Não, não se podem generalizar retratos,
e no entanto, as coisas que disse Joana
Bento Rodrigues, resumidas por Alberto Gonçalves, são características femininas em que eu me revejo, e
quando penso na minha irmã, mais sinto quanto batem certo. É verdade que não
troco os meus próprios apetites de cumprir o que me vai na alma, antes de
arrumar a minha pessoa e a casa, por desarrumadas que estejamos – sobretudo quando
não há premência de horários, o que é o meu caso. Julgo que nisso somos
diferentes, a minha irmã e eu, ela sempre impecável. Feminina. Eu sou pessoa menos convencional, mas não por mérito. Mas
somos antigas, isso não conta, habituadas a essas discriminações que a Simone de Beauvoir considerou
pertencerem a um tal “deuxième sexe”
que não quadrava com as suas ânsias de libertação. E deu no que deu.”Ninguém nasce mulher: torna-se mulher”,
assim começa o seu livro, com essa falsidade, que pretendeu apenas reivindicar
para a mulher iguais direitos aos do homem e teve razão nisso. A sociedade vai
mudando, mas não muda o facto de serem as mulheres as parideiras dos filhos, e
isso lhes dá outras características, como a todos os seres animais, como a
gente vê nos nossos bichos de estimação e vamos vendo por essa selva que a
televisão mostra para nosso encanto. Somos antigas, mas as mulheres de hoje que
têm família e casa, não deixam de arcar com as suas responsabilidades de
manutenção do seu habitat, se tiverem educação. Porque se trata de educação. De
respeito por si e pelo outro. Mas não se podem fazer retratos fixos, porque
isso é falso e a literatura universal está cheia desses contrastes. Mas os comentadores
de Alberto Gonçalves, além dele
próprio, magistralmente como sempre,
aclaram
melhor a questão posta por AG.
A mulher, mas qual mulher? /premium
OBSERVADOR, 2/3/2019,
No fundo, a “mulher” da dra. Joana do
CDS não difere da “mulher” da dra. Catarina do BE. Na ânsia de se apoderarem
das cabeças alheias esgadanham-se para reduzir sujeitas de carne e osso a
caricaturas
Uma
médica, Joana Bento Rodrigues, assinou no Observador um artigo sobre “a
mulher, o feminismo e a lei da paridade”. No dito, a senhora, que é filiada
no CDS, explica que a mulher “gosta de se arranjar e de se sentir bonita.
Gosta de ter a casa arrumada e bem decorada. Gosta de ver ordem à sua volta.
Gosta de cuidar e receber e assume, amiúde, muitas das tarefas domésticas (…)”.
Em simultâneo, a mulher “gosta de se sentir útil, de ser a rectaguarda e de
criar a estabilidade familiar, para que o marido possa ser profissionalmente
bem-sucedido.” A mulher também “é provida de um encanto, de uma ternura, que só
se encontra na sua relação com os filhos”. Para cúmulo, a mulher “é um ser
belíssimo e extraordinário”, e não um objecto, “presa para sexo fácil e espaço
de diversão”.
Previsivelmente,
o artigo revirou as entranhas da Terra: nas “redes sociais”, e não só nas
“redes sociais”, milhares de cidadãos insistiram em pronunciar-se a propósito. Uma minoria (pareceu-me uma minoria)
concordou com a dra. Joana e declarou que a mulher corresponde precisamente às
maravilhas acima descritas. A maioria (pareceu-me a maioria) tentou
levar simbólica ou literalmente a dra. Joana à forca, na convicção de que a
mulher é o exacto oposto de tais maravilhas: a mulher não é fútil, a
mulher não é subalterna, a mulher não é dependente, a mulher não é púdica, a
mulher não é doméstica, a mulher não é um adereço, a mulher não é dócil, a
mulher não é parideira.
Em
ambos os casos, de que mulher falamos? Absurdamente, de todas. Naturalmente, de
nenhuma. Não é
questão de discordar do artigo da dra. Joana, ou das reacções ao mesmo. A
questão é não imaginar o que leva alguém a generalizar o carácter, as
circunstâncias, as apetências e as vontades de quase quatro mil milhões de
criaturas, o número de mulheres existentes no mundo. Haverá as que
alcançam o nirvana a produzir sopa e bebés. Haverá as exclusivamente devotadas
a uma carreira na ciência, nos negócios ou na indústria dos resíduos sólidos.
Haverá as que vão à missa e as que não vão à missa com a fé. Haverá as que são
de rua, as que saem à rua e as que não saem de casa. Haverá as que exigem subir
pelo mérito e as que se contentam em subir por quotas. Haverá as que não
desejam subir a parte alguma. Haverá as que querem conciliar tudo e as que não
querem conciliar nada.
