Como uma hidra
Boatos sempre houve, prova-o o texto de José Manuel Fernandes que se
aventura pela história grega e dois dos seus 179 comentadores, que, em parte, o
confirmam. Só que hoje as fake news
têm uma gravidade que lhes advém da rapidez tecnológica que com elas estende os seus tentáculos, como monstruosa hidra, neste mundo onde a política se impõe.
o que se esconde por trás do combate às
“fake news” /premium
Não confiem, desconfiem. A campanha
contra as “fake news” não é contra a desinformação, porque nessa os políticos
são especialistas. É uma campanha para impor uma narrativa única e um
pensamento único
Quando
ouço políticos a falar de “fake news” – a designação modernaça para
desinformação – fico alerta. Quando vejo políticos a anunciarem medidas
para combaterem as “fake news” passo a estar inquieto. Sei que o passo
seguinte será uma qualquer forma de censura ou de controlo da liberdade de
informação e expressão. É fácil perceber as razões da minha desconfiança: a
política sempre se fez com alguma dose de desinformação. A missão do jornalismo
sempre foi combater essa desinformação. Aquilo que os políticos nunca gostaram
que acontecesse foi serem apanhados a “desinformar”, quando não a mentir
descaradamente. Por isso mesmo sempre foi tensa a relação entre os poderes
públicos e a imprensa – por isso mesmo só posso temer que estejamos perante
mais uma – há sempre mais uma – tentativa de estender o longo braço do Estado
para que a sua mão chegue aonde não é chamada, ao interior das redacções.
Esta
quarta-feira, em Lisboa, o nosso Parlamento votou uma resolução do PS sobre
“fake news”, tendo o
debate sido marcado pelo delicioso detalhe de o proponente da resolução ter ele
próprio produzido uma declaração falsa. No
mesmo dia, para não desequilibrar, o PSD
promovia em Bruxelas, no Parlamento Europeu, um seminário sobre o
mesmo tema. Os nossos políticos estão muito inquietos com o que consideram
ser o “fenómeno de intoxicação da opinião pública” à escala global.
Tão
inquietos que a União Europeia criou mesmo uma unidade de missão depois de
ter aprovado um Plano de Acção da União Europeia
contra a desinformação, um documento curioso pois distingue mentiras
legítimas – as que forem difundidas pelos partidos políticos, por exemplo – das
ilegítimas, como se pode verificar lendo a definição de desinformação inscrita
nesse documento.
O
documento da União Europeia, que ainda não foi traduzido para português, excluiu
as notícias e comentários partidários das chamadas “fake news”.
Admito
que alguns leitores tenham ficado tão de boca aberta como eu próprio, pois não
imaginava que a desfaçatez chegasse a este detalhe. Mas chegou. O que é
revelador: o que realmente preocupa os nossos poderes públicos não é a
desinformação, porque desinformação e “fake news” sempre houve e haverá – o
que os inquieta é tudo o que contrarie a narrativa dominante. Incluindo tudo o
que contrarie a narrativa dominante nos media tradicionais.
É
preciso pois ter a cabeça fria e saber distinguir o que, no novo mundo das
redes sociais, são ameaças reais à democracia daquilo que são apenas ameaças a
certos poderes instalados. E perceber o que pode realmente estar em causa. Mas
vamos por pontos.
As
“fake news” são mesmo um perigo? A desinformação foi sempre perigosa. Se lermos o que Tucídides escreveu sobre a guerra
do Peloponeso, que ocorreu há 25 séculos, temos uma noção do mal que um
demagogo sem receio de “desinformar” (Alcibíades) pode causar a uma democracia,
conduzindo-a a uma desastrosa aventura militar. E se quisermos ter uma
ideia da dimensão a que pode chegar uma catástrofe alimentada uma invenção –
por aquilo a que hoje chamaríamos uma “elaborada teoria da conspiração” –
bastará recordarmo-nos do papel que tiveram “Os Protocolos dos Sábios de
Sião” no crescimento do anti-semitismo que culminaria no Holocausto.
