Manuel Loff ataca,
naturalmente, o juiz Neto de Moura
pelo insonso da sua sentença e comentário, aquando da libertação da pulseira a
um provável uxoricida - termo, hoje,
em extinção substituído pela designação insultuosa de femicida - a mulher, baixando do seu pedestal antigo de respeito
social, para a designação generalizante e insultuosa de fêmea, que as próprias adeptas da igualdade entre os sexos aceitam
servilmente, desde que lhes sejam reconhecidas as tais igualdades que reclamam.
A diferenciação, outrora, fazia-se, suponho, numa maior gentileza de trato
social, e a mulher era considerada um ser frágil, a merecer privilégios de
educação masculina, que os avanços da igualdade, requeridos pela mulher - e
pelo democrata compreensivo - hoje baniram da sociedade promíscua. Por isso, na
questão do adultério, era este da exclusividade do macho, de robustez física
inegável, o que lhes deu direito ancestral a essa exclusividade. Conquistada a igualdade de
direitos, a mulher, contudo, abusa do seu poder hoje, no despudor com que se
aproveita da maré da afectação democrática que lhe confere a tal igualdade para
exibir os seus direitos ao adultério, a merecer julgamentos de insensato e unilateral
sectarismo. Mas tem apoiantes, o juiz Neto.
OPINIÃO: Justiça e
preconceito
O rigor e actualização científica que se
exige a qualquer médico, professor, assistente social, cuja actividade tem
incidência prática na vida dos cidadãos e na sua relação com o Estado, não se
exige a um juiz?
MANUEL LOFF
PÚBLICO, 7 de Março de 2019
Morrem
no mundo por ano quatro vezes mais mulheres por crimes de violência de género
do que há vítimas de ataques terroristas (43.600 mulheres assassinadas só no
ano de 2012 contra 11.133 vítimas de terrorismo – dados da ONU e da OSCE). Em
Portugal, são assassinadas 33 mulheres nestas condições por ano (média de
2004-18 – dados do Observatório de Mulheres Assassinadas). Enquanto que a taxa
de homicídio em geral tem baixado, a de femicídio tem aumentado. Neste
contexto, é ou não a violência contra as mulheres, exercida especificamente
contra elas, um problema social e jurídico grave?
Todas
as vezes que os movimentos feministas e de defesa dos direitos humanos exigem
que se reconheça continuar a ser a violência machista e patriarcal, a Leste a a
Oeste, no Norte e no Sul do mundo, um problema diferente do conjunto da
violência, emerge um reaccionarismo orgulhosamente antifeminista. Quando o juiz Neto de Moura se queixa
de que “nos últimos tempos, (...) a mais banal discussão ou
desavença entre marido/companheiro/ namorado e mulher/companheira/namorada é
logo considerada violência doméstica e o suposto agressor (geralmente, o marido
ou companheiro) é diabolizado e nenhum crédito pode ser-lhe reconhecido"
(acórdão de 2018 sobre recurso de agressor que, entre outras coisas, furou
tímpano à vítima), não faz mais do que se juntar àqueles que, da
extrema-direita ocidental ao islamismo, se queixam do que chamam a “ideologia
de género”, “uma nova ortodoxia” feminista, apoiada por “polícias do
pensamento” que “estabelecem limites ao que se pode dizer e ao que não pode ser debatido” (José
Manuel Fernandes, Observador, 23.8.2017).
Os
acórdãos pré-modernos de Neto de Moura, fundamentados na Bíblia e em conversa
de café, juntam-se às teses "ofensivas, desrespeitosas e atentatórias dos
princípios constitucionais e supraconstitucionais da dignidade e da igualdade
humanas" com que estes novos reaccionários discutem a violência de género.
Estes
foram os adjectivos usados por António Piçarra, presidente do Conselho Superior
da Magistratura, para caracterizar os termos do acórdão em que Neto de Moura,
para reduzir a pena suspensa a condenação de dois agressores violentos,
argumentava que “o adultério da mulher é um gravíssimo atentado à honra e
dignidade do homem”, invocava a Bíblia” onde se diz que “a mulher adúltera deve
ser punida com a morte”, e lembrava que “ainda não há muito tempo” - 1886, há
133 anos… - “a lei penal punia com uma pena pouco mais que simbólica o homem
que, achando sua mulher em adultério, nesse ato a matasse”.
Em
vários acórdãos com fundamentações deste tipo, Neto de Moura ofende o princípio constitucional da
separação entre religião e Estado, ou a Convenção do Conselho da
Europa para a Prevenção e o Combate à Violência contra as Mulheres e a
Violência Doméstica, que proíbe que em qualquer procedimento judicial se
invoque “a cultura, os costumes, a religião, a tradição ou a pretensa ‘honra’”
para “servir de justificação” para a violência praticada sobre mulheres (art.
42º).
