Tempo dos cidadãos. Sim. Vê-se, em
grande escala, a veracidade da afirmação de Teresa de Sousa – Na China, nos Estados Unidos, na velha Europa, a
preparar a sua jangada, excluído o UK. A união faz a força, e ainda hoje
recordámos, o meu marido e eu, o caso de um seu amigo de África que comprara,
na sua terra natal, um terreno, com os dinheiros que fora ganhando em Moçambique.
Quando cá chegou, contudo, de lá expulso, ao chegar com a mulher, disposto a
iniciar a sua vida, como os outros expulsos, foi-lhe dito pelo povo da aldeia,
que não tinha direito a esse terreno, ganho à custa da exploração sobre os
pretos. O povo unido tem muita força. Decidiu partir para a Austrália, e lá trabalhou
e morreu, mantendo, contudo, contacto com o meu marido, por vezes telefonicamente,
via-se que prosperara, por direito próprio, mais do que se por cá tivesse
ficado, para mais esbulhado dos seus bens. Tirando esse caso particular,
comprovativo da força das massas, julgo que no nosso pequeno país, que faz
parte desse terceiro pólo, descrito por Teresa de Sousa - o europeu - parece que os cidadãos - se é que têm
direito a essa designação de luxo - não têm direito a dar o seu parecer, em
referendo esclarecedor, sobre a morte em bem-estar, em que eles serão
apanhados, na sua maioria, de surpresa, também por falta de esclarecimento, por
conta dos seus representantes astutos, manipuladores da proposta, e seguidos
servilmente pela maioria dos partidos, mesmo do PSD, apesar do libelo indignado
de Manuela Ferreira Leite sobre a
vileza do assunto, na excelente entrevista de José Alberto Carvalho, na TV24.
Massas? Sim, têm força, pelo menos lá
fora. Cá dentro é pura ficção. Os manipuladores são quem mais ordena. E todos se acobardam, indiferentes ao crime, para parecerem actualizados, nestas coisas do progresso.
ANÁLISE:
Os três pólos
Hoje, incluindo na China, vivemos no
tempo dos cidadãos. Xi Jinping
deixou de ter o seu futuro de grande timoneiro assegurado.
PÚBLICO, 9 de Fevereiro de 2020
1. Há
menos de um ano, Xi Jinping
era o novo e poderoso “imperador” da China – um Mao
devidamente adaptado aos tempos modernos, com a ambição de concentrar nas suas
mãos todo o poder, de transformar os seus pensamentos no novo “Livro Vermelho”,
de perdurar para além do mandato de dez anos que os seus antecessores depois de
Deng cumpriram no comando da República Popular e do Partido Comunista. Bastou uma sucessão de acontecimentos, muito para além
do seu controlo, para que a “longa vida” de Xi fosse posta em causa. A China de hoje não é a mesma China de Mao. As miseráveis “massas populares” que Mao convocava
contra os “quartéis generais” do partido que desafiavam o seu poder já não
existem. Os milhões e
milhões de mortos da fome ou da repressão durante o “grande salto em frente” ou
a “grande revolução cultural” já não são “permitidos”.
A rebelião
democrática de Hong Kong desafiou a sua autoridade e mostrou os
limites da repressão. Milhões de pessoas de todas as origens sociais resolveram
reagir na rua e sem descanso a qualquer tentativa de Pequim de cercear as
liberdades garantidas para o período de transição de 50 anos ao abrigo da
doutrina “um país, dois sistemas”. As ruas de Hong Kong animaram os
eleitores de Taiwan que, nas eleições presidenciais de Janeiro, resolveram dar um segundo mandato à Presidente Tsai Ing-wen,
defensora da independência, contra o candidato apoiado por Pequim, apesar das
manobras intimidatórias do regime, incluindo a ameaça do uso da força militar.
