O texto de JOSÉ RIBEIRO E CASTRO – Portugal amordaçado – devia ser
dado a ler na Assembleia, antes de se votar a tal lei de que se fala agora – e de
que não se falou durante a campanha da propaganda eleitoral - et pour cause. Não consigo usar termos
finos de ironia sarcástica, porque a minha repulsa é total não só pela questão
em si como por todos aqueles que a defendem e que iludem a sua gravidade,
falando ou escrevendo com gravidade doutoral – pueril - em defesa da aprovação
de algo que já foi referendado e não aprovado pelos cidadãos de que hoje se não
tolera novo referendo. O Eixo do Mal foi disso
prova, quer nos discursos mais ou menos entaramelados de ambiguidades e falsa
fé, dos três componentes masculinos, quer na história patética da Clara Ferreira Alves a respeito
de uma heroína medalhada mas sofredora, que quis morrer (e morreu) por via desse
sofrimento incomportável que nem poupou o seu próprio cão, companheiro dedicado,
para sempre infeliz, como o outro Hachiko japonês de que há pouco vi o filme
americano com Richard Gere (“Sempre ao seu
Lado”, na tradução brasileira).
Não interessa alongar-me. O texto de José Ribeiro e Castro é
suficientemente esclarecedor para quem queira ser esclarecido. Trata-se de uma
infâmia a todos os níveis, e todos sabem disso, mesmo a Clara do cãozinho e da
heroína sofredora, como tantos mais casos há, a quem a ciência vai abrandando
as dores como pode, provavelmente precipitando com isso a morte, sem o
escândalo de uma eutanásia a pedido e de destaque mediático.
Das visitas vaidosamente pueris que faço
às estatísticas do meu blog, descobri hoje um texto que fiz em tempos sobre o
mesmo assunto e que alguém recuperara e resolvi transcrevê-lo, em inútil
tentativa de reforço, juntamente com um, também antigo, de João Miguel Tavares. Puras
achegas sem reflexo no resultado que já está pré estabelecido há muito, tal a
casta dos cidadãos que uma esquerda traiçoeira manipulou, incluindo os
liberalismos saloios de Rui Rio, que
igualmente luta pela sua sobrevivência. Haja Deus!
Portugal amordaçado
Quando tantos deputados dizem que é
tema de consciência individual, vamos a isso. A consciência individual que
importa é a dos cidadãos, não a dos deputados. Ninguém vota em consciências
individuais.
JOSÉ RIBEIRO E CASTRO
PÚBLICO, 13 fev 2020
Se
Mário Soares fosse o líder do PS, não tenho dúvidas de que aprovaria a
convocação do referendo sobre a eutanásia. E aprovaria sem hesitar. Receio bem que, quanto à
questão de fundo (a morte a pedido) seria a favor da posição da
maioria do seu partido, diversamente de Maria Barroso. Mas, vendo um
movimento civil a arrancar da sociedade para reclamar um referendo democrático,
não pestanejaria: venha o referendo, oiça-se a voz do povo.
Muitos
portugueses ainda se lembram do papel de Mário Soares na defesa, na edificação,
na consolidação e na afirmação da democracia. Não ouviram só contar. Viram-no e
muitos participaram. Mário Soares foi também um dos líderes que melhor casou
democracia e cidadania. Se visse um
movimento de cidadãos com uma causa justa, não o despachava, mandando embora.
Recebia-o, ouvia-o e, mesmo quando não fosse da mesma opinião, seria capaz de o
seguir no que fosse o exercício da cidadania, não o fundo da questão. Mário
Soares tinha prazer genuíno na animação cidadã, na democracia quando chamava.
Era esse espírito republicano que transmitia e, por vezes, o emocionava. Por
isso, peço emprestado o título do seu livro mais conhecido, quando tantos se
afadigam a amordaçar a expressão popular democrática da voz da cidadania.
