Que os tempos que se avizinham
identificarão com maior ou menor eficiência. Entretanto, nós vamos dando o
nosso contributo para debelar a crise por cá, desfazendo-nos dos excessos de “bicos”
para alimentar.
ANÁLISE:
Uma ambição medida em centésimas
Quando o grande combate do orçamento
europeu é sobre centésimas – 1% ou 1,07% – é difícil acreditar que vai ser
possível reencontrar o “interesse comum”. Neste, como noutros domínios.
PÚBLICO, 20 de Fevereiro de 2020
1. As
perspectivas não são as melhores para o Conselho Europeu extraordinário que
hoje começa em Bruxelas sem hora ou data marcada para terminar. Pela
primeira vez, os chefes de Estado e de Governo vão confrontar-se abertamente em
torno da última proposta de orçamento plurianual da União (2021-2027),
apresentada há menos de uma semana por Charles Michel, que preside ao Conselho.
Não houve, até hoje, o menor sinal de cedência em qualquer das frentes da
batalha. Um acordo seria um “milagre”, apesar dos esforços de Michel para
oferecer um ou outro “rebuçado” a este ou aquele país, acreditando que, quando
o combate estiver ao rubro, cada um dos “amigos da coesão” deixará de lado a
solidariedade para se preocupar, mais realisticamente, com o seu próprio
“envelope nacional”. Do outro lado, os chamados “países frugais” – os
contribuintes líquidos, pela simples razão de que são os mais ricos – não têm
pressa e sabem que os ventos políticos que hoje sopram na Europa são a favor
dos chamados “interesses nacionais”. É talvez essa a grande
diferença em relação às anteriores negociações. A outra é a necessidade de
compensar o “buraco” de 75 mil milhões de euros
deixado pelo Reino Unido,
até agora, o segundo maior contribuinte líquido.
2. A
Europa ainda não se recompôs da crise do euro e das feridas que abriu. Os
partidos nacionalistas e populistas ganharam terreno suficiente para
influenciar as opiniões públicas nacionais, deixando os governos pró-europeus
na defensiva. O
eixo Paris-Berlim está paralisado,
retirando à União uma indispensável direcção política. E, sobretudo, a maior potência económica europeia
está mergulhada numa profunda “introspecção existencial” sobre o seu lugar na
Europa e no mundo, agravada pela crise política aberta pela demissão da sucessora de
Merkel na liderança da CDU,
aumentando a incerteza sobre o futuro imediato. É verdade que a Alemanha deixou há muito de ser o
país que passava o cheque, não só porque era rico, mas porque precisava da
Europa como uma segunda pele. Depois da reunificação, passou a querer ser um
país “normal” com o mesmo direito dos outros a defender o seu “interesse
nacional”. A crise do euro aumentou drasticamente o seu poder na União,
mesmo que não saiba exactamente o que quer fazer com ele, preferindo manter as
coisas tal como estão. Merkel quererá sair de cena com uma presidência da União
Europeia (segundo semestre deste ano) que deixe um retrato favorável do seu
legado. Já admitiu que o fecho das negociações possa ficar para essa altura.
O problema não é só alemão. As velhas democracias ocidentais estão a rever
os seus interesses estratégicos no quadro europeu – a saída do Reino Unido
apenas veio acelerar o processo. Mas esta luta em torno do financiamento e da
repartição de um orçamento que representa 1% do Rendimento Nacional, como se se
tratasse de um caso de vida ou de morte, dá bem a dimensão da crise em que a
Europa está mergulhada.
3. O
mais interessante é que a retórica em torno das ambições políticas da EU nunca
foi tão eloquente. Ursula von der Leyen quer uma “Comissão geopolítica”.
A Europa quer ser um exemplo para o mundo no combate às alterações
climáticas, “operando uma revolução” no seu modo
de produzir riqueza. Pretende
definir os mais elevados critérios para a utilização da IA, a nova revolução
tecnológica que vai mudar as nossas vidas, tornando-se num verdadeiro “árbitro”
mundial (como
escreveu alguém, “o problema é que os árbitros não ganham desafios”).
Descobriu que tem de desenvolver alguma autonomia estratégica perante uma
realidade mundial na qual as relações de poder entre grandes potências estão em
vias de substituir as regras de conduta internacional. É este, de resto, o grande argumento dos ricos
para não aceitarem nem mais um cêntimo para Bruxelas. A Europa tem novas
prioridades, que devem preceder as velhas – como as políticas
de coesão. Dito assim, parece indiscutível. Só
que, como ontem escrevia o Financial Times, com um orçamento de 1% do RNB, “são
os governos que têm de liderar um esforço concertado nas prioridades, o que
exige um uso mais imaginativo das políticas orçamentais nacionais, orçamentos
de defesa e segurança maiores e menos concessões aos lóbis industriais em
matéria de alterações climáticas”. Não é esse o espírito que domina na
Europa e muito menos em Berlim, onde ainda se acredita nas virtudes da
“poupança” como solução para qualquer desafio. Nem a dicotomia entre
contribuintes líquidos e beneficiários líquidos em que assenta o debate faz
grande sentido. Um exemplo: a Universidade de Cambridge recebe dos fundos
para a Ciência e Inovação um valor idêntico ao que recebe Portugal no seu
conjunto.
