Os textos – de João Miguel Tavares, de Paulo
Tunhas e respectivos Comentadores - falam por si. Sobre nós.
I
- OPINIÃO: O Governo tem de intervir em Pedrógão – e já
Alguém
acredita que se se repetir uma tragédia da dimensão de 2017 a generosidade dos
portugueses voltará a ser igual enquanto as pessoas se lembrarem das
reportagens da TVI?
JOÃO
MIGUEL TAVARES PÚBLICO, 2 de Março de 2019
A
TVI não pode continuar a empilhar reportagens sobre Pedrógão Grande, tal como a
câmara empilha colchões e electrodomésticos ao abandono, e o Governo continuar
a fingir que não se passa nada.
Sim, o Ministério Público está a investigar. Mas isto não é apenas um problema
de justiça. É, antes de mais, um gravíssimo problema político. E um
gigantesco escândalo público. E uma das mais vergonhosas manifestações de
incúria, insensibilidade ao sofrimento e desprezo pela solidariedade a que já
assisti na minha vida.
Não
é possível que o senhor
presidente Valdemar Alves,
mais o seu vasto séquito de funcionários e familiares, continue todos os dias a
frequentar as instalações da Câmara Municipal de Pedrógão Grande como se nada
tivesse acontecido. Não é possível que a comunicação social, que
tem desempenhado um papel fundamental de escrutínio perante a passividade do
Estado, seja ameaçada por funcionários públicos com a linguagem da máfia
napolitana. E não é possível que António Costa continue a assobiar
para o lado como se isto não fosse nada com ele.
Valdemar Alves foi eleito pelas listas do Partido Socialista
nas últimas eleições autárquicas, numa badalada transferência do PSD para o
PS. Não é propriamente um zé-ninguém – é unha com carne com Tomás Correia, esse grande presidente
da Associação Mutualista Montepio Geral, que acumula o cargo com a presidência
da Assembleia Municipal de Pedrógão Grande (há maravilhosas coincidências neste
mundo). Existem até bonitas fotografias de António Costa a dar abracinhos ao
senhor, cheios de cumplicidade política. Com certeza que o
primeiro-ministro não tem de responder pela honorabilidade de todas as pessoas
que abraçou na vida (estaria, aliás, bem tramado), mas, que se saiba, Costa
ainda é secretário-geral do PS. Talvez ele pudesse começar por fazer aquilo que
até agora o PS sempre recusou: retirar a confiança política a Valdemar Alves.
A
seguir, arranjava forma de alguma instituição funcional do Estado (ainda haverá
algumas) tomar conta dos donativos de Pedrógão e acabar com aquele regabofe de
uma vez por todas. Eu não sei
se o senhor Valdemar e os seus amigos andam a meter dinheiro ao bolso ou não,
mas disto tenho absoluta certeza: a Câmara de Pedrógão Grande não tem
qualquer capacidade para gerir uma logística tão complexa. Ainda que não se
descubram crimes, os meros efeitos de tamanha incompetência têm um impacto
brutal no país. Alguém acredita que se se repetir uma tragédia da dimensão de
2017 a generosidade dos portugueses voltará a ser igual enquanto as pessoas se
lembrarem das reportagens da TVI?
O escândalo de Pedrógão bate fundo,
porque coloca a nu todos os problemas do país, da forma mais confrangedora possível: a falta de
qualidade política de muitos autarcas; a falta de escrúpulos de funcionários
camarários; a mais descabelada endogamia e nepotismo do microcosmos municipal
(o filho do presidente é o responsável pela gestão dos donativos dos incêndios,
e ainda há quem questione que mal tem um Governo estar pejado de familiares); a
incapacidade de instituições como a Cruz Vermelha
para reagirem competentemente à incompetência da câmara; e a passividade e
desinteresse do Estado, como um tudo, perante falhas tão gritantes quanto estas.
Uns dizem que é um problema da justiça; outros dizem que é um problema
autárquico; outros ainda dizem que é um problema das IPSS. Só nunca – nunca!