Nesta
questão da eutanásia, lançada agora à pressa, para precipitar uma decisão
legislativa parlamentar sobre uma matéria de primeira grandeza e profundíssima
sensibilidade, o referendo é mais do que ajustado. E, se uma iniciativa popular
de referendo, com as dezenas de milhar de assinaturas que a lei exige, tomar
forma e se submeter à decisão processual do Parlamento, a Assembleia da
República não pode deixar de lhe dar seguimento, se não quiser negar o seu
capital fundador: democracia. Ainda como deputado, ouvi lá algumas vezes cantar
“Grândola, vila morena, o povo é quem mais ordena.” Está na hora de os
deputados o ouvirem outra vez e darem luz verde ao povo que quer ouvir a voz do
povo.
Já
escrevi, a respeito deste tema da morte provocada, que tudo isto me causa a
maior estranheza, quando a nossa Constituição garante, com imperativa
clareza: “A vida humana é inviolável.” (art.º 24.°, 1). Não consigo entender como é que o Presidente da
Assembleia da República, perante o projecto de lei do Chega propondo a pena
de castração química, o obstaculizou – e muito bem – com fundamento em
inconstitucionalidade, e não obstaculiza igualmente todos os cinco projectos da
eutanásia, com igual fundamento.
Mas
onde a Constituição levará também forte abalo por parte da Assembleia da
República será na proibição do referendo, se isso vier a acontecer.
Ao
contrário do que me pareceu ouvir ser o entendimento de alguns deputados, a
soberania não reside nos deputados. O facto de a Assembleia da República ser um
órgão de soberania, não significa ser titular da soberania. “A soberania, una e
indivisível, reside no povo” (art. 3.º, 1). E, não fosse alguém não ter
lido bem à primeira, o art. 108.º acrescenta: “O poder político pertence
ao povo.”
Aliás,
a Constituição, que gosta da cidadania tanto ou mais que Mário Soares,
estimula muito a participação dos cidadãos. É o que diz o art. 48.º: “Todos
os cidadãos têm o direito de tomar parte na vida política e na direcção dos
assuntos públicos do país.” E logo acrescenta: “directamente ou por
intermédio de representantes livremente eleitos” – ou seja, tomar parte directamente
em primeiro lugar. Para não ficar qualquer dúvida, o art. 109.º ainda
remata: “A participação directa e activa de homens e mulheres na vida
política constitui condição e instrumento fundamental de consolidação do
sistema democrático.”
Quer
a Assembleia da República desmerecer disto tudo?
Recordemos
os dois primeiros artigos da Constituição. “Portugal é uma República
soberana, baseada na dignidade da pessoa humana” (art. 1.º). “A
República Portuguesa é um Estado de direito democrático.” (art. 2.º) Numa
matéria que toca precisamente na essência mais sensível da dignidade da pessoa
humana – o primeiro valor afirmado pela nossa Constituição –, iremos tratar
como migalhas negligenciáveis traves fundamentais do Estado de direito democrático?
É possível fazer isto sem ouvir o povo? Estando o povo à porta a pedir que se
oiça directamente o povo soberano, pode a Assembleia da República dizer que não
e trancar a porta?
Poder,
pode. Mas é ilegítimo que o fizesse. E
mostraria que lê pelo mínimo dos mínimos as normas constitucionais que
conformam a democracia e estimulam a participação.
A questão é mais premente para os deputados da Iniciativa Liberal e do
Partido Socialista. Ambos estes partidos apresentaram projectos de lei para
despenalização da eutanásia, sem terem incluído uma só linha, uma só palavra a
esse respeito nos seus programas eleitorais.
No
caso do PS, a omissão é mais sintomática e mais grave, porque o PS esteve no
debate de 2018, onde foi derrotado. E,
pelo silêncio do programa de 2019, muitos eleitores podem ter concluído que
deixara de considerar prioritária esta questão – como efectivamente não é
prioritária. Outros poderão pensar, agora, que o PS fez um truque de
ilusionismo: mostrou que o projecto já não estava lá… e afinal, continuava lá.
