Numa prosa bem estruturada. Parece séria
e perfeita na sua análise das causas de um contínuo falhanço e degradação, mas
há quem não o aceite. A falta de princípios, de uma educação séria e não
apalhaçada, a inércia, a abulia, a mesquinhez de carácter de um povo desde
sempre maltratado, donde saem, afinal, os que o comandam, subentendidos nos
argumentos de AB, são razões
fundamentais que determinam este estado social.
OPINIÃO: O Estado social: vitória e fiasco
Mesmo com o fraco
desenvolvimento económico das últimas décadas, o Estado português poderia ter
feito melhor. Tanto para criar riqueza, como para a distribuir. Difícil é
encontrar responsabilidades.
ANTÓNIO BARRETO, PÚBLICO 23 de Fevereiro de 2020
O
bem-estar e o conforto da população portuguesa tiveram melhoramentos
importantes ao longo das últimas décadas. Os equipamentos e os
electrodomésticos conheceram uma evolução impressionante. As grandes redes
públicas disponíveis a domicílio, água, esgotos, electricidade, telefone e gás,
ficaram praticamente acessíveis a toda a população nos anos noventa (partindo
por vezes de percentagens da ordem dos 20 ou 30%). O mesmo se pode dizer dos
equipamentos individuais e familiares, água quente, aquecimento, luz eléctrica,
telefone, televisão e outros electrodomésticos que, dos anos setenta ao fim do
século, chegaram a quase todas as casas. O número de pensões da segurança
social e da Caixa Geral de Aposentações passou de cerca de 260 000, em 1970,
para mais de 3 500 000, em 2018. Se olharmos com atenção para outros
indicadores ou “sinais”, como sejam os consumos alimentares de carne, peixe e
produtos lácteos, por exemplo, ou o género de vestuário, os transportes, a
saúde e a educação, depressa verificaremos que o progresso foi colossal. Também
o Estado social, no seu conceito mais imediato (sobretudo Segurança social,
Educação e Saúde), cresceu e melhorou, até ao fim do século, de maneira muito
significativa. Toda a população, empregada ou não, contributiva ou não, foi
integrada no sistema.
Sem
perder de vista este progresso notável, convém olhar para outros aspectos.
Depressa chegaremos à conclusão que o Estado social, além de ter vingado, também falhou.
Especialmente na repartição de rendimentos, parâmetro clássico. Durante os
primeiros anos a seguir à Revolução, os rendimentos do trabalho e a despesa
social aumentaram muito consideravelmente, por certo mais do que permitia a
economia. Foi uma
mudança importante, para um país tão desigual como o nosso. Logo a seguir, todavia, os desmandos da Revolução, a
crise económica e a tentativa de repor equilíbrios, fizeram com que a
repartição de rendimentos estivesse dezenas de anos a agravar-se para o
trabalho. Ainda há poucos anos, a parte dos salários no rendimento nacional era
menor do que a equivalente na década de 1970. Isto é, o trabalho perdeu
relativamente ao capital e à propriedade, às rendas e aos lucros. Só no século XXI, depois de 2010, é que os
salários mínimos e as pensões mínimas do regime geral da Segurança social
alcançaram valores iguais aos de 1974. A
preços constantes, só agora o salário mínimo ultrapassou os memoráveis 3 300
escudos de 1974, ano em que foi criado esse dispositivo. Também as pensões
mínimas de velhice e invalidez só a partir de 2010, mais ou menos, chegaram aos
valores de há quarenta anos.
Os famosos índices de Gini, que medem o grau de desigualdade numa economia e
numa sociedade, revelam bem que certos progressos se vão fazendo, mas de forma
muito lenta. E são
facilmente postos em causa, como ocorreu durante o período dito de “assistência
internacional” ou da “Troika”. Noutras
palavras, os graus de desigualdade são, em Portugal, dos mais visíveis da
Europa e do mundo ocidental. Com a ajuda dos trabalhos de Carlos Farinha Rodrigues e artigos de vários jornalistas ou comentadores, como
em especial Alexandre Abreu,
no Expresso, temos a clara visão de
que os melhoramentos, por vezes reais, são, no entanto, frágeis e de
pouca duração. Além
disso, ficam aquém do que se passa na maior parte dos países europeus.
