terça-feira, 11 de fevereiro de 2020

Apenas registo


Pois mal entendi a jogada política do PSD com a proposta de uma descida eléctrica que uma nova descarga, inflamada em ardil e em truque, fez que se mantivesse. Mas agradeço a Helena Garrido por tentar iluminar-nos a mente, ainda que sem descida da taxa.
O Orçamento do IVA da luz /premium
Foi um processo de votação do OE bem interessante. Pelo que nos revelou das estratégias da oposição e do Governo, com o IVA da luz como pretexto. Um IVA que Costa quer tornar no que não é, progressivo.
HELENA GARRIDO
OBSERVADOR, 10 fev 2020
Comecemos por aquilo que acabou por ser aprovado em matéria de IVA de electricidade. O Governo vai negociar com a Comissão Europeia, de acordo com a autorização legislativa que tem, a possibilidade de a electricidade ter uma taxa de IVA que seja função do consumo. Ou seja, quem consumir menos paga uma taxa de IVA mais baixa.
O Governo prepara-se assim para transformar o IVA num imposto progressivo, apenas para a electricidade. Porque não fazê-lo para outros produtos e serviços também?
O IVA é, na sua natureza, um imposto regressivo no sentido em que pesa mais sobre os mais pobres do que sobre os mais ricos sendo, por isso, injusto. Como todos os impostos sobre o consumo. Essa é aliás uma das razões por que, durante anos, o uso da tributação indirecta era criticada pela esquerda e usada mais pela direita. Essa divisão clássica desapareceu, condenada pelo pragmatismo eleitoral.
Os impostos indirectos são os melhores amigos dos políticos: consegue-se a receita fiscal sem que o contribuinte eleitor se aperceba que está a ser (mais) tributado. Há algum tempo que o PS usa essa estratégia de “taxas e taxinhas”, uma expressão com o selo do ex-ministro da Economia António Pires de Lima. Durante a anterior legislatura, com o acordo do BE e do PCP, acabou por se assistir à transferência da tributação directa para a indirecta, como forma de manter ou mesmo aumentar a carga fiscal, conseguindo-se, ao mesmo tempo, convencer o eleitorado que os impostos tinham porque o IRS diminui para alguns.
Quando o primeiro-ministro criticou as propostas de redução do IVA da electricidade usando, entre outros argumentos, o da injustiça fiscal, esqueceu-se que é exactamente isso que os seus governos têm feito nos últimos anos ao agravar a tributação indirecta.
Nada impede que o Governo escolha aplicar um IVA em função do consumo, partindo do princípio que quem consome menos tem menos rendimento. Mas abre-se a questão: porque transforma o IVA num imposto progressivo apenas na electricidade? Porque não o alarga para todo o tipo de consumos? Só assim garante que este imposto, como outros que tributam o consumo, não são injustos.
Aqui como no resto a que assistimos no debate do IVA da electricidade, estamos perante estratégias de política eleitoral e não de política económica.
Vamos agora ao caso do IVA que marcou o debate da proposta de Orçamento do Estado para 2020.
O jogo começa. Desde o primeiro momento que se percebeu existir um divórcio inconciliável entre o PSD e o PCP, cada um deles coerente com o que sempre defendeu. Os sociais-democratas condicionavam a descida do IVA para os 6% à aprovação de medidas que compensassem a perda de receita, de tal maneira que se mantivesse o objectivo do saldo orçamento excedentário de 0,2% do PIB. O PCP propunha a descida do IVA da electricidade também para 6%, mas sem qualquer compensação, em linha com o que sempre defendeu em termos gerais: a redução do défice é uma imposição de Bruxelas que, na perspectiva dos comunistas, não faz qualquer sentido.
Nem o PSD votaria a proposta do PCP, nem o PCP votaria a proposta do PSD na sua totalidade, uma com compensações e outra sem. Mesmo que o PSD juntasse toda a direita obteria 86 votos contra os 108 do PS e os 12 do PCP – que ou votaria contra ou se abstinha. O PS nem precisava do PAN (4 deputados) nem de Joacine Katar Moreira.
A proposta mais coerente em termos de compensações era a do BE, que queria uma descida intercalar para os 13% compensada pelo aumento da tributação da hotelaria. Mas também esta o PSD não poderia aceitar por criticar o agravamento da carga fiscal.
