Tanto Vasco Pulido Valente como João
Miguel Tavares aproveitam o espaço dos seus artigos no PÚBLICO, aqui
apresentados, para exporem os pormenores pessoais das suas vidas, que, se são,
certamente, mais enternecedoras no caso do último, referentes a vivências
domésticas e de luta pela vida, se afiguram mais provocatórias no caso do
primeiro, o que, não sendo de estranhar nele - para com os que guardam sempre
na memória outros sentimentos relativos ao passado ultramarino, de trabalho e
progresso, mau grado as cheias destruidoras de cerca de cinco décadas depois -
o que é motivo para a expressão pueril dos seus desprezos pelo trabalho dos portugueses
ultramarinos da época de Salazar - firme e patriótica, como lhe competia, e
como o historiador Pulido Valente já analisara noutros períodos da história
pátria, entre os quais as viagens – inúteis, mas efectivas e igualmente patrióticas
e respeitadoras do passado histórico - de reconhecimento territorial duma costa
à outra, e posteriormente a revolta nacionalista aquando do Ultimato inglês – este,
naturalmente desprezador da fraqueza lusa - não, certamente, o caso de VPV, cujo
desprezo actual subentende, antes, defesa de cobardia passada. São histórias
passadas, mas que, ao ressurgirem sob a forma de catástrofe, 45 anos depois,
não têm que manchar de lama irónica o passado civilizador português, por
pequeno que parecesse a VPV, que talvez nem o tivesse conhecido in loco, ilustrado que ele fora no
facciosismo das literatices filosóficas da sua época de rapazote e
posteriormente de acompanhante subserviente dos “libertadores” do seu gosto.
O texto de JMT foca, para mais, o caso, que
o homem de escrúpulo que quer aparentar - VPV - igualmente condena – o do
nepotismo personalizado pelo nome que ambos citam - Pedro Nuno dos Santos e Cia – daí, também, o motivo desta aliança
de crónicas e respectivos comentadores.
I - Diário
A catástrofe de Moçambique descobriu
repentinamente a miséria em que deixámos aquele lastimável país.
VASCO PULIDO VALENTE PÚBLICO, 23 de Março de 2019
A
SIC Notícias e os três canais congéneres, da RTP 3 à CMTV, estão às portas da
morte. Todo o fim-de-semana só têm “futebol falado”. O que é simples: basta
juntar, três a três, os 15 maiores fanáticos de Portugal à volta de uma mesa,
de sábado à tarde a domingo à noite. Para meu espanto, a subtileza da
argumentação e a força retórica não ficariam mal a qualquer parlamento, e são muito
superiores às da nossa representação nacional. O único verdadeiro demagogo que
o 25 de Abril produziu chama-se Pedro Proença (o da TVI 24).
17 de Março
O
que julga ela que está a fazer? O que julga ela que está a fazer, quando aceita
ir a um programa da “noite lisboeta” tão deprimente como o Cabaré da Coxa? O que julga ela que está a fazer,
quando aceita que lhe chamem milf (para
quem não saiba, e ela declarou toda contente que sabia, milf significa o seguinte: mother I’d like to fuck) e ouve, com toda a
tranquilidade, os piores palavrões da língua? O que julga ela que está a fazer,
quando depois de uma entrevista pró-forma a obrigam a engolir uma arenga de
Pedro Abrunhosa sobre o populismo e, a seguir, a ignoram até ao fim do
programa?
Não
consigo perceber esta mulher, dando de barato que tem uma inteligência média. O
CDS não pode e não deve procurar na liberdade de costumes uma respeitabilidade
de “esquerda” de que não precisa e que só o pode prejudicar. Assunção Cristas e a sua incompreensível direcção tentaram ser
“modernos” e vão acabar tristemente sem os votos do PSD com que contavam. Nenhum partido pode encarnar a modernidade, porque
todos existem no tempo. O que Assunção Cristas, de facto, fez hoje foi
degradar a sua condição política e com ela, também, a condição dos políticos.
18 de
Março
Pedro
Nuno Santos veio esclarecer quando tinha conhecido
e se tinha apaixonado por Catarina Gamboa, a sua presente mulher. A causa desse esclarecimento
foi a nomeação dela para chefe de gabinete de Duarte Cordeiro. Aparentemente,
não ocorreu a Pedro Nuno Santos que essa atitude era um gesto de autoridade
política e marital. Catarina Gamboa é adulta e não precisa que ninguém fale por
ela. Não perceber isto é, pelo menos, ofensivo; e poupo outras considerações.
19 de Março
Para
um português da minha idade, ver pela televisão a catástrofe de
Moçambique é um
peso na consciência. Aos 15 anos, já me entusiasmava com a vitória do general
Giáp em Dien Bien Phu. Depois veio a Argélia e estive de alma e coração com a
Frente de Libertação Nacional e contra os generais franceses. Assisti,
entretanto, com alegria, à descolonização inglesa, suave e a favor dos “ventos
da história” de Macmillan. A seguir, os oito anos da guerra do Vietname
acabaram por absorver a atenção política de quase toda a gente. No fim, veio
Portugal e a rendição do 25 de Abril. Nada disto me perturbou. Pior: aprovei
sem hesitar tudo o que se fez. No que não me desviei nem de Soares, nem de Sá
Carneiro, que, como toda a classe média da metrópole, só se queriam ver livres
das colónias e dentro do Mercado Comum. O império da imaginação de Salazar e de
alguma direita portuguesa não existia.
