domingo, 2 de fevereiro de 2020

Um “Bravo!” a João Miguel Tavares



Por este seu texto de tanta maturidade.
OPINIÃO: Devolver à origem a arte que ninguém pediu
A única pilhagem que vejo aqui é esta: Joacine Katar Moreira a roubar descaradamente polémicas internacionais por puro oportunismo político.
1 de Fevereiro de 2020
Diga-me, caro leitor: consegue nomear uma obra – uma só – moçambicana, angolana, guineense, timorense ou ameríndia que faça parte do imaginário artístico português? Uma máscara, uma escultura, uma jóia, uma tapeçaria, um colar, qualquer coisa que nós sintamos ser tão nossa quanto os painéis de São Vicente, a Adoração dos Magos de Domingos Sequeira, a custódia de Belém ou os biombos Namban, com a chegada dos portugueses ao Japão no século XVI (quanto a estes, não se assuste: não foram roubados, mas sim comprados no mercado de arte internacional nos anos 50 do século passado)?
discussão em torno da devolução de património aos países de origem é muito gira, sim senhor, tal como o infatigável desejo de penitência pelo nosso passado colonial, mas para que o debate e a penitência façam algum sentido convém garantir primeiro isto: que existam obras com um peso artístico ou simbólico significativo para devolver. Ora, não havendo exemplos evidentes dessas obras, nem pedidos conhecidos de devolução, está-me a parecer que a única coisa que temos em Portugal é um intenso desejo de devolver aquilo que nenhum governo africano ou asiático se deu sequer ao trabalho de pedir.
E, assim sendo, a proposta do Livre para a “descolonização da cultura” portuguesa e para o levantamento do património a ser restituído às antigas colónias é essencialmente uma polémica de papelão. Na pior das hipóteses (ou na melhor, depende da perspectiva), essa restituição atingiria sobretudo o espólio do Museu Nacional de Etnologia, que em tempos foi uma instituição muito respeitada, mas que hoje é pouco mais do que um edifício bonito com vista para o Tejo e o segundo museu menos visitado do país, abaixo dos 20 mil visitantes em 2018. (Pior, só mesmo o Museu Nacional da Música, que fica dentro de uma estação de metro.)
Esta é a melhor medida do poder de atracção do património artístico retirado às antigas colónias: 55 visitas diárias em média, entre portugueses e turistas. Joacine Katar Moreira adoraria ter um pequeno Museu Britânico em Portugal para poder fazer grande estrilho com peças pilhadas, só que Portugal, infelizmente, não é a Inglaterra. A pobreza do país, o seu défice de educação e o seu atraso científico pagam-se muito caro em termos de desenvolvimento, mas pagam-se bastante barato na hora de devolver o valiosíssimo património que nos esquecemos de roubar.
O Museu Britânico foi fundado em 1753. O Museu Nacional de Arqueologia (que nasceu como museu etnográfico, e tem uma colecção africana) foi fundado em 1893, 140 anos depois, graças ao trabalho de Leite de Vasconcelos. O Museu Nacional de Etnologia foi fundado em 1965, graças ao trabalho de Jorge Dias. Estas diferenças de séculos explicam quase tudo, e o facto de a base daqueles museus ser o espantoso trabalho de indivíduos notáveis, e não o fruto de uma política cultural estruturada, explica o resto. A palavra “colonial” aplica-se tanto a Inglaterra como a Portugal, mas há uma distância oceânica entre o maior império económico, étnico e cultural que o mundo já viu e um pequeno império que passou a maior parte do tempo falido.
O nosso interesse por matérias-primas (das especiarias ao ouro do Brasil) e por escravos rimou com o nosso desinteresse pela produção artística local, até porque a arte africana é uma descoberta (ocidental, receio bem) do século XX. Donde, a única pilhagem que vejo aqui é esta: Joacine Katar Moreira a roubar descaradamente polémicas internacionais por puro oportunismo político.
Jornalista

COMENTÁRIOS:
José Cruz Magalhaes: Para quem já teve a oportunidade, ou o interesse, em visitar o Museu Britânico, não poderá discordar do artigo que JMT assina. O Império colonial e militar que foi o britânico e em certa medida, os que resultaram das disputas entre as potências europeias, no final do século XIX, a partir da Conferência de Paris , partilharam os despojos dos tesouros artísticos e monumentais de antigas e extintas civilizações e de reinos destruídos por guerras e disputas territoriais. Os despojos lusitanos, retirados ao longo dos séculos, foram o ouro da Mina, ou do Brasil ,ou as especiarias da Índia e esses, os que restam, foram transformados em património monumental, ou em arte sacra.
ana cristina, 01.02.2020: como uma ideia de base honesta e justa se pode transformar numa anedota, ao ser apresentada fora de tempo, fora de propósito e desenquadrada de tudo e de todos os possíveis interessados. Joacine, por favor, poupa-nos a mais carnaval deste tipo.
