domingo, 23 de fevereiro de 2020

Bacoquice e companhia



Por mais do que uma vez enviei a minha assinatura com os respectivos dados identificadores, a quando da recolha de assinaturas para se evitar o aborto ortográfico que, como é habitual por cá, não produziu o resultado pretendido, não sei se por esmorecimento dos empenhados da altura, se por sobreposição drástica das ordens governativas, à maneira da tão criticada ditadura que punha e dispunha, e que põe e dispõe, apesar de ter mudado para outro sistema, que se diz democrático, o que é redondamente balela cínica. A Igreja prontificou-se a interferir no caso da eutanásia, com recolha de assinaturas, mas não me chegou desta vez às mãos, via internet, a proposta para fornecer a minha, não sei se por desprezo pelas assinaturas, se por desistência na tentativa de oposição à drástica promulgação de uma lei feita pelos bacocos de uma governação bacoca de um povo que não merece mais do que a bacoquice em que há muito mergulha.
De toda a maneira, aqui vai mais este lamento de Maria João Avillez, acompanhada das muitas respostas do nosso acabrunhamento bacoco, pesaroso ou sorridente, de acordo com o respectivo grau de bacoquice.
O momento pede prolongamento /premium
Se em vez de a eutanásia acabar com a vida de alguém em nome do sofrimento, o Estado evitar — como lhe compete — esse mesmo sofrimento, que argumento resta aos defensores desta “solução”?
MARIA JOÃO AVILLEZ
OBSERVADOR, 19 Fev 2020
1.Por muito que reflicta ou debata, nunca ultrapasso — e menos resolvo — a minha própria perplexidade: que levará alguns – imensos, dizem-nos — a preferir esmerar-se na organização da morte em vez da vida? A torná-la um recurso aqui à mão, em vez de patrocinar a optimização do antes “disso”? De que ponto de vista se parte para decidir a favor de uma injecção antes de humanizar o sofrimento, acolhendo o seu desamparo e minorando a sua dor? Não há sustentação — seja de que natureza for — começando pelo fim. Sem querer desvalorizar o significado e o valor do sofrimento como “coisa” inerente e constitutiva do ser humano – ou mesmo como escolha voluntária do doente – no que hoje se debate interessa-me mais a questão civilizacional e muito menos o seu lado confessional. (Nunca achei, de resto, que o assunto fosse “religioso”.). Haverá mais flagrante retrocesso civilizacional do que acabar com a vida sem antes ter acabado com o que o legislador — e quem mais? — considerar a insuportabilidade do sofrimento?
É civilizacionalmente aceitável – defensável — que tudo isto tenha vindo a ser tratado como uma questão de “direitos”, colocando a morte ao nível de querela de heranças, um divórcio, uma disputa de terras, a venda de um andar?
2.Pensei em fazer-me “substituir” nesta matéria, mas a matéria não permite substituições. E no entanto… não exprimiam aqueles dois textos — cardeal Tolentino (Expresso, 8/2) e Partido Comunista – uma excelente, fundamentadíssima argumentação sobre a eutanásia? Era só deixar os escritos aqui e depois confessava não a minha fraqueza mas a vantagem do leitor na minha substituição por esse par improvável. Duas poderosas reflexões para uma recusa à legalização da eutanásia. Tocou-me sobretudo o modo como abordam a tão usada “dignidade humana”, tirando-a dos “saldos” em que tem andado para a recolocar no patamar ético de onde deve partir a sua abordagem. Apesar da dúvida ou da hesitação — e do desespero — que o tema pode suscitar, ambos os textos, cada um a seu modo, conduzem-nos, por entre a claridade da argumentação usada e a fortíssima convicção que a ampara, ao cerne do cerne da questão. Palavras fundamentadas que nos municiam o pensamento. Pelo menos assim as li e guardei.
3.Nem a vida é referendável, nem a morte legislável. Resumo expedito de mais, assim dito? Não. É isto: não se referenda um valor absoluto; não se decreta a morte e sejam quais forem as melhores intenções evocadas. Aliás, a mera evocação de “boas e humanistas intenções” convida desde logo a um exercício sério: pensar no que mudaria se o uso do mesmo afã, o mesmo afinco, a mesma obstinada persistência, fossem empregues na procura de condições que “des-justificassem” a morte como única saída ou eleito desfecho.
Que respeito merece um país que prefere, repito, optar pela agilização da morte em vez da vida? Onde o Estado se disporá com empenho cívico, político, económico, social, a concretizar a intrincada burocracia de comissões, meios e pessoas — quem decide o quê e o como? — para oferecer a morte a pedido? Mantendo-se incapaz de ampliar a rede de cuidados, legislar sobre cuidadores, aumentar espaços para quem fica esquecido nos hospitais e portos de abrigo para esquecidos da própria vida? E mais isto: é sabido que apenas trinta por cento da população tem acesso, no final da sua vida, a cuidados paliativos e a uma atenção humana que celebrem a dignidade de cada um. Enquanto esta percentagem minoritária não passar a (muito) maioritária, o debate não é sério. Não pode sê-lo: se em vez de a eutanásia acabar com a vida de alguém em nome do sofrimento, o Estado evitar — como lhe compete — esse mesmo sofrimento, que argumento resta aos defensores desta “solução”?
E ainda isto: nenhuma das entidades responsáveis chamadas a pronunciarem-se publicamente sobre esta questão lhe deram, até à hora a que escrevo, parecer positivo.
4.Será em nome da insuportabilidade — quem a mede? — que 230 pessoas terão o exclusivo da decisão de legislar — ou não — a favor da eutanásia, “certificando-a” como única escolha. O voto confere-lhes representação e decisão. Eu própria lhes conferi essa responsabilidade com o meu voto e ainda bem. Mas será suficiente? As questões de vida ou de morte carecem de muito mais. E a comunidade, a sociedade civil, todos os portugueses?
É justamente por isso que nunca será de mais insistir na falta de seriedade intelectual que envolve — e define — o activismo dos apressados: alguém ouviu antes “deste momento” falar — audivelmente, participadamente — de eutanásia em quaisquer recentes eleições? Em comícios partidários, debates televisionados, conferências de carácter nacional, intervenções políticas? Estava nos programas eleitorais dos que agora estugam o passo? Não. Se fôssemos sérios tais omissões não poderiam senão travar o galope da aprovação parlamentar, na sua pressa incrivelmente leviana. Pergunto: estava, está, o país preparado para lidar com uma questão de natureza civilizacional desta envergadura e alcance? É civilizacionalmente aceitável que do pé para a mão surja um confronto deste calibre a dividir uma sociedade apanhada de surpresa? Por tudo isso, que é muito, não devia “este momento” ter um largo prolongamento?
5.Não acolhi a petição do referendo. Se o fizesse estaria a certificar com uma assinatura algo que não pode ser colocado nesse plano porque não é “desse” plano. Pressupor que se tem direito de dispor da vida é recusar que há algo acima, exterior, maior. Que somos nós e nós. Omnipotentes e omniscientes. Não remeto a questão para o foro religioso, nem exclusivamente moral, nem espiritual, nem político — direitas versus esquerdas, progressistas versus reaccionários. Só por oportuna — e desonestíssima — conveniência se arruma a vida e a morte numa dessas gavetas. Estamos a falar de civilização, um longo caminho andado para a frente. No que depender de mim, não andará para trás.
Tanto assim é que tudo ficará um bocadinho ainda mais triste do que acima escrevi se pensarmos em tantos, tantos países que existem neste vasto mundo, só cinco (se não estou em erro) têm esta legislação aprovada.
E tudo ficará então definitivamente triste se concluirmos que Portugal, “em eutanásia”. estará talvez nos cinco ou seis primeiros lugares. Óptimo score civilizacional.
COMENTÁRIOS:
Catarina Sousa Mendes: Para o resto da esquerda radical (sem PCP) a vida não é um valor absoluto!!!! Está condicionado a ditames do "último grito" da moda mascarados de liberdade individual e de defesa da dignidade da pessoa humana. Pelos vistos consideram abaixo de digno as pessoas com deficiências profundas, doentes terminais, doença incurável etc. e que, a única coisa que as faz recuperar a dita, é a morte!!!!! É uma falácia de uma ponta à outra. Assumam, querem quebrar mais um pilar civilizacional. Digno, digno, é tratar e cuidar dos viventes!!!
Liberal Impenitente > Catarina Sousa Mendes: Pois eu acho que é digno respeitar as escolhas dos outros, feitas naquilo que a eles respeita. E que é indigno fazer o contrário. Valores absolutos? São só para quem neles acredita. A superioridade moral dos defensores da despenalização é óbvia, nós não queremos afectar quem não a queira para si. Quem se opõe, quer afectar quem a queira para si.
Liberal Impenitente: "Se em vez de a eutanásia acabar com a vida de alguém em nome do sofrimento, o Estado evitar — como lhe compete — esse mesmo sofrimento, que argumento resta aos defensores desta “solução”?" O Estado, evitar o sofrimento de doentes terminais? Deve estar a brincar, só pode. Claro que resta um argumento, O argumento, a quem defende a antecipação da morte, e só nesse caso: a VONTADE do moribundo ou pessoa em sofrimento extremo.
ana maria > Liberal Impenitente: Só as crianças ainda não completamente socializadas, e os dementes mentais, julgam que a sua VONTADE é a única coisa por que se rege a acção humana inserida em sociedade civilizada.
Liberal Impenitente > ana maria:  Os papófilos rapidamente se desnudam. E são tudo menos cristãos.
Maria Almeida: Como sempre o seu texto e argumentação são de qualidade superior. Porém, lamento ter que lhe dizer que a Maria João revela aqui assinalável ingenuidade em relação aos tempos e contextos políticos em que vivemos. Em Portugal e no Ocidente. O assunto, por parte de quem o propõem, é exclusivamente político. Como, aliás, tudo o resto, sem excepção. Do clima ao sexo e à alimentação, tudo foi apropriado e instrumentalizado politicamente. A vida, a morte e o sofrimento humano de que fala, são apenas mais um instrumento na luta dos proponentes. Nada de mais afastado da realidade e intencionalidade motora desta conduta existe do que supor ou admitir que é o combate ao sofrimento humano que propala esta proposta. A Civilização, a nossa, portuguesa e ocidental, essa sim, é o alvo. O facto de que a Maria João, como a generalidade das mentes bem intencionadas e sãs, integrantes da nossa Civilização, a vêem retroceder e em risco, é precisamente o sinal de avanço e conquista da luta subversiva subjacente.
Liberal Impenitente > Maria Almeida: A nossa civilização avançou imenso com a conversão de Constantino ao cristianismo e com o que sucedeu depois. Ficou esse período conhecido como a idade média ou idade das trevas. Para o Islão, foi bom.
ALEX de Sousa: E então se o doente não quiser passar os seus últimos dias encharcado em drogas paliativas, como é que faz? E então se o doente não acreditar – como muitos legitimamente acreditam – que a vida não é um dom de deus mas sim propriedade sua e que a mesma só faz sentido se for vivida com um mínimo de qualidade como é que faz? Fica à espera que os desígnios de um deus em que não acredita se cumpram? Oh minha senhora, "por amor de deus"….
João Cainé: Quero cuidados paliativos de qualidade e sou a favor da despenalização da morte assistida. Ao contrário do que demagogicamente se pretende fazer crer, a sua coexistência é possível. As terapias paliativas evoluíram bastante nos últimos anos mas não podemos afirmar que sejam eficazes em todos os casos. Permitem qualidade de vida à maioria das pessoas em fase terminal, mas - e aqueles em que os Cuidados Paliativos já não são eficazes? - Uma sociedade mais humana, deve garantir que estas pessoas, no exercício da sua autonomia mais fundamental, possam ter uma outra saída. O direito à vida não impõe um "dever de viver".
Miguel Rosa > João Cainé: Muito bem!!!! 
Liberal Impenitente > João Cainé: O "dever de viver" tem origem noutro mundo. Não somos obrigados a acreditar noutros mundos, e muito menos a acreditar nos outros mundos dos outros.
victor guerra: O Estado é a desculpa, para quem despreza as pessoas
Ana Ferreira: Anda a Humanidade, desde sempre, a tentar a cura para o sofrimento, quando a estatista (!!!) MJA tem a solução! Parabéns.
Paulo Guerra: ” Ó p’ra mim a não poder ser mais loura”.
Vitor Carola: Se em vez de a eutanásia acabar com a vida de alguém
Domingas Coutinho: E o mais grave disto tudo é que Portugal tem cerca de 10 milhões de pessoas, cerca de 50% não votou (claro que é reprovável a abstenção mas é uma realidade) e uma minoria quer legislar e decidir sobre um assunto tão delicado e decisivo pois os mortos não ressuscitam, como se duma simples reversão se tratasse. Não entendo nem esta pressa nem tão pouco esta discussão. Os Governos deviam era preocupar-se em dar qualidade de vida às pessoas que tantos impostos pagam.

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