4. As
políticas de coesão têm outro propósito. Os fundos de coesão foram criados por
iniciativa de Jacques Delors por uma razão simples: era preciso compensar as
desvantagens das economias menos competitivas num novo Mercado Único altamente
vantajoso para as economias mais ricas. A
criação do euro, em 1999, foi mais uma vez benéfica para as economias ricas do
Norte (em primeiro lugar, a Alemanha), tornando mais difícil o caminho para a
convergência económica das economias mais frágeis, sobretudo quando a zona euro
não está dotada de mecanismos de compensação orçamental próprios de outras
uniões monetárias. A crise do euro tornou este desequilíbrio evidente.
Macron defendeu um orçamento mais adequado a uma união monetária. A
irredutibilidade de Berlim levou António
Costa a propor um pequeno orçamento, apenas destinado a
financiar reformas que permitissem aos países menos prósperos convergir mais
depressa. O
resultado final do seu esforço é, talvez, a imagem mais chocante
do estado em que se encontra hoje a União. Não
só a verba destinada foi sendo reduzida, como o mecanismo de distribuição das
verbas fala por si: cada um dos países financiadores (são todos, de acordo com
o seu grau de riqueza) fica, pelo menos, com 70% da sua contribuição. Para
financiar as suas próprias reformas. Convergência?
Quando o grande combate é sobre centésimas – 1% ou 1,07% – é difícil
acreditar que vai ser possível reencontrar o “interesse comum”. Neste, como
noutros domínios.
TÓPICOS:
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COMENTÁRIOS
Jose Luis
Malaquias: Na minha modesta opinião, os eurocépticos nunca
tiveram razão e historicamente deturparam argumentos para pintar uma imagem da
Europa que não correspondia à realidade. Infelizmente, os actuais dirigentes
europeus estão a fazer-lhes "o jeito", conduzindo a Europa para algo
muito mais próximo dessa visão distópica dos profetas da desgraça. É
lamentável.
PRO: Nem
mais! Os Eurocépticos são uma minoria e só são relevantes porque a mídia e o
dinheiro sujo e ilegal lhes dá voz. Viu se bem no referendo do Brexit que foi
ilegal, manipulado e contra a vontade da maioria dos Britânicos.
Eme R: Esta
senhora insiste na crise, e em falar na "dimensão da crise em que a Europa
está mergulhada"... mas a Europa não está mergulhada em nenhuma crise! Tem
uma economia sólida, é de longe o maior exportador mundial, o desemprego no
mais baixo, etc. As discussões de um orçamento Europeu plurianual são sempre
complicadas (e mais ainda com 27 Estados-membros quando um dos mais ricos deixa
de contribuir), mas esperemos que os líderes europeus tenham um mínimo de visão
e inteligência. Quem está em crise são os EUA, a sua "democracia" e a
sua economia, com uma divida pública colossal... até que o mundo caia em si e
deixe de comprar dólares...
JonasAlmeida: Mto
bem, TdS confirma aqui estar bem preparada para a crónica da
desagregação do projecto europeu. De facto os "ventos políticos que
hoje sopram na Europa são a favor dos chamados interesses nacionais" mas
na realidade reflectem apenas o limite do saque que "foi mais uma vez
benéfico para as economias ricas do Norte (...) tornando mais difícil o caminho
para a convergência económica". Afinal confirma-se que o euro foi
desenhado para a divergência em "a zona euro não está dotada de mecanismos
de compensação orçamental próprios de outras uniões monetárias" e é
difícil imaginar que os criassem agora para compensar aqueles cujas economias
estão convertidas em roças. Estando a mentira exposta, a ineleita presidenta
tenta a reinvenção da UE como um "projecto geopolítico" ... para
os cipaios e sobas. Uma vez que o passo seguinte vai ser o de culpar a
Alemanha e Co., é de bom tom ver as contas "dos alemães" - por ex por
Wolfgang Streeck "The European Union is a liberal empire, and it is about
to fall" na página do London School of Economics. As elites europeístas
continuam obviamente a monte, à procura de um tropa à altura do seu projecto de
parasitismo.
PRO: Crónica
de desagregação da UE? Ahahahaha o
Jonas continua a sonhar em algo que nunca vai acontecer no seu tempo de vida! Não
existe qualquer interesse de parte de nenhum estado membro em destruir a UE.
O seu sonho molhado ainda não é desta! Nem os Europeus vão permitir que o seja!
Ahahaha O último orçamento Europeu demorou 2 anos e meio a ser discutido e
decidido. Este até ver ainda não bateu esse recorde. Dito isto não entendo
porque fazem sempre uma tempestade na mídia. A discussão do orçamento
Europeu sempre foi polémica. O que talvez seja diferente este ano e que
Teresa de Sousa se esqueceu de mencionar é que o Parlamento Europeu pela
primeira vez tem um papel mais interventivo, parece irredutível em aceitar um
orçamento mais reduzido e ainda bem. É sinal que o órgão directamente
eleito pelos Europeus está a fazer o papel pelo qual foi mandatado. Gostaria
também de realçar que a discussão do orçamento Europeu não é só acesa na
Europa. Nos US já por diversas vezes que os serviços públicos estiveram
fechados durante a dias ou semanas por causa da discussão do orçamento federal.
É perfeitamente natural estas discussões
joaoteixeira: Muito
obrigado por introduzir uma perspectiva mais positiva nesta temática. De facto
devemos sempre ter as coisas em perspectiva antes de entrarmos numa onda de
negativismo. Por outro lado, também me parece que se a EU quer fazer frente aos
diversos desafios com que se depara não me parece que este orçamento seja
minimamente suficiente.
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