sábado, 2 de março de 2019

“Varium et mutabile” mas permanente



Não, não se podem generalizar retratos, e no entanto, as coisas que disse Joana Bento Rodrigues, resumidas por Alberto Gonçalves, são características femininas em que eu me revejo, e quando penso na minha irmã, mais sinto quanto batem certo. É verdade que não troco os meus próprios apetites de cumprir o que me vai na alma, antes de arrumar a minha pessoa e a casa, por desarrumadas que estejamos – sobretudo quando não há premência de horários, o que é o meu caso. Julgo que nisso somos diferentes, a minha irmã e eu, ela sempre impecável. Feminina. Eu sou pessoa menos convencional, mas não por mérito. Mas somos antigas, isso não conta, habituadas a essas discriminações que a Simone de Beauvoir considerou pertencerem a um tal “deuxième sexe” que não quadrava com as suas ânsias de libertação. E deu no que deu.”Ninguém nasce mulher: torna-se mulher”, assim começa o seu livro, com essa falsidade, que pretendeu apenas reivindicar para a mulher iguais direitos aos do homem e teve razão nisso. A sociedade vai mudando, mas não muda o facto de serem as mulheres as parideiras dos filhos, e isso lhes dá outras características, como a todos os seres animais, como a gente vê nos nossos bichos de estimação e vamos vendo por essa selva que a televisão mostra para nosso encanto. Somos antigas, mas as mulheres de hoje que têm família e casa, não deixam de arcar com as suas responsabilidades de manutenção do seu habitat, se tiverem educação. Porque se trata de educação. De respeito por si e pelo outro. Mas não se podem fazer retratos fixos, porque isso é falso e a literatura universal está cheia desses contrastes. Mas os comentadores de Alberto Gonçalves, além dele próprio, magistralmente como sempre, aclaram melhor a questão posta por AG.
A mulher, mas qual mulher? /premium
OBSERVADOR, 2/3/2019,
No fundo, a “mulher” da dra. Joana do CDS não difere da “mulher” da dra. Catarina do BE. Na ânsia de se apoderarem das cabeças alheias esgadanham-se para reduzir sujeitas de carne e osso a caricaturas
Uma médica, Joana Bento Rodrigues, assinou no Observador um artigo sobre “a mulher, o feminismo e a lei da paridade”. No dito, a senhora, que é filiada no CDS, explica que a mulher “gosta de se arranjar e de se sentir bonita. Gosta de ter a casa arrumada e bem decorada. Gosta de ver ordem à sua volta. Gosta de cuidar e receber e assume, amiúde, muitas das tarefas domésticas (…)”. Em simultâneo, a mulher “gosta de se sentir útil, de ser a rectaguarda e de criar a estabilidade familiar, para que o marido possa ser profissionalmente bem-sucedido.” A mulher também “é provida de um encanto, de uma ternura, que só se encontra na sua relação com os filhos”. Para cúmulo, a mulher “é um ser belíssimo e extraordinário”, e não um objecto, “presa para sexo fácil e espaço de diversão”.
Previsivelmente, o artigo revirou as entranhas da Terra: nas “redes sociais”, e não só nas “redes sociais”, milhares de cidadãos insistiram em pronunciar-se a propósito. Uma minoria (pareceu-me uma minoria) concordou com a dra. Joana e declarou que a mulher corresponde precisamente às maravilhas acima descritas. A maioria (pareceu-me a maioria) tentou levar simbólica ou literalmente a dra. Joana à forca, na convicção de que a mulher é o exacto oposto de tais maravilhas: a mulher não é fútil, a mulher não é subalterna, a mulher não é dependente, a mulher não é púdica, a mulher não é doméstica, a mulher não é um adereço, a mulher não é dócil, a mulher não é parideira.
Em ambos os casos, de que mulher falamos? Absurdamente, de todas. Naturalmente, de nenhuma. Não é questão de discordar do artigo da dra. Joana, ou das reacções ao mesmo. A questão é não imaginar o que leva alguém a generalizar o carácter, as circunstâncias, as apetências e as vontades de quase quatro mil milhões de criaturas, o número de mulheres existentes no mundo. Haverá as que alcançam o nirvana a produzir sopa e bebés. Haverá as exclusivamente devotadas a uma carreira na ciência, nos negócios ou na indústria dos resíduos sólidos. Haverá as que vão à missa e as que não vão à missa com a fé. Haverá as que são de rua, as que saem à rua e as que não saem de casa. Haverá as que exigem subir pelo mérito e as que se contentam em subir por quotas. Haverá as que não desejam subir a parte alguma. Haverá as que querem conciliar tudo e as que não querem conciliar nada.