Não
me venham pois com a novidade das “fake news”, pois elas são, repito, apenas um
nome moderno para um fenómeno antigo. O que é novo foi o que foi sendo novo em
vários momentos da história: um novo meio de comunicação de massas. O
aparecimento da imprensa de Gutenberg assustou os poderes da época,
brincadeiras na rádio (como a famosa simulação de “A Guerra dos Mundos” por
Orson Welles) terão lançado o pânico e muitos viram na televisão o instrumento
demoníaco que destruiria as democracias. Agora, no tempo da internet, o papel
do vilão é desempenhado pelas redes sociais, sem perceber, ou sem querer
perceber, que estas apenas potenciam uma realidade que lhe é anterior: a
fragmentação do espaço público e a delapidação da autoridade dos media
tradicionais. Mas é aí que está realmente o problema, e o perigo.
Trump, o Brexit e os populismos são
filhos das “fake news”? Um dos problemas da fragmentação do espaço público é
que se criam “bolhas” que não comunicam entre si e acabam por, vivendo no mesmo
país, por vezes na mesma cidade ou até no mesmo bairro, habitarem realidades
paralelas. Em 2016,
entre a votação do Brexit e a eleição de Trump, entrevistei o historiador de
Oxford Timothy Garton-Ash que tinha feito campanha pelo “remain” e na altura
ele disse-me uma coisa que nunca esquecerei: “Eu vi como os ingleses votaram no Brexit. Por isso,
não se iludam: Trump pode ganhar”. E dissera-me isso porque
fizera campanha nas zonas pobres de Oxford e ouvira os argumentos dos
eleitores. Depois eu próprio fui aos Estados Unidos e decidi ir às zonas
desindustrializadas, voltando de lá com a percepção que Trump podia mesmo
ganhar, como ganhou.
Há contudo quem recuse sair das suas
confortáveis bolhas e não entenda porque é que há tanta gente a votar de forma
diferente – e inesperada. Ainda esta semana houve quem condenasse as “percepções” que, na
sua opinião, contaminariam a realidade sem perceber que a realidade de quem
vive confortavelmente num bairro da classe média alta não é a mesma de quem
vive num subúrbio escalavrado. São esses os que continuam cegos às realidades
que historiador de Oxford descobriu apenas olhando para as traseiras da sua
própria cidade, mas que uma boa parte das nossas elites insiste em não ver. Só
entende a “sua” realidade e facilmente olha para o resto como fruto de “fake
news”. Um banho de humildade faz-lhe muita falta.
Mas
então as redes sociais não acentuam o efeito de “bolha”? Acentuam. As redes
sociais conduzem-me às notícias que eu costumo ler, fazer scroll no
feed do Facebbok não é como folhear um jornal ou ouvir um serviço de notícias
pois não me abre uma janela com tanta diversidade sobre o que se passa no mundo
à minha volta. A probabilidade de só encontrar as notícias de que goste é
maior, a variedade é menor, mais facilmente me junto em grupos que pensam como
eu e me “desamigo” daqueles que discordam. Tudo isso é verdade.
Mas
quando estudamos mais em detalhe como se deu esta fragmentação do espaço
público verificamos que ela começou nos órgãos de informação tradicionais,
que ela também foi consequência de uma radicalização do discurso político e da
multiplicação de forças políticas radicalizadas. O chamado “centro político”
começou a implodir antes do Facebook e do WhatsApp e os seus responsáveis
talvez devessem começar a olhar para o que não fizeram – isto é, para onde
falharam quando perderam o contacto com franjas crescentes do seu eleitorado.
E
não há o risco de interferência de potências estrangeiras, nomeadamente da
Rússia? Claro que
há. Bem-vindos ao clube. De novo a desinformação
sempre foi uma arma das potências. Séculos e séculos a fio. Já se
esqueceram da Guerra Fria? Querem recuar um pouco mais? Sejamos sérios: a
necessidade que todos os estados têm de se defender dos seus inimigos externos
(não tenhamos medo de usar as palavras) deve levá-los a usar os meios
correspondentes, designadamente no que refere à partilha de informações e aos
serviços de espionagem. Mas daí a criar, como propôs Emmanuel Macron,
“uma agência europeia de protecção das democracias que providenciará
peritos europeus para cada Estado membro para proteger o seu processo eleitoral
contra os ciberataques e as manipulações”, vai um passo enorme, pois passamos a
estar no limiar da limitação da liberdade dos cidadãos de cada Estado
escolherem os seus representantes, pois estamos muito perto de uma agência de
fiscalização de processos eleitorais. Eu sei que na “bolha” de Bruxelas e de
certas capitais europeias não se compreende que se possa ser eurocéptico pois
na “realidade” em que vivem a União Europeia só tem vantagens, mas numa
sociedade pluralista mesmo dessa “realidade” podem existir leituras diferentes.
