quarta-feira, 12 de fevereiro de 2020

Apenas uma forma de extermínio



Em aura de virtude. Com o doente ou o velho, assinando a sua declaração de querer morrer em beleza, facilitando a vida aos que se apressarão a matá-lo, se virem que está a mais e sem que isso implique crime destes. O assinante é o responsável pela sua própria morte, não tendo sido, contudo, responsável pela sua vida, que há quem diga que é um dom de Deus. Eu chamo-lhe milagre da vida, mas não me importo que seja Deus o responsável primeiro. Mas a forma encarniçada com que os defensores da eutanásia, por cá, usam truques de pseudo erudição para levarem a sua despenalização avante, é muito curiosa. Ouvi o debate esta noite, na TV24 e mais uma vez comprovei a forma caprichosa e deselegantemente açambarcadora com que a filha de Adriano Moreira defende a despenalização da eutanásia, equiparando-a às demais conquistas libertadoras do 25 de Abril, como outras despenalizações e outros modelos sociais de vida que o 25 de Abril trouxe, provavelmente com o seu auxílio na defesa desses direitos democráticos, pois parece que é advogada. Mas são direitos de vida os tais, não direito a matar impunemente. Vê-se que Isabel Moreira está desesperada por despachar alguém da família ou dos seus amigos, espero que não seja visado o seu nobre pai.
O texto de Paulo Rangel apresenta argumentos contra a despenalização da eutanásia ou, pelo menos, a favor do referendo. Como escreveu em tempos João Miguel Tavares, o referendo uma vez susteve a hemorragia, mas, ao contrário da canção espanhola do “no pasarán”, desta vez “pasará”, a tal, segundo a opinião da Isabel Moreira que parece ter poderes fortes, como é caso típico das Isabéis, (por cá e mesmo lá de fora, de espaço outrora nosso), incluindo a do milagre das rosas da nossa tradição benemérita. Isabel Moreira inaugurará outra, a tradição mortífera, e não será queimada na fogueira, que isso é da Joana.
OPINIÃO
Eutanásia: em defesa do referendo
Choca o modo pressuroso e despachado com que alguns grupos parlamentares ou alguns parlamentares querem legislar sobre a matéria.
11 de Fevereiro de 2020
1. Nunca minimizando a delicadeza e a sensibilidade do tema, que não se presta a simplismos nem a maniqueísmos, sou convictamente contra a legalização da eutanásia. Nos anos mais recentes, escrevi, aliás, dois artigos em que dei conta dessa minha posição. Um primeiro, na Revista do Expresso, em Fevereiro de 2016, intitulado “In dubio, pro vita”. E um segundo, aqui neste espaço, em Maio de 2018, denominado “Eutanásia, um ‘não’ sereno”. Nesses dois textos, está o percurso argumentativo que fui fazendo, ao longo de muitos anos, e que me sedimentou a convicção sobre a substância do  tema.
2. Mais uma vez, a Assembleia da República pretende resolver uma questão desta densidade e desta complexidade, sem que tenha havido um amplo e profundo debate nacional. A aceitação da eutanásia – da eutanásia activa em sentido próprio – toca os fundamentos e os princípios da vida de qualquer sociedade. Diz respeito ao mais profundo dos mistérios humanos – a morte – e, por isso, mexe directamente com sentimentos, crenças, razões que povoam o mais íntimo de cada um de nós e da nossa esfera relacional. Não é aceitável, numa sociedade democrática, que uma decisão desta natureza e deste alcance, ainda que tomada por uma instância legítima, venha a sê-lo sem um alargadíssimo debate nacional, esclarecido e esclarecedor. A tomada de uma decisão desta envergadura, pela sua implicação antropológica, não pode ser reduzida a uma simples e mera tramitação parlamentar. Não se trata aqui de mais uma lei, entre centenas delas. Trata-se da decisão que legaliza ou pode legalizar a eutanásia.
