terça-feira, 12 de março de 2019

Tempos



Manuel Loff ataca, naturalmente, o juiz Neto de Moura pelo insonso da sua sentença e comentário, aquando da libertação da pulseira a um provável uxoricida - termo, hoje, em extinção substituído pela designação insultuosa de femicida - a mulher, baixando do seu pedestal antigo de respeito social, para a designação generalizante e insultuosa de fêmea, que as próprias adeptas da igualdade entre os sexos aceitam servilmente, desde que lhes sejam reconhecidas as tais igualdades que reclamam. A diferenciação, outrora, fazia-se, suponho, numa maior gentileza de trato social, e a mulher era considerada um ser frágil, a merecer privilégios de educação masculina, que os avanços da igualdade, requeridos pela mulher - e pelo democrata compreensivo - hoje baniram da sociedade promíscua. Por isso, na questão do adultério, era este da exclusividade do macho, de robustez física inegável, o que lhes deu direito ancestral a essa exclusividade. Conquistada a igualdade de direitos, a mulher, contudo, abusa do seu poder hoje, no despudor com que se aproveita da maré da afectação democrática que lhe confere a tal igualdade para exibir os seus direitos ao adultério, a merecer julgamentos de insensato e unilateral sectarismo. Mas tem apoiantes, o juiz Neto.
OPINIÃO: Justiça e preconceito
O rigor e actualização científica que se exige a qualquer médico, professor, assistente social, cuja actividade tem incidência prática na vida dos cidadãos e na sua relação com o Estado, não se exige a um juiz?
MANUEL LOFF
PÚBLICO, 7 de Março de 2019
Morrem no mundo por ano quatro vezes mais mulheres por crimes de violência de género do que há vítimas de ataques terroristas (43.600 mulheres assassinadas só no ano de 2012 contra 11.133 vítimas de terrorismo – dados da ONU e da OSCE). Em Portugal, são assassinadas 33 mulheres nestas condições por ano (média de 2004-18 – dados do Observatório de Mulheres Assassinadas). Enquanto que a taxa de homicídio em geral tem baixado, a de femicídio tem aumentado. Neste contexto, é ou não a violência contra as mulheres, exercida especificamente contra elas, um problema social e jurídico grave?
Todas as vezes que os movimentos feministas e de defesa dos direitos humanos exigem que se reconheça continuar a ser a violência machista e patriarcal, a Leste a a Oeste, no Norte e no Sul do mundo, um problema diferente do conjunto da violência, emerge um reaccionarismo orgulhosamente antifeminista. Quando o juiz Neto de Moura se queixa de que “nos últimos tempos, (...) a mais banal discussão ou desavença entre marido/companheiro/ namorado e mulher/companheira/namorada é logo considerada violência doméstica e o suposto agressor (geralmente, o marido ou companheiro) é diabolizado e nenhum crédito pode ser-lhe reconhecido" (acórdão de 2018 sobre recurso de agressor que, entre outras coisas, furou tímpano à vítima), não faz mais do que se juntar àqueles que, da extrema-direita ocidental ao islamismo, se queixam do que chamam a “ideologia de género”, “uma nova ortodoxia” feminista, apoiada por “polícias do pensamento” que “estabelecem limites ao que se pode dizer e ao que não pode ser debatido” (José Manuel Fernandes, Observador, 23.8.2017).
Os acórdãos pré-modernos de Neto de Moura, fundamentados na Bíblia e em conversa de café, juntam-se às teses "ofensivas, desrespeitosas e atentatórias dos princípios constitucionais e supraconstitucionais da dignidade e da igualdade humanas" com que estes novos reaccionários discutem a violência de género.
Estes foram os adjectivos usados por António Piçarra, presidente do Conselho Superior da Magistratura, para caracterizar os termos do acórdão em que Neto de Moura, para reduzir a pena suspensa a condenação de dois agressores violentos, argumentava que “o adultério da mulher é um gravíssimo atentado à honra e dignidade do homem”, invocava a Bíblia” onde se diz que “a mulher adúltera deve ser punida com a morte”, e lembrava que “ainda não há muito tempo” - 1886, há 133 anos… - “a lei penal punia com uma pena pouco mais que simbólica o homem que, achando sua mulher em adultério, nesse ato a matasse”.
Em vários acórdãos com fundamentações deste tipoNeto de Moura ofende o princípio constitucional da separação entre religião e Estado, ou a Convenção do Conselho da Europa para a Prevenção e o Combate à Violência contra as Mulheres e a Violência Doméstica, que proíbe que em qualquer procedimento judicial se invoque “a cultura, os costumes, a religião, a tradição ou a pretensa ‘honra’” para “servir de justificação” para a violência praticada sobre mulheres (art. 42º).
Quando escreve que “o adultério da mulher é uma conduta que a sociedade sempre condenou e condena fortemente (e são as mulheres honestas as primeiras a estigmatizar as adúlteras) e por isso vê com alguma compreensão a violência exercida pelo homem traído, vexado e humilhado pela mulher”, o juiz usa argumentos e adjectivos que não seriam aceitáveis sequer a um aluno do 9.º ano de escolaridade: que fontes consultou? Os conceitos que usou são objectivos? O seu “convencimento apriorístico” - e cito o que o próprio Neto de Moura critica na sentença de outro magistrado - é bastante para fundamentar uma sentença?
Pode um juiz “deixar-se fascinar por (...) ideias preconcebidas que levam a visões lacunares, unilaterais ou distorcidas dos acontecimentos”, ou, pelo contrário, tem a obrigação de invocar um mínimo de conhecimento científico (sociológico, histórico, psicológico) que, pelo menos, não desminta disparates como os da “deslealdade e a imoralidade sexual” das “adúlteras”? O rigor e actualização científica que se exige a qualquer médico, professor, assistente social, cuja actividade tem incidência prática na vida dos cidadãos e na sua relação com o Estado, não se exige a um juiz?
Já nem está em causa saber se o CSM e os seus membros sentem vergonha de ter um colega que exerce justiça com semelhante incapacidade de leitura da realidade social e que ofende assim os mais básicos dos direitos cívicos e humanos. O que me pergunto é se em Portugal, em 2019, pode ser juiz alguém que desafia o conhecimento mais básico sobre relações de género e sobre a violência, as suas motivações e os seus efeitos.