Há, na sociedade portuguesa,
poderosos factores de desigualdade social. Assim como fortes obstáculos à
mobilidade social. Qual é a realidade
desses factores? A propriedade? Sim,
mas tanto é causa como consequência.
O fisco e o regime sucessório? Talvez. A segregação social e
económica nos serviços educativos? É possível. O
sistema de cunhas e favores que vigora em todo o país? É provável. As leis?
É difícil avaliar. A religião?
Hoje, provavelmente não. O analfabetismo? Com certeza, mas já não é a mesma coisa. As muitas
décadas de ditadura? Seguramente.
Há ainda outros factores de muito difícil avaliação, mas que podem ter
consequências nos graus de desigualdade: por exemplo, as migrações
(emigração e imigração), a política, o sistema partidário e o
centralismo administrativo têm provavelmente efeitos, mas de muito difícil
avaliação.
A desigualdade social entre
nós é muito maior antes de contabilizadas as prestações sociais. Quer
isto dizer que o contributo do Estado social para esbater a desigualdade é
real, mas muito insuficiente. O Estado social português, cujo início pode ser
datado do final dos anos sessenta, está em parte na origem de melhoramentos
extraordinários, mas em parte falhou. Hoje, os sinais mais evidentes desse
falhanço poderão estar visíveis no modo como pensões e salários mínimos
evoluíram, assim como no modo como se faz a repartição social do rendimento.
É verdade que a evolução da
produtividade foi fraca, o que reduz as probabilidades de melhoria dos rendimentos.
Mas, mesmo com o fraco desenvolvimento económico das últimas décadas, o Estado
português poderia ter feito melhor. Tanto para criar riqueza, como para a
distribuir. Difícil é encontrar responsabilidades. Quem serão? As direitas,
porque são indiferentes e não estão interessadas na igualdade social. As
esquerdas, porque são demagógicas e corruptas. Juntas, esquerdas e direitas,
porque são incompetentes e pensam exclusivamente no poder político e nos votos.
As classes empresariais, porque são
cúpidas e incultas. Os sindicatos,
porque realmente só se interessam pelo poder político e pelos seus sócios. A administração pública, porque pensa
sobretudo nela própria e porque não está pressionada para prestar atenção à
questão social. As universidades, porque estão mais interessadas em fazer
política do que em estudar a realidade social.
Habituados como estamos a medir tudo, a
apresentar estatísticas e percentagens a propósito de qualquer coisa e nada,
temos às vezes dificuldade em sentir as
desigualdades no quotidiano, sem recurso a indicadores. Ora, a
verdade é que há uma dimensão da desigualdade particularmente presente entre
nós. Os serviços públicos são iníquos e mal organizados.
Todos
os elogios que se fazem ao Serviço Nacional de Saúde, por exemplo, esquecem
quase sempre que é esse mesmo serviço que, perante os fracos e os sem poder,
demora meses e anos para uma consulta, uma análise ou uma cirurgia. O
atendimento da maior parte dos serviços públicos (segurança social, serviço de
estrangeiros, impostos, finanças, justiça, notariado e registos) é
desorganizado e, com frequência, injusto, pois os poderosos podem sempre
encontrar soluções. Há, nos serviços públicos, uma desigualdade invisível
cruel. É essa a grande fraqueza do Estado social.
Sociólogo
TÓPICOS
COMENTÁRIOS:
Manuel, 24.02.2020: Caro AB, concordo com quase tudo. Discordo
na questão da subida social e desigualdade. Antes do 25abril quase não
havia classe média, existiam algumas famílias muito ricas e poderosas, mas a
verdade é que Portugal era um país muito pobre, e a riqueza era muito baseada
em propriedades, riqueza física. Era muito difícil o filho de um pobre
ascender, pois não podia estudar porque tinha de aprender um oficio. Também o
nível de vida não pode ser comparado: se o ordenado até pode ser comparável em
termos de inflação, os produtos e serviços são comparativamente muito mais
baratos.
rafael.guerra, 23.02.2020: Em 1913, o PIB per capita em Portugal
era 13% do da França. Há 500 anos que somos tecno-dependentes... A UE é uma
oportunidade de melhorar o nosso nível científico e tecnológico. Mas há que
trabalhar duro com o cérebro, o que parece que poucos apreciam...
