Um texto pertinente - de Bárbara Reis – que destaca o comodismo piegas de um
povo que acima de tudo defende os seus interesses salariais, em greves manhosas
que arruínam o país, manipulados por sindicatos que se estão nas tintas para a
ruína. Heróis de pacotilha, esses que cita, como o ex-dirigente da IL, cujos
propósitos favorecedores de ordem, talvez, foram facilmente desviados para as
suas ambições pessoais. Bárbara
Reis
cita outros sacrificados da história, um pouco incoerentemente, visto que esses
– bíblicos ou outros - nada têm a ver com os que se dedicam a causas, por
espírito de sacrifício pessoal. Mas não deixa de ter razão quando equipara essa
pieguice interesseira nacional, com outros que combatem pela sua libertação,
quantas vezes sacrificando as suas vidas ao despotismo dos que os dirigem, como
esses jovens de Hong Kong, defensores da sua liberdade. Não, não temos espírito
de sacrifício real, e discordo, naturalmente dos comentadores irónicos de BR, que se sentiram picados pela acusação
subentendida de egoístas e interesseiros, sem nobres causas porque apenas defendem
as suas próprias, reduzidas aos seus tachos ou fazendas.
OPINIÃO
COFFEE BREAK
Dou a vida pelo meu país e em troca só
me pagam o salário
Em democracia, ser político não é um sacrifício. Na melhor das
opções, é um serviço público; na pior, é puro exercício de poder. Contagiados
pelo espírito sofredor português, os sindicatos copiam os políticos e
desbaratam o argumento do sacrifício. Agora foi a vez dos estivadores.
BÁRBARA REIS
PÚBLICO,
22 de Fevereiro de 2020
Lembra-se
do argumento do primeiro presidente da Iniciativa
Liberal para explicar a demissão do cargo? Uma ajuda: “Não me podem pedir mais. Não me podem pedir que
continue a sacrificar a minha vida por uma causa.”
Sacrifício é outra coisa. Não falo do sacrifício bíblico e de como no nosso
imaginário — crente ou ateu — é impossível imaginar sacrifício maior do que
aquele que Deus pediu a Abraão: mata o teu filho Isaac com uma faca. Nem
falo dos milhares de crianças sacrificadas ao longo dos séculos em nome de
deuses que a seguir caíram no esquecimento. Há muitos rituais conhecidos, como
o das 50 mil virgens sacrificadas por ano para apaziguar o deus asteca
Huitzilopochtli, mas a história do sacrifício continua a ser
escrita. No Peru, uma equipa de arqueólogos acaba de revelar os esqueletos
daquilo que a revista Discover descreve como “o maior sacrifício em massa
de crianças” jamais descoberto no continente americano. Desconhecia-se que o
Império Chimu (séculos XI-XV) sacrificava crianças. Num cemitério à beira-mar,
os arqueólogos desenterraram esqueletos de 137 crianças entre os 5 e os 14 anos,
três adultos e 200 lamas bebés — os ossos do peito das crianças estão esmagados
da mesma forma, o que indica a possibilidade de o coração lhes ter sido
arrancado em vida. Está a ver aquela cena terrível do Indiana Jones e os
Salteadores da Arca Perdida? É isso na vida real.
Mas
podemos ignorar a História. Para falar de sacrifício, basta pensar nos
jovens de Hong Kong que dizem — hoje — estar dispostos a dar a vida para lutar
pela democracia. Entre Junho e Dezembro, foram presos 2383 estudantes. “Quero
dar tudo o que tenho a Hong Kong. Quando lutamos pela liberdade, os sacrifícios
são inevitáveis”, disse, há umas semanas, um
adolescente a um repórter. “Estamos a meio caminho do Inferno. Pomos
o nosso futuro e a nossa carreira em risco, mas vale a pena.” Ou podemos pensar
na Guiné Equatorial, onde os presos políticos são torturados na prisão Black
Beach e mal saem criticam o regime de forma aberta e frontal.
