De facto, é assim por cá, há muito tempo
já. Somos um povo sem maneiras, mais de sensibilidades do que de
racionalidades. Por isso o Fernando Mendes tem aquela mania de dar o beijo na
foto do Eusébio, ali posta no seu programa, para provar o seu amor simplório, o
que é parolice, não precisava… No fundo, para impor provocatoriamente a sua opção,
desprestigiadora de Ronaldo. Marega, é claro, está em boa maré para responder
às agressões do público, nesta época de anti-racismos prestigiantes e bateu o
pé, saindo do campo. Lembro-me de que Ronaldo foi humilhado numa altura de
botas de ouro, pelo presidente da FIFA, que não gostou de lha atribuir a ele,
Messi sendo o seu preferido, caso que foi largamente divulgado na época. No
fundo, também se tratou de “racismo”, mas com punhos de renda, sem ordinarice “ululante”,
mas deselegância humilhante. É claro que
JMT tem razão, subscrevo todo o seu discurso exaltado, mas não deixo de pensar
que, fora Marega de outra cor, não atrairia tanta manifestação nem dispêndio de
discursos,.
OPINIÃO
Marega, as bestas ululantes e a lixeira
do futebol
Marega fez a sua parte. Agora falta o
resto – falta limpar a lixeira do futebol. O meu desejo é que mil Maregas
floresçam, a ver se os estádios voltam a ser locais onde um tipo decente possa
ter orgulho em levar os filhos.
PÚBLICO, 18 de Fevereiro de 2020
O que aconteceu a Marega em Guimarães não é
novidade. Não foi um “episódio”. Não foi um acaso. Não foi um “incidente”. Aquilo que lhe aconteceu
foi um dia normal num estádio de futebol. Qualquer pessoa que costume ir à
bola já ouviu aqueles urros dezenas e dezenas de vezes. Gritos obscenos a
imitar símios sempre que um jogador adversário de pele negra toca na bola, se
aproxima da linha final ou marca um livre. São centenas, talvez milhares de
pessoas, aos gritos de “uh-uh-uh-uh”, todos unidos a urrar e a celebrar a mais
reles grunhice colectiva.
Note-se
que estas bestas ululantes não são sempre ululantes, e também é possível que
não sejam sempre bestas. Quando chegam a casa, talvez dêem um beijinho de boa
noite ao filho, e no dia seguinte talvez visitem a mãe velhinha. Com boa
probabilidade, os que insultaram Marega foram os mesmos que vibraram com o golo
de Éder no Euro 2016. Eles adoram os seus pretos – apenas odeiam os pretos
dos outros. É um racismo selectivo e intermitente, de quem está
convencido que é permitido ser grunho durante 90 minutos ao fim-de-semana,
porque as regras comuns da decência e da convivência não se aplicam nos
estádios de futebol.
Infelizmente,
as bestas ululantes não chegaram a essa conclusão por acaso – há toda
uma cultura que permite os urros e os alimenta. Quando o assunto é futebol, as televisões aceitam que
os comentadores gritem de uma forma que jamais gritariam em qualquer outro tipo
de debate; os jornalistas aceitam que a honestidade intelectual é um botão que
se liga ou desliga, consoante se está a falar de bola (altura em que se pode
ser absolutamente cavernícola) ou de política nacional (altura em que convém
voltar a ser sofisticado); os deputados do tipo Ventura aceitam como
perfeitamente normal defender a cultura de corrupção desportiva na TV ao mesmo
tempo que atacam com fervor a cultura de corrupção política na AR.
Os
exemplos poderiam continuar. Esta gente olha para o futebol como um delírio
carnavalesco, um momento de suspensão de todas as regras de civilidade. Quando
o assunto é bola, é permitido ser desonesto, desbragado e desprezível – não é
para levar a mal. Marega, abençoado seja, levou muito a mal, e o momento
em que decidiu sair do jogo de Guimarães, resistindo durante vários minutos aos
puxões e aos pedidos para ficar da sua própria equipa, fez mais pela decência
do futebol do que mil tarjas espalhadas pelas bancadas e milhares de
criancinhas de mãos dadas a apelar ao fair-play.
O caso Marega só se tornou um caso
porque ele teve a coragem de reagir aos insultos constantes de que os jogadores
negros são alvo nos estádios de futebol. Marega fez a sua parte. Agora falta o
resto – falta limpar a lixeira do futebol.
