Realmente, Mia Couto é um escritor que ganhou reputação até fabricando
palavras. “Cronicando”, foi um livro de contos que eu li – era o seu primeiro,
tenho aqui outros, oferecidos, mas não os consigo ler. Creio que por aversão. O
certo é que Mia Couto escreveu sobre um povo que amou, a quem pertenceu, pois
com ele brincou, o suficiente para se servir dele, como matéria-prima que o
catapultou para uma fama que oportunamente o enriqueceu. Porque o amá-lo tanto,
a esse povo explorado, subentendia ódio pelos portugueses que exploraram o povo
que ele tanto amou, e Mia Couto soube assinalar bem essa faceta do seu amor,
que estava na berra e vinha a calhar numa altura em que se dava o pontapé de
saída ao povo que há séculos o ajudara a desenvolver – com limitações,
naturalmente – por há séculos ter ocupado a terra onde ele brincou, e onde
jamais teria brincado se não fosse esse tal povo que ele ajudou a classificar
de explorador e outros epítetos facciosos a contento, para mais rapidamente
fortalecer, na animadversão geral, o seu estro narrativo e poético, de muita
perícia vocabular e brincalhona, que lhe daria fama e lucro. Mas ontem, debulhada
em lágrimas a olhar a devastação da Beira e as cenas de aflição, ouvi-o bem,
Mia Couto, a ser entrevistado e a revelar também a sua tristeza infinita, por
esse povo tão mártir depois da descolonização, ao que contou, com as suas lutas
tribais e outras inundações e misérias destruidoras, aliadas a um primitivismo dificilmente ultrapassável.
Mas é altura de ajudar o povo com quem Mia Couto brincou, espero que
Mia Couto se alie aos movimentos de solidariedade do resto do mundo, matéria
para mais reflexão palavrosa, provavelmente. E lucrativa, sem dúvida. Embora a
fase das descolonizações já esteja fora da moda, outras se lhe seguiram,
consequência daquela, no mundo sempre em mudança “que não se muda já como soía”.
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