Para que a esperança continue, até ver…
GENÉTICA
Eis o catálogo mais detalhado
da complexa genética do cancro
Análise a mais de 2600 genomas de cancros aumentará a
compreensão sobre o desenvolvimento de tumores e o que pode causá-los.
PÚBLICO, 5 de Fevereiro de 2020, 18:16
Mais
de 1300 cientistas e clínicos analisaram 2658 genomas de amostras de 38 tipos
de cancro. Daqui resultou o maior e mais detalhado catálogo de genomas de
cancros até à data. Este trabalho é apresentado esta quarta-feira em mais
de 20 artigos publicados em diferentes revistas científicas do grupo Nature.
Como traz um maior conhecimento das mudanças biológicas que levam ao
desenvolvimento do cancro, este catálogo é um contributo para futuros projectos
que resultem em novos tratamentos clínicos.
O
cancro é a segunda causa de morte mais frequente no mundo (a seguir às doenças
cardiovasculares), matando mais de oito milhões de pessoas todos os anos,
alertam os cientistas num dos artigos científicos. De forma
simplificada, o cancro é causado por mutações genéticas no ADN de uma célula.
Essas mudanças permitem que a célula se divida descontroladamente. O tabaco ou
a luz ultravioleta estão entre as causas de cancro. Porquê? Porque deixam
“impressões digitais” que danificam o ADN das células e que se designam “assinaturas
mutacionais”.
Estas
assinaturas são determinantes para perceber como o cancro se desenvolve e como
pode ser evitado. Contudo, como explicam os cientistas num comunicado sobre o
trabalho, estudos anteriores não tinham tido dimensão suficiente para
identificar todas as potenciais assinaturas mutacionais do cancro.
Para
as identificar, cientistas e clínicos de todo o mundo – incluindo o português
Nuno A. Fonseca, agora no
Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos da Universidade
do Porto – juntaram-se no consórcio Análise Pan-cancro de Todos os Genomas
(PCAWG). Este consórcio fez agora o maior e mais abrangente estudo de genomas
de cancro, sequenciando e analisando ao todo o genoma completo de 2658 amostras
de cancro.
“A maioria dos grandes estudos anteriores concentrava-se na codificação
de proteínas de 2% do genoma”, indica Joachim Weischenfeldt, da Universidade da
Copenhaga (na Dinamarca) e um dos autores do artigo. “Agora estudámos e
analisámos todo o genoma. As nossas análises sobre as mutações que afectam os
genes do cancro permitem-nos explicar geneticamente 95% das ocorrências de
cancro que estudámos.”
Durante
o trabalho, descobriram-se, em média, entre quatro e cinco mutações promotoras
do cancro nos tumores analisados. Estas mutações dão às células
cancerosas uma vantagem essencial para se
conseguirem desenvolver.
Em 91% das amostras encontrou-se, pelo menos, uma destas mutações. Já em 5% das
amostras não se detectou nenhuma, o que significa que é necessária mais
investigação para detectar novas mutações promotoras. As novas assinaturas
mutacionais poderão dar-nos mais conhecimento sobre os processos que
desencadeiam cancro.
Anuncia-se
também que, através de um novo método de datação, é possível identificar
mutações que ocorreram anos – ou até mesmo décadas – antes do surgimento de um
tumor. “Teoricamente,
isto é uma janela de oportunidade para a detecção precoce do cancro”, salienta-se no comunicado. Os resultados do estudo
podem ainda permitir identificar com precisão os diferentes tipos de tumor,
o que pode ajudar nos tratamentos.
Ao
sequenciar as amostras dos tumores também se sequenciou o ADN de agentes
patogénicos aí presentes, o que tornou possível detectar e quantificar vírus. Descobriram-se assim sinais de vírus em 13% das
amostras, bem como alguns dos mecanismos que esses vírus usam para desencadear
mutações carcinogénicas.