E pensarão ainda que esse truque de ilusionismo se devera ao Manual de
Laboriosos Estratagemas de que o PS lançou mão em busca da maioria absoluta:
pelo sim, pelo não, o melhor era não assustar eleitores com qualquer questão
polémica. Mas, se isto
fosse assim, se o PS escondeu as suas intenções em matéria de eutanásia por
interesseirismo eleitoral, como objectivamente aparenta, então estaríamos nos
graus abaixo de zero da falta de ética democrática.
Por
isso, digo que Mário Soares nunca chumbaria o referendo. Não tenho dúvidas sobre isso. Primeiro, jamais
fabricaria aquele truque: se era para fazer, ou estava no programa, ou falava
na questão em campanha. E, segundo, se alguma vez fosse apanhado por essa
dúvida, tudo faria para a desmentir. Como? Ouvindo o povo. Mário Soares não
tinha medo do povo.
Os
deputados da IL e do PS têm o dever reforçado de apoiar e reforçar o referendo,
pois essa é a única forma de suprirem a omissão dos seus programas. Os outros
proponentes (BE, PAN e PEV) também.
Quando
tantos deputados dizem que é matéria de consciência individual, vamos a isso. A
consciência individual que importa ouvir é a dos cidadãos, não a dos deputados.
Ninguém vota em consciências individuais, mas em propostas políticas dos
partidos. Se é de consciência, o referendo é o primeiro instrumento
COMENTÁRIOS
Pedro Dragone: Na penúltima
legislatura um projecto de lei a favor da eutanásia foi chumbado no Parlamento
por escassa maioria. Nessa altura, ninguém viu Ribeiro e Castro a exigir uma
consulta popular em referendo para validar, ou não, a decisão tomada pelos
representantes do Povo. Pelos vistos, nessa altura, o poder representativo dos deputados
e a sua consciência individual foram suficientes. O que é que mudou de então
para cá para vermos JRC a defender com tanto afinco que uma decisão desta
gravidade não pode ser tomada sem ser referendada?! Oppsss, que cabeça a minha
a colocar questões de resposta tão evidente. Já nem me lembrava que a decisão
tomada pelo Parlamento de então no sentido do chumbo era do agrado de JRC!
Passe a publicidade, amanhã tenho de ir comprar uns compridos de Memofante para
“meter a minha memória na ordem”.
Contra Ponto: Vamos
imaginar, por instantes, que o sr. X sabe, tendo a certeza absoluta disso, que
a Máfia pretende assassiná-lo. Vamos imaginar também que o sr. X sabe, tendo a
certeza absoluta disso, que, se for à capital da Sicília, a Máfia vai
sequestrá-lo e assassiná-lo. Mas o Sr. X vai à capital da Sicília... mesmo
sabendo que será sequestrado e assassinado pela Máfia. Vamos imaginar,
igualmente, que a Máfia decide tirar a vida ao sr. X atando-o a uma linha
ferroviária e esperando que, em poucos minutos, um comboio lhe roube a vida.
Imaginemos também que o sr. X tem a capacidade para se libertar dos nós e
evitar a morte. Imaginemos, no entanto, que o sr. X nada faz e permite que o
comboio o trucide, apesar da sua capacidade para se libertar e evitar a morte. Nesta
situação / circunstâncias, que nome se pode dar ao caso do sr. X? Não estamos,
de forma bem clara, na presença de um suicídio? Mais do que isso, de um
suicídio assistido já que o sr. X sabe que será assassinado pela Máfia e,
podendo evitar a morte, nada faz para a impedir. No fundo, estamos na
presença do suicídio do sr. X, suicídio esse que é assistido pela Máfia. Ora,
há cerca de dois milénios, um tal de omnisciente e omnipotente Jesus (segundo
as narrativas cristãs) foi à cidade de Jerusalém sabendo que seria julgado e
condenado à morte e, apesar de estar todo cheio de super-poderes, nada fez para
evitar a sua morte. Curiosamente, aqueles que mais veneram o protagonista desse
suicídios assistido são aqueles que menos o apoiam.