É por tudo isso que digo que o perigo destas campanhas selectivas contra a
“desinformação” é serem, precisamente, campanhas em defesa de uma determinada
narrativa, isto é, campanhas em nome de uma e só uma leitura da realidade.
Dir-me-ão:
exagero. Respondo com a minha experiência: não confio nestes arautos da
“verdade”. Não consigo levar a sério quem se recusa a discutir as campanhas sujas do o Miguel Abrantes do Câmara Corporativa.
Não consigo esquecer que o grande arauto do combate às “fake news” na agência
de notícias do Estado (de que agora é presidente) é o mesmo jornalista que
inventou o famoso “especialista das Nações Unidas” Artur Baptista da Silva, o louvou no
Expresso e o entrevistou na SIC.
Por
outras palavras: tenho o calo de muitos anos de profissão e desconfio
instintivamente de “vigilantes”, sejam eles quais forem, mesmo vindos com as
melhores intenções do mundo. E, depois, há coisas bem mais importantes do que o
combate às “fake news” onde gastar o dinheiro dos nossos impostos.
COMENTÁRIOS:
J.C. Maya: Excelente artigo. É muito preocupante o caminho que estão a tentar levar os média para a informação controlada. Quando às fake news (desinformação) este governo socialista, comunista/fascista e bloquista, é useiro vezeiro em utilizá-la. Vejam-se todas as declarações sobre os investimentos em obras públicas a pouco mais de 9 meses das eleições. É o novo aeroporto no Montijo, sem haver ainda um estudo de impacto ambiental, é o novo mas já velha promessa da construção do hospital para substituir os contentores onde são tratadas crianças com doenças cancerígenas no Porto, é a criação de novos passes de transporte que iria ter inicio em 1 de Abril mas que por agora, ainda não conseguiram por em funcionamento em tempo e por conseguinte talvez não seja possível cumprir prazos, é o logro da negociação com os professores por causa das carreiras, apesar de eu não concordar que se reponha o tempo exigido, é a ilusão que se está a criar nos portuguese que, agora, tudo está bem, etc. etc. etc.
J.C. Maya: Excelente artigo. É muito preocupante o caminho que estão a tentar levar os média para a informação controlada. Quando às fake news (desinformação) este governo socialista, comunista/fascista e bloquista, é useiro vezeiro em utilizá-la. Vejam-se todas as declarações sobre os investimentos em obras públicas a pouco mais de 9 meses das eleições. É o novo aeroporto no Montijo, sem haver ainda um estudo de impacto ambiental, é o novo mas já velha promessa da construção do hospital para substituir os contentores onde são tratadas crianças com doenças cancerígenas no Porto, é a criação de novos passes de transporte que iria ter inicio em 1 de Abril mas que por agora, ainda não conseguiram por em funcionamento em tempo e por conseguinte talvez não seja possível cumprir prazos, é o logro da negociação com os professores por causa das carreiras, apesar de eu não concordar que se reponha o tempo exigido, é a ilusão que se está a criar nos portuguese que, agora, tudo está bem, etc. etc. etc.
