Por mais do que uma vez enviei a minha
assinatura com os respectivos dados identificadores, a quando da recolha de
assinaturas para se evitar o aborto ortográfico que, como é habitual por cá,
não produziu o resultado pretendido, não sei se por esmorecimento dos empenhados
da altura, se por sobreposição drástica das ordens governativas, à maneira da tão
criticada ditadura que punha e dispunha, e que põe e dispõe, apesar de ter
mudado para outro sistema, que se diz democrático, o que é redondamente balela cínica.
A Igreja prontificou-se a interferir no caso da eutanásia, com recolha de
assinaturas, mas não me chegou desta vez às mãos, via internet, a proposta para
fornecer a minha, não sei se por desprezo pelas assinaturas, se por desistência
na tentativa de oposição à drástica promulgação de uma lei feita pelos bacocos
de uma governação bacoca de um povo que não merece mais do que a bacoquice em
que há muito mergulha.
De toda a maneira, aqui vai mais este
lamento de Maria João Avillez, acompanhada das muitas respostas do nosso
acabrunhamento bacoco, pesaroso ou sorridente, de acordo com o respectivo grau
de bacoquice.
O momento pede prolongamento /premium
Se
em vez de a eutanásia acabar com a vida de alguém em nome do sofrimento, o
Estado evitar — como lhe compete — esse mesmo sofrimento, que argumento resta
aos defensores desta “solução”?
MARIA JOÃO AVILLEZ
OBSERVADOR, 19 Fev 2020
1.Por
muito que reflicta ou debata, nunca ultrapasso — e menos resolvo — a minha
própria perplexidade: que levará alguns – imensos, dizem-nos — a preferir
esmerar-se na organização da morte em vez da vida? A torná-la um recurso
aqui à mão, em vez de patrocinar a optimização do antes “disso”? De que
ponto de vista se parte para decidir a favor de uma injecção antes de humanizar
o sofrimento, acolhendo o seu desamparo e minorando a sua dor? Não há
sustentação — seja de que natureza for — começando pelo fim. Sem querer
desvalorizar o significado e o valor do sofrimento como “coisa” inerente e
constitutiva do ser humano – ou mesmo como escolha voluntária do doente – no
que hoje se debate interessa-me mais a questão civilizacional e muito menos o
seu lado confessional. (Nunca achei, de resto, que o assunto fosse
“religioso”.). Haverá mais flagrante retrocesso civilizacional do que acabar
com a vida sem antes ter acabado com o que o legislador — e quem mais? —
considerar a insuportabilidade do sofrimento?
É
civilizacionalmente aceitável – defensável — que tudo isto tenha vindo a ser
tratado como uma questão de “direitos”, colocando a morte ao nível de querela
de heranças, um divórcio, uma disputa de terras, a venda de um andar?
2.Pensei
em fazer-me “substituir” nesta matéria, mas a matéria não permite
substituições. E no entanto… não exprimiam aqueles dois textos — cardeal
Tolentino (Expresso, 8/2) e Partido Comunista – uma excelente,
fundamentadíssima argumentação sobre a eutanásia? Era só deixar os escritos
aqui e depois confessava não a minha fraqueza mas a vantagem do leitor na minha
substituição por esse par improvável. Duas poderosas reflexões para uma recusa
à legalização da eutanásia. Tocou-me sobretudo o modo como abordam a tão
usada “dignidade humana”, tirando-a dos “saldos” em que tem andado para a
recolocar no patamar ético de onde deve partir a sua abordagem. Apesar da
dúvida ou da hesitação — e do desespero — que o tema pode suscitar, ambos os
textos, cada um a seu modo, conduzem-nos, por entre a claridade da argumentação
usada e a fortíssima convicção que a ampara, ao cerne do cerne da questão.
Palavras fundamentadas que nos municiam o pensamento. Pelo menos assim as li e
guardei.
3.Nem
a vida é referendável, nem a morte legislável. Resumo expedito de mais, assim
dito? Não. É isto: não se referenda um valor absoluto; não se decreta a morte e
sejam quais forem as melhores intenções evocadas. Aliás, a mera evocação de
“boas e humanistas intenções” convida desde logo a um exercício sério: pensar
no que mudaria se o uso do mesmo afã, o mesmo afinco, a mesma obstinada
persistência, fossem empregues na procura de condições que “des-justificassem”
a morte como única saída ou eleito desfecho.
