sexta-feira, 21 de fevereiro de 2020

Preocupações



Que os tempos que se avizinham identificarão com maior ou menor eficiência. Entretanto, nós vamos dando o nosso contributo para debelar a crise por cá, desfazendo-nos dos excessos de “bicos” para alimentar.
ANÁLISE:
Uma ambição medida em centésimas
Quando o grande combate do orçamento europeu é sobre centésimas – 1% ou 1,07% – é difícil acreditar que vai ser possível reencontrar o “interesse comum”. Neste, como noutros domínios.
PÚBLICO, 20 de Fevereiro de 2020
1. As perspectivas não são as melhores para o Conselho Europeu extraordinário que hoje começa em Bruxelas sem hora ou data marcada para terminar. Pela primeira vez, os chefes de Estado e de Governo vão confrontar-se abertamente em torno da última proposta de orçamento plurianual da União (2021-2027), apresentada há menos de uma semana por Charles Michel, que preside ao Conselho. Não houve, até hoje, o menor sinal de cedência em qualquer das frentes da batalha. Um acordo seria um “milagre”, apesar dos esforços de Michel para oferecer um ou outro “rebuçado” a este ou aquele país, acreditando que, quando o combate estiver ao rubro, cada um dos “amigos da coesão” deixará de lado a solidariedade para se preocupar, mais realisticamente, com o seu próprio “envelope nacional”. Do outro lado, os chamados “países frugais” – os contribuintes líquidos, pela simples razão de que são os mais ricos – não têm pressa e sabem que os ventos políticos que hoje sopram na Europa são a favor dos chamados “interesses nacionais”. É talvez essa a grande diferença em relação às anteriores negociações. A outra é a necessidade de compensar o “buraco” de 75 mil milhões de euros deixado pelo Reino Unido, até agora, o segundo maior contribuinte líquido.
2. A Europa ainda não se recompôs da crise do euro e das feridas que abriu. Os partidos nacionalistas e populistas ganharam terreno suficiente para influenciar as opiniões públicas nacionais, deixando os governos pró-europeus na defensiva. O eixo Paris-Berlim está paralisado, retirando à União uma indispensável direcção política. E, sobretudo, a maior potência económica europeia está mergulhada numa profunda “introspecção existencial” sobre o seu lugar na Europa e no mundo, agravada pela crise política aberta pela demissão da sucessora de Merkel na liderança da CDU, aumentando a incerteza sobre o futuro imediato. É verdade que a Alemanha deixou há muito de ser o país que passava o cheque, não só porque era rico, mas porque precisava da Europa como uma segunda pele. Depois da reunificação, passou a querer ser um país “normal” com o mesmo direito dos outros a defender o seu “interesse nacional”. A crise do euro aumentou drasticamente o seu poder na União, mesmo que não saiba exactamente o que quer fazer com ele, preferindo manter as coisas tal como estão. Merkel quererá sair de cena com uma presidência da União Europeia (segundo semestre deste ano) que deixe um retrato favorável do seu legado. Já admitiu que o fecho das negociações possa ficar para essa altura. O problema não é só alemão. As velhas democracias ocidentais estão a rever os seus interesses estratégicos no quadro europeu – a saída do Reino Unido apenas veio acelerar o processo. Mas esta luta em torno do financiamento e da repartição de um orçamento que representa 1% do Rendimento Nacional, como se se tratasse de um caso de vida ou de morte, dá bem a dimensão da crise em que a Europa está mergulhada.
3. O mais interessante é que a retórica em torno das ambições políticas da EU nunca foi tão eloquente. Ursula von der Leyen quer uma “Comissão geopolítica”. A Europa quer ser um exemplo para o mundo no combate às alterações climáticas, “operando uma revolução” no seu modo de produzir riqueza. Pretende definir os mais elevados critérios para a utilização da IA, a nova revolução tecnológica que vai mudar as nossas vidas, tornando-se num verdadeiro “árbitro” mundial (como escreveu alguém, “o problema é que os árbitros não ganham desafios”). Descobriu que tem de desenvolver alguma autonomia estratégica perante uma realidade mundial na qual as relações de poder entre grandes potências estão em vias de substituir as regras de conduta internacional. É este, de resto, o grande argumento dos ricos para não aceitarem nem mais um cêntimo para Bruxelas. A Europa tem novas prioridades, que devem preceder as velhas – como as políticas de coesão. Dito assim, parece indiscutível. Só que, como ontem escrevia o Financial Times, com um orçamento de 1% do RNB, “são os governos que têm de liderar um esforço concertado nas prioridades, o que exige um uso mais imaginativo das políticas orçamentais nacionais, orçamentos de defesa e segurança maiores e menos concessões aos lóbis industriais em matéria de alterações climáticas”. Não é esse o espírito que domina na Europa e muito menos em Berlim, onde ainda se acredita nas virtudes da “poupança” como solução para qualquer desafio. Nem a dicotomia entre contribuintes líquidos e beneficiários líquidos em que assenta o debate faz grande sentido. Um exemplo: a Universidade de Cambridge recebe dos fundos para a Ciência e Inovação um valor idêntico ao que recebe Portugal no seu conjunto.