O que nunca haverá é paciência para os prosélitos da dra. Joana e para os indignados com a respectiva cartilha, os quais, por oportunismo, arrogância, delírio ou projecção, tendem a ignorar que, salvo pelas fanáticas dos dois lados da trincheira, cada mulher é uma pessoa com interesses particulares e contraditórios entre si. E uma pessoa que, salvo melhor informação, não passou a essa gente procuração para falar em seu nome. Falar da mulher em sentido lato é tão razoável quanto eu afirmar que os Albertos em peso apreciam ovos escalfados e a terceira temporada de “True Detective”.
Por azar, o problema com as generalizações não é apenas serem cretinas: é serem abundantes. Em pleno século XXI (essa frase deliciosa e vazia), a consagração das “políticas identitárias” está a conduzir o Ocidente de regresso à saudosa década de 1950, quando se catalogava a humanidade pelas importantíssimas categorias do género, da orientação sexual, da cor e do que calhava – logo que o género, o sexo, a cor e o que calhar preencham certos requisitos. Um homem, heterossexual, branco e assim não é de grande serventia, excepto a de alvo de protestos sortidos. O resto é invariavelmente de valor, e constitui factor fundamental na construção das “identidades” individuais, por acaso assaz semelhantes às colectivas. Nestes avariados tempos, antes de ser engenheira, hipocondríaca e fã de Springsteen, a Isabel é mulher. Antes de ser cozinheiro, alcoólico e míope, o Paulo é gay. Antes de ser professor de Francês, bipolar e pai de dois rapazes, o Artur é preto. E a Rita, que é mulher, lésbica, mestiça e praticante de candomblé, ganhou a lotaria da vítima e o jackpot da opressão: o direito a maçar terceiros com irrelevâncias que não lhes dizem respeito.
Não vale a pena lembrar que as irrelevâncias biológicas substituíram as contingências laborais na luta da esquerda pelo conflito perpétuo. Talvez valha a pena notar que não é a substituir uns estereótipos por outros que a direita vai lá. Na essência, a “mulher” da dra. Joana do CDS não difere da “mulher” da dra. Catarina do BE. Na ânsia de se apoderarem das cabeças alheias, conservadores e progressistas esgadanham-se para reduzir sujeitas de carne e osso a entidades míticas, caricaturas, marionetas ao dispor de alucinados. Felizmente, tirando as próprias alucinadas, estas mulheres são imaginárias. E as verdadeiras têm mais o que fazer, incluindo, se possível, fazer o que lhes apetece.
Nota de rodapé:
Um antigo vencedor do “Big Brother” brasileiro veio palestrar à universidade de Coimbra, com honras e recepção a cargo do sociólogo Boaventura Sousa Santos. Não consigo encontrar nada de inadequado no facto acima, pelo que não o comento.

COMENTÁRIOS
Anabela Faisca: É a opinião de um individualista que recusa papéis sociais por desconfiar que são opressivos. No entanto, vir a ser pai ou mãe (ou avô ou avó) continua a ser o objectivo da maioria das pessoas. E, já na fase da meia idade ou velhice, quando começamos a fazer o balanço existencial, costumamos dizer que o nosso maior sucesso foi a família, os filhos, enfim as relações familiares de onde retiramos o significado mais profundo ou os maiores momentos de felicidade da nossa existência. Uma vida ferozmente individualista é uma ilusão, ingénua cegueira intelectual.
Carlos Quartel: Neste assunto o que falta  é honestidade e verdade e o que sobra é manipulação e fundamentalismo. Continuamos a ser mamíferos, as mulheres têm o exclusivo da parição e são as únicas com capacidade de amamentar as crias. É público  e notório. Confundem-se direitos de cidadania com igualdades biológicas e querem estabelecer-se  paridades e quotas, com algumas curiosidades. Quando se exigem metade dos administradores, porque não metade dos pedreiros, dos serventes ou  dos descarregadores de camionetas ? A coisa está a ficar perigosa e é tempo de parar a loucura. Numa sociedade moderna só há cidadãos, livres para tratar a sua vida, com os mesmos direitos e deveres. Nada mais ....
António Marques Mendes: O problema do “big brother” de Coimbra é que não se ficou pelo estúdio como acontece normalmente nos “reality shows” para animar a malta. Foi feito numa escola onde eu quase tive que interromper uma aula por causa da algazarra dos apoiantes de ambos os lados da farsa.
Pérolas a porcos...: 90% das mulheres são desonestas e pouco inteligentes, e vêem apenas o interesse próprio. 90% dos homens também. A diferença é que 90% das mulheres culpam 90% dos homens de serem como são e de elas próprias serem como são, não saberem o que são, ou não poderem ser como queriam (mais magras, mais loiras, mais ricas etc.) - enquanto os homens culpam o Benfica, os Comunistas, o Passos Coelho, o Papa, os Gays, a Catarina Martins, o Maduro, o Trump, etc. etc...