Miguel Fonte: Mario Soares,
que grande exemplo. Rui Mateus volta, estás perdoado.
Miguel Barreira: Caro Ribeiro
e Castro, a IL não tem a eutanásia no seu programa eleitoral, mas tem explícito
no Programa Político que pretende despenalizar a Eutanásia
quinto imperio: Não percebo
porque Mário Soares é idealizado por uns poucos e é visto por outros como sendo
uns dos maiores bandidos que este país já viu. Não se pode dizer que Mário
Soares criou um bom sistema democrático quando o país já teve 3 bancarrotas em
40 anos.
Winter is Coming: Xiuuuu...vá....vamos
lá a tomar o comprimido e pouco barulho.....isso passa logo.
Paulo Guerra: Lá diz o povo“Depois
de mim virá quem bom me fará.” Por acaso no que respeita ao Ribeiro e Castro já
se sabe que é consoante dá jeito. O Mário Soares também topou logo à distância
a Operação Marquês mas sobre isso o Ribeiro e Castro nunca se lembrou de escrever
uma linha que fosse.
Carminda Damiao:
Muito claro este texto.
victor guerra A eutanásia é um assunto demasiado sério ,para ser
decidido pelo povo, ou por políticos de "bate no peito", movidos por
razões religiosas.
Leitor Registado: Do texto
realço a cobardia do PS em não ter colocado a eutanásia no programa eleitoral.
No entanto também se deveria analisar a cobardia/hipocrisia do PSD e do CDS em
não assumirem que se esta maioria parlamentar tem legitimidade para aprovar a
eutanásia uma outra maioria tem, igualmente, legitimidade para reverter essa
legislação. Votam contra o tema A, B ou C e mais tarde afirmam que não vale a
pena falar desses temas porque já foram decididos e aprovados por uma maioria
parlamentar anterior!!!!! Parece-me que o CDS e o PSD apenas fingem que são
contra quando no fundo desejam que os assuntos sejam aprovados com a maior
rapidez possível.
Antonio Ferreira: Muito bem
fundamentado!
Eduardo Buisson:
Muito bom texto, lógico do ponto de vista
político e jurídico.
João Mourinho: Muito bem.
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QUARTA-FEIRA,
30 DE MAIO DE 2018
Não
pude – nem quis – assistir ao debate, encordoada na repugnância por uma tal
falta de dignidade, que só um grande atraso espiritual e moral pôde
possibilitar. Sempre nos meus contactos docentes, verifiquei que os alunos mais
mal-comportados eram os que tinham lido um ou dois livros na sua vida, de êxito
suficiente para se julgarem acima da maralha que os rodeava, incluindo o
professor que do lado fronteiro tentava justificar as funções para que fora
destinado, certamente que por mérito próprio. “Ignorância atrevida” era a minha
designação, em chamadas de atenção que nunca receei fazer, nem mesmo já após o
libertário 25 de Abril, criador de situações perfeitamente anedóticas, tal a
sua irracionalidade, num país de repente destituído de valores, e gradualmente
mais propenso a comportamentos de irrisória vacuidade, se não criminalidade. No
caso presente, o pretender despenalizar um crime, ou cobardemente imputar ao
médico o seu cometimento, não passa de aberração proveniente de figuras DDT, de
uma arrogância inqualificável na decisão de despenalização que propõem. Só
porque ouviram dizer que houve quem o tivesse feito lá fora. Mas gente de
bem não o faz. Os médicos convidados a matar devem ganhar bom dinheiro, é
certo, e fá-lo-ão, talvez, por isso, na mesma linha de corrupção dos que o
ganham ilicitamente, como “serventuários do capital”, que tantos são neste país
da cauda. Não, não assisti ao debate e bati palmas de felicidade, quando o meu
marido me disse o resultado da votação, que a medo inquiri. Entretanto, à
noite, ouvi um debate sobre o assunto e admirei o calor e sensatez da deputada
do CDS, de quem fui procurar a biografia. Isabel
Galriça Neto, uma Mulher,
uma argumentadora honesta, não deslumbrada como outros dois entrevistados,
parece que igualmente médicos, de estrutura sanguínea, que debitaram os seus
argumentos da falsa caridade em moda. Ressalvo ainda um jovem também racional e
sério, dos não deslumbrados pela ideia de modernidade, como os tais parceiros
que, se estivessem num país a sério, nem se atreveriam a erguer a voz
apalhaçada, que se sobrepunha e mal deixava ouvir, coisa muito dos nossos
hábitos de saliência pessoal, ou de obstáculo à saliência alheia.
