quinta-feira, 27 de fevereiro de 2020

Um email



Enviado por João Lacerda: “Pessoal, reenvio este email, pois acho interessante ter uma perspectiva diferente. Não deixem de ver o filme do preto de S. Tomé, nem deixem de ver o Cristiano Ronaldo a ser ofendido em Espanha.

O texto, de Cristina Miranda, é uma exposição de uma pessoa honesta e equilibrada, capaz de distinguir entre racismo e má criação, e identificar, em Marega, o aproveitamento eficaz de uma corrente desordeira ou maliciosa que o desculpabiliza no seu gesto desordeiro de indignação, como chamariz de uma incriminação de racismo, que é o que está a dar neste nosso país de seguidismo acusatório de baixa orientação esquerdista. Marega, de resto, o texto o prova, foi um exemplo de figura conflituosa, que várias vezes se excedeu nos seus arrebatamentos mal-educados, muitas vezes desculpado e, desta vez, com campo amplamente aberto para avolumar as suas razões de queixa, levado aos ombros por uma imprensa de abjecta cedência aos preceitos “humanitários” da voga comunista. Cristina Miranda apresenta o seu caso pessoal, integrando-o num mundo perverso que também sofreu, mas sabendo relativizar as questões dentro de uma generalidade de agressão a que ninguém escapa, num mundo de castas e de desníveis sociais que por toda a parte imperam, quando a falta de educação ou a cegueira ideológica maliciosamente e vilmente se impõem. No seu texto, sobressai a figura do seu pai, com a característica de educador vivido e sábio, que justifica a honestidade e ponderação da filha:
*       https://mail.google.com/mail/u/0/images/cleardot.gif
Marega, não é por seres preto
24 Fevereiro, 2020
Digam ao Marega que a estupidez humana não tem cor e meia dúzia de energúmenos não representam um país. Que tem razão: aquilo – a imitação de sons de macacos – não se faz. Aquilo não é de gente civilizada e tem de ser punido. Mas que não foi pelo tom da sua pele. Foi por estupidez.
Perguntem se é verdade que foi trazido de clubes sem qualquer relevo para o Marítimo da Madeira, em 2014/2015, mas revelou desde cedo uma queda para indisciplina e descontrolo emocional que lhe valeram várias multas e suspensões e mesmo assim, foi acarinhado pelo clube pelo seu brilhantismo.
Perguntem se é verdade que depois de transferido para o FCP, a prestação caiu a pique e, só por isso, passou a ser a anedota azul e branca.
Perguntem se é verdade que mesmo com a popularidade em baixa foi emprestado ao Vitória perante a perplexidade de alguns que não lhe viam valor futebolístico, mas mesmo assim, de camisola vestida, foi recebido com carinho e apoiado como qualquer outro jogador, tendo recebido aplausos quando os mereceu e reprovação, como qualquer outro, quando desiludia.
Perguntem se é verdade que vestindo o equipamento do Vitória, num jogo perante o Nacional, se descontrolou e sem mais deu um estalo num adversário valendo-lhe uma expulsão e que ao sair do relvado ainda insultou com palavras e gestos adeptos do Vitória, partindo tudo o que lhe apareceu à frente no balneário.
Perguntem se é verdade que mesmo com estes comportamentos a SAD Vitoriana não deixou cair o jogador e procurou a reintegração no grupo, enquanto os adeptos também lhe perdoavam.
Perguntem se é verdade que se tornou um ídolo dos adeptos do Vitória por ter feito uma excelente época no clube.
Perguntem se é verdade que trocou o Vitória que o idolatrou pelo FCP, reabilitado e com prestigio em alta, fazendo questão de agradecer ao clube vitoriano por tudo o que por ele fizeram.
Perguntem se é verdade que nos 2 anos seguintes, sempre que as 2 equipas se encontravam, era aplaudido pelo adeptos vitória até mesmo quando saiu lesionado num jogo, onde foi  aplaudido de pé.
Perguntem se é verdade que no fatídico dia da polémica racista marcado pelo famoso abandono do estádio, no aquecimento com FCP, os adeptos (cerca de 5) estavam a mandar “bocas” aos jogadores adversários como acontece em qualquer jogo de futebol e não um em particular; que no decorrer do jogo não houve insultos apenas descontentamento dos adeptos do FCP por falhanço de golo; que chegados ao minuto 60, assim que se deu o golo, inesperadamente foi festejar junto dos adeptos do Vitória provocando-os com gestos e palavras e que imediatamente reagiram com vaias, insultos e arremesso de cadeiras, não por ser negro; que em reacção ao sucedido, sempre que tocava na bola os adeptos não lhe perdoavam a traição, insultando-o.

Quando era criança, no Canadá sofri de racismo e não sou preta. Sei o que é essa humilhação, porque com 9 anos ouvi um pavilhão gimnodesportivo inteiro apinhado de alunos em sonoras gargalhadas, assim que o meu nome foi anunciado nos microfones para subir ao palco para receber uma medalha de atletismo. Ainda hoje consigo ouvir toda a gente a tentar pronunciar o meu nome “estranho” com sotaque canadiano – “Gonçalves” – perdidos de riso. Em vez de sair dali a correr enfrentei a multidão, caminhando por entre eles de cabeça baixa e a tentar suspender as lágrimas enquanto a vontade de desaparecer e a vergonha tomavam conta de mim, num momento que deveria ter sido de euforia mas que se transformou num pesadelo. Porque ser portuguesa, ter uma língua e nome esquisitos, vestir como uma provinciana pobre, ser patinho feio e ter ainda ar de “chinezinha”, num país que não era o meu, valeu-me episódios como esse e tantos outros e não ter por isso quem quisesse brincar comigo na escola. Ninguém. A não ser, claro, outros rejeitados como eu.
Chegava a casa em choro e dizia em pranto, cheia de raiva, que não queria voltar mais à escola. Mas o meu pai ensinou-me que a melhor forma de combater a exclusão, seja pelo que for, era ignorar e focar-me apenas em lutar por ser a melhor na conquista dos meus objectivos e que aí chegada todos se esqueceriam da cor, da etnia, da cultura, e passariam a ver apenas a pessoa. Que o mundo era assim em todo o lado em relação às diferenças. A vida mostrou que tinha razão.
No futebol é sabido que não é preciso ser-se preto para sofrer de racismo. E que ser preto não implica necessariamente que o haja. Que o diga Cristiano Ronaldo também alvo desses ataques racistas em Espanha (veja aqui) e que soube ignorar como só um grande profissional o sabe fazer. Exactamente como me foi ensinado pelo meu pai. Como diz aqui neste vídeo um insuspeito africano que não se revê no comportamento de Marega: “não é racismo e  quem vai para o futebol tem de saber que isso (insultos) faz parte do ofício”.
Tão verdade que nem Eusébio, hoje a descansar no Panteão, escapou.


Nenhum comentário: