Uma crónica de excelência,
tanto pelo comentário como pela informação. De Helena Matos. Um retrato
sobre um país de carnaval, a viver de empréstimos e de arraial contínuos. E não
há quem ponha cobro a isso, que os representantes gostam de ter o povoléu
contente, e soezmente anulado. Os comentários, contudo, provam que muita gente
há conscientemente exigente.
CRÓNICA: O
arraial da luta /premium
OBSERVAFOR, 10/3/2019
É a luta feminista. A luta contra o racismo... Há sempre uma luta. A
luta é um arraial que políticos vorazes pelo poder montaram nas nossas vidas. O
reverso desta encenação vai do fiasco ao crime.
Fiasco. São as chamadas
lutas para televisão ver: hoje luta-se. Amanhã já ninguém se lembra.
Zero candidaturas. Nem uma, nem
duas, nem três: zero!
Foi este o número de adesões à imensamente apregoada
linha de crédito para a limpeza de florestas. A história desta
linha de crédito começa em Março de 2018, tempo de luta contra o então
inimigo público número 1, a saber o eucalipto. O primeiro-ministro, o
Presidente da República e vários membros do Governo puseram capacete na cabeça,
arrancaram uns raminhos de eucalipto e declararam ufanos que estavam a limpar a
floresta e a combater os incêndios. António Costa aproveitou um debate
parlamentar para anunciar várias novidades para a floresta. Esta linha de
crédito para a limpeza de florestas foi uma delas. O número de adesões
que registou um ano depois – zero – espelha o profundo
desconhecimento da presente classe política sobre esse país que existe
para lá da faixa litoral. Em Março de 2019, quem reparou que foram zero as
candidaturas à linha crédito? Certamente menos que aqueles que recordam o
espalhafato mediático criado em torno da luta pela limpeza das florestas.
Mistificação. O legislador
sonha-se libertador mas no caso das mulheres em Portugal a sua vida mudou e
muda apesar das leis.
A
falta de mão-de-obra nos anos 60 do século passado, as crescentes habilitações
escolares das raparigas, o acesso a água canalizada, as redes de esgotos
e a electrificação do país que permitiu a vulgarização de electrodomésticos
fizeram mais pela qualidade de vida das mulheres que muitas das leis que se
tornou lugar comum incensar como libertadoras. Por muito chocante que tal seja
para os ouvidos sensíveis de quem imagina que tudo se deve ao intervencionismo
estatal, em matéria de vida das mulheres as máquinas de lavar roupa, os frigoríficos
e os supermercados com os seus horários alargados foram mais importantes que os
manifestos feministas. O legislador que sonha países criados à força de
decretos-lei e os políticos que se vêem libertadores privilegiam o papel das
leis. Ou seja o seu papel. A realidade essa não se compadece com esses egos
exacerbados e os activismos que os sustentam. Foi assim no passado com a sua
legislação repressiva para as mulheres e continua perturbantemente a ser
assim no presente do activismo igualitário: como entender, por exemplo, que os
adolescentes de hoje – criados na narrativa dos direitos existentes e a
existir – se entreguem a práticas como as relatadas por Laurinda Alves no texto Já te safaste hoje?
A luta do “vai ali ver se chove”. Esta luta varia de objecto ao longo do
ano. Nesta época refere-se invariavelmente ao “mau tempo que impediu os
tradicionais desfiles de Carnaval”.
O
único que há de tradicional neste caso é mesmo o “mau tempo” que não é mau
tempo algum mas sim o tempo próprio da estação, a saber o Inverno. Já o
resto – desfiles e samba incluídos – são opções para enregelar os corpos,
queimar dinheiro e fazer de nós parvos. Experimente-se, por exemplo,
fazer uma pesquisa no portal dos ajustes directos pelas palavras Carnaval ou
samba e constata-se que são milhares e milhares de euros afectados
ao que nos é apresentado como o esforço de uns foliões. Este ano foram
cancelados os desfiles de Carnaval em Sesimbra, Ovar (com uns fantásticos 224 389
euros em contratos para a organização do Carnaval), Estarreja
e Funchal, Buarcos/Figueira da Foz. Para o ano o espectáculo do “mau tempo que
impediu os tradicionais desfiles de Carnaval” tem regresso marcado. E assim
continuará enquanto o contribuinte for ali ver se chove na hora de se
pronunciar sobre estes dislates.
Patético. As lutas
que entram em luta com as outras lutas para apurar qual luta é a verdadeira
luta.
