Uma crónica de muitas agonias segundo a visão
esclarecida de José Pacheco
Pereira, que omite outros casos de guerras e de cordões
humanos em fuga ou mortes por naufrágios em barda, que vão acontecendo sem
estarem previstos. Também são confrangedores, embora nos fixemos mais nos
aspectos de ridículo ou aparatoso que a infantilização gradual da sociedade vai
ofertando aos olhos frustrados de quem muito lê e muito sabe. Uma boa síntese,
em suma, dos ridículos, contradições e tragédias do vasto mundo, onde o nosso,
minúsculo, se encaixa, bem arrumadinho no seu canto, com muito pio.
OPINIÃO: Não é possível prever quase
nada na História
Pensem sobre cada um destes factos e
andem 30 ou 20 anos para trás e vejam quantos destes acontecimentos seriam
previsíveis.
JOSÉ PACHECO PEREIRA PÚBLICO,
29 de Fevereiro de 2020
Um homem que se diz socialista está muito à
frente na competição pela nomeação para candidato presidencial americano no
Partido Democrático. Sim, nos EUA. No
Parlamento português foi apresentado e recusado administrativamente um projecto de castração química. Uma
maioria de deputados portugueses votou a favor da legalização da eutanásia. Vasco Pulido Valente morreu e uma nuvem de
panegíricos ouviu-se por todo o lado. Parece que não foi ele que morreu. A
ameaça de uma epidemia levou as equipas de futebol italianas a jogar em
estádios vazios de público. Um governo português tentou fazer um
aeroporto pela enésima vez e falhou porque uma lei de que ninguém se lembrou dá
a um grupo de pequenos municípios um direito de veto sobre a obra. Um jogador
negro saiu do campo por ter sido insultado com frases de carácter racista e
subitamente todo o Portugal desatou a fazer juras anti-racistas. Nos
EUA, um mentiroso patológico sofrendo de uma perturbação narcisista caminha,
com muito poucos travões, para uma autocracia. A NATO, que parecia
eterna, está comatosa. O ditador da Coreia do Norte é tratado pelo
Presidente dos EUA como se fosse seu namorado. Um cavaleiro
tauromáquico, cuja profissão é torturar animais em público, foi processado por maltratar uns galgos que tinha a morrer à fome. Angola sob a direcção do MPLA tornou-se a capital africana do combate à corrupção.
Soldados portugueses estão no Kosovo, no Mali ou no Afeganistão, terras
essas de quem nem sequer no Estado-Maior devia haver um mapa decente que não
fosse do National Geographic. O Reino Unido entrou para a União Europeia
e depois saiu. Há um movimento no PS
e no Bloco de Esquerda para candidatar Ana Gomes à Presidência da República.
Portas é lobbyista de negócios latino-americanos e africanos. Marcelo
Rebelo de Sousa é Presidente. O aeroporto da Madeira tem o nome de um
jogador de futebol. O Partido Socialista é defensor do défice zero e das
“contas certas”. A Maçonaria tentou tomar conta do PSD. Um número
significativo de portugueses usa uma rede social criada para que meia dúzia de
estudantes soubessem que namorados tinham (ou não tinham) as suas colegas na
universidade. A Quadratura do Círculo tornou-se a Circulatura do
Quadrado. Os adolescentes passam o dia a mandar mensagens uns aos
outros. Centenas. Ainda não há TGV. Um partido que quer um
Serviço Nacional de Saúde para os animais tem um grupo parlamentar. Santana
Lopes saiu do PPD/PSD e não tem nada. O Presidente francês tem um
exército aguerrido de gente vestida com coletes amarelos. O
desprendimento de glaciares na Antárctida é notícia de primeira página. Há
paradas de orgulho LGBTQ+ em Vila Real. Ninguém sabe o que é o +, mas ninguém
liga, nem ousa perguntar. Existe censura feita por uma multidão de
anónimos na Internet. A verdade está moribunda nas redes sociais. A
mentira domina as redes sociais. Vladimir Putin manda na verdade e na
mentira e o Presidente dos EUA é o seu discípulo dilecto. Podia
encher páginas e páginas disto.
Pensem
sobre cada um destes factos e andem 30 ou 20 anos para trás e vejam quantos
destes acontecimentos seriam previsíveis. Com muito esforço encontramos
dois com alguma similitude com eventos passados, o que significa que existe uma
débil recorrência: um, mais um falhanço de governos com a
construção de uma grande obra pública por uma combinação de negligência e
arrogância; outro, a precedente epidemia da
gripe das aves, mas mesmo assim muito mais mitigada do que a actual do
coronavírus. Mas a maioria é efectivamente surpresa, não se estava à espera
e não se previu. Embora possa haver algumas tendências de fundo, no
essencial a História é sempre surpresa e é por isso que os homens sábios da
política e da acção devem ler Clausewitz. Adaptado aos tempos modernos,
isso significa que se se quer atravessar um deserto sólido de chão duro porque
não chove há 500 anos, o bom comandante de tanques prepara-se para a chuva e
lama.
Fazer planos e previsões dá-nos a sensação psicológica que dominamos
o futuro, mas o ruído é a voz da natureza. É por isso que esta coluna se chama
o “ruído do mundo”.
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