Pedro Pereira: Compreendo
o seu texto, e está bastante bem fundamentado, embora com os limites que a
quantidade de informação de que dispõe para fazer um curto texto opinativo,
para poder ilustrar o seu ponto de vista parcial em relação ao formato de fake
news que pensa necessários para que o tipo de sociedade que pretende continue a
existir. E não há mal nenhum nisso, tem a sua própria agenda e valores pelos
quais combate, e isso é a meu ver, positivo. No entanto não posso desvalorizar
as resoluções dos parlamentos europeu e português, como o comentarista faz
neste artigo somente porque as "fake news" sempre existiram. Neste momento temos novos desafios, novas realidades,
novas ferramentas que necessitam de serem debatidas e pensadas de modo a actuar
conforme nós como sociedade pretendemos evoluir. Não conheço a sua vida ao
detalhe, e toda a sua experiência, mas conhecendo a sua carreira, sei que terá
uma vida de privilégio: não só financeiramente (por uma boa carreira, penso que
merecida pelo esforço) mas também no seu círculo de conhecimentos e
contactos, que julgo ser de pessoas com educação a bom nível, e acesso a bens e
cultura que nem todos terão. Convenhamos: uma bolha de influência que
não lhe permite o acesso directo aos que não pertencem à "elite". Mais
uma vez não o julgo por tal, apenas constato este facto e percebo o porquê da
falácia do seu pensamento. Não vivendo com a "plebe" e não
sentindo as dores inerentes à falta de acesso a todos os bens de consumo e
"experiências" que são tidos como um fim-em-si-próprio, e a falta de
uma educação sobre o pensamento crítico (educação pensada por elites também
elas limitadas pela mesma falta de educação virada para o pensamento crítico)
não consegue entender a falta que faz educar a população para um entendimento
dos media, e a falta que faz um programa de educação que incite ao pensamento
crítico ao invés de uma prostração à autoridade. Como neste momento sabemos
que é impossível educar todas as gerações de votantes para a compreensão de
textos, para investigar fontes, para analisar mais profundamente todas as notícias
e as formas como são passadas (infelizmente vejo canais a espremer horas de
notícias que não têm mais de 2 minutos de interesse por sensacionalismo, para
obter minutos preciosos de Share que se traduzem em valor acrescentado em
publicidade), e sabendo de antemão que a fórmula utilizada pelas redes
sociais é uma fórmula indigna de promoção a um maior tempo de visita das mesmas
redes, e que essa fórmula está a permitir que pessoas sem conhecimento, sem
capacidade de entendimento de textos, sem defesa para as "fake news",
sigam "trends" (desculpem esqueci momentaneamente a palavra
portuguesa para o mesmo significado) que permitem o retrocesso de uma sociedade
que se quer livre e igualitária; Tendo como pináculo a eleição de
um homem de um ignorante como o Trump, como o Bolsonaro (epa o homem
acabou de postar um filme porno no seu twiter, e questionar a audiência sobre o
que é um golden shower.. não me venham com tretas de ele ter mais de 2 neurónios)
e um brexit inacreditável (que penso vai ficar em águas de bacalhau ad aeternum,
seguindo o que está a ser feito com o acordo de paz entre a Rússia e o Japão
por assinar há quase 100 anos.) Sabendo então que a educação
instantânea de tantos seres votantes é impossível, têm de ser criados
limites às redes sociais. Limites esses que já são amplamente
conhecidos, e que empresas como o Facebook tentam maquilhar com centros de
pseudo filtros de notícias falsas (como poderão ter conhecimento seguindo
algumas reportagens feitas a vários centros, irão ter a noção de que se trata
apenas de publicidade enganosa, na realidade nada está a ser feito, apenas
apagam mamas e cus, enquanto formatam o utilizador mundial para uma moral
norte americana), os representantes dos cidadãos, que têm como
responsabilidades a defesa dos valores europeus para os quais foram conduzidos
ao cargo que ocupam, de legislar fortemente os media, de criar centros de média
regionais por via de subsídios directos, de modo a que as notícias sejam o mais
isentas de panfletarismo político, e de discurso de ódio possível. Ao mesmo
tempo que tem de ser reformulado o sistema educacional para um entendimento do
pensamento. Atenção, que o discurso que está a ganhar voz é claramente uma
aversão aos valores humanistas europeus, e se for a vossa onda, dos valores
cristãos, tão bem denunciados pelo Papa, não sou religioso mas há que dar valor
onde existe compaixão: xenofobia, nacionalismo, ódio por quem não faz sexo no
mesmo ritmo, (etc..) não têm lugar na filosofia cristã (isto já para quem couber
o chapéu hipócrita).
Nenhum comentário:
Postar um comentário