“Uma escola de Matosinhos
fantasiou os alunos de “africanos” e as críticas não tardaram. Na sequência de
um desfile de Carnaval em que alunos e adultos pintaram a cara de negro, o
estabelecimento de ensino foi acusado de Blackface. A escola
alegou que pretendia “celebrar a diversidade cultural” e que também desfilaram
alunos com fantasias da China e do Brasil.
Não
deixa de ser patético que as acusações de racismos caiam cada vez mais entre
aqueles que se achavam no terreno da luta contra o racismo. O melhor símbolo
desta espécie de “luta dentro da luta para apurar quem representa a verdadeira
luta contra o racismo” é aquela senhora ministra da Cultura e da Democracia do
governo da Suécia, Amanda Lind de seu nome, que acabou a ser acusada de
apropriação cultural por usar rastas (a apropriação cultural é assim uma
espécie de racismo gourmet-intelectual). A acusação foi formulada por uma
artista negra, Nisrit Ghebil, cuja obra por sinal se apropria da cultura
europeia sem qualquer problema.
E
assim chegámos a este patetismo em que não passa um dia em que não se descubra
racismo numa camisola, num
anúncio, nuns chinelos… com os acusados de racismo a fazerem penitenciais
pedidos de desculpa enquanto os acusadores usufruem do que de melhor e mais
interessante existe na cultura que acusam de racismo, apropriação cultural,
colonialismo e outros ismos que lhes ocorram no momento.
Crime. As lutas que
trazem água no bico ou mais precisamente o Marx do costume.
Alguém
sabe explicar porque é que a morte de uma criança pelo pai é noticiada como um
crime de violência doméstica enquanto a morte da uma criança pela mãe é
apresentada como uma tragédia resultante de uma depressão? A enorme algazarra criada em torno da violência
dita doméstica – circunscrita para os demagógicos efeitos à violência exercida
por homens contra mulheres – mostra-nos como somos uma espécie de fáceis
paus mandados em tempos de indignação. Não duvido que dentro de alguns anos
muitos dos activistas da presente luta contra a violência doméstica serão os
primeiro a mostrar-se indignados com os absurdos legislativos que agora
defendem, como os tribunais especiais para a violência doméstica ou a
doutrinação dos juízes. (Recorde-se o espanto e a surpresa dos socialistas com
o recurso às escutas telefónicas no processo Casa Pia, escutas essas feitas ao
abrigo de legislação aprovada por eles mesmos!)
O
que agora se está a aprovar e a defender em matéria de agravamento de penas e
de ausência de prova nos casos de violência doméstica a par das campanhas
fulanizadas contra os juízes vai um dia ser-nos atirado à cara. Basta esperar
que um ministro ou filho de líder político… de preferência de esquerda sejam
investigados e condenados segundo os procedimentos que agora se defendem.
PS. Depois de anos a ouvirmos as candidatas a misses
a desejarem a paz no mundo, a Miss Portuguesa 2018, Carla Rodrigues,
perdeu o título porque apoiou publicamente Juan Guaidó e fez um
apelo à entrada de ajuda humanitária na Venezuela. Quantas feministas se
solidarizaram com Carla Rodrigues?
COMENTÁRIOS
Carminda Damiao: Excelente texto.
Jorge Trindade: Absolutamente delicioso. HM em grande como sempre.
Von Galen: Excelente texto. De facto não vi um único título, para além do CM, a
noticiar a morte da criança pela mãe. O jornal Público, sempre tão preocupado
com a violência doméstica, não colocou essa notícia em capa. É preciso andar-se muito distraído e comer tudo
o que nos servem para que ainda acreditemos que a preocupação sincera é mesmo a
violência doméstica e não um espirro feminista.
Francisco Carvalho: Faz bem á ALMA ler as crónicas de HELENA MATOS E ALBERTO
GONÇALVES e há mais uns poucochinhos !!! Quem lê e gosta tem obrigação de
cumprir os serviços mínimos: PARTILHAR !!! até que o dedo me doa
!!!!