O poder chinês estava convencido de que o enriquecimento espectacular da
China continental derrubaria os últimos obstáculos ao progressivo retorno da
Formosa à mãe-pátria. Enganou-se. Os habitantes da ilha valorizam o seu modo de
vida e a liberdade de que gozam, para além da sua vibrante economia. Os
Estados Unidos, apesar dos compromissos assumidos com Pequim, continuam a
fornecer a Taiwan o armamento que a faz sentir-se relativamente segura. A
desproporção entre o poderio militar americano e chinês ainda é suficiente para
desaconselhar aventuras.
O
coronavírus foi o “cisne negro” que ninguém esperava. Os seus efeitos são
devastadores. Um regime totalitário hierarquizado está sempre em enorme
desvantagem para enfrentar uma epidemia desta natureza. A China não foi
excepção. Morreu na
quinta-feira o médico de 34 anos que, em meados de Dezembro,
partilhou na Internet as suas preocupações com um primeiro caso com que se
deparou. Li Wenliang recebeu a
visita da polícia, que o acusou de “fazer comentários falsos”, de agir
ilegalmente para “perturbar a ordem social” e o forçou a assinar uma declaração
prometendo que não voltaria ao assunto. Pequim acabou por ter de fazer dele
um herói. A sua morte está a
provocar uma vaga de protestos contra as autoridades locais. Hoje,
incluindo na China, vivemos no tempo dos cidadãos, por mais repressores que
sejam os regimes políticos. O que está em causa é “infalibilidade” do regime e do
seu líder supremo. Xi Jinping deixou de ter o seu futuro de grande timoneiro
assegurado.
2. Em
Washington, Trump foi
absolvido das acusações de abuso de poder e de obstrução à justiça feitas
pela Câmara de Representantes. Nunca houve dúvidas de que seria este o
resultado do “julgamento” do Senado, onde os Republicanos têm maioria. Vimos,
ao longo de meses, uma democracia vibrante a funcionar, com uma sucessão
impressionante de depoimentos que não deixaram pedra sobre pedra a respeito do
comportamento de Trump no “caso ucraniano”. Foi uma lição
sobre a forma como o actual Presidente se relaciona com o mundo, a sua falta de
qualquer critério a não ser o do seu próprio interesse, o desrespeito para com
as decisões do Congresso, a chantagem descarada ao líder de um país aliado que
depende do apoio americano para resistir à agressão russa, com o único
objectivo de obter uma vantagem eleitoral. Para assistirmos depois ao triste
espectáculo do que é hoje o velho Partido Republicano, sem respeito pelos
valores fundamentais da Constituição ou a total falta de vergonha com que
“ultrapassa” os factos, cantando e dançando ao ritmo que lhes é ditado pela
Casa Branca. As justificações que arranjaram para o seu voto foram patéticas.
Como é possível que o Grand Old Party se tenha transformado numa caixa-de-ressonância
de um Presidente que, noutra altura, teria sido considerado como absolutamente
“inadequado” ao exercício do cargo?
Durante
a campanha eleitoral, Trump disse que poderia descer a 5.ª Avenida e disparar
contra um qualquer transeunte que nada lhe aconteceria. Na altura, rimo-nos.
Hoje, sabemos que tinha razão. Na quinta-feira, na “celebração” do fim do impeachment,
utilizou uma
linguagem ainda mais desbragada e grosseira, classificando os
serviços de segurança de “dirty cops”, Nancy Pelosi de “criatura horrível”,
Adam Schiff de “corrupto”, o FBI de “escumalha”. Na mesma semana, os
Democratas, em busca de uma figura com um ar minimamente presidenciável e uma
estratégia política mobilizadora, deram de si próprios um triste espectáculo no Iowa,
o primeiro acto das “primárias” para a escolha de quem vai desafiar Trump em
Novembro. Um desastre. O desemprego registou um dos valores mais baixos de
sempre: 3,6%. A aprovação Trump está nos 49% – mais do que Clinton ou Obama na
mesma altura do mandato que os levou à reeleição.