Com excepção dos jogadores e de alguns treinadores, quase tudo o resto leva
décadas de esterqueira a céu aberto, começando nos presidentes dos clubes,
descendo para as claques, passando pelos gabinetes de comunicação e acabando
nos comentadores fanatizados. A luta de Frederico Varandas e da direcção
do Sporting contra o poder das claques tem sido escandalosamente solitária; a
justiça tem pactuado sistematicamente com o estado das coisas; e sempre que lhe
cheira a bola, os políticos metem o rabinho entre as pernas e fogem da
confusão. O meu desejo é que mil Maregas floresçam, a ver se os estádios
de futebol voltam a ser locais onde um tipo decente possa ter orgulho em levar
os filhos, em vez de serem esta vergonha que se vê.
Jornalista
COMENTÁRIOS
ricardo111: É
preciso é mais circo e mais palhaços no circo que não se quere gastar tanto no
pão (que o dinheiro é preciso para dar aos bancos).
Bartleby:
O futebol está sobrevalorizado e tem uma exposição
excessiva na sociedade portuguesa. (Interessaria perceber porque é que a
sociedade portuguesa investe tanto de si em e depende tanto de algo como o
futebol - mas essa poderá ser uma discussão para outra oportunidade.) Essa
sobrevalorização e sobre-exposição atrai parasitas que, vendo no futebol uma
oportunidade fácil, ganham capital social alimentando-se do hospedeiro:
comentadores, jornalistas, atletas, treinadores, agentes, empresários,
advogados, dirigentes, adeptos, etc. O futebol - em geral, e o futebol
português em particular - atrai indigentes sociais. É um mundo tóxico e muito
mal frequentado.
Margarida Paredes, defensora do Serviço Nacional de
Saúde: E o Oscar da
"besta ululante" vai para o comentador futebolístico e lider do
Chega, André Ventura.
Anjo Caído: Abençoado
Marega, que mostrou que não tem de se aturar tudo. Vamos chamar cobardolas a
todos os jogadores que são apupados, insultados, vaiados, sempre que tocam na
bola, sobretudo por adeptos da equipa adversária, em especial quando trocaram
essa equipa pela que agora se lhe opõe em campo? Será que Figo deveria ter tido
a coragem de sair quando em Camp Nou lhe chamavam filho da "$%",
peseteiro, e mais uns mimos? Será que todos os jogadores que são insultados
devem sair de campo? Ou é só se forem insultos racistas? Convém não esquecer
porque é que Marega foi insultado. Não foi por ser negro, mas pelo seu passado
no clube. É, como diz JMT, racismo selectivo. Racismo selectivo não é bem
racismo (não é, afinal, motivado pela raça), é boçalidade. Convém manter isto
presente.
Sum Legend: É
exactamente isso. Convém lembrar que havia outros jogadores negros no FCP, não
me apercebi de algum deles ter tido o mesmo tratamento.
Sum Legend: Mas
há algum evento desportivo onde haja rivalidade clubística, seja num estádio ou
pavilhão, onde não haja gritos, insultos, seja a jogadores, árbitros ou claques
adversárias, sejam pretos, brancos ou amarelos? De repente, lembraram-se todos
de saír do armário ofendidinhos com os insultos que se ouvem no futebol? Acha
que se vão ouvir menos insultos a partir de agora? O que me parece é que há
muita gente a escrever porque tem que ir na onda e escrever qualquer coisa para
ficarem bem nas redes sociais, ganhar mais leitores, aproveitarem-se da
situação. Eu gostaria era que se desse tanta notoriedade às agressões e
insultos a que são sujeitos utentes de determinados transportes em determinadas
zonas, profissionais de saúde, professores, etc. Isso é que era bom.
Dr. Severino: Sim,
há. Já estive em vários eventos de andebol e as pessoas gritam pela sua equipa,
tocam buzinas, ficam bombos mas nunca vi insultos nem actos agressivos.
jmtavares:
“Mas há algum
evento desportivo onde haja rivalidade clubística, seja num estádio ou
pavilhão, onde não haja gritos, insultos, seja a jogadores, árbitros ou claques
adversárias, sejam pretos, brancos ou amarelos?” No futebol não há certamente.
Foi isso que escrevi no meu texto. Ainda bem que concorda comigo.