– é o raio de um problema que alguém seja realmente capaz de resolver.
COMENTÁRIOS
Gustavo Garcia,
04.03.2019 Ora, JMT, não percebo a preocupação. O
meu caro, melhor do que muitos sabe que as reportagens da TVI têm um efeito
variável conforme quem as vê... Por exemplo, há um cronista que escreve dois
artigos sobre um certo genro mencionado numa dessas reportagens que, ao que
parece, foi beneficiado em 11000 euros, mas não viu nada quando uma reportagem
semelhante falou de um outro genro que, ao que parece, recebeu 11000000 de
euros... Talvez seja uma míopia de 1000 dioptrias. Assim, esta questão irá
também afectar os donativos no futuro conforme as cores de quem a viu.
Zé Goes, Lisboa 02.03.2019: Quase todos os dias nos chegam
notícias de aldrabices inconcebíveis ocorridas ao nível dos órgãos do poder
local. É um bom aviso aos portugueses para se precaverem em relação à ansiada
regionalização por parte de algumas pessoas de alguns partidos. Por isso todos
os artigos que nos façam
reflectir sobre o que se vai passando por esse interior adentro são muito
úteis, venham de cronistas de direita ou de esquerda.
República Bananeira da Tugalândia (ex-Portugal) 02.03.2019: Mas você acredita que aquilo que se
passa em Pedrógão não se passaria em qualquer outro concelho do país? Nuns
seria pior, noutros menos mau, mas isto que se passa em Pedrógão é a imagem de
Portugal em 2019, do Minho ao Algarve, passando pelos arquipélagos. De repente
parece que os habitantes de Pedrógão são a escória deste país. Nada de mais
errado. São como os outros, apenas surgiu uma situação que mostrou como
são/somos. Acredita mesmo que com os partidos actuais minados de mafiosos, e as
leis que (não) existem para prevenção e punição da corrupção as coisas serão
diferentes? Podem acalmar nos primeiros tempos até tomarem conta do aparelho
camarário mas depois é a mesma pouca vergonha. Como se diz em bom português:
Mudam-se as moscas mas a m*rda é a mesma.
Nuno Silva 02.03.2019: Sim. Acredito que o que se passa em
Pedrógão e algumas poucas partes do país são a excepção, e não a regra. Só os
facholas desejosos do Salazar pensam o contrário, como você... Este tipo de
problemas locais acontecem em todo o mundo, mesmo no norte da Europa e EUA...
4a República,
02.03.2019: A sensação que os Portugueses têm é que
o País anda há demasiado tempo a ser saqueado por autênticas organizações
mafiosas que funcionam em rede em tudo o que é Estado. Aliás, a antiga PGR é a
primeira a admitir que haja máfias a funcionar no Estado. As noticias sobre
tais actividades são diárias. Os Portugueses sabem que que quer o governo quer
o Presidente da Republica não têm qualquer poder sobre a Justiça. A maior parte
dos senhores cronistas, e este em particular, pelos visto ignora a
independência da Justiça relativamente aos outros orgãos de soberania. Ignoram
ou perversamente fingem ignorar. Qual a razão porque se ataca tanto o governo
pela banditagem que infesta o País e se poupa tanto a justiça? Não estamos
perante casos de policia e de justiça? Basta de lixo jornalístico.
República
Bananeira da Tugalândia (ex-Portugal) 02.03.2019: Porque se poupa a justiça quando
comparada com o poder politico? Porque esta, no meio de todos as decisões
chocantes, age de acordo com as leis que os legisladores criam por ordem do
governo e da AR. Sempre que um violador é solto, é-o porque a lei assim o
permite por ordem do legislador e da AR. Muitas vezes os juízes até podem
sentenciar prisão efectiva. Mas não há uma pressão dos governos para não se
prender ninguém de forma a poupar dinheiro no encarceramento? Porque pensa que
não se combate a corrupção? Por causa do sistema de justiça, ou porque a AR não
aprova leis anti-corrupção, ou fá-las defeituosas para deixar buracos por os
ratos fogirem? E que falta de meios e pressões sofre o Min. Púb? Continue a
votar PS/PSD/PP e verá a morte da democracia. O fascismo cresce a olhos vistos.