Ao
todo, identificaram-se 11 agentes patogénicos causadores de cancro (como a Helicobacter pylori, que pode provocar
úlceras no estômago associadas ao cancro gástrico) e 23 tipos diferentes de
vírus (como o de Epstein-Barr, conhecido por causar diferentes tipos de
cancro, entre eles o linfoma e o cancro do estômago).
“Isto dá-nos uma oportunidade fantástica para
recolher dados e encontrar novas associações entre os vírus e os diferentes
tipos de cancro”, afirma Daniel Brewer, do Instituto Earlham (no Reino Unido) e
um dos autores deste trabalho, que já é considerado o estudo mais abrangente
de vírus encontrados em diferentes tipos de cancro.
Por tudo isto, a equipa concluiu que
o genoma do cancro é “finito e conhecível, mas muitíssimo complicado”. Como tal, espera que um dia se consigam caracterizar todas as mutações genéticas do cancro
e todos os processos que geram essas alterações. Este estudo aproximou-nos
desse objectivo: os autores indicam mesmo que se está mais perto de catalogar
todas as vias biológicas envolvidas no cancro e de se ter uma perspectiva
global dos seus efeitos no genoma.
Melhores tratamentos
“Usando
o nosso detalhado catálogo de assinaturas mutacionais no ADN do cancro,
investigadores de todo o mundo serão agora capazes de investigar que químicos
ou processos estão ligados a essas assinaturas”, considera por sua vez Mike Stratton, director do
Instituto Wellcome Sanger (em Inglaterra) e um dos cientistas que assinam a
investigação. “Isto aumentará a nossa compreensão sobre como o cancro se
desenvolve, permitirá descobrir novas causas de cancro e ajudará a informar o
público sobre estratégias de saúde pública para evitar o cancro.”
Já
Ludmil Alexandrov, da Universidade da Califórnia, em São Diego (nos EUA), e
também autor do trabalho, acrescenta: “Os dados vindos desses milhares de
cancros permitem-nos descrever assinaturas mutacionais com muito mais detalhe
do que alguma vez tínhamos conseguido e estamos confiantes de que agora
conhecemos a maioria das assinaturas que existem.” E Steven Rozen, da
Escola Médica da Universidade de Duke e da Universidade Nacional de Singapura,
explica que alguns tipos dessas assinaturas mutacionais reflectem a forma
como o cancro poderá responder à medicação, o que pode ser usado em futuras
investigações e melhorar tratamentos oncológicos.
A
sequenciação dos mais de 2600 genomas está disponível online para investigadores de todo o
mundo e seguir-se-á mais investigação sobre estes dados. Num comentário ao
trabalho, Marcin Cieslik e Arul Chinnaiyanin (ambos da Universidade do
Michigan, nos EUA, e que não participaram no consórcio) referem mesmo que esses
dados deverão ser usados, bem como os dados clínicos dos doentes, para se
identificarem mutações genéticas que permitirão antever resultados clínicos. “O
impacto a longo prazo desta investigação não se ficará só pelos resultados
publicados agora, também surgirá de colaborações e de trocas de conhecimentos
que aconteceram entre membros deste consórcio de investigadores.”
COMENTÁRIOS:
francisco tavares: 07.02.2020: O NCBI (National
Center for Biotechnology Information), motor de busca PubMed, informa que o
vírus de Epstein/Barr(EBV) é responsável por alguns cancros, como o artigo
também assinala, e doenças ditas auto-imunes. O vírus, pequeníssimo, com
grande poder invasivo, entrará na célula, e no próprio núcleo, e pode ser o
gene que provoca a apoptose, aquele que o vírus pode invadir e nele provocar a
mutação. A apoptose é a morte da célula provocada pela própria célula, quando
já não está apta a cumprir a sua função. A célula torna-se assim imortal,
continuará sempre a dividir-se em duas, por mitose, causando a neoplasia. A
imunoterapia parece ser o melhor meio de luta contra o cancro. O sistema
imunitário já luta contra o cancro. É meio caminho andado. Basta um pequeno
empurrão dos cientistas.
agany, 05.02.2020: Os milhares de "cancros" que
temos ao longo da nossa vida não se traduzem, necessariamente, em doença...
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