O
que nunca haverá é paciência para os prosélitos da dra. Joana e para os
indignados com a respectiva cartilha, os quais, por oportunismo, arrogância,
delírio ou projecção, tendem a ignorar que, salvo pelas fanáticas dos dois
lados da trincheira, cada mulher é uma pessoa com interesses particulares e
contraditórios entre si. E uma pessoa que, salvo melhor informação, não passou
a essa gente procuração para falar em seu nome. Falar da mulher em sentido lato
é tão razoável quanto eu afirmar que os Albertos em peso apreciam ovos
escalfados e a terceira temporada de “True Detective”.
Por
azar, o problema com as generalizações não é apenas serem cretinas: é serem
abundantes. Em pleno século XXI (essa frase deliciosa e vazia), a consagração
das “políticas identitárias” está a conduzir o Ocidente de regresso à saudosa
década de 1950, quando se catalogava a humanidade pelas importantíssimas
categorias do género, da orientação sexual, da cor e do que calhava – logo que
o género, o sexo, a cor e o que calhar preencham certos requisitos. Um homem,
heterossexual, branco e assim não é de grande serventia, excepto a de alvo de
protestos sortidos. O resto é invariavelmente de valor, e constitui factor
fundamental na construção das “identidades” individuais, por acaso assaz
semelhantes às colectivas. Nestes avariados tempos, antes de ser engenheira,
hipocondríaca e fã de Springsteen, a Isabel é mulher. Antes de ser cozinheiro,
alcoólico e míope, o Paulo é gay. Antes de ser professor de Francês, bipolar e
pai de dois rapazes, o Artur é preto. E a Rita, que é mulher, lésbica, mestiça
e praticante de candomblé, ganhou a lotaria da vítima e o jackpot da opressão:
o direito a maçar terceiros com irrelevâncias que não lhes dizem respeito.
Não
vale a pena lembrar que as irrelevâncias biológicas substituíram as
contingências laborais na luta da esquerda pelo conflito perpétuo. Talvez valha
a pena notar que não é a substituir uns estereótipos por outros que a direita
vai lá. Na essência, a “mulher” da dra. Joana do CDS não difere da “mulher” da
dra. Catarina do BE. Na ânsia de se apoderarem das cabeças alheias,
conservadores e progressistas esgadanham-se para reduzir sujeitas de carne e
osso a entidades míticas, caricaturas, marionetas ao dispor de alucinados.
Felizmente, tirando as próprias alucinadas, estas mulheres são imaginárias. E
as verdadeiras têm mais o que fazer, incluindo, se possível, fazer o que lhes
apetece.
Nota
de rodapé:
Um
antigo vencedor do “Big Brother” brasileiro veio palestrar à universidade de
Coimbra, com honras e recepção a cargo do sociólogo Boaventura Sousa Santos.
Não consigo encontrar nada de inadequado no facto acima, pelo que não o
comento.
COMENTÁRIOS
Anabela Faisca: É a opinião de um individualista que recusa papéis sociais por desconfiar
que são opressivos. No entanto, vir a ser pai ou mãe (ou avô ou avó) continua a
ser o objectivo da maioria das pessoas. E, já na fase da meia idade ou velhice,
quando começamos a fazer o balanço existencial, costumamos dizer que o nosso
maior sucesso foi a família, os filhos, enfim as relações familiares de onde
retiramos o significado mais profundo ou os maiores momentos de felicidade da
nossa existência. Uma vida ferozmente individualista é uma ilusão, ingénua
cegueira intelectual.
Carlos Quartel: Neste
assunto o que falta é honestidade e verdade e o que sobra é manipulação e
fundamentalismo. Continuamos a ser mamíferos, as mulheres têm o exclusivo da
parição e são as únicas com capacidade de amamentar as crias. É público e
notório. Confundem-se direitos de cidadania com igualdades biológicas e querem
estabelecer-se paridades e quotas, com algumas curiosidades. Quando se exigem metade dos
administradores, porque não metade dos pedreiros, dos serventes ou dos
descarregadores de camionetas ?
A coisa está
a ficar perigosa e é tempo de parar a loucura. Numa sociedade moderna só há
cidadãos, livres para tratar a sua vida, com os mesmos direitos e deveres. Nada
mais ....
António Marques Mendes: O problema do “big brother” de Coimbra é que não se ficou pelo estúdio como
acontece normalmente nos “reality shows” para animar a malta. Foi feito numa escola onde eu quase tive que
interromper uma aula por causa da algazarra dos apoiantes de ambos os lados da
farsa.
Pérolas a porcos...: 90% das mulheres são desonestas e pouco inteligentes,
e vêem apenas o interesse próprio. 90% dos homens também.
A diferença é
que 90% das mulheres culpam 90% dos homens de serem como são e de elas próprias
serem como são, não saberem o que são, ou não poderem ser como queriam (mais
magras, mais loiras, mais ricas etc.) - enquanto os homens culpam o Benfica, os
Comunistas, o Passos Coelho, o Papa, os Gays, a Catarina Martins, o Maduro, o
Trump, etc. etc...