4ªRepública Teria alguma razão se para o mesmo tipo
de crime fosse aplicada sempre a mesma pena. Só que já se viu no mesmo tipo de
crime muitos a não serem constituídos arguidos outros a serem absolvidos,
outros a serem condenados com penas suspensas e alguns a serem condenados com
penas efectivas. Dá a sensação que é cada cor seu paladar. Essa de uns se
desculparem com os outros já é velha. O Juiz tem que ajuizar em consciência e
com competência independentemente das várias leituras que se possam fazer da
lei. Não me lembro de alguma vez a classe de juízes se ter insurgido publicamente
pelas leis mal paridas na AR…. …
II - JUSTIÇA:
Nada de novo sob o sol/Premium
“Não
há nada de novo sob o sol”, diz sabiamente o Eclesiastes,
e eu não podia estar mais de acordo. “O que foi é aquilo que será, o que se fez
é o que se fará”. Com algumas excepções aparentes, as mesmas coisas
retornam eternamente e é fútil julgá-las novidades. Pelo menos no que diz
respeito às maneiras de pensar. Quanto aos seus objectos, é de admitir alguma
variação. Mas quanto aos costumes não. Eles repetem-se vezes sem fim, e, quando
os cremos passados, eles de novo aparecem, logo ao virar da esquina.
Esta
verdade básica é-nos lembrada quotidianamente. Um exemplo entre mil é a recente
polémica em torno dos acórdãos do juiz Neto de Moura. Confesso que não os
li, como praticamente não li, tirando os títulos, o muito que se escreveu sobre
o caso. De qualquer maneira, creio ter percebido que o juiz, num desses acórdãos,
se sentiu na necessidade de proceder ao que ele aparentemente supõe ser uma
resenha histórica das reacções masculinas ao adultério, que ele considera
pecaminoso, sendo a conclusão que toda a gente tirou daí (provavelmente com
muita razão) a de que aquilo acabava por ser uma legitimação do
comportamento dos ciclopes que, dentro ou fora da sua caverna, espancam as suas
mulheres. O argumentário do juiz, se se assemelha à ideia com que dele
fiquei, não me é menos repulsivo do que ao grosso da opinião publicada. Mas
numa coisa ele segue um velho costume assaz curioso que muitos juízes parecem
particularmente afeiçoar: a incursão pelos grandes frescos morais.
E
o meu espírito voou para muito tempo atrás, mais precisamente para 1990. O arquitecto Tomás Taveira, na altura uma
figura muito pública por causa, entre outras coisas, das Amoreiras,
tinha movido um processo a um tal senhor Neves, que havia entrado na
posse de uma cassete, que entretanto difundira, onde se via o dito
arquitecto a sodomizar uma ou duas jovens. Muitos anos antes da net, aquilo
tinha-se imediatamente tornado objecto de todas as conversas e de intensa
excitação nacional. Excelentemente, o tribunal considerou provadas todas as
acusações do arquitecto Taveira e obrigou o senhor Neves a multas e
indemnizações. Tudo teria sido óptimo não fosse uma coisa: a prosa da juíza Belo
Redondo, de que a imprensa revelou alguns excertos.