A
catástrofe de Moçambique, que, dizem, não foi tão grave como a de 2000,
descobriu repentinamente a miséria em que deixámos aquele lastimável país. Mas
descobriu também a irresponsabilidade histórica da minha geração. Seguimos a
nossa vida sem nos preocuparmos com o que ficava para trás: guerras civis,
matanças tribais, ditaduras, cleptocracias, e a ausência das condições mínimas
para uma sociedade viável. Agora, mandamos
socorros, como
novos-ricos que somos.
21 de Março
Joana
Marques Vidal declarou publicamente que não percebia a necessidade de uma Polícia Judiciária
Militar. Os
portugueses compreendem cada vez menos o que é um soldado. Mas Joana Marques
Vidal devia saber que nenhuma polícia civil pode prender um militar. E parece
que não sabe. A ideia das Forças Armadas como o último árbitro do poder
político e, portanto, acima de qualquer outro, nunca lhe ocorreu. Talvez fosse
muito nova durante o PREC ou não tenha percebido o que se passa na Venezuela.
COMENTÁRIOS:
FPS, Vale de Santarém: Hoje, sim... um
VPV lúcido, a analisar a nossa vida com rigoroso critério e independência. De
facto, magistral a forma como ajuiza a descolonização europeia e a nossa... em
contraponto com a tragédia de Moçambique (é curioso, que foi mesmo assim que
senti toda aquela desgraça). O aviso que faz sobre as forças armadas era bom
que seja ouvido e registado por quem vai mandando nestas coisas.
cisteina, Porto: Como sempre (ou
quase) um pensamento lúcido, conhecedor da história e dos seus erros, também
assertivo. Não vi a milf de A. Cristas mas, a ter sido assim, concordo, o CDS
irá de vela também ela, obviamente. Curioso, nem o Pedro Proença lhe escapa ...
mas está a valorizar o pior do futebol, exatamente os seus
"pregadores". E não é preciso, são com os chiclets, é mesmo só para
ginasticar as mandíbulas.
bento guerra: Moçambique vai celebrar 44 anos de
independência e os tugas não podiam prever,então,uma tempestade como a Ilai.Se
os tugas não gostassem das "mesas redondas"de futebol, as televisões
não investiam todas em "prime-time".A mim surpreende-me mais a
duração de programas ,como o "Eixo do mal",a "Quadratura"ou
um podão como MST.
II- OPINIÃO: Pedro Nuno Santos, a sua
mulher e o PS
O símbolo do PS já foi um punho e já foi
uma rosa – talvez valha a pena juntá-los num bonito bouquet matrimonial.
JOÃO MIGUEL TAVARES PÚBLICO, 19 de Março de 2019
Eu
acredito em Pedro Nuno Santos. Mais: eu elogio Pedro Nuno Santos pelo esclarecimento
público que prestou, admitindo que o facto de também a sua mulher –
seguindo a imparável tendência de 2015-2019 – ter ido parar ao governo de
António Costa (foi nomeada na semana passada chefe de gabinete do novo
secretário de Estado adjunto e dos Assuntos Parlamentares, Duarte Cordeiro) é
uma decisão digna de escrutínio, já que – palavras suas – “o povo tem o direito
de questionar e de querer garantir que os cargos de poder político não são
usados para que alguns se sirvam a si e às suas famílias”.
Está
dito, bem dito, e bem justificado: Pedro Nuno Santos explicou que conheceu a
sua mulher, Catarina Gamboa, também ela militante socialista, há 16 anos,
quando Duarte Cordeiro ganhou a corrida à liderança da JS de Lisboa e ele a
corrida à JS de Aveiro. Apaixonou-se por alguém que conheceu no trabalho de
militância, o que tanto “acontece com políticos” como “acontece em muitas
outras profissões”. E acrescentou: “É fácil compreender porquê: afinal, é
nesses meios que passamos a maior parte do nosso dia-a-dia, e é com essas
pessoas que partilhamos as vitórias e as derrotas profissionais e pessoais.”
Isto
é totalmente verdade. Também acontece com os jornalistas. Passei os primeiros
oito anos da minha carreira a trabalhar no Diário de Notícias,
e se não tivesse já namorada quando para lá entrei seria difícil não acabar
enrolado com alguém da redacção. Eu entrava às dez e meia da manhã e saía, com
frequência, depois da meia-noite. Nos primeiros anos, como ainda não tinha
filhos, trabalhava, em média, seis dias por semana. Quando saí do DN tinha 100
folgas em atraso. Num contexto como este, é difícil não concordar com Pedro
Nuno Santos: tirando o tempo que estamos a dormir, passamos o dia todo com
aquelas pessoas. Qual é o espanto dos jornalistas casarem com jornalistas e os
políticos com políticos?
