Afinal, vivemos numa sociedade em que os
detectives ganham dinheiro em busca da verdade, pelo menos nos livros policiais
de fértil capacidade investigadora e criativa. Não é o caso da nossa, e por
isso a habilidade de Rui Pinto causa tanta
estranheza e escândalo entre nós. A mim também me repugna como acção perversa,
mas não deixo de admirar a habilidade e inteligência do moço, não de aprendiz
de feiticeiro, mas de autêntico Hércules lavando as “cavalariças dos nossos
Augias” com o poder da sua mente e dos seus dedos, aquelas provavelmente mais
sujas, eticamente falando, do que as do verdadeiro Augias, de sujidade visível,
exigindo força física, como só um Hércules poderia revelar e um “Augias” verdadeiramente
decente quereria ver limpas. Força física Rui Pinto não parece tê-la, mas força mental e digital tem-nas
de certeza. O Estado – decente e limpador - devia protegê-lo, proporcionando-lhe estudos
do tamanho do seu génio.
OPINIÃO COFFEE BREAK: Rui Pinto é
um Robin Hood digital
Rui Pinto é raposa, não é gato. Como
outros hackers e whistleblowers, indignou-se e arriscou em nome do bem comum. A
sociedade ganhou mais do que perdeu.
BÁRBARA
REIS PÚBLICO, 31 de Janeiro de 2020
Li com espanto que as procuradoras do
Ministério Público que investigaram o pirata informático cujos roubos estão na
origem do Football Leaks e do Luanda Leaks nunca quiseram saber o que
estava dentro dos ficheiros.
Vera
Camacho e Patrícia Barão, do Departamento Central de Investigação e Acção
Penal, “sempre assumiram o seu desinteresse pelo conteúdo do material obtido
pelo hacker”, diz uma notícia do PÚBLICO desta semana. Aí se lê que
Francisco Teixeira da Mota, advogado do hacker Rui Pinto (e do jornal
desde 1990) explicou que as magistradas “sempre” lhe disseram que o único
propósito admissível para acederem aos discos rígidos seria acusarem o hacker de ainda mais crimes.
Roubar
não é bonito e é crime. Mas faz sentido ignorar o conteúdo deste crime?
Matar é matar. Mas a mãe que mata o pedófilo que violou a filha deve ser
julgada ignorando-se as circunstâncias? O pai que mata o condutor bêbado que
acaba de esmagar os seus dois filhos deve ser condenado ou absolvido? A
adolescente que mata o homem que a viola há anos deve ser condenada ou
absolvida?
Dirão: é diferente, porque Rui Pinto
é acusado de ter tentado extorquir dinheiro pelos
ficheiros. Mesmo que isso seja verdade — esse é o único crime que
permite prisão preventiva e por isso ele está preso há mais de um ano — há
roubos digitais e roubos digitais.
Um hacker que
aceita receber 75 mil euros para perturbar eleições — como uma investigação
da Sábado diz ter acontecido
nas presidenciais da Guiné-Bissau —, pode ser posto lado a lado
com um hacker que deu um empurrão precioso na luta contra a corrupção
em dois países? Um hacker que aceita uma encomenda anti-democrática
não é igual a um hacker que expõe gravíssimas faltas de ética. É mais
fácil praticar o Direito como quem atarraxa parafusos. Dá menos trabalho. Mas o
caminho certo nem sempre é o caminho obrigatório. O Código de Processo Penal
(CPP) diz que “são nulas, não podendo
ser utilizadas”, as provas obtidas por “métodos” ilegais. Nesses
casos, diz o CPP, as provas só podem “ser utilizadas com o fim exclusivo de
proceder contra os agentes do mesmo”. No caso, o “agente do mesmo” é Rui Pinto.
Andei à procura de razões para as procuradoras do Ministério Público fazerem
uma leitura mecanicista da lei, agarrando-se aos artigos do CPP sem os
confrontarem com os valores constitucionais. O problema estará na escola?
O
Centro de Estudos Judiciários, por onde passam juízes e procuradores, tem um
módulo de Direito Constitucional desde 1994, ao qual foi acrescentado, mais
tarde, outro sobre a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos.
Além disso, como me explicou um juiz, “é impossível dar aulas de Processo Penal
sem falar dos princípios constitucionais”.