Jose, 23.02.2020: A UE é uma união de concorrentes. Os
mais competitivos tentam absorver os menos competitivos. É uma soma de
resultado negativo. Cada economia cresce com os seus recursos bem afectados,
não esperando colher o esforço alheio.
rafael.guerra,
24.02.2020: Com ou sem UE, a competição sempre
existiu e há séculos que andamos na cauda. A diferença são os bilhões que
recebemos da UE em fundos de coesão e desenvolvimento, além de todo o
investimento directo. Que muito dinheiro foi desviado para comprar carros e
casas, não é culpa dos outros. Recebemos fortunas da UE mas somos os
primeiros a comprar aviões americanos. Entretanto, a Espanha juntou-se à França
e à Alemanha para desenvolver o caça europeu do futuro. Pobre país.
fernando jose silva, 23.02.2020: Será que a análise aqui escrita se refere
ao autor ou ao país??? Como é possível falar em melhoramentos colossais, em
avanços extraordinários e outras fragrâncias de burguesia adormecida, numa
republicândia onde dois milhões em dez estão no limite da pobreza sobrevivendo
da esmola , e uma elite de familiares e maçons se ajeitam e vegetam como no
século XVII ? O compadrio, os afilhados, a traficância, a corrupção e um
sistema político que se autogoverna pelo cartão partidário em redes e
tentáculos duma doutrina doméstica, serão o fruto magnifico de quantas décadas
de suor e lágrimas? E o valor miserável atribuído ao trabalho , confrontado com
os ladrões de bancos capitalistas, esquecidos pela justiça, será uma obra prima!!!
Estas análises merecem um óscar! Fabuloso!
Fowler Fowler, 23.02.2020: Não, este Sr. não está preocupado com “os
fracos e os sem poder”. Nunca esteve. Este defensor do neoliberalismo, sempre
muito preocupado com a liberdade, mas pouco com a igualdade, vem dizer-nos,
mais uma vez, que há demasiado e mau Estado e que este, quando gerido pelo
“socialismo português”, tem sido a ruína do “capital social” e da esperança dos
portugueses.
fayad fayad, 23.02.2020: Tudo fiasco e dos grandes! Assim que
chegam ao poder invocam uma enorme quantidade de obstáculos e faz pior que o
antecessor. Controla os dados e as estatísticas, engana muita malta, distribui
os recursos entre os amigos até cair em desgraça! Quem for mais hábil tem mais
sucesso! Tem alguns que mentiram tão bem que ocupam hoje cargos internacionais!
Deixam para os outros planos de recuperação económica e desigualdade social. Aliás
este papinho de desigualdade enquanto não considerar o esforço e as qualidades
individuais nativas , nada há a fazer!
ALRB, 23.02.2020: "As direitas, porque são
indiferentes e não estão interessadas na igualdade social". As direitas
estão tão interessadas como as esquerdas na igualdade social. Os caminhos para
atingir essa igualdade é que são diferentes. Isto falando em abstracto. Porque
se falarmos no concreto o que temos é uma esquerda que para ganhar o poder
invoca uma supremacia no interesse pela igualdade social e depois poder
locupletar o erário público.
finas 23.02.2020: A diferença entre a direita e a esquerda
no que toca a distribuição de riqueza é similar ao velho ditado que diz, se
um pobre te pedir de comer, não lhe dês um peixe, ensina-o a pescar. A
esquerda tira aos ricos e dá peixe aos pobres. Os pobres deixam de ser pobres.