António Moreira: Sintetizando a (excepcional) crónica desta semana de Alberto Gonçalves poderíamos dizer que entre o politicamente correcto dos anos ‘50 do século passado e o politicamente correcto destes tempos que correm do século XXI, venha o diabo e escolha! Quanto à palestra da vedeta do Big Brother Brasil promovida pelo desventurado Boaventura, realmente, não é de admirar. Poucos sapatos velhos casariam tão bem com a dita meia rota.
Professor Pardal: Basicamente, tudo se resume à liberdade individual. Cada indivíduo, homem ou mulher, escolhe viver a vida como bem entender e assume as consequências das suas decisões. Devia ser assim mas não é. Na realidade, aquilo que vemos são grupos de pessoas, que se designam por minorias, a procurar ter privilégios sobre os outros pela capa da vitimização, E isto aplica-se a feministas, racistas, ambientalistas, fascistas e outros que tais na mesma proporção.
Joana Bento Rodrigues tem todo o direito de escrever o que escreveu. Todos os seus críticos têm a liberdade de o fazer. Mas é engraçado como se liberta o inferno pela opinião de uma mulher e nada se passa quando um defensor de pedofilia dá palestras pelas academias da nação. E arrumo a nota de rodapé aqui, então. 
Cipião Numantino: Não li a arenga da Drª. Joana e, pelo que me apercebo pelas palavras do nosso caro Alberto, parece que não perdi grande coisa. Seja como for, isto só virá fazer lembrar-me que anda tudo maluco. E a direita a que temos direito, em pouco se distingue da esquerda que nos tocou em sorte.
Se se juntarem ambas, repisando as palavras do AG na semana passada, talvez acabem por desgraçar entre ambas um só país.
O tremendo azar dos Távoras (alô, alô Miguel Cardoso que tanta falta faz por aqui) é que esse país é o meu. Ou melhor, o nosso pois como se diz em termos brejeiros "venham que todos cá cab(e)rão"!
Fico p@uto da vida, sempre que alguém entra em generalidades pacóvias. E, então, quando se trata de políticos cantando a canção do bandido arrependido, fico mais visgarelho do que o tio Patinhas ficaria na contemplação de um farto maço de notas de 500 euros.
Aquilatar pelos mesmos cânones uma matrona das berças de Trás-os-Montes e de uma suburbana da Rinchoa, é o mesmo que tentar explicar as diferenças químicas e analíticas entre a água e o H2 O.
No limite mera conversa de chacha ou para boi dormir como magistralmente se convencionou epitetar no Brasil.
Nem vou por aqui desarrincar diferenças avulsas pois o AG já deu por aqui mais que muitas à estampa. O feminismo descontrolado a que se assiste no mundo ocidental, é bem mais que uma conversa da treta para se tornar numa autêntica chaga social  a que, se não se lhe puser um termo adequado, acabará por colocar a ordem social familiar, tal como hoje a conhecemos, a ferro e a fogo.
No limite a machonguice cá da paróquia acabará por ficar de tal forma assustada, que acabará por fugir das mulheres mais rápido do que ratos de um navio quando este se está mesmo a afundar.
Depois não digam que eu não avisei "tá"?
Os homens e mulheres são muito diferentes. Por mim, hei-de sempre gritar "pois que viva a diferença"!...
Entendo o prurido mental do nosso estimado Alberto, para escrever zero sobre a patusca presença do igualmente patusco ex-político brasileiro que a convite do prof. Boaventura (quem mais haveria de ser?) veio palrar à Un. de Coimbra.
Que Deus me perdoe, mas o sujeitinho em questão é das personagens mais ridículas que algum dia tive a oportunidade de contemplar.
Já seguia os seus episódios há uns anitos e, confesso, que o fazia para me fartar de rir. Tenho aliás ainda bem presente ante mim, o episódio em que sorrateiramente ele se aproximou do Bolsonaro, lhe pespegou uma tremenda cuspidela na cara, e desatou a correr aos zig-zags na câmara de deputados, sem que ninguém o conseguisse apanhar, ehehehehehe!
Sabemos que os Cientistas Sociais ??? da Un. de Coimbra são uma espécie de tertúlia onde se praticam certas coisas non-sense.
Sabemos, também, que o Prof. Boaventura é uma personagem ridícula, que gosta imenso do ridículo e que se bate por evidenciar reiteradas ridicularias. Mas, sinceramente, nunca pensei que esta gentinha descesse tão baixo. E como uma desgraça nunca vem só, é o dinheiro do contribuinte que sustenta esta alarvidade pacóvia mental e intelectual.
Volta Eça que estás perdoado. A choldra a que tanto deste combate, está por aqui outra vez instalada.
E tal como no manifesto anti- Dantas Almada de Negreiros magistralmente evidenciou, também, claramente em sentido figurado, eu repito ... morra o Boaventura ... PIM!...


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