sábado, 9 de março de 2019

Sinistralidade. Sinistro.



Os textos – de João Miguel Tavares, de Paulo Tunhas e respectivos Comentadores - falam por si. Sobre nós.
I - OPINIÃO: O Governo tem de intervir em Pedrógão – e já
Alguém acredita que se se repetir uma tragédia da dimensão de 2017 a generosidade dos portugueses voltará a ser igual enquanto as pessoas se lembrarem das reportagens da TVI?
JOÃO MIGUEL TAVARES PÚBLICO, 2 de Março de 2019
A TVI não pode continuar a empilhar reportagens sobre Pedrógão Grande, tal como a câmara empilha colchões e electrodomésticos ao abandono, e o Governo continuar a fingir que não se passa nada. Sim, o Ministério Público está a investigar. Mas isto não é apenas um problema de justiça. É, antes de mais, um gravíssimo problema político. E um gigantesco escândalo público. E uma das mais vergonhosas manifestações de incúria, insensibilidade ao sofrimento e desprezo pela solidariedade a que já assisti na minha vida.
Não é possível que o senhor presidente Valdemar Alves, mais o seu vasto séquito de funcionários e familiares, continue todos os dias a frequentar as instalações da Câmara Municipal de Pedrógão Grande como se nada tivesse acontecido. Não é possível que a comunicação social, que tem desempenhado um papel fundamental de escrutínio perante a passividade do Estado, seja ameaçada por funcionários públicos com a linguagem da máfia napolitana. E não é possível que António Costa continue a assobiar para o lado como se isto não fosse nada com ele.
Valdemar Alves foi eleito pelas listas do Partido Socialista nas últimas eleições autárquicas, numa badalada transferência do PSD para o PS. Não é propriamente um zé-ninguém – é unha com carne com Tomás Correia, esse grande presidente da Associação Mutualista Montepio Geral, que acumula o cargo com a presidência da Assembleia Municipal de Pedrógão Grande (há maravilhosas coincidências neste mundo). Existem até bonitas fotografias de António Costa a dar abracinhos ao senhor, cheios de cumplicidade política. Com certeza que o primeiro-ministro não tem de responder pela honorabilidade de todas as pessoas que abraçou na vida (estaria, aliás, bem tramado), mas, que se saiba, Costa ainda é secretário-geral do PS. Talvez ele pudesse começar por fazer aquilo que até agora o PS sempre recusou: retirar a confiança política a Valdemar Alves.
A seguir, arranjava forma de alguma instituição funcional do Estado (ainda haverá algumas) tomar conta dos donativos de Pedrógão e acabar com aquele regabofe de uma vez por todas. Eu não sei se o senhor Valdemar e os seus amigos andam a meter dinheiro ao bolso ou não, mas disto tenho absoluta certeza: a Câmara de Pedrógão Grande não tem qualquer capacidade para gerir uma logística tão complexa. Ainda que não se descubram crimes, os meros efeitos de tamanha incompetência têm um impacto brutal no país. Alguém acredita que se se repetir uma tragédia da dimensão de 2017 a generosidade dos portugueses voltará a ser igual enquanto as pessoas se lembrarem das reportagens da TVI?
O escândalo de Pedrógão bate fundo, porque coloca a nu todos os problemas do país, da forma mais confrangedora possível: a falta de qualidade política de muitos autarcas; a falta de escrúpulos de funcionários camarários; a mais descabelada endogamia e nepotismo do microcosmos municipal (o filho do presidente é o responsável pela gestão dos donativos dos incêndios, e ainda há quem questione que mal tem um Governo estar pejado de familiares); a incapacidade de instituições como a Cruz Vermelha para reagirem competentemente à incompetência da câmara; e a passividade e desinteresse do Estado, como um tudo, perante falhas tão gritantes quanto estas. Uns dizem que é um problema da justiça; outros dizem que é um problema autárquico; outros ainda dizem que é um problema das IPSS. Só nunca – nunca! – é o raio de um problema que alguém seja realmente capaz de resolver.
COMENTÁRIOS
Gustavo Garcia, 04.03.2019 Ora, JMT, não percebo a preocupação. O meu caro, melhor do que muitos sabe que as reportagens da TVI têm um efeito variável conforme quem as vê... Por exemplo, há um cronista que escreve dois artigos sobre um certo genro mencionado numa dessas reportagens que, ao que parece, foi beneficiado em 11000 euros, mas não viu nada quando uma reportagem semelhante falou de um outro genro que, ao que parece, recebeu 11000000 de euros... Talvez seja uma míopia de 1000 dioptrias. Assim, esta questão irá também afectar os donativos no futuro conforme as cores de quem a viu.
Zé Goes, Lisboa 02.03.2019: Quase todos os dias nos chegam notícias de aldrabices inconcebíveis ocorridas ao nível dos órgãos do poder local. É um bom aviso aos portugueses para se precaverem em relação à ansiada regionalização por parte de algumas pessoas de alguns partidos. Por isso todos os artigos que nos façam reflectir sobre o que se vai passando por esse interior adentro são muito úteis, venham de cronistas de direita ou de esquerda.