Não
há espanto algum. Mas sabem o que é que se dizia (e ainda se diz) dos
jornalistas? Que não conhecem o mundo para além das redacções. Que perderam a
ligação às pessoas comuns. Que vivem em circuito fechado. Que essa forma de
vida é limitada, pobre e pouco saudável – nem lhe serve a eles, nem aos
objectivos da sua profissão. Pedro Nuno Santos tem absoluta razão nas
justificações que dá. Elas são plausíveis, e eu acredito sinceramente que a sua
mulher não foi para o governo porque ele andou a meter cunhas (tal
como Mariana Vieira da Silva não precisou do pai para ascender a secretária de
Estado). Só que isso em nada resolve o principal problema que está em
causa.
E
o problema é este: a vida desta nova geração de políticos, tal como a dos
jornalistas, é limitada, pobre e pouco saudável. Os nossos governantes deveriam
ser oriundos de sectores diversificados da sociedade, já que é suposto
representarem todo o país – e isso pura e simplesmente não acontece.
O
problema de a lista dos convidados para a festa de anos de António Costa estar
toda ela publicada no Diário da República é o facto de isso escandalosamente demonstrar
que a política portuguesa se transformou num circuito fechadíssimo de gente que
se conhece desde o jardim-escola. Fora de um círculo de poder cada vez mais restrito
quase ninguém entra, seja qualificado ou não. É preciso rondar, militar,
confiar, bajular, lisonjear, amar e até casar. O símbolo do PS já foi um punho
e já foi uma rosa – talvez valha a pena juntá-los num bonito bouquetmatrimonial.
Comentários
FPS, Vale de Santarém 20.03.2019: Sinceramente, fiquei bem mal impressionado
com as bocas de PNS que, grande marido, não tem dúvidas que a mulher, não fosse
sua mulher, seria sempre chefe de gabinete de um ministro qualquer. Não façam
do pagode uns tolinhos que não vêem um boi à frente do nariz! De resto, estes
casos parecem evidenciar duas coisas pouco recomendáveis dentro do PS: o poder
central pôr-se a jeito da qualificação de "tudo em família" e/ou
falta de quadros qualificados... (o facto terá sido bem diferido dentro do
partido? Não faço ideia, mas duvido...)
Manuel,
Seixal 19.03.2019: Esta promiscuidade é inevitável, porque a
mulher de um político poderoso num partido que está no governo será sempre um
bom activo para ter nos quadros. E não importa se é competente ou não, porque
será sempre "a mulher de..." e será sempre " competente e uma
escolha certa". A própria se tivesse carácter nunca aceitaria um lugar
político.
fernando jose silva LUSO 19.03.2019: Mais
famílias que nos tempos de Salazar e da União Nacional. o que significa que a
revolução de Abril não valeu de nada. Já vinha sendo notório, hoje Portugal é
um país onde o fascismo continua... .a grande família socialista, o tacho, o
compadrio, os empregos usam o punho da rosa e o selo da indignidade. Há dias
disse o procurador da República em Coimbra que a corrupção atinge o rácio de
98%. Tem razão, e à mulher de César não basta ser séria....Portugal é uma
mordomia, nada mais.
urgelhenriques, 19.03.2019 : Eu sabia que a personalidade de um indivíduo
era formada essencialmente por três factores. Genes, Meio e Esforço.
Agora fiquei a saber que existe um quarto que é Contágio. Dizia-se,
noutros tempos que :"diz-me com quem andas, dir-te-ei quem és." Está
actualizadíssimo este adágio. Ser filho, nora. esposa, irmão, etc., de
políticos, torna-os também políticos, perdão, ocupantes de cargos na política.
RSP,
Lisboa 19.03.2019: Não conheço as competências dos visados, mas
que não é saudável, não é ! Saudável seria que todos se habituassem a comentar
o que acham menos adequado ainda que praticado pelo partido da sua preferência
ou militância !! Concordemos ou não com todas as crónicas de JMT, não há dúvida
que habitualmente equacionam problemas e obrigam a reflexões que são
importantes para a "saúde" da Democracia
C. Santos, C. PIEDADE ALMADA 19.03.2019: E ainda dizem que Pedro
Nuno Santos é da ala esquerda do PS..."Venha o diabo e escolha".
Neste governo e não só, a competência é só e unicamente familiar (voltamos às
oligarquias?)... I NA CEI TÁ VE! É urgente uma Lei que interdite esta falta de ÉTICA
como existe já noutros países
Carlos Cunha: 19.03.2019: Pedro
Nuno Santos: a geração "jotinha" no seu melhor (também já chegou às
Ordens profissionais).
Fernando Silva, Lisboa 19.03.2019 Uma resposta destas "política portuguesa
se transformou num circuito fechadíssimo", num curso de ciência política, por exemplo,
dava direito a negativa. O aluno tinha de voltar ao exame em setembro, como se
dizia no meu tempo de Faculdade. A resposta correcta é "a política
portuguesa de estilo xuxa sempre foi um circuito fechadíssimo".
Ferrel Lamarosa 19.03.2019: Muito bem.
Parabéns. Já agora veja a lista de professores de medicina e de direito, pelo
menos em Lisboa e em Coimbra.
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