Pérolas a porcos: Por falar em lutas "feministas"... Devíamos
todos aplaudir (além da Helena) Ricardo Martins Pereira, que denunciou aqui no
MAAG, de forma BRILHANTE, algo de completamente absurdo e contrário a todo este
arraial, que é o programa da TVI "Quem quer casar com o meu filho"... "...agora
vemos em horário nobre de um dos canais mais vistos da televisão um programa
que promove tudo o que está errado, que promove a mulher-objecto-sexual, a
mulher-fútil, a mulher-criada, a mulher-estúpida, a mulher-dependente, a
mulher-submissa." "...ao lado do homem, lá no pedestal, e
também a olhar de cima para baixo, está outra mulher, a mãe dele, a candidata a
sogra. Quase todas mostraram ser tão ou mais machistas do que os filhos, as
primeiras a julgar as “candidatas” pelo aspecto físico, por não saberem
cozinhar ou tratar da casa, por já terem filhos, por usarem tatuagens." "Sujeitarem-se
a este tipo de julgamento, a serem avaliadas com base em perguntas idiotas,
feitas por mãe e filho preconceituosos, com mentalidades trogloditas, diz
também muito de quem aceitou participar neste programa. A procura pela fama, os
tais 5 minutos, ou 15, ou um mês, faz com que se deixe cair na lama a
dignidade."
Lopez Turrillo: não só electrodomésticos. tb a invenção da pílula abortiva foi uma
libertação.
Carlos Sousa: Acredito que milhares de mulheres, nas manifestações dos últimos dias,
estavam convictamente a fazer ouvir a sua voz e repúdio à violência doméstica. Mas estão a ser também instrumentalizadas pela
extrema esquerda. Lá andava o Jerónimo e a Catarina a ajudar à festa,
esquecendo eles que dão suporte a um governo que tinha o dever de melhorar o
apoio às vítimas e tornar mais eficaz a justiça nestes casos. Ouvimos também
nos últimos dias, Costa a debitar palavras de ordem contra a violência
doméstica, quando é ele que tem a maioria e o poder legislativo e
executivo. Cinismo a quanto obrigas! Ouvir as feministas colocarem-se ao
lado da Carla Rodrigues é coisa que nunca vamos ouvir, porque a extrema-esquerda
está muito de acordo com a penalização dada à Miss. Então ela teve o descaramento
de atacar Maduro, o amigo do PCP ?!
Pérolas a porcos > Carlos Sousa Eu acredito que milhares de mulheres, que se
manifestaram nos últimos dias, gostariam de ver legitimada a violência
doméstica que exercem ou gostariam de exercer sobre os seus companheiros
(algumas delas nem sequer têm), mas estão com medo de levar em troca... ou
estão a preparar o terreno para ficar impunes. Parece-me
que foi sobretudo um "preventive strike"...
Eduardo Lopes: Bom dia! Caríssima HM. É preciso
acreditar! que um dia haverá alguém mais inteligente e com mais carácter para
nos governar. Sem dúvida que num país onde se sacrificou e continua a sacrificar
um povo que trabalha e é confiscado todos dias, se possa assistir a este
esbanjamento só porque é Carnaval. Mas, os portugueses gostam de gritar um ano
inteiro, para depois com o calor da ressaca esquecer. E, os políticos sabem bem
disso.
Quanto ao caso das florestas, é muita tristeza termos
que viver com estes políticos sejam de esquerda ou de direita. o que eles
querem é dinheiro, dinheiro dos incautos, ou azarados, que quando estão a
tratar das limpezas provocam um incêndio. Nunca se ouviu falar da condenação de
incendiários por via aérea, mesmo sabendo que eles existem. Contudo, coimas e
mais coimas sabem os políticos e AR, criar para arranjarem dinheiro sob a forma
coerciva, para justificarem que a culpa é sempre dos outros. A última saiu em
Janeiro, que diz que sempre que precisa de queimar os sobrantes das suas
árvores de fruto do seu quintal tem que ligar para as autoridades e comunicar
que quer realizar o acto. Vivemos num país que governa por impulso, para não
perder eleições, mas que na prática nem aquilo que devia fazer sabe e, o
exemplo é mesmo o dos eucaliptos que cresceram desordenadamente nas matas
depois dos incêndios.
Quanto à violência doméstica, é um caso muito sério
que a sociedade está a viver. Nada justifica tirar a vida. Mas que por dá cá
aquela palha se anda a fazer um alarido tipo arraial minhoto, anda. …..Quando
alguém analisar com cuidado a taxa de adultério em Portugal percebe porque
existe a violência doméstica. …
Ana Ferreira: Descrente desde que, pós MRPP, percebeu que a alternativa não era melhor,
HM adoptou um estilo, digamos, pragmático. Esse pragmatismo consiste
essencialmente num princípio, a absoluta ausência de qualquer benefício da
dúvida a crenças de qualquer espécie, atitude essa consubstanciada na aposta
total num individualismo feroz. Resulta daí uma amargura permanente, fruto
dessa aridez de quem sobrevive no vazio de ideias, uma existência na
desesperança. Triste.
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