Sempre me intrigou a forma como em
Portugal se abusa da palavra “sacrifício”, desrespeitando a língua e a
História. Em democracia ser político não é um sacrifício. Na melhor das opções,
é serviço público; na pior é puro exercício de poder. E alguém se lembra de uma
“causa” defendida num horário das nove às cinco?
Contagiados
pelo espírito português do sofredor em privação, os sindicatos copiam os
políticos e desbaratam o argumento do sacrifício. Agora foi a vez dos
estivadores. Na nota a anunciar a greve que começou esta semana,
como resposta à proposta de redução salarial e o fim das progressões
automáticas de carreira, um sindicato disse que os patrões estão a ferir a
“dignidade de quem dá tudo o que tem — às vezes a
própria vida — para abastecer a população, o comércio e a
indústria da capital e do país”. Não debato hoje se têm ou não razão,
nem o problema gravíssimo dos salários em atraso — não é isso que discuto.
Questiono o argumento: os estivadores
dão “tudo o que têm” para fazer o seu trabalho? Não têm férias e dias de
descanso? Não têm salários acima da média, não só acima de outros operários
especializados, mas também de profissões essenciais e complexas como os
médicos, os professores, os juízes, os polícias ou os cientistas?
Há
uns anos, a Confederação dos Sindicatos Marítimos e Portuários revelou a tabela salarial ao Jornal de Negócios. Como os
sindicatos dizem que não são aumentados há 27 anos, suponho que continua
válida: vão de 1046,72 euros por mês para um estagiário a 2323,06 euros para um
superintendente no Porto de Lisboa, ao que é somado o subsídio de alimentação
(10,05 euros), transporte (54,99 euros) e diuturnidades (24,75 euros), e as
horas suplementares, entre os 16,64 euros para um estagiário em fins-de-semana
e os 315,75 euros para um superintendente num horário nocturno. Números
redondos, escreve o Negócios, os salários são entre “2400 e 4000 euros”.
Em
2016, no fim de uma greve de 37 dias, o Diário de Notícias fez novo
levantamento dos salários. Nessa altura, os estivadores tinham acumulado, em
cinco anos, 441 dias de greve no Porto de Lisboa, dias inteiros ou turnos
extra, nunca é claro. Queixavam-se de salários em atraso, das horas mal pagas e
da incerteza dos “eventuais”, tudo questões sérias. O salário base eram os
mesmos 1046 euros, “só podendo o trabalhador ficar nesta categoria durante um
ano”, ao fim do qual é promovido para o escalão seguinte, onde ganha 1443
euros. Lembra-se dos protestos em frente à escadaria da Assembleia da República
no qual homens identificados como estivadores atiraram pedras aos
agentes da PSP, que usam o mesmo argumento do sacrifício para lutar por
melhores salários?
Ao
ler os argumentos dos vários lados parece que entramos num labirinto coberto
por alçapões. Os
patrões dizem que há “vários” estivadores a ganhar cinco mil euros por mês e “casos pontuais” que recebem
“7900 euros por mês”, mais subsídio de férias e de Natal. Os
sindicatos falam em “campanha negra”. Uns queixam-se de que as greves estão a matar os
portos portugueses, os outros queixam-se dos salários baixos, dos
recibos verdes e da imposição de horários pesados. Haverá menos de mil
estivadores. Estamos a falar de quantas pessoas injustiçadas?
Os
dois poderão ter razão em muito do que defendem. Os estivadores têm um trabalho
duro e ganham acima da média. Estão em greve a lutar para manter o que têm e
melhorar o que não têm. Isso basta para negociar. É inútil
o choro patriótico do sacrifício que fazem para “abastecer a população”. Os
portugueses, também eles absorvidos nos seus sacrifícios — reais ou míticos —,
ouvem e ignoram.