Eis
o que captei sobre Isabel Galriça:
«Isabel Maria Mousinho de Almeida Galriça Neto ComM (10 de Julho de 1961) é uma médica e política portuguesa. É Licenciada em Medicina pela Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa e Mestre em
Cuidados Paliativos pela mesma Faculdade de Medicina da Universidade de
Lisboa. Foi Fundadora e Coordenadora da Equipa de Cuidados
Continuados do Centro de Saúde de Odivelas (1997-2006) e Assistente Convidada
da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, e é Directora da Unidade de
Cuidados Paliativos e Continuados do Hospital da Luz e Membro da sua Direcção
Clínica e Ex-Presidente da Associação Portuguesa de Cuidados Paliativos.
A 8
de Março de 2004 foi feita Comendadora da Ordem do Mérito.
Publicou
as seguintes obras: [1]
A
Dignidade e o sentido da vida: reflexões sobre a nossa existência (co-autora)[1]
Manual
de Cuidados Paliativos (editora e co-autora)[1]
Cuidados
Paliativos - Testemunhos[1]
Foi
Assistente Convidada da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa.[1]
Foi
eleita Deputada pelo Centro Democrático Social -
Partido Popular, sempre pelo Círculo Eleitoral do Porto,
na XI Legislatura, de 15 de Outubro de 2009 a 19 de Junho de
2011, na XII Legislatura, de 20 de Junho de 2011 a 22 de Outubro de 2015 e na
XIII Legislatura, desde 23 de Outubro de 2015. Faz parte das Comissões Parlamentares de Educação e
Ciência como Suplente e de Saúde como Coordenadora do Grupo Parlamentar, e dos
Grupos de Trabalho para o Acompanhamento da Problemática do VIH/Sida e
Hepatites, para o Acompanhamento das Doenças Oncológicas como Coordenadora,
para a Qualidade e Segurança dos Tecidos e Células (PPL N.º 32/XIII/2.ª), para
o Registo Oncológico Nacional (PPL N.º 33/XIII/2.ª), para Atos de Profissionais
da Área da Saúde (PPL N.º 34/XIII/2.ª), de Avaliação das PPP-Parcerias Público
Privadas da Saúde como Coordenadora, da Petição N.º 250/XIII/2.ª - Toda a vida
tem dignidade e de Saúde Pública sobre a PPL 49/XIII/2.ª.»
Quanto
a Rui Rio, que deu liberdade de voto aos do seu partido, não, não vou gastar
palavras. É desprezo, o que sinto. Certamente que Passos Coelho agiria
de forma diferente. E Santana Lopes, afinal, também, da velha guarda,
e que eu escutei a seguir, no canal 5 da SIC. Mas leiamos JMT, e o
desassombro dos seus considerandos válidos e decentes:
OPINIÃO:
Eutanásia: somos péssimos a debater coisas sérias
Esta
exigência de regulamentar a vida pública a partir das convicções pessoais de
cada um é um tique totalitário só possível numa terra sem um pingo de cultura
liberal.