Que
respeito merece um país que prefere, repito, optar pela agilização da morte em
vez da vida? Onde o Estado se disporá com empenho cívico, político, económico,
social, a concretizar a intrincada burocracia de comissões, meios e pessoas —
quem decide o quê e o como? — para oferecer a morte a pedido? Mantendo-se incapaz de ampliar a rede de cuidados,
legislar sobre cuidadores, aumentar espaços para quem fica esquecido nos
hospitais e portos de abrigo para esquecidos da própria vida? E mais isto: é
sabido que apenas trinta por cento da população tem acesso, no final da sua
vida, a cuidados paliativos e a uma atenção humana que celebrem a dignidade de
cada um. Enquanto esta percentagem minoritária não passar a (muito)
maioritária, o debate não é sério. Não pode sê-lo: se em vez de a eutanásia
acabar com a vida de alguém em nome do sofrimento, o Estado evitar — como lhe
compete — esse mesmo sofrimento, que argumento resta aos defensores desta
“solução”?
E
ainda isto: nenhuma das entidades responsáveis chamadas a pronunciarem-se
publicamente sobre esta questão lhe deram, até à hora a que escrevo, parecer
positivo.
4.Será
em nome da insuportabilidade — quem a mede? — que 230 pessoas terão o exclusivo
da decisão de legislar — ou não — a favor da eutanásia, “certificando-a” como
única escolha. O voto
confere-lhes representação e decisão. Eu própria lhes conferi essa
responsabilidade com o meu voto e ainda bem. Mas será suficiente? As questões
de vida ou de morte carecem de muito mais. E a comunidade, a sociedade
civil, todos os portugueses?
É
justamente por isso que nunca será de mais insistir na falta de seriedade
intelectual que envolve — e define — o activismo dos apressados: alguém ouviu
antes “deste momento” falar — audivelmente, participadamente — de eutanásia em
quaisquer recentes eleições? Em comícios partidários, debates televisionados,
conferências de carácter nacional, intervenções políticas? Estava nos programas
eleitorais dos que agora estugam o passo? Não. Se fôssemos sérios tais omissões não poderiam senão
travar o galope da aprovação parlamentar, na sua pressa incrivelmente leviana.
Pergunto: estava, está, o país preparado para lidar com uma questão de natureza
civilizacional desta envergadura e alcance? É civilizacionalmente aceitável que
do pé para a mão surja um confronto deste calibre a dividir uma sociedade
apanhada de surpresa? Por tudo isso, que é muito, não devia “este momento” ter
um largo prolongamento?
5.Não
acolhi a petição do referendo. Se o fizesse estaria a certificar com uma
assinatura algo que não pode ser colocado nesse plano porque não é “desse”
plano. Pressupor que se tem direito de dispor da vida é recusar que há algo
acima, exterior, maior. Que somos nós e nós. Omnipotentes e omniscientes. Não
remeto a questão para o foro religioso, nem exclusivamente moral, nem espiritual,
nem político — direitas versus esquerdas, progressistas versus reaccionários. Só
por oportuna — e desonestíssima — conveniência se arruma a vida e a morte numa
dessas gavetas. Estamos a falar de civilização, um longo caminho andado
para a frente. No que depender de mim, não andará para trás.
Tanto
assim é que tudo ficará um bocadinho ainda mais triste do que acima escrevi se
pensarmos em tantos, tantos países que existem neste vasto mundo, só cinco (se
não estou em erro) têm esta legislação aprovada.
E tudo ficará então definitivamente triste se concluirmos que
Portugal, “em eutanásia”. estará talvez nos cinco ou seis primeiros lugares.
Óptimo score civilizacional.
COMENTÁRIOS:
Catarina Sousa Mendes: Para o resto da esquerda
radical (sem PCP) a vida não é um valor absoluto!!!! Está condicionado a
ditames do "último grito" da moda mascarados de liberdade individual
e de defesa da dignidade da pessoa humana. Pelos vistos consideram abaixo de digno
as pessoas com deficiências profundas, doentes terminais, doença incurável etc.
e que, a única coisa que as faz recuperar a dita, é a morte!!!!! É uma falácia
de uma ponta à outra. Assumam, querem quebrar mais um pilar civilizacional.
Digno, digno, é tratar e cuidar dos viventes!!!
Liberal Impenitente > Catarina Sousa Mendes: Pois eu acho que é digno
respeitar as escolhas dos outros, feitas naquilo que a eles respeita. E que é
indigno fazer o contrário. Valores absolutos? São só para quem neles acredita.