COMENTÁRIOS:
fernando ferreira franco: Bárbara Reis professa o discurso híbrido e cobre o
essencial com o anedótico. Quando se refere aos salários acima da média, ela
omite deliberadamente o facto de essa média ser necessariamente baixa porque os
salários mínimos são escandalosamente baixos, o que atira o salário médio para
baixo. Curiosamente, este tipo de discurso incorre sempre num delito moral que
é o de garantir idoneidade salarial a profissões que marcam o regime, como é o
caso dos magistrados, professores, médicos, cientistas, profissões que ela
refere como essenciais, não fossem estas dependentes dos excedentes agrícolas e
industriais, cujos trabalhadores (esses sim essenciais), são pagos miseravelmente
e cujo salário serve de barómetro à senhora para sugerir moderação aos
estivadores.
Leitor Registado,22.02.2020: Dou a vida
pelo PS e em troca pagam-me um salario. Esta é mais uma crónica dos avençados
do PS contra as classes profissionais que ousam fazer greve contra o Grande
Lider.
António Borga ,22.02.2020:
O
fundador da Iniciativa Liberal, que já não podia sacrificar mais a vida por uma
causa, voltou para o Vietname, para não perder o lugar de professor na
Universidade de Hanói. Liberalismo, a quanto obrigas...
Luis_Morgado, 22.02.2020: O exemplo com que abre a crónica, atacando o ex
presidente da IL, é completamente descabido. Parece ter sido metido a martelo.
De resto, o artigo é um pouco confuso.
Animação e descanso, 22.02.2020: É
obcecada com a IL.. de resto, tem toda a razão, o artigo é uma confusão
completa. Quis saltar a cerca intelectual e não conseguiu
Joao Silva, 22.02.2020: : A Barbara continua com a sua paixoneta pelos tipos da
IL. Esse tipo de obsessões deveria ter ficado pelo liceu. Com esta idade parece
tontinha.
ana cristina,
22.02.2020: não percebi bem a tese desta crónica...
cada um faz ou não faz os sacrifícios que entende que tem ou deve fazer. isso
não tem a ver com salário. salário paga trabalho. não paga sacrificios. e isso
é válido em todas as profissões. enfermeiros, professores, médicos. há aqui
grande confusão entre remuneração do trabalho, condições de trabalho, luta por
uma causa..... é esta misturada que leva a injustiças, a greves que mais
parecem birras e a negociatas sujinhas entre governo, patrões e sindicatos que
jogam noutro campeonato que não o da justiça social.
Vieira, 22.02.2020: Ora bem!... "Dou a vida pelo meu país e em troca
só me pagam o salário" é uma força de expressão, fazer disso o ponto
fulcral da questão é um exercício fútil. Os estivadores têm uma vida dura
(frio, calor, turnos, riscos de acidentes com a carga), é nesse sentido que se
insere a expressão. E depois o exemplo dos estudantes de Hong Kong, porque que
é que não foi dado o exemplo dos manifestantes do Chile onde morreram dezenas
de pessoas e foram violadas centenas pelas forcas policias? Ai foi a vida e o
corpo, ou em Franca onde morreram ás mãos da policias manifestantes e outros foram
mutilados. Em Hong Kong dão a vida pela liberdade mas no Japão ou na Coreia do
Sul os jovens suicidam-se por causa da pressão competitiva, excesso de carga
laboral, 5 dias de férias/ano mas lá não há manifestações.
Ceratioidei, 22.02.2020: Excelente texto! „O espírito português do sofredor
em privação“. Não pude deixar de dar uma boa gargalhada. Como é que se diz?
Na mouche!
bento guerra, 22.02.2020: Profissionais que tiram vantagem de estar em nichos de
actividade, onde acabam por ser fulcrais na vida dos outros. Sabendo disso, chantageiam
a sociedade , para obter vantagens, chamando-lhe "luta de classes". São
apoiados pelas leis produzidas pelos "sacrificados" politicos. no que
chamam de "democracia"
DNG, 22.02.2020: Cristalino.
AAA_22.02.2020: Escreve "deus pediu a Abraão". Se Deus está
em minúsculas é porque não acredita que exista enquanto tal, correcto? Mas se
esse Deus não existe, também não existe Abraão, porque um não pode existir sem
o outro. Porque um é criação do outro. Qual a lógica dessa escrita, então?
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