Matias Rubio 01.02.2020: Foi enganada?
ana cristina, 01.02.2020: Enganei-me. Não tenho problema em reconhecer que me enganei na ideia inicial que tive sobre a joacine. Péssima representante do Livre. Não está a fazer um bom trabalho como deputada. Quezilenta e sem noção das prioridades.
Matias Rubio,  01.02.2020 : Sem remorsos, pois há uma diferença entre enganar-se e ser enganado. Nesta época de, "tudo agora", um político não se pode fazer de um dia para o outro. É preciso tempo.
FERNANDO RODRIGUES, 01.02.2020: Assim se demonstra a demagogia na proposta de Joacine. Muito bem, JMT. Poder-se-ia restituir aos países de origem os artefactos mas sempre depois de estes o pedirem e terem condições para o receber e conservar.
Manuel, 01.02.2020: A questão que provoca mais revolta na proposta da Joacine (e que não será do livre...) é enquadra-la num " processo de descolonização cultural", reparação do passado de Portugal (ou seja, refazer a nossa história), porque segundo a Joacine (e obviamente quem a suporta, o sos racismo) o nosso passado é vergonhoso, racista, e que ainda somos racistas. Mesmo que se faça essa análise, ela é a pessoa errada sequer para abordar o assunto , porque ela sobrevaloriza claramente a sua origem africana, o seu ódio a Portugal, e uma certa inveja que muitos africanos das ex-colónias têm pelo nosso património ( rico e preservado, ao contrário dos países africanos, que nada construíram depois da independência, nada têm pois tudo destruíram...)
James Courtauld, 01.02.2020: Devolvam tudo para ver arder como no Museu do Rio de Janeiro. O Bolsonaro na altura comentou “que era apenas um museu”. Mas também querermos ver devolvido o que é nosso e nos foi  retirado. Há muito por essa Europa fora.
António Cunha, 01.02.2020 : Hoje subscrevo o seu comentário. Que Joacine tinha vista enviezada já o sabíamos. Quanto mais fala mais se entala!
Luis_Morgado 01.02.2020: Muito bem João Miguel Tavares. A começar pela expressão "devolução", cada vez mais me convenço que este tipo de ideias têm como objectivo fomentar a divisão e o racismo. Porque é que não se usa o termo cooperação? Se há algo a devolver, que os responsáveis conversem entre si (e que se devolva) porque já são todos adultos. Não é preciso tratar as ex-colónias como coitadinhas. Quanto à Arte Africana, JMT tem razão, há um desinteresse geral por ela. Uma boa proposta do Livre seria a de fomentar a sua divulgação e conhecimento por parte dos Portugueses.
Cristina Félix,  01.02.2020:  É isso. Acho que foi o Pacheco Pereira que eu vi a dizer na televisão que este processo de entrega de arte a países que correspondem a antigas colónias não deve estar associado a culpa. Mas sim, como o Luís agora aqui diz bem, a cooperação. Caso a caso: consoante os outros países queiram, consoante tenham condições para receber as peças, consoante cada peça tenha sido roubada/comprada... Não tem tudo, de modo algum, de ser devolvido. Parte pode ficar por razões educativas/histórias/outras. Mas eu considero que ter abertura quanto a este diálogo (que acabará por ter de ocorrer) é algo que seria motivo de orgulho para o país. Maturidade. As pessoas (neste caso país) “grandes” admitem os erros e viram a página para um capítulo melhor. | A sua última ideia também é boa.
Vitor Amaral, 01.02.2020: Oportunismo político; talvez sim, talvez não. E, se sim, qual a razão ou motivação que levou o autor deste artigo de opinião a perder o seu tempo? Desafio-o a ir a Guimarães visitar o CIAJG, muito digno de ser ver. Apesar da convicção do cronista, espero que no futuro, não sejam reclamadas obras de arte retiradas dos países de origem de forma ilegal.
Gabriel Moreira, 01.02.2020: Olhem, eu estou-me marimbando para estes racistas, como o Mamadou ou a Joacine. De facto, não faço tenção de pedir desculpas dos colonialistas do passado , nem mesmo dos traficantes de escravos que porventura foram meus tetravós. Pelo contrário, tenho muito orgulho na História de Portugal incluindo a época dos descobrimentos. Eu sei, nem tudo foi perfeito, mas como sou um ser normal valorizo mais o que foi brilhante. E não me esqueço que a escravatura foi abolida em Portugal no século XVIII, e a pena de morte no século XIX. É disso que me orgulho.
Diabinho Malandro, 01.02.2020: Excelente.