A superioridade moral dos defensores da despenalização é óbvia, nós não
queremos afectar quem não a queira para si. Quem se opõe, quer afectar quem a
queira para si.
Liberal Impenitente: "Se em vez de a eutanásia acabar com a vida de alguém em nome do
sofrimento, o Estado evitar — como lhe compete — esse mesmo sofrimento, que argumento
resta aos defensores desta “solução”?" O
Estado, evitar o sofrimento de doentes terminais? Deve estar a brincar, só
pode. Claro que resta um argumento, O argumento, a quem defende a antecipação
da morte, e só nesse caso: a VONTADE do moribundo ou pessoa em sofrimento
extremo.
ana maria > Liberal Impenitente: Só as crianças ainda não
completamente socializadas, e os dementes mentais, julgam que a sua VONTADE é a
única coisa por que se rege a acção humana inserida em sociedade civilizada.
Maria Almeida: Como sempre o seu texto e argumentação são de qualidade superior. Porém,
lamento ter que lhe dizer que a Maria João revela aqui assinalável ingenuidade
em relação aos tempos e contextos políticos em que vivemos. Em Portugal e no
Ocidente. O assunto, por parte de quem o propõem, é exclusivamente político.
Como, aliás, tudo o resto, sem excepção. Do clima ao sexo e à alimentação, tudo
foi apropriado e instrumentalizado politicamente. A vida, a morte e o
sofrimento humano de que fala, são apenas mais um instrumento na luta dos
proponentes. Nada de mais afastado da realidade e intencionalidade motora desta
conduta existe do que supor ou admitir que é o combate ao sofrimento humano que
propala esta proposta. A Civilização, a nossa, portuguesa e ocidental, essa
sim, é o alvo. O facto de que a Maria João, como a generalidade das mentes bem
intencionadas e sãs, integrantes da nossa Civilização, a vêem retroceder e em
risco, é precisamente o sinal de avanço e conquista da luta subversiva
subjacente.
Liberal Impenitente > Maria Almeida: A nossa civilização avançou imenso com a conversão de
Constantino ao cristianismo e com o que sucedeu depois. Ficou esse período
conhecido como a idade média ou idade das trevas. Para o Islão, foi bom.
ALEX de Sousa: E então se o doente não quiser passar os seus últimos dias encharcado em
drogas paliativas, como é que faz? E então se o doente não acreditar – como
muitos legitimamente acreditam – que a vida não é um dom de deus mas sim
propriedade sua e que a mesma só faz sentido se for vivida com um mínimo de
qualidade como é que faz? Fica à espera que os desígnios de um deus em que não
acredita se cumpram? Oh minha senhora, "por amor de deus"….
João Cainé: Quero cuidados paliativos de qualidade e sou a favor da despenalização da
morte assistida. Ao contrário do que demagogicamente se pretende fazer crer, a
sua coexistência é possível. As terapias paliativas evoluíram bastante nos
últimos anos mas não podemos afirmar que sejam eficazes em todos os casos.
Permitem qualidade de vida à maioria das pessoas em fase terminal, mas - e
aqueles em que os Cuidados Paliativos já não são eficazes? - Uma sociedade mais
humana, deve garantir que estas pessoas, no exercício da sua autonomia mais
fundamental, possam ter uma outra saída. O direito à vida não impõe um
"dever de viver".
Liberal Impenitente > João Cainé: O "dever de viver" tem origem noutro mundo.
Não somos obrigados a acreditar noutros mundos, e muito menos a acreditar nos
outros mundos dos outros.
victor guerra: O Estado é a desculpa, para quem despreza as pessoas
Ana Ferreira: Anda a Humanidade, desde sempre, a tentar a cura para o sofrimento, quando
a estatista (!!!) MJA tem a solução! Parabéns.
Paulo Guerra: ” Ó p’ra mim a não poder ser mais loura”.
Vitor Carola: Se em vez de a eutanásia acabar com a vida de alguém
Domingas Coutinho: E o mais grave disto tudo é que Portugal tem cerca de 10 milhões de
pessoas, cerca de 50% não votou (claro que é reprovável a abstenção mas é uma
realidade) e uma minoria quer legislar e decidir sobre um assunto tão delicado
e decisivo pois os mortos não ressuscitam, como se duma simples reversão se
tratasse. Não entendo nem esta pressa nem tão pouco esta discussão. Os Governos
deviam era preocupar-se em dar qualidade de vida às pessoas que tantos impostos
pagam.
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