4. As políticas de coesão têm outro propósito. Os fundos de coesão foram criados por iniciativa de Jacques Delors por uma razão simples: era preciso compensar as desvantagens das economias menos competitivas num novo Mercado Único altamente vantajoso para as economias mais ricas. A criação do euro, em 1999, foi mais uma vez benéfica para as economias ricas do Norte (em primeiro lugar, a Alemanha), tornando mais difícil o caminho para a convergência económica das economias mais frágeis, sobretudo quando a zona euro não está dotada de mecanismos de compensação orçamental próprios de outras uniões monetárias. A crise do euro tornou este desequilíbrio evidente. Macron defendeu um orçamento mais adequado a uma união monetária. A irredutibilidade de Berlim levou António Costa a propor um pequeno orçamento, apenas destinado a financiar reformas que permitissem aos países menos prósperos convergir mais depressa. O resultado final do seu esforço é, talvez, a imagem mais chocante do estado em que se encontra hoje a União. Não só a verba destinada foi sendo reduzida, como o mecanismo de distribuição das verbas fala por si: cada um dos países financiadores (são todos, de acordo com o seu grau de riqueza) fica, pelo menos, com 70% da sua contribuição. Para financiar as suas próprias reformas. Convergência?
Quando o grande combate é sobre centésimas – 1% ou 1,07% – é difícil acreditar que vai ser possível reencontrar o “interesse comum”. Neste, como noutros domínios.
COMENTÁRIOS
Jose Luis Malaquias: Na minha modesta opinião, os eurocépticos nunca tiveram razão e historicamente deturparam argumentos para pintar uma imagem da Europa que não correspondia à realidade. Infelizmente, os actuais dirigentes europeus estão a fazer-lhes "o jeito", conduzindo a Europa para algo muito mais próximo dessa visão distópica dos profetas da desgraça. É lamentável.
PRO: Nem mais! Os Eurocépticos são uma minoria e só são relevantes porque a mídia e o dinheiro sujo e ilegal lhes dá voz. Viu se bem no referendo do Brexit que foi ilegal, manipulado e contra a vontade da maioria dos Britânicos.
Eme R: Esta senhora insiste na crise, e em falar na "dimensão da crise em que a Europa está mergulhada"... mas a Europa não está mergulhada em nenhuma crise! Tem uma economia sólida, é de longe o maior exportador mundial, o desemprego no mais baixo, etc. As discussões de um orçamento Europeu plurianual são sempre complicadas (e mais ainda com 27 Estados-membros quando um dos mais ricos deixa de contribuir), mas esperemos que os líderes europeus tenham um mínimo de visão e inteligência. Quem está em crise são os EUA, a sua "democracia" e a sua economia, com uma divida pública colossal... até que o mundo caia em si e deixe de comprar dólares...
JonasAlmeida: Mto bem, TdS confirma aqui estar bem preparada para a crónica da desagregação do projecto europeu. De facto os "ventos políticos que hoje sopram na Europa são a favor dos chamados interesses nacionais" mas na realidade reflectem apenas o limite do saque que "foi mais uma vez benéfico para as economias ricas do Norte (...) tornando mais difícil o caminho para a convergência económica". Afinal confirma-se que o euro foi desenhado para a divergência em "a zona euro não está dotada de mecanismos de compensação orçamental próprios de outras uniões monetárias" e é difícil imaginar que os criassem agora para compensar aqueles cujas economias estão convertidas em roças. Estando a mentira exposta, a ineleita presidenta tenta a reinvenção da UE como um "projecto geopolítico" ... para os cipaios e sobas. Uma vez que o passo seguinte vai ser o de culpar a Alemanha e Co., é de bom tom ver as contas "dos alemães" - por ex por Wolfgang Streeck "The European Union is a liberal empire, and it is about to fall" na página do London School of Economics. As elites europeístas continuam obviamente a monte, à procura de um tropa à altura do seu projecto de parasitismo.
PRO: Crónica de desagregação da UE? Ahahahaha o Jonas continua a sonhar em algo que nunca vai acontecer no seu tempo de vida! Não existe qualquer interesse de parte de nenhum estado membro em destruir a UE. O seu sonho molhado ainda não é desta! Nem os Europeus vão permitir que o seja! Ahahaha O último orçamento Europeu demorou 2 anos e meio a ser discutido e decidido. Este até ver ainda não bateu esse recorde. Dito isto não entendo porque fazem sempre uma tempestade na mídia. A discussão do orçamento Europeu sempre foi polémica. O que talvez seja diferente este ano e que Teresa de Sousa se esqueceu de mencionar é que o Parlamento Europeu pela primeira vez tem um papel mais interventivo, parece irredutível em aceitar um orçamento mais reduzido e ainda bem. É sinal que o órgão directamente eleito pelos Europeus está a fazer o papel pelo qual foi mandatado. Gostaria também de realçar que a discussão do orçamento Europeu não é só acesa na Europa. Nos US já por diversas vezes que os serviços públicos estiveram fechados durante a dias ou semanas por causa da discussão do orçamento federal. É perfeitamente natural estas discussões
joaoteixeira: Muito obrigado por introduzir uma perspectiva mais positiva nesta temática. De facto devemos sempre ter as coisas em perspectiva antes de entrarmos numa onda de negativismo. Por outro lado, também me parece que se a EU quer fazer frente aos diversos desafios com que se depara não me parece que este orçamento seja minimamente suficiente.

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