República Bananeira da Tugalândia (ex-Portugal) 02.03.2019: Mas você acredita que aquilo que se passa em Pedrógão não se passaria em qualquer outro concelho do país? Nuns seria pior, noutros menos mau, mas isto que se passa em Pedrógão é a imagem de Portugal em 2019, do Minho ao Algarve, passando pelos arquipélagos. De repente parece que os habitantes de Pedrógão são a escória deste país. Nada de mais errado. São como os outros, apenas surgiu uma situação que mostrou como são/somos. Acredita mesmo que com os partidos actuais minados de mafiosos, e as leis que (não) existem para prevenção e punição da corrupção as coisas serão diferentes? Podem acalmar nos primeiros tempos até tomarem conta do aparelho camarário mas depois é a mesma pouca vergonha. Como se diz em bom português: Mudam-se as moscas mas a m*rda é a mesma.
Nuno Silva 02.03.2019: Sim. Acredito que o que se passa em Pedrógão e algumas poucas partes do país são a excepção, e não a regra. Só os facholas desejosos do Salazar pensam o contrário, como você... Este tipo de problemas locais acontecem em todo o mundo, mesmo no norte da Europa e EUA...
4a República, 02.03.2019: A sensação que os Portugueses têm é que o País anda há demasiado tempo a ser saqueado por autênticas organizações mafiosas que funcionam em rede em tudo o que é Estado. Aliás, a antiga PGR é a primeira a admitir que haja máfias a funcionar no Estado. As noticias sobre tais actividades são diárias. Os Portugueses sabem que que quer o governo quer o Presidente da Republica não têm qualquer poder sobre a Justiça. A maior parte dos senhores cronistas, e este em particular, pelos visto ignora a independência da Justiça relativamente aos outros orgãos de soberania. Ignoram ou perversamente fingem ignorar. Qual a razão porque se ataca tanto o governo pela banditagem que infesta o País e se poupa tanto a justiça? Não estamos perante casos de policia e de justiça? Basta de lixo jornalístico.
República Bananeira da Tugalândia (ex-Portugal) 02.03.2019: Porque se poupa a justiça quando comparada com o poder politico? Porque esta, no meio de todos as decisões chocantes, age de acordo com as leis que os legisladores criam por ordem do governo e da AR. Sempre que um violador é solto, é-o porque a lei assim o permite por ordem do legislador e da AR. Muitas vezes os juízes até podem sentenciar prisão efectiva. Mas não há uma pressão dos governos para não se prender ninguém de forma a poupar dinheiro no encarceramento? Porque pensa que não se combate a corrupção? Por causa do sistema de justiça, ou porque a AR não aprova leis anti-corrupção, ou fá-las defeituosas para deixar buracos por os ratos fogirem? E que falta de meios e pressões sofre o Min. Púb? Continue a votar PS/PSD/PP e verá a morte da democracia. O fascismo cresce a olhos vistos.
4ªRepública Teria alguma razão se para o mesmo tipo de crime fosse aplicada sempre a mesma pena. Só que já se viu no mesmo tipo de crime muitos a não serem constituídos arguidos outros a serem absolvidos, outros a serem condenados com penas suspensas e alguns a serem condenados com penas efectivas. Dá a sensação que é cada cor seu paladar. Essa de uns se desculparem com os outros já é velha. O Juiz tem que ajuizar em consciência e com competência independentemente das várias leituras que se possam fazer da lei. Não me lembro de alguma vez a classe de juízes se ter insurgido publicamente pelas leis mal paridas na AR….     
II - JUSTIÇA: Nada de novo sob o sol/Premium
PAULO TUNHAS     OBSERVADOR, 7/3/2019O
“Não há nada de novo sob o sol”, diz sabiamente o Eclesiastes, e eu não podia estar mais de acordo. “O que foi é aquilo que será, o que se fez é o que se fará”. Com algumas excepções aparentes, as mesmas coisas  retornam eternamente e é fútil julgá-las novidades. Pelo menos no que diz respeito às maneiras de pensar. Quanto aos seus objectos, é de admitir alguma variação. Mas quanto aos costumes não. Eles repetem-se vezes sem fim, e, quando os cremos passados, eles de novo aparecem, logo ao virar da esquina.
Esta verdade básica é-nos lembrada quotidianamente. Um exemplo entre mil é a recente polémica em torno dos acórdãos do juiz Neto de Moura. Confesso que não os li, como praticamente não li, tirando os títulos, o muito que se escreveu sobre o caso. De qualquer maneira, creio ter percebido que o juiz, num desses acórdãos, se sentiu na necessidade de proceder ao que ele aparentemente supõe ser uma resenha histórica das reacções masculinas ao adultério, que ele considera pecaminoso, sendo a conclusão que toda a gente tirou daí (provavelmente com muita razão) a de que aquilo acabava por ser uma legitimação do comportamento dos ciclopes que, dentro ou fora da sua caverna, espancam as suas mulheres. O argumentário do juiz, se se assemelha à ideia com que dele fiquei, não me é menos repulsivo do que ao grosso da opinião publicada. Mas numa coisa ele segue um velho costume assaz curioso que muitos juízes parecem particularmente afeiçoar: a incursão pelos grandes frescos morais.