Em face disto, ninguém tinha condições para votar a proposta de ninguém e o problema estava resolvido para o PS.
É quando o PSD tenta convergir para a proposta do Bloco de Esquerda que a história se complica e se torna até mais interessante do ponto de vista político e mais ameaçadora para o PS. Mas mesmo assim, os votos não chegavam: toda a direita mais o BE somam 105 deputados. PS e PCP continuavam a ganhar largamente com 120 deputados, podendo o PCP abster-se. O PSD precisava de conquistar o PAN para obrigar o PCP a votar a favor – com o PAN e Joacine, toda a direita e o BE, teríamos 110 votos a favor da descida do IVA contra os 108 do PS e já não chegava a abstenção do PCP – os comunistas teriam de votar contra a descida do IVA e isso era tudo o que não queriam.
É neste contexto, da aproximação do PSD ao BE, que se percebe a preocupação do PS. O PCP não poderia dizer, como diz agora, que votou a favor de todas as propostas de descida do IVA. Os socialistas e o Governo podiam contar com a abstenção do PCP, mas nunca poderiam pedir-lhe para votar contra a descida do IVA. António Costa e o PS usam então todos os meios ao seu alcance: contactam até o novo líder do CDS. E alteram a ordem das votações – colocando a votos primeiro as compensações que chumbaram e só depois a proposta de descida do IVA, obrigando o PSD a retirar a sua proposta.
Resumindo, nenhum dos partidos que o propôs queria realmente baixar o IVA. O PSD e Rui Rio sabem perfeitamente que as compensações que propunham não compensavam nada – mesmo admitindo que são as suas contas que estão certas e não as do Governo, que anualiza o custo para os 800 milhões de euros, não é com cortes nos gabinetes que se consegue anular a perda de receita do IVA.
Aquilo a que assistimos foram a jogos tácticos. Com o desenrolar do jogo, o que passou a ser importante para a oposição à esquerda, e especialmente o PCP, foi ninguém ficar com a responsabilidade de ter impedido a redução do IVA. O PS ajudou o PCP e o PCP ajudou o PS para o final da história ser: o PSD retirou a sua proposta de redução do IVA. Quando na realidade nem PSD nem PCP queriam realmente baixar o IVA da electricidade. O único partido que merece o benefício da dúvida é o BE por ter, concorde-se ou não com ela, a proposta mais coerente de compensação da redução do IVA.
O problema destes jogos é que por vezes dão para o torto, ou seja, acaba-se a aprovar o que não se quer por se contar com as orientações dos outros, como se viu no caso do alargamento do Metropolitano de Lisboa. A proposta do PAN que era suposto ser chumbada acabou aprovada porque o PSD a viabilizou, somando os seus votos ao PCP, BE e Chega.
O segundo problema, e mais importante, é que podem ser muitos os eleitores a perceberem que se andou a brincar com propostas de descida do IVA que ninguém queria de facto descer.
Mas o mais interessante no caso do IVA da electricidade é o sinal sobre o que pode acontecer no futuro. A iniciativa do PSD de aproximar a sua proposta da do Bloco de Esquerda para obter esses votos é a que deve preocupar mais o PS por ser aquela que pode ameaçar mais estabilidade governativa. É uma estratégia de tesoura, de aproximação do PSD ao BE, que o tempo dirá se tem espaço para se concretizar.
Para já ficamos com o mesmo IVA da electricidade. E uma proposta entregue a Bruxelas que transforma o IVA num imposto progressivo mas só na electricidade.
COMENTÁRIOS
francisco oliveira: A realidade e dura e crua! O OE tinha que ser aprovado, o governo continuar, sem oposiçãoo eficaz e sem alternativa. E o jogo do faz de conta. Desgraçadamente não há qq medida estruturante, nada que venha alterar o que verdadeiramente necessitamos. A AR continua a ser a parte lúdico-recreativa dos deputados com a carga fiscal maior de sempre!