Quando os ricos deixam de ser ricos os antigos pobres voltam a ser pobres. Já
não há peixe. A direita tira dinheiro aos ricos e ensina os pobres a
pescar. Os pobres deixam de ser pobres, tornam-se ricos e nunca mais falta
peixe. Só quem quer viver à custa dos ricos, só quem quer peixe sem o
pescar é que nunca há-de ser rico. Distribuir riqueza dando dinheiro as pessoas
é deitar dinheiro fora. Investir em educação, formação, fortalecimento da
economia, em serviços que servem toda a gente como a justiça e a saúde, isso
sim é uma forma de reduzir o fosso social e tornar os pobres ricos. Distribuir
dinheiro? Só serve para criar pobres.
JonasAlmeida, 23.02.2020: Como nota António Barreto, "o
Estado social, no seu conceito mais imediato (sobretudo Segurança social,
Educação e Saúde), cresceu e melhorou, até ao fim do século". O que
aconteceu então? Entrou o Euro, a "divergence machine" nas palavras
de Stiglitz, Nobel da Economia. Berrem o que quiserem, não é a realidade que se
engana - a UE não passa de um projecto de colonialismo intra-europeu, um
atraso de vida.
PRO, 23.02.2020: A culpa é sempre dos outros, claro! E
logo vindo de um cidadão Americano! Você esqueceu se que existem membros da UE
e do Euro com dos melhores estados sociais do mundo. Ninguém obrigou Portugal a
não saber gerir o sector público pois não?
GMA, 23.02.2020: Sem berros, porque só berra quem
substitui argumentos por berros! A UE é o pior espaço mundial em matéria de
liberdade e de bem-estar, isto se retirarmos todos os outros. Dito de outro
modo, é o melhor considerando o conjunto de todos os outros. A curiosidade está
em saber qual a alternativa do Sr. Jonas!
fayad fayad, 23.02.2020: Muito atraso!
JonasAlmeida, 23.02.2020: GMA, pergunte aos 25% que nascem e
emigram (e aos que não nascem - porquê?) de que liberdade fogem. Antonio
Barreto tem razão, é de uma inflexão no progresso social desde o final do
século passado. As pessoas querem um futuro melhor para os seus filhos.
PRO, 23.02.2020: E esse futuro passa pela permanência na
UE!
GMA, 23.02.2020: Parabéns Professor Barreto! Toca no ponto que sempre considerei
e considero o principal motor ou travão do Desenvolvimento = Crescimento +
Políticas de distribuição: A qualidade (ou falta dela) das Instituições, em
particular, das Instituições Públicas. Mas não apenas, naturalmente. As empresas e sua a sua gestão enquanto
células criadoras de riqueza e, desejavelmente, de desenvolvimento têm, devem
ter, um papel central na criação de Sociedades mais justas. Espero que os movimentos da gestão ESG,
da gestão para o Stakeholders substitua a gestão míope para o Shareholders.
Maria João, 23.02.2020: Acho que se está a assistir a uma
polarização entre os que defendem esta administração pública, tal como está,
invocando um estado social e os que já perceberam que nos estão a vender gato
por lebre. Daí a 'esquerda' estar a crescer em termos de votos. Os outros não
têm em quem votar porque não rejeitam o estado social mas não vêem
alternativas capazes de fazer as reformas que se impõem
Jose Luis Malaquias, 23.02.2020: Não. A esquerda está a crescer porque 30
anos de aumento constante das desigualdades acabam por ser apercebidos por uma
população que vê que, enquanto o PIB duplicou em termos reais, o ordenado
mediano manteve-se constante, também em termos reais. Estamos com níveis de
desigualdade no Ocidente que já não eram vistos desde antes da Primeira Guerra.
Durante muito tempo, as pessoas foram iludidas pelo refrão constante de que Não
Há Alternativa a este modelo. Hoje, começam a ver que a alternativa existe e
votam nela.
bento guerra, 23.02.2020: Basta ver como descemos nos
"rankings"
Jose Luis Malaquias, 23.02.2020: Excelente retrato robot do Portugal
contemporâneo e algumas pistas interessantes para a determinação das causas. No
entanto, acho que merecia ser referido que essa tendência para a maior
Desigualdade não é um fenómeno restrito a Portugal e abarcou todo o mundo
ocidental. Penso que a verdadeira origem está na revolução neoliberal iniciada
por Reagan e Thatcher.
Nenhum comentário:
Postar um comentário