António Moreira: Sintetizando a (excepcional) crónica desta semana de Alberto Gonçalves
poderíamos dizer que entre o politicamente correcto dos anos ‘50 do século
passado e o politicamente correcto destes tempos que correm do século XXI,
venha o diabo e escolha! Quanto à palestra
da vedeta do Big Brother Brasil promovida pelo desventurado Boaventura,
realmente, não é de admirar. Poucos sapatos velhos casariam tão bem com a dita
meia rota.
Professor Pardal: Basicamente, tudo se resume à liberdade individual. Cada indivíduo, homem
ou mulher, escolhe viver a vida como bem entender e assume as consequências das
suas decisões. Devia ser assim mas não é. Na
realidade, aquilo que vemos são grupos de pessoas, que se designam por
minorias, a procurar ter privilégios sobre os outros pela capa da vitimização,
E isto aplica-se a feministas, racistas, ambientalistas, fascistas e outros que
tais na mesma proporção.
Joana Bento Rodrigues tem todo o direito de escrever o
que escreveu. Todos os seus críticos têm a liberdade de o fazer. Mas é
engraçado como se liberta o inferno pela opinião de uma mulher e nada se passa
quando um defensor de pedofilia dá palestras pelas academias da nação. E arrumo
a nota de rodapé aqui, então.
Cipião Numantino: Não li a arenga da Drª. Joana e, pelo que me apercebo
pelas palavras do nosso caro Alberto, parece que não perdi grande coisa.
Seja como for,
isto só virá fazer lembrar-me que anda tudo maluco. E a direita a que temos
direito, em pouco se distingue da esquerda que nos tocou em sorte.
Se se juntarem ambas, repisando as palavras do AG na
semana passada, talvez acabem por desgraçar entre ambas um só país.
O tremendo azar dos Távoras (alô, alô Miguel Cardoso
que tanta falta faz por aqui) é que esse país é o meu. Ou melhor, o nosso pois
como se diz em termos brejeiros "venham que todos cá cab(e)rão"!
Fico p@uto da vida, sempre que alguém entra em generalidades
pacóvias. E, então, quando se trata de políticos cantando a canção do bandido
arrependido, fico mais visgarelho do que o tio Patinhas ficaria na contemplação
de um farto maço de notas de 500 euros.
Aquilatar pelos mesmos cânones uma matrona das berças
de Trás-os-Montes e de uma suburbana da Rinchoa, é o mesmo que tentar explicar
as diferenças químicas e analíticas entre a água e o H2 O.
No limite mera conversa de chacha ou para boi dormir
como magistralmente se convencionou epitetar no Brasil.
Nem vou por aqui desarrincar diferenças avulsas pois o
AG já deu por aqui mais que muitas à estampa. O feminismo descontrolado a
que se assiste no mundo ocidental, é bem mais que uma conversa da treta para se
tornar numa autêntica chaga social a que, se não se lhe puser um termo
adequado, acabará por colocar a ordem social familiar, tal como hoje a conhecemos,
a ferro e a fogo.
No limite a machonguice cá da paróquia acabará por
ficar de tal forma assustada, que acabará por fugir das mulheres mais rápido do
que ratos de um navio quando este se está mesmo a afundar.
Depois não digam que eu não avisei "tá"?
Os homens e mulheres são muito
diferentes. Por mim, hei-de sempre gritar "pois que viva a diferença"!...
Entendo o prurido mental do nosso estimado Alberto,
para escrever zero sobre a patusca presença do igualmente patusco ex-político
brasileiro que a convite do prof. Boaventura (quem mais haveria de ser?) veio
palrar à Un. de Coimbra.
Que Deus me perdoe, mas o sujeitinho em questão é das
personagens mais ridículas que algum dia tive a oportunidade de contemplar.
Já seguia os seus episódios há uns anitos e, confesso,
que o fazia para me fartar de rir. Tenho aliás ainda bem presente ante mim, o
episódio em que sorrateiramente ele se aproximou do Bolsonaro, lhe pespegou uma
tremenda cuspidela na cara, e desatou a correr aos zig-zags na câmara de deputados,
sem que ninguém o conseguisse apanhar, ehehehehehe!
Sabemos que os Cientistas Sociais ??? da Un. de
Coimbra são uma espécie de tertúlia onde se praticam certas coisas non-sense.
Sabemos, também, que o Prof. Boaventura é uma
personagem ridícula, que gosta imenso do ridículo e que se bate por evidenciar
reiteradas ridicularias. Mas, sinceramente, nunca pensei que esta gentinha
descesse tão baixo. E como uma desgraça nunca vem só, é o dinheiro do
contribuinte que sustenta esta alarvidade pacóvia mental e intelectual.
Volta Eça que estás perdoado. A choldra a que tanto
deste combate, está por aqui outra vez instalada.
E tal como no manifesto anti- Dantas Almada de
Negreiros magistralmente evidenciou, também, claramente em sentido figurado, eu
repito ... morra o Boaventura ... PIM!...
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