O
“Público”, na altura, avisava (não me parece que ironicamente) que o texto
da juíza continha “avultadas reflexões sobre questões de ordem moral e de
costumes” e que aí se sustentava “uma lógica de pensamento que afasta(va)
qualquer óptica moralista sobre a questão da sexualidade, do prazer e do
desejo”. Com efeito. “O debate, escrevia a juíza Belo Redondo, qualquer que
seja o tema, tem sempre, pelo menos, a utilidade de esclarecer ideias e
situações.” “A este nível, continuou a juíza, quase se poderia considerar
que o «caso Taveira» teve um «efeito acelerador» na lenta evolução dos quadros
ético-comportamentais dos portugueses, de um universo fechado e «clerical» —
onde o sexo era assimilado ao «mal absoluto» e, por isso, escondido – para o
espaço aberto da «sociedade do prazer», com a sua moral de liberdade e de
assunção tolerante das diferenças individuais.” O advogado do arquitecto
Taveira manifestou a sua felicidade com a decisão do tribunal, expressa em tão
brilhante prosa, afirmando que este acórdão permitia ao arquitecto Taveira um
“certo alargamento do seu espaço de enunciação possível”. Decididamente, não
queria ficar atrás da juíza Belo Redondo em matéria de riqueza verbal, mesmo
correndo o risco de uma frase algo equívoca.
Não
coloco no mesmo plano os acórdãos do juiz Neto de Moura e o da juíza Belo
Redondo, mas num ponto ambos parecem partilhar um traço comum: a necessidade
sentida de enquadrar as suas decisões em vastas considerações generalizantes
sobre o percurso intelectual da espécie humana. E é essa necessidade, e a
persistência dela ao longo dos tempos, que merecem interrogação. Porque carga
d’água se sentem obrigados os juízes a estas coisas, que manifestamente não são
imprescindíveis para a sua actividade?
Uma
hipótese é que o apelo à moral lhes surge como algo irresistível. Num caso e
noutro, por via da moral (a deles), assiste-se à intromissão de uma subjectividade
que não tem consciência de o ser. E tal intromissão é um abrir de portas à
introdução do arbitrário, que é a coisa que mais parece de temer num juiz.
Seja
como for, “o que foi é aquilo que será, o que se fez é o que se fará”. A
“lenta evolução dos quadros ético-comportamentais dos portugueses”, quaisquer
que sejam os “efeitos aceleradores” que por aí apareçam, preservará sempre como
núcleo irredutível um gosto indisfarçável por uma impalatável verbosidade.
Por isso, aquilo de que tive notícia sobre os acórdãos do juiz Neto de Moura
não me surpreendeu por aí além. Enquadra-se perfeitamente numa
tradição com vastos pergaminhos. E não é amanhã que vamos sair dela. O ridículo
– que pode variar em perigosidade para os indivíduos que têm o azar de serem objecto
de acórdãos destes – continuará por aí, sempre alargando o seu “espaço de
enunciação” e muito contente de si. Nada
de novo sob o sol, efectivamente.
COMENTÁRIOS:
Bruno Xavier: A Justiça faz-se de acordo com a Moral. Desde logo, porque as leis
decorrem da moral prevalecente numa sociedade. Além disso, as penas podem ter
atenuantes e o enquadramento tem uma importância decisiva. Aplicar uma pena
suspensa ou efectiva, o mínimo ou o máximo previsto na lei, decorre do
entendimento que o juiz faz desta moral (além de outras coisas como a
jurisprudência e o cadastro do réu etc). Não diria que tal decisão é
arbitrária, é antes o mais possível um reflexo do espírito da lei e da moral. Posto
isto, penso que é um serviço meritório, a transcrição do pensamento dum juiz
para o acórdão. Deste modo, a decisão do juiz é mais bem escrutinada. Seria
mais fácil e confortável apenas aplicar a sentença pretendida com um mínimo de
razões, evitar-se-ia a discussão. Mas também perderíamos a oportunidade de
discutir e actualizar o conceito de moral na sociedade e em especial na cabeça
destes juízes.
COMENTÁRIO:
Jorge Maria Soares Lopes de Carvalho: Os “MERITÍSSIMOS” como os próprios se auto intitulam nos documentos
expostos nas vitrines dos tribunais, tirando algumas excepções são uma cáfila
de medíocres sem qualquer espécie de experiência da vida real, envoltos numa
redoma proteccionista de privilégios idêntica à dos políticos. …
Nenhum comentário:
Postar um comentário