Francis Ferrer: Faz bem o governo em tentar o IVA modelado pelo consumo. Faz política social, pois os consumidores de baixos recursos consomem pouco, e controla a questão ambiental, pois obriga os consumidores mais abastados a fazer uma melhor gestão do consumo. Assim é que se faz política … Rui Rio perdeu em poucos dias o capital de confiança de político sério e ponderado. Ao entrar oportunisticamente em votações como a suspensão da linha circular do metropolitano de Lisboa, e na questão do IVA da electricidade. As “jogadas” parlamentares são legítimas, desde que devidamente suportadas. O problema nas posições do PSD foi a questão da sustentação do voto. Claramente vimos o Rio a tentar mostrar serviço para as clientelas internas, em vésperas de congresso. Considerar o imposto do IVA como regressivo, tal como a D. Helena faz, é incorrecto.
Os contribuintes de fracos recursos, consomem essencialmente produtos de subsistência, como os produtos alimentares que estão enquadrados na taxa reduzida. Já os contribuintes de mais recursos distribuem o seu consumo mais na taxa normal de 23%. Para além disso, o volume de consumo dos contribuintes com maiores recursos é substancialmente  maior do que o dos contribuintes mais pobres. Em resumo, quem tem mais recursos paga um volume de IVA bastante maior do que os contribuintes pobres, pelo que se conclui que o IVA é progressivo.
Joaquim Zacarias: Malabarismos políticos, dos velhos e caquécticos partidos.
Joaquim Moreira: Apesar de considerar que esta análise, no essencial, está correcta, não posso deixar de dizer que o Orçamento do IVA da luz, é mais um caso de falsidade de "quem nos conduz". O problema começa, quando o PSD percebe que, no Orçamento, nada está previsto que permita o seu abaixamento. O pedido feito a Bruxelas, foi mais uma habilidade de um "governo" que tem aversão à verdade. Por isso, se formos justos e rigorosos, teremos que dizer que foi a posição do PS que obrigou a todos estes negócios, aparente ou realmente duvidosos. Mas não podemos, de forma nenhuma, continuar a proteger o grande habilidoso e malabarista que, em 2015, assaltou o poder, apenas para nele estar e se manter.
Jose Costa: Se não tivesse irresponsavelmente baixado o IVA da restauração e o horário da Função Pública, bem podia reduzir o IVA da electricidade. A electricidade é um bem essencial. A restauração não! Mas tudo visto, o que é preciso é ter bem presente, e nunca esquecermos, que os grandes sacrifícios que ainda estamos a sentir - e vão continuar - se devem às governações desastradas de António Guterres e José Sócrates e ao elevadíssimo nível de corrupção que deixaram alastrar. As heranças que o PS sempre nos deixa são catastróficas, mantendo o país num empobrecimento tão vergonhoso quanto desnecessário.
Carlitos Sousa: Quando na realidade nem PSD nem PCP queriam realmente baixar o IVA da electricidade. Este PSD de Rio é uma vergonha. Diz que a carga fiscal é a mais alta desde o 25/abr mas quando tem uma hipótese de baixar essa carga, tem um movimento de caranguejo. Votar PSD à espera que esse partido baixe a carga fiscal, é melhor esperar sentado. Votarei  à direita, mas em quem quer mesmo baixar impostos.
victor guerra: Uma vergonha da classe politica. Tudo jogadas. Pobre povo ,nação violentada
Paulo Guerra: Mas abre-se a questão: porque transforma o IVA num imposto progressivo apenas na electricidade? Porque não o alarga para todo o tipo de consumos?” Se calhar porque tinha que distribuir umas estrelas pelos pobres como Hitler fez com os judeus. Senão como é que se distinguiam por exemplo no supermercado?
Mario Areias: Excelente artigo. Apenas se esqueceu de dizer que a IL também propôs a descida do iva da electricidade para os 13% e que a proposta do BE compensava com mais imposto enquanto a do PSD compensava com redução de despesa o que é diametralmente oposto.
Pedro Ferreira: Não concordo. O BE é completamente irresponsável e hipócrita, é o pior partido português. Os restantes partidos sabem o estado do país e mesmo o PSD podia perfeitamente aprovar este orçamento. Como a HG sabe ,a situação económico-financeira só está disfarçada, com crescimento zero tudo é possível, basta um vírus asiático e nós estaremos de mão estendida a pedir um resgate. Esquerda e direita não têm soluções. Para sermos viáveis como país independente, seria necessário cortar a despesa do Estado para uns 40% do PIB e quem tem coragem para o fazer? Minha previsão: vamos andando até novo resgate.

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