E o meu espírito voou para muito tempo atrás, mais precisamente para 1990. O arquitecto Tomás Taveira, na altura uma figura muito pública por causa, entre outras coisas, das Amoreiras, tinha movido um processo a um tal senhor Neves, que havia entrado na posse de uma cassete, que entretanto difundira, onde se via o dito arquitecto a sodomizar uma ou duas jovens. Muitos anos antes da net, aquilo tinha-se imediatamente tornado objecto de todas as conversas e de intensa excitação nacional. Excelentemente, o tribunal considerou provadas todas as acusações do arquitecto Taveira e obrigou o senhor Neves a multas e indemnizações. Tudo teria sido óptimo não fosse uma coisa: a prosa da juíza Belo Redondo, de que a imprensa revelou alguns excertos.
O “Público”, na altura, avisava (não me parece que ironicamente) que o texto da juíza continha “avultadas reflexões sobre questões de ordem moral e de costumes” e que aí se sustentava “uma lógica de pensamento que afasta(va) qualquer óptica moralista sobre a questão da sexualidade, do prazer e do desejo”. Com efeito. “O debate, escrevia a juíza Belo Redondo, qualquer que seja o tema, tem sempre, pelo menos, a utilidade de esclarecer ideias e situações.” “A este nível, continuou a juíza, quase se poderia considerar que o «caso Taveira» teve um «efeito acelerador» na lenta evolução dos quadros ético-comportamentais dos portugueses, de um universo fechado e «clerical» — onde o sexo era assimilado ao «mal absoluto» e, por isso, escondido – para o espaço aberto da «sociedade do prazer», com a sua moral de liberdade e de assunção tolerante das diferenças individuais.” O advogado do arquitecto Taveira manifestou a sua felicidade com a decisão do tribunal, expressa em tão brilhante prosa, afirmando que este acórdão permitia ao arquitecto Taveira um “certo alargamento do seu espaço de enunciação possível”. Decididamente, não queria ficar atrás da juíza Belo Redondo em matéria de riqueza verbal, mesmo correndo o risco de uma frase algo equívoca.
Não coloco no mesmo plano os acórdãos do juiz Neto de Moura e o da juíza Belo Redondo, mas num ponto ambos parecem partilhar um traço comum: a necessidade sentida de enquadrar as suas decisões em vastas considerações generalizantes sobre o percurso intelectual da espécie humana. E é essa necessidade, e a persistência dela ao longo dos tempos, que merecem interrogação. Porque carga d’água se sentem obrigados os juízes a estas coisas, que manifestamente não são imprescindíveis para a sua actividade?
Uma hipótese é que o apelo à moral lhes surge como algo irresistível. Num caso e noutro, por via da moral (a deles), assiste-se à intromissão de uma subjectividade que não tem consciência de o ser. E tal intromissão é um abrir de portas à introdução do arbitrário, que é a coisa que mais parece de temer num juiz.
Seja como for, “o que foi é aquilo que será, o que se fez é o que se fará”. A “lenta evolução dos quadros ético-comportamentais dos portugueses”, quaisquer que sejam os “efeitos aceleradores” que por aí apareçam, preservará sempre como núcleo irredutível um gosto indisfarçável por uma impalatável verbosidade. Por isso, aquilo de que tive notícia sobre os acórdãos do juiz Neto de Moura não me surpreendeu por aí além. Enquadra-se perfeitamente numa tradição com vastos pergaminhos. E não é amanhã que vamos sair dela. O ridículo – que pode variar em perigosidade para os indivíduos que têm o azar de serem objecto de acórdãos destes – continuará por aí, sempre alargando o seu “espaço de enunciação” e muito contente de si. Nada de novo sob o sol, efectivamente.
COMENTÁRIOS:
Bruno Xavier: A Justiça faz-se de acordo com a Moral. Desde logo, porque as leis decorrem da moral prevalecente numa sociedade. Além disso, as penas podem ter atenuantes e o enquadramento tem uma importância decisiva. Aplicar uma pena suspensa ou efectiva, o mínimo ou o máximo previsto na lei, decorre do entendimento que o juiz faz desta moral (além de outras coisas como a jurisprudência e o cadastro do réu etc). Não diria que tal decisão é arbitrária, é antes o mais possível um reflexo do espírito da lei e da moral. Posto isto, penso que é um serviço meritório, a transcrição do pensamento dum juiz para o acórdão. Deste modo, a decisão do juiz é mais bem escrutinada. Seria mais fácil e confortável apenas aplicar a sentença pretendida com um mínimo de razões, evitar-se-ia a discussão. Mas também perderíamos a oportunidade de discutir e actualizar o conceito de moral na sociedade e em especial na cabeça destes juízes.
COMENTÁRIO:
Jorge Maria Soares Lopes de Carvalho: Os “MERITÍSSIMOS” como os próprios se auto intitulam nos documentos expostos nas vitrines dos tribunais, tirando algumas excepções são uma cáfila de medíocres sem qualquer espécie de experiência da vida real, envoltos numa redoma proteccionista de privilégios idêntica à dos políticos. …


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