Até agora, era relativamente fácil
dizer que os estragos provocados por este Presidente se faziam sentir muito
mais no mundo do que em casa. A rapidez com que está a destruir a ordem
internacional liberal da qual a América foi o principal garante é assustadora e
começa a parecer irreversível. Hoje, no entanto, os estragos que ameaça
infligir à democracia americana começam a ser igualmente preocupantes.
3. A velha Europa, o terceiro pólo deste
mundo em vertiginosa mutação, não está imune ao contágio. Já não vale a pena falar do
significado da saída do Reino Unido – seja qual for o ponto de vista
com que se olhe para a União Europeia e para o seu futuro. A Alemanha,
paralisada pela sua própria “introspecção”, limita-se a defender o status quo. Na
última semana, a chanceler
teve de intervir a partir da África do Sul para pôr ordem no seu próprio
partido, que se preparava para viabilizar o novo ministro-presidente da Turíngia, um liberal, ao
lado da AfD. Quase 40% dos alemães consideram que já chega de falar
do Holocausto. A CDU está dividida entre quem pensa que, mais tarde ou mais
cedo, vai ser preciso aceitar alianças com o partido de extrema-direita e os
que, como Merkel, rejeitam totalmente qualquer concessão. São duas faces da
mesma moeda – a Europa e a política interna – da crise existencial do país mais
poderoso da União, contra cuja vontade é difícil fazer seja o que for.
Macron tenta dar sentido a uma França europeia, mas falta-lhe
um interlocutor em Berlim. O
eixo sobre o qual a roda europeia costumava rodar está quebrado. A saída do
Reino Unido obriga à revisão das estratégias nacionais. Os equilíbrios de
poder vão ser diferentes. A primeira deslocação europeia do Presidente
francês depois do “Brexit” foi a Varsóvia (cujo Governo nunca se
eximiu de criticar), para dar forma a um novo “triângulo de Weimar”
(Paris-Berlim-Varsóvia), cujo papel não parece ser assim tão óbvio. Ao
mesmo tempo, está a tentar uma aproximação à Rússia. Na sexta-feira, foi
ao Colégio de Guerra falar da “force de frappe” nuclear francesa, dando pela
primeira vez um sinal de que ela poderia estar ao serviço da segurança europeia.
Mas também disse que, “enquanto únicas potências nucleares, a França e o Reino
Unido afirmaram, em 1995, que não podiam imaginar uma situação em que o
interesse vital de uma delas pudesse ser ameaçado sem que fosse igualmente uma
ameaça ao interesse vital da outra”. “Quero hoje reafirmar solenemente o mesmo
compromisso.” Provavelmente, a “euforia” criada pela ilusão de que era
Londres que travava o caminho glorioso para uma “ever closer union” não durará
muito tempo. Enquanto os líderes europeus se digladiam sem o mínimo pudor
sobre um orçamento plurianual de 1% do Rendimento Nacional, os think-tanks escrevem
longos tratados sobre a Europa “enquanto potência”.
COMENTÁRIOS:
Ahfan Neca,09.02.2020: Os votos das
eleições primarias dos democráticos no Iowa ainda não estão contados. Segundo o
famoso Costa Ribas, a culpa foi dos adeptos do Trump. Ainda não tinha ouvido
esta. A fonte do Ribas deve ser a mesma da TSousa.
José Manuel Martins, 09.02.2020: é um ciclo
fatal: o bem-estar aumenta, não directamente a satisfação, mas ainda mais
directamente a capacidade de, ou para a, insatisfação. A liberdade não é
esquecida nem vendilhada pela barriga cheia de fortune cookies e cãezinhos
agridoces, que ajudam, pelo contrário, a lembrá-la, que espevitam, com redobrada
vitalidade, o grau seguinte na escala hierárquica de Maslow. Os chineses
deveriam ser os primeiros a deter a argúcia desta lógica subtil e paradoxal
não-dicotómica, a do yin-yang, que simultaneamente diminuem e aumentam na
presença um do outro (e isto sem contar com o 'vazio'). É o mesmo paradoxo que
no personalismo de Maslow: quanto mais satisfeito fico em baixo, mais
insatisfeito me posso dar ao luxo de ficar, em cima. Ah, constipação dos
diabos, longa vida à tua longa-marcha!