Vinte
e cinco anos parecem portanto insuficientes para a justiça portuguesa fazer
como a alemã, que já consagrou a regra de o Código de Processo Penal ter de
ser “iluminado” pelo direito constitucional. Faltarão outras coisas. Nas
fábulas de La Fontaine, as raposas são sempre espertas e mestres em “astúcias
antigas”. Percebe-se bem por que é que a Disney escolheu uma raposa para ser
Robin Hood, o herói do folclore inglês que rouba aos ricos para dar aos pobres.
—
Se fosses um animal, serias raposa ou gato? — pergunta a Tia Lydia, personagem
central de The Testaments, o último livro de Margaret Atwood. Talvez
um gato, responde a colega. Em momentos de aflição, quando os caçadores se
aproximam, subia para cima de uma árvore até o perigo passar. É um truque
simples e é o único truque dos gatos, mas é útil para salvar a pele. Em
contraste, a raposa é a rainha dos truques mas, como arrisca, é apanhada. Não
sejas demasiado esperto, aconselha Esopo.
Rui
Pinto é raposa, não é gato. Como outros hackers e whistleblowers,
indignou-se e arriscou em nome do bem comum. A sociedade ganhou mais do que
perdeu. Nas fábulas de La Fontaine, as raposas são sempre inteligentes, mas nem
sempre ganham. Não sabemos o que vai acontecer a Rui Pinto mas, com o muito que
já nos deu a conhecer, o mínimo é tratá-lo como Robin Hood digital.
COMENTÁRIOS
Marco Silva "Justiça portuguesa recusa segredos
de Rui Pinto sobre o BES": revista Sábado. Quando o poder político e a
própria justiça levam as leis à letra quando lhes convém proteger os criminosos
DDT.
José Rocha: O problema é que Rui Pinto envolveu o
benfica nisto, caso contrário seria o herói nacional! Mas infelizmente num País
de fanatismos e de regime político e democrático a justiça é uma mera ficção.
Uma imagem vergonhosa do nosso País que passamos para o exterior, mas é o País
que temos. CORRUPTO.
mário borges: Bárbara. O Rui Pinto como adepto
portista forneceu documentação roubada dos servidores do Benfica ao Porto. Isso
faz dele um Robin dos Bosques em que contexto? Isso faz dele um agiota e não
um denunciante. Um denunciante activista não age em benefício próprio. Se
ele ganhou dinheiro com o produto do roubo nunca pode ser sequer comparado a um
roubar aos ricos para dar aos pobres. Nesse caso roubou um rico deu a outro
rico e terá ganho dinheiro com isso porque é parte interessada. E foi aqui que
ele queimou toda a sua credibilidade. Se nunca tivesse sido parcial e
beneficiado uma das partes teria totalmente o meu apoio. E se agora tomou em
mãos a autoria do Luanda Leaks pior. O que quer agora? Estrelato? Ele é a
negação do que deve ser um activista. Não aprendeu nada com os Anonymous?!
Novo Humbo: Bárbara Reis, o Rui Pinto
é, antes de tudo e de mais nada, antes da santidade obnóxia que lhe pretende
atribuir, um extorsionista. Se um dia lhe tocar a si, rapidamente o
compreenderá.
Antonio Gomes: Qualquer um de nós
gostaria de ser informado sobre sintomas de uma eventual doença que se
estivesse a desenvolver no nosso corpo, certo? Assim, poderíamos agir no
combate à respectiva causa. O jovem Rui Pinto é precisamente o
"agente" que descobriu e mostrou sintomas do cancro da corrupção que,
entretanto, quem o devia fazer (a justiça) não só não o faz, como considera
ilegal o que foi feito pelo jovem. Ou seja, nem monta nem sai de cima. Ai tal,
mas é a lei!.. A escravatura também era lei. Os carrascos nazis do Holocausto
agiam conforme a lei. A PIDE praticava a lei. Se a lei não serve, mude-se a
lei, pois, conforme está, favorece os corruptos. Rui Pinto não é causa, é
efeito. Se não houver corruptos não haverá piratas informáticos. Afinal,
queremos ou não queremos curar o cancro?
