interesses, as regiões organizam os seus referendos quando querem. O euro não foi uma opção dos alemães, que preferiam o marco, foi uma imposição francesa para não bloquearem a reunificação, como recordava o Der Spiegel em artigo de 2010, título na versão inglesa "Was the Deutsche Mark Sacrificed for Reunification?". Tenho lá amigos de longuíssima data e dou lá aulas periodicamente. Não sinto nem na sua juventude nem nos seus valores de pragmatismo quaisquer dúvidas identitárias. A crítica de TdS não faz sentido - o gato por lebre que os europeizinhos da treta vendem não é deles. É mais um hegemon totalitário no qual o povo alemão desta vez não está interessado. Há quem aprenda com a História.
AndradeQB, Porto 17.03.2019: Como é que alguém adulto como Teresa de Sousa admite como possível a mutualização da divida, as transferências financeiras, ou a garantia comum de depósitos, sem a correspondente transferência de poder? Poder-se-á achar mal transferir o lugar no Conselho de Segurança da ONU da França para a EU/Alemanha, enquanto se acha bem transferir o pagamentos das dividas da EU/ França para a Alemanha?
Raquel Azulay, 17.03.2019 1: Cara Dra Teresa, eu só tenho fé na juventude europeia, especialmente na juventude alemã. Só elas e eles poderão alterar a equação, de baixo para cima. As elites terão de ser (democraticamente) forçadas a pensar de forma diferente. Não há outra saída. As elites políticas europeias estão presas a um paradigma anacrónico. (mas ainda vigente, como é obvio). As próximas eleições europeias e nacionais (especialmente na Alemanha) serão absolutamente decisivas. É incrível: o futuro do velho continente nas mãos dos que menos se importam com a política. Sinceramente, eu não sei se esta é uma situação trágica ou o preâmbulo de uma nova era...Alea iacta est
Jonas Almeida, Stony Brook NY, Marialva Beira Alta 00: Raquel, conheço bem a Alemanha. Os seus jovens não parecem ter dúvidas sobre o que são e o que querem. É normal que queiram da "Europa" apenas aquilo que lhes interessa. Os portugueses sacrificam hoje a sua juventude na mesma pira de ilusões que usávamos nas ex colónias quando vendíamos a "assimilação": com o objectivo de aceder a recursos e mão de obra barata, não havia dúvidas quem eram os "verdadeiros portugueses". A única novidade é que no nosso caso agora não houve qualquer resistência - vendemo-nos uns aos outros desde o primeiro dia. Uma imensa e ruinosa vergonha.
nelsonfari, Portela-Loures 17.03.2019: Mas a Europa para sobreviver nos tempos actuais precisa da UE. A UE, na guerra dos mundos, é imprescindível. A apreciação maniqueísta entre Macron-AKK não conduz a nada. E se a dívida francesa é elevada (100% do PIB) tem a ver com o seu sistema de protecção social e os consulados de Sarkozy e Hollande .A Alemanha contou com o colaboracionismo de Schröder(SPD) para provocar a desvalorização interna tendo em vista o comércio externo. Impôs à Europa ondas crescentes de austeridade e, ironia das ironias, hoje sente que o chão lhe escapa face ao atraso tecnológico. O Oriente actualmente produz o mesmo com mais racionalidade. O discurso continua egoísta com AKK. Macron já percebeu: a Alemanha, sem poder dissuasivo face a Putin, atrasada tecnologicamente é um gigante de pés-de-barro. Le suivant.
publico1234567, 17.03.2019:  "E se a dívida francesa é elevada(100% do PIB) tem a ver com o seu sistema de protecção social" - Pois, o povo (trabalhador que desconta para o efeito) é sempre o responsável do descalabro. A financeirização das coisas (responsabilidade do sistema predatório bancário) não tem nada a ver.
nelsonfari, Portela-Loures 17.03.2019: Não fui claro, porventura. Quis dizer que a França não fez desvalorização interna como a Alemanha, que fez desvalorização interna de salários para se tornar competitiva nas exportações. Mas, actualmente, já reconhece o erro cometido.
Raquel Azulay, 17.03.2019: Cont. > aliás, como certamente terá percebido, as propostas de Macron têm muito mais que ver com uma tentativa de persuadir algumas elites políticas europeias a pressionar Berlim do que com qualquer pragmatismo político. Macron está fartinho de saber que as suas propostas jamais seriam aceites por Berlim. Ou seja, a iniciativa de Macron foi uma manobra de relações públicas. Nada mais do que isto. Objectivo: encurralar Berlim. Macron foi completamente inconsequente. Berlim bateu-lhe com a porta na cara, como seria de esperar. A UE é isto e nada mais do que isto: interesses nacionais travestidos de interesses comuns. Em Portugal tb é isto que acontece. O estado-nação perdura.
A "visão" de Macron apresenta os interesses nacionais franceses como interesses europeus. A de AKK idem. Ou seja, o que ambas reflectem é a persistência ou a primazia dos interesses nacionais. A Teresa acredita que os alemães aceitariam a mutualização da dívida ou uma garantia comum de depósitos no presente contexto? (isto é, com países como a Hungria, Polónia e Itália que questionam as directrizes de Bruxelas). AKK quer mais cooperação na defesa porque quer gastar menos com a defesa (quer distribuir o fardo, como diz), quer uma política comum para lidar com as migrações porque este é um prob que aflige Berlim. Macron luta pela mutualização da dívida porque as contas públicas francesas estão de rastos...As propostas de Macron são absurdas pq ignoram p completo os interesses alemães.
Fernando Carvalho, Alverca 17.03.2019 : Macron apresentou um programa ambicioso para a Europa?! Mas na opinião de vários autores, o seu discurso abunda em banalidades e esbarra nas influências hegemónicas em que a ue acabou por se enredar.

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