Sum Legend: Longe
de querer desculpar qualquer atitude ou comportamento, acho incrível como os
“moralistas” se aproveitaram todos desta situação para falarem. Porque é que
não falaram antes? Porque é que a sociedade dos “notáveis” não se insurgiu
contra o estado deplorável em que se encontra o futebol em Portugal? Porque é
que todos criticam agora, mas se for preciso no próximo fim de semana lá
estarão no seu lugar a chamar de “fdp cabrão de merd@, ladrão!” ao árbitro ou
jogador adversário? Critique-se certas atitudes sim, mas com coerência.
Margarida Paredes, defensora do Serviço Nacional de
Saúde: Um acólito do
Chega. Refiro-me ao
Sum Legend.
jmtavares: Meu
caro, eu já me fartei de falar sobre o estado do futebol. Tenho uma colecção de
textos sobre o tema que já deve dar para fazer um livro.
Sum Legend: Dr
Severino, não sei a que eventos foi, mas eu já fui a vários, especialmente
quando a rivalidade é maior, e é uma vergonha. Já vi, inclusivé, num jogo de
hóquei em patins, um jogador do FCP ter ido para o hospital em coma depois de
ter sido agredido por elementos adeptos do benfica. Já vi adeptos incendiarem
um autocarro do FCP e, nas redes sociais, se dizer que “tinha sido pena o autocarro
estar vazio”. Já houve coisas muito mais graves e pouco se falou ou já ninguém
se lembra.
Sum Legend @jmt Agradeço as suas repostas e a sua interacção. Eu não
me estava necessariamente a referir a si, mas no geral. Nas redes sociais só se
vêem drones saídos da caixa bolorenta, que muito criticam porque... enfim,
porque acham que fica bem eles/elas falarem. O desporto, especialmente o
futebol, há muito tempo que está podre. Os que o incendeiam são os primeiros a
vir agora lamentar-se. Sou portista desde que me lembro, mas acho nojento todo
o ambiente que se vive no futebol, seja de que clube for. Virem agora os mais
incendiários quererem armar-se em virgens ofendidas é de uma ironia extrema.
Sum Legend @Margarida, o meu voto vai para quem eu quiser, seja
que partido for. Mais, lembre-se, para mal dos seus pecados o seu voto vale
tanto como o meu. Duma coisa pode ter a certeza: não vai para partidos de
feminazis e raparigos.
joaquim pocinho: Eu sou o Joaquim , defensor de um sistema de saúde que
trate bem os doentes, seja ele nacional, internacional, privado ou publicit
Dr. Severino: Caro
Sum, você é que disse que não havia evento nenhum e, tendo eu estado em vários,
é verdade que não estive em nenhum Porto Benfica, mas já estive num Portugal
Ucrânia.
Jf: Gosto
do futebol como desporto mas deixei de ser adepto( excepto da selecção) há
muitos anos. Hoje em dia este "futebol" apenas serve para alimentar
estas polémicas. Ninguém fala do jogo pelo jogo. Vão falar disto durante
semanas...é o reflexo da sociedade mal formada em que temos de viver, aqui ou
em qualquer lugar do mundo.
OldVic1: Esterqueira
é um belo resumo do futebol profissional cá pelo burgo, e mais uma vez tenho
que sublinhar que essa esterqueira só existe e continua a existir porque recebe
o apoio incondicional do seu público. Querem um futebol diferente? Deixem de ir
aos estádios e mudem de canal quando há futebol.
Sum Legend: “Cá do burgo”? Não me diga que acredita que
insultos no desporto são uma exclusividade do futebol e apenas em Portugal?
OldVic1: Não,
mas como vivo cá preocupo-me em primeiro lugar com Portugal. E se o único
problema do nosso futebol fossem os insultos, então a situação seria menos
grave.
Jf: Gosto
do futebol como desporto mas deixei de ser adepto( excepto da selecção) há
muitos anos. Hoje em dia este "futebol" apenas serve para alimentar
estas polémicas. Ninguém fala do jogo pelo jogo. Vão falar disto durante
semanas...é o reflexo da sociedade mal formada em que temos de viver, aqui ou
em qualquer lugar do mundo.
Mario Coimbra: Spot
on. As Televisões alimentam este esterco todos os dias. Seres inenarráveis que
não têm onde cair mortos.
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