Marco Silva: Em cheio! Subscrevo.
jope, 31.01.2020 : Robin dos
Bosques?! O nome mais apropriado seria o Rui dos Bits. Efectivamente ele mostra
que na floresta dos Bits podemos ver coisas tenebrosas.
DNG, 31.01.2020: A sociedade
ganhou mais do que perdeu. Certo. Daí até Robin Hood digital acho um pouco
excessivo.
Marco Silva, 31.01.2020: O sistema
judicial faz escutas por arrastão para tentar apanhar traficantes de droga, mas
em relação a Rui Pinto já levam a lei à letra? Já não se pode vasculhar
escritórios de advogados cúmplices e facilitadores do crime organizado?
Pfff...quem tem dois dedos de testa vê bem que a justiça portuguesa está a
proteger criminosos poderosos pondo Rui Pinto (por extorsão??) há um ano em prisão
preventiva. Dois pesos e duas medidas, como diz o outro do PS: "as leis
não são para ser interpretadas à letra"...só quando convém aos poderosos
criminosos!
o gaivotas, 31.01.2020: exacto. E no
fundo as pessoas não querem saber do que possa acontecer a RP, querem é que os
grandes criminosos não fiquem a rir-se, mais uma vez!
Napoleon Bonaparte, 31.01.2020: O problema está
na escola, na forma como os magistrados lá são formatados e também na lei. A
lei está ultrapassada, não se adequa aos tempos modernos, porque parou no
tempo. Já os magistrados, na sua sapiência e absoluta confiança, interpretam as
coisas e a lei como lhes dá mais jeito e menos trabalho.
Gaius, 31.01.2020: Quando vejo aqui
alguns comentadores a defenderem "com unhas e dentes" Rui Pinto que
vai ser julgado por 93 crimes, incluindo o de extorsão e continua em prisão
preventiva, depreendo que há muitos justiceiros neste país para quem "os
fins justificam os meios" e que estão a passar um atestado de
incompetência à justiça portuguesa e à PJ. Peço a esses comentadores para lerem
uma notícia do Público "Hacker Rui Pinto ficou com 17 mil euros desviados
de banco das ilhas Caimão", em que Rui Pinto foi o único suspeito de um
desvio de 264 mil euros, em 2013, de um banco sediado nas ilhas Caimão. Rui
Pinto foi protagonista de vários casos de extorsão e tem uma agenda escondida.
Mencionou que há um eventual escândalo com o fundo Danubio e o FC Porto mas não
denunciou quem andou a desviar dinheiro!
Sérgio Reis.885033, 31.01.2020: Proponho que leia
(vc e todos os benfiquistas) meia dúzia de jornais (online) europeus e conte os
que não defendem Rui Pinto. Depois dê novidades.
Cartas ao director
Público,
1 de Fevereiro de 2020
O
desenvolvimento recente de casos envolvendo os altos negócios do futebol e do
milagre africano da multiplicação dos dólares, vieram apenas fazer perceber com
mais pormenor aquilo que há muito parecia suspeito e evidente. Só a reincidente
ineficiência do Ministério Público (MP) tornou sensacional aquilo de que
há muito se suspeitava; e apesar de denúncias formais, mesmo assim o MP nada
fez para deter o avanço dum enorme polvo com tentáculos na banca, nos offshores e
na política. E se, quando convém, o MP pode abrir um processo de averiguação a
partir duma simples carta anónima, neste casos nem o acesso directo a cópias de
documentos comprometedores foi suficiente para alterar a agenda do MP.
Veja-se
que os documentos agora revelados pelo consórcio de jornalistas são uma pequena
parte da informação ao dispor do MP desde Março do ano passado, e que, como foi
revelado pelos advogados de Rui Pinto, segundo o PÚBLICO, nem a denuncia feita
com base no conhecimento desses documentos mereceu qualquer interesse por parte
dos elementos do MP. Afinal que podíamos esperar perante um pilar fundamental
do Estado que apenas presta contas da sua actuação a um organismo presidido e
controlado por si próprio (o Conselho Superior do Ministério Publico)?Não
podemos continuar a confundir independência- essencial neste caso - com
impunidade e ineficiência, que podem dar origem a agendas pouco transparentes
que corroem o regime e abrem caminho à direita trauliteira. José
Cavalheiro, Matosinhos
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