COMENTÁRIOS
Maria Moreira, 07.03.2019 : Homem que é Homem é cavalheiro e protege as mulheres sem se sentir diminuído por isso, sobra-lhe espaço, não compete com a diferença. A não ser que precise ainda de lutar contra a mana pela chupeta da mamã.
helio neves, 08.03.2019: claro que o seu comentário não me surpreende... já se dissesse que dispensa os "mimos" que o cavalheirismo proporciona à mulher, aí é que seria digna da minha consideração... basicamente as feministas querem o melhor de dois mundos; querem os mesmos "direitos" que acham que os homens têm, sem abdicarem das "regalias" que os "cavalheiros" lhes dão... No outro dia entrei numa loja onde trabalham um rapaz e uma mulher; ele estava a descarregar mercadoria, enquanto ela atendia ao balcão; eu referi que se houvesse a tal igualdade de género que as mulheres tanto reclamam, ela teria que fazer o trabalho pesado, mas assim era ele que tinha que "alombar" com as caixas; ele suspirou, ela riu-se... haja pachorra!!
helio neves, 07.03.2019: assim, em caso de ambiguidade, será considerado sempre violência contra a mulher, porque a mulher tem de ser protegida a todo o custo... o curioso, é que a "mulher", apesar de protestar por direito a igualdade de direitos, não abdica dos privilégios que o "cavalheirismo" lhe proporciona... por exemplo, esperar que o "cavalheiro" a convide a jantar e lhe pague a conta; que numa vaga de emprego, o "cavalheiro" a "deixe passar" antes dele... querem igualdade de direitos? tudo certo; mas terão de cumprir igualdade de deveres...
José Manuel Martins, évora 07.03.2019: e então se meter ao barulho os impressionantes números rodoviários enquanto suicídios homicidas involuntários, é de atarantar. Mas como sabe os números mundiais de terrorismo (e mesmo de mulheres assassinadas) empalidece em cotejo com o número anual de mortos por arma de fogo só nos eua. Se então lhe juntarmos o brasil e a venezuela... De maneira q as comparações são exactamente isso mesmo: um jogo estalinista chocho das estatísticas, se você tivesse vergonha das 'associações livres' para simultânea e reciprocamente branquear o terrorismo e denegrir a violência conjugal (estou a usar das últimas possibilidades de escrever 'branquear' e 'denegrir' antes de a censura anti-racista tipo mamadou-loff lhes chegar o 'lápis lazúli'). Entre o juiz e o fundamentalismo feminista, é um obscuro abismo
Maria Moreira, 07.03.2019: Há quem, para branquear a violência contra as mulheres e relativizar o peso esmagador da sua especificidade, precise de recorrer ao fundamentalismo anti-estalinista. Tem tudo a ver. Vejamos, dizem que Stalin era um homem. Bem hajam os Homens que ombreiam com as mulheres.
laura neves, vila nova de gaia 07.03.2019: Hossana nas alturas! a maioria dos portugueses ofenderam gravemente sua Majestade o juiz por ser misógino, e para que sirva de exemplo vai processar alguns entupindo os tribunais com mais processos. só demonstra o grave problema que temos com os magistrados de que ninguém avalia o seu desempenho criando as tristes situações que temos verificado.


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