Ahfan Neca, 09.02.2020: Saberá a senhora articulista o que é o Steele Dossier?
E o que são FISA courts? Já ouviu falar do Relatório Horiwitz e do que ele diz_
Pois era a isto que Trump se referia quando falou do FBI e do seu anterior
responsável, que teve de demitir. As referências não eram ao FBI como tal mas a
alguns agentes que irão responder em tribunal.
Jonas Almeida, 09.02.2020: "O
tempo dos Cidadãos" como o lema da era que agora começa - gostei :-).
Talvez um dia a História registe como primeiras vitórias a saída do UK da UE, e
a saída de Taiwan da subserviência à China (como reacção ao
"populismo" em HK). Sem dúvida duas batalhas populares ganhas pelo
povo nas urnas. Duas vitórias da Democracia.
PRO, 09.02.2020: O Brexit entrará certamente na História como um erro
colossal e ficará a par da História negra como o Nazismo e o Fascismo. Se é com
essas ideologias que o Jonas se sente em casa, muito bem! Agora não venha aqui
para o fórum infectar os outros ok?
José Manuel Martins, 09.02.2020 19: jonas, jonas, você elevou o monolitismo asperger
ao seu apogeu. A primeira vitória do brexit é o scotexit, o eirexit e se calhar
o galexit, são as bonecas britânicas da caixinha de pandora dentro da caixa de
pandora dentro do caixote de pandora dentro do caixão de pandora. Mande
referendar e pagar ao portador.
Joao, 09.02.2020: Desviando um pouco da lenga lenga dos “três polos”,
fui ler isso da pedofilia. Eu não sei se nas terras altas da Escócia ou nos
desertos do Sudão a “idade de consentimento” é esta ou aquela, o que eu sei é
que cá onde vivo em Portugal, nos vizinhos e amigos, um homem adulto e numa
posição de poder assediar um rapaz de 16 anos é pedofilia sem dúvida alguma.
Mas este não é o problema pior, o problema pior não é se a lei tem uns buracos,
se a definição de poder está mal descrita, se a diferenças de idades ou de
posições dominantes estão em falta, o problema pior e mais nojento é …. o
pedófilo ter desculpa ou atenuantes por ser … europeísta ferrenho!
Joao, 09.02.2020: É absolutamente inqualificável … Se fosse o Orban ou
outro qualquer crítico do autoritarismo e totalitarismo de Bruxelas, crítico da
ditadura de Bruxelas em português normal, se fosse o Orban a assediar um rapaz
de 16 anos só posso imaginar a chuva de críticas e as avalanches de adjectivos
pejorativos … mas como é um sabujo totalitário de Bruxelas já está tudo segundo
a lei ... 16 anos ... a idade do consentimento ... para um relacionamento
sexual entre um ministro do governo e um rapaz do secundário ...
Ahfan Neca, 09.02.2020: "Depoimentos que não deixaram pedra sobre
pedra sobre comportamento de Trump" (?). 2. "Desrespeito para com as
decisões do Congresso"(?). 3. "Chantagem declarada ao líder de um
país aliado"(?) 4. "Único objectivo de obter uma vantagem
eleitoral"(?) 5. "Velho partido Republicano sem respeito pela
Constituição"(?). 6. "Presidente absolutamente inadequado"(?).
Onde é que esta senhora terá ido buscar esta sabedoria que debita com tanta
certeza. O que terá visto que não está ao alcance dos mortais?
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