Quando
escreve que “o adultério da mulher é uma conduta que a sociedade sempre
condenou e condena fortemente (e são as mulheres honestas as primeiras a
estigmatizar as adúlteras) e por isso vê com alguma compreensão a violência
exercida pelo homem traído, vexado e humilhado pela mulher”, o juiz usa
argumentos e adjectivos que não seriam aceitáveis sequer a um aluno do 9.º ano
de escolaridade: que fontes consultou? Os conceitos que usou são objectivos? O
seu “convencimento apriorístico” - e cito o que o próprio Neto de Moura critica
na sentença de outro magistrado - é bastante para fundamentar uma sentença?
Pode
um juiz “deixar-se fascinar por (...) ideias preconcebidas que levam a visões
lacunares, unilaterais ou distorcidas dos acontecimentos”, ou, pelo contrário,
tem a obrigação de invocar um mínimo de conhecimento científico (sociológico,
histórico, psicológico) que, pelo menos, não desminta disparates como os da
“deslealdade e a imoralidade sexual” das “adúlteras”? O rigor e actualização
científica que se exige a qualquer médico, professor, assistente social, cuja actividade
tem incidência prática na vida dos cidadãos e na sua relação com o Estado, não
se exige a um juiz?
Já
nem está em causa saber se o CSM e os
seus membros sentem vergonha de ter um colega que exerce justiça com semelhante
incapacidade de leitura da realidade social e que ofende assim
os mais básicos dos direitos cívicos e humanos. O que me pergunto é se em Portugal,
em 2019, pode ser juiz alguém que desafia o conhecimento mais básico sobre
relações de género e sobre a violência, as suas motivações e os seus efeitos.
COMENTÁRIOS
Maria Moreira, 07.03.2019 : Homem que é Homem é cavalheiro e protege as
mulheres sem se sentir diminuído por isso, sobra-lhe espaço, não compete com a
diferença. A não ser que precise ainda de lutar contra a mana pela chupeta da
mamã.
helio neves, 08.03.2019: claro que o seu comentário não me surpreende... já se
dissesse que dispensa os "mimos" que o cavalheirismo proporciona à
mulher, aí é que seria digna da minha consideração... basicamente as
feministas querem o melhor de dois mundos; querem os mesmos
"direitos" que acham que os homens têm, sem abdicarem das
"regalias" que os "cavalheiros" lhes dão... No outro
dia entrei numa loja onde trabalham um rapaz e uma mulher; ele estava a
descarregar mercadoria, enquanto ela atendia ao balcão; eu referi que se
houvesse a tal igualdade de género que as mulheres tanto reclamam, ela teria
que fazer o trabalho pesado, mas assim era ele que tinha que
"alombar" com as caixas; ele suspirou, ela riu-se... haja pachorra!!
helio neves, 07.03.2019: assim, em caso de ambiguidade, será considerado
sempre violência contra a mulher, porque a mulher tem de ser protegida a todo o
custo... o curioso, é que a "mulher", apesar de protestar por direito
a igualdade de direitos, não abdica dos privilégios que o "cavalheirismo"
lhe proporciona... por exemplo, esperar que o "cavalheiro" a convide
a jantar e lhe pague a conta; que numa vaga de emprego, o
"cavalheiro" a "deixe passar" antes dele... querem
igualdade de direitos? tudo certo; mas terão de cumprir igualdade de deveres...
José Manuel Martins, évora 07.03.2019: e então se meter ao barulho os impressionantes
números rodoviários enquanto suicídios homicidas involuntários, é de atarantar.
Mas como sabe os números mundiais de terrorismo (e mesmo de mulheres
assassinadas) empalidece em cotejo com o número anual de mortos por arma de
fogo só nos eua. Se então lhe juntarmos o brasil e a venezuela... De
maneira q as comparações são exactamente isso mesmo: um jogo estalinista
chocho das estatísticas, se você tivesse vergonha das 'associações livres' para
simultânea e reciprocamente branquear o terrorismo e denegrir a violência
conjugal (estou a usar das últimas possibilidades de escrever 'branquear' e
'denegrir' antes de a censura anti-racista tipo mamadou-loff lhes chegar o
'lápis lazúli'). Entre o juiz e o fundamentalismo feminista, é um obscuro
abismo
Maria Moreira, 07.03.2019: Há quem, para branquear a violência contra as
mulheres e relativizar o peso esmagador da sua especificidade, precise de
recorrer ao fundamentalismo anti-estalinista. Tem tudo a ver. Vejamos, dizem
que Stalin era um homem. Bem hajam os Homens que ombreiam com as mulheres.
laura neves, vila nova de gaia 07.03.2019: Hossana nas alturas! a maioria dos portugueses
ofenderam gravemente sua Majestade o juiz por ser misógino, e para que sirva de
exemplo vai processar alguns entupindo os tribunais com mais processos. só
demonstra o grave problema que temos com os magistrados de que ninguém avalia o
seu desempenho criando as tristes situações que temos verificado.
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