JOÃO
MIGUEL TAVARES, PÚBLICO, 29 de Maio de 2018
Poucos
assuntos são mais importantes do que o aborto ou a eutanásia, e o maior erro
que muitas pessoas cometem quando se começa a discutir estes temas é achar que
as suas convicções individuais devem estar reflectidas na legislação nacional. Ou
seja, se eu sou pessoalmente contra o aborto, é óbvio que a pátria deve proibir
o aborto; se eu sou contra a eutanásia, então a pátria só pode proibir a
eutanásia. E vice-versa: se eu sou a favor do “sim” ao aborto, então o Estado
deve passar a pagar abortos a todas as mulheres que o pedirem, sem exigências
nem limites; se eu sou a favor do “sim” à eutanásia, o SNS deve assumir o
encargo de facilitar a morte a quem a requisita. Entre uma trincheira e outra é
a terra de ninguém.
Esta
exigência de regulamentar a vida pública a partir das convicções pessoais de
cada um é um tique totalitário só possível numa terra sem um pingo de cultura
liberal. Meus senhores: não tem de ser assim. Eu sou pessoalmente contra o
aborto e contra a eutanásia, mas se para a maioria dos portugueses ambas as
práticas forem aceitáveis, não vejo como pode o Estado punir criminalmente
acções em que quem as comete está a dispor somente da sua vida (o caso do
aborto é mais complexo, mas considero que a discussão sobre o início da vida
humana é cientificamente irresolúvel, e por isso entendo que aos direitos do
feto se sobrepõe o direito da mulher dispor do seu próprio corpo). Em temas
como estes, de uma enorme complexidade, onde há argumentos válidos de ambos os
lados e nenhuma forma de atingir uma só verdade, aquilo que deve prevalecer,
numa perspectiva liberal, é o respeito do Estado pelas vontades individuais.
O
problema num país que vive há séculos na dependência física e mental do
Estado-Papá, é que quase ninguém separa aquilo que pode ser feito daquilo que é
obrigação do Estado fazer. E quando a despenalização criminal resvala para a
intervenção estatal (nem é bem resvalar – ninguém sequer coloca a hipótese de
separar uma coisa da outra), exigindo-se a intervenção do SNS, o assunto ganha
logo uma complexidade extra, a meu ver totalmente desnecessária e
contraproducente. Há para mim uma diferença radical entre saber se o Estado
deve permitir a eutanásia e se o Estado deve praticar a eutanásia. Estou
disponível para aceitar a primeira, porque quando olhamos para casos tão
extremos quanto o do galego tetraplégico Ramón Sampedro (que deu origem ao
filme Mar Adentro) seria uma barbaridade
estar a prender a mulher que o ajudou a matar-se (aliás, mesmo sendo a
eutanásia proibida em Espanha, ela não foi sequer julgada, por falta de
provas). Mas estou contra a prática da eutanásia no SNS, porque considero não
existir qualquer direito à morte, nem ser competência do Estado aliviar – ou
sequer avaliar – o sofrimento interior dos seus cidadãos.
Numa
entrevista ao Expresso, Paulo Teixeira Pinto, que
sofre de doença de Parkinson, afirmou: “Extinguimos a pena de morte, mas mantemos
uma pena de vida.” Pergunto: é dever do Estado aliviar “penas de vida”? Devem
as suas funções ser extensíveis à aplicação da morte a pedido, financiada pelo
Orçamento de Estado? A resposta a esta pergunta até pode ser “sim” – mas então
eu quero ouvi-la em referendo. Ela não pode certamente ser dada por 230
deputados que não foram mandatados para o efeito, e que sobre as questões deste
texto até agora disseram nada. Se nem a eutanásia merece ser amplamente
debatida, vale a pena debater o quê, afinal?
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