António GS, 01.02.2020: Absolutamente de acordo, mas por favor deixe de chamar pobre ao nosso país, olhe para o globo terrestre e veja-nos, vendo todos os outros. Se há coisa lamentável é o comportamento da deputada Moreira, mas o seu complexo de inferioridade é, por ser igualmente um complexo de muitos portugueses, a causa das nossas muito relativas dificuldades.
fernando jose silva, 01.02.2020: Não há nada para dar pois em cinco séculos fizemos escravos e fome. Mas não só nós, que outros colonizadores fizeram bem pior !! O mal do livre foi escolher um cabeça de lista que não sabe o que diz e quer transformar a Assembleia, tal como os comentadores do futebol na televisão, num clima de antiga tasca. Esta visibilidade rasca de muita gente potencialmente responsável, é um dos males da nossa tacanhez que é corresponde á dimensão do território e cidadania. Séculos de vergasta de fidalgos deram nisto e os novos politiqueiros de tigela sucederam-lhes bem. O quintal continua a ser o mesmo. Pobre em todos os sentidos, pobre e atrasado onde quem tem um olho é rei!!!!
Diabinho Malandro, 01.02.2020: Volte de Marte, que lhe está a fazer mal à vista.
JOSE LOBO DO AMARAL, 01.02.2020 Excelente texto! Parabéns JMT
Plutonium239, 01.02.2020: Devolvam-nos cahora bassa, feita pelos cérebros dos engenheiros civis portugueses. Ai pensaremos em devolver as bonecas voodoo
António Cunha, 01.02.2020: Passos Coelho, o primeiro ministro maravilha, vendeu a última percentagem detida pelo Estado Português da referida barragem.
Matias Rubio, 01.02.2020: Diz bem, António Cunha... Vendeu! Não foi dada.
Fernando Ferreira, 01.02.2020: O que todos os povos das nossas ex colónias agradeciam é que lhes fossem devolvidos tantos bens roubados pelos seus conterrâneos (novos colonialistas) que lhes roubaram mais em cinquenta anos do que os que anteriormente roubaram em 500. Tudo o resto é conversa para adormecer boi.
Macuti, 01.02.2020: Oportunismo político e um desviar de atenções da senhora deputada. As antigas colónias querem dinheiro, não querem obras de arte(?) e por isso não as reivindicam.
JPGarcia, 01.02.2020: Parece-me que o que realmente devia interessar os Portugueses seria a devolução do nosso Património que foi pilhado por outros países europeus. Mas isso, ninguém se atreve a fazer. Ser forte com os fortes não é o nosso forte desde a Restauração...
Fernando Ferreira, 01.02.2020: Franceses e Ingleses. Os segundos vieram para nos ajudar a combater os primeiros mas a ajuda foi demasiado cara. Ainda hoje não se sabe quem roubou mais.
Novo Humbo, 01.02.2020: Tanta inocência...A abertura da possibilidade de devoluções de objectos de arte, o exponenciar do racismo com um combate desproporcional ao que realmente existe e a sua transformação do que realmente é - a cretina ideia de que um ser humano será inferior a outro em função da cor da pele - em meta-racismos que alimentam teses sociológicas, postos de trabalho e um espiralar de ódios e violência, a ideia de indemnizações retro-geracionais, todas estas matérias bem-pensantes destinam-se a orientar vidinhas, caro João Miguel Tavares. O absurdo que julga aqui ver é antes bem coerente, se o analisar a essa luz.
Elsinor, 01.02.2020: Exacto. Muita maltinha a orientar o “busness” com parvoíce desta, e cuspindo no passado honroso do seu próprio país.
bento guerra, 01.02.2020: Só conheço aquele material , vasto e algum interessante, que está no Museu de Etnologia(?) do Restelo e uma ou outra peça dispersa. Muito pouco, comparado com o que se vê nos museus de Paris, Londres e Roma(?) e outros países com ligação passada a África. O que eles não têm é uma Joacine.
Alexandre Bernardes, 01.02.2020: Há menos de 1 ano e meio, Berardi, esse filósofo activista de esquerda, dizia ao Jornal Económico: "De momento, excepto Portugal e Espanha, o racismo é o único ponto de entendimento entre os europeus. Nem mais nem menos: racismo. E não tem a ver com o medo do outro, da diferença. Tem a ver com a incapacidade de lidar com o passado colonial." Os nossos identitários de esquerda, que são tão fracos na arte da pilhagem que nem o Berardi sabia que já tínhamos activistas a pilhar o tema da moda do racismo e do colonialismo, devem ter entrado em depressão. Mas "a luta!" continua...
JORGE COSTA, 01.02.2020: Excelente artigo JMT! A deputada devia ganhar alguma vergonha e sair do Parlamento. Nem o partido que a elegeu a apoia. As famosas obras de arte Africana não existem. Tudo isto são mitos para nos entreter. Vergonha!....

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