3. Admito, por razões de ordem bem diversa e até de sinal contraditório, que haja alguma resistência que este tipo de matérias – aquelas que dizem respeito à vida humana, à sua subsistência e protecção, à sua configuração como direito – seja objecto de referendo. Para aqueles que perfilham a mundividência de que os direitos fundamentais não se referendam e não estão sequer à disposição do eleitorado ou do legislador, o referendo é inadmissível. Como para outros, e talvez nos antípodas destes últimos, a complexidade do assunto não se coaduna com as opções binárias, de simples “sim” ou “não”, que, no quadro de uma campanha, tendem a extremar-se e a radicalizar-se. Digo, de resto, que se me parecesse que a sociedade portuguesa fez o debate maduro e aprofundado e que estava razoavelmente elucidada, não me bateria por um referendo. Comecei mesmo, durante largo tempo, por ter hesitações e resistências a um referendo sobre esta questão. Mas, presentemente, em função do quase nulo debate existente na sociedade portuguesa e, mais ainda, de uma profunda confusão conceitual, afigura-se imperativo defender a organização de um referendo.
4. Os resultados deste défice de debate começam logo por se ver numa preocupante confusão conceitual. Uma parte relevante daqueles que dizem ser a favor da legalização da eutanásia quer, com essa declaração, dizer apenas que são contra o encarniçamento terapêutico e que defendem cuidados paliativos que, por efeitos secundários, podem antecipar o momento da morte. Ou seja, muitas pessoas que recusam a obsessão terapêutica, em que a vida é quase que artificialmente prolongada, julgam que só evitarão essa prática se a eutanásia for legalizada. Ora, é preciso um amplo esclarecimento: aquilo a que se chama eutanásia passiva e que consiste na recusa desse tratamento obstinado é totalmente legal, consubstanciando uma prática comum, em rigor, uma boa prática médica. O mesmo se pode dizer da administração de fármacos e de tratamentos que, aliviando a dor e dando melhores condições de vida ao doente terminal, acabam por acelerar o momento da morte. É aquilo que, por vezes, se chama a eutanásia indirecta e que também congraça uma prática médica normal e recomendável, a todos os títulos permitida pela lei. Basta estar ciente de que uma enorme parte dos cidadãos não está ciente nem consciente destas diferenças e distinções para logo perceber quão importante é promover um fundo e vasto debate nacional.
5. Choca ainda de sobremaneira o modo pressuroso e despachado com que alguns grupos parlamentares ou alguns parlamentares querem legislar sobre a matéria. E não se compreende de todo o horror ou a repulsa que lhes causa, nesta questão particular, a organização de um referendo. Com efeito, será aceitável, será admissível, que uma matéria desta natureza possa ser decidida num simples e normal agendamento, como se de um mero regulamento se curasse? A dignidade do tema não justificaria uma grande campanha nacional, uma discussão participada e informada, precedida por debates no espaços mediático e das redes sociais, mas também por “assembleias dos cidadãos” inspiradas no modelo irlandês (que antecederam os referendos sobre o aborto e o casamento de pessoas do meso sexo)? Não seria esta uma ocasião magna para convocar os cidadãos, fazê-los partícipes do processo de discussão e decisores num assunto que tudo tem de humano e de íntimo? O que pode levar tantos responsáveis políticos, genuinamente interessados no bem comum, a não consultar directamente os seus eleitores numa matéria que, mais do que qualquer outra, lhes diz respeito?
6. Termino com uma nota breve, mas extremamente preocupante. A Holanda e a Bélgica têm sido pioneiras em matéria de suicídio assistido e de eutanásia. O balanço não é propriamente recomendável. Na Holanda, propõe-se agora que, ao atingir 70 anos de idade, cada cidadão receba uma “pílula sem dia seguinte”, que originará a sua morte assim que se decida a ingeri-la. Nada disto está agora em causa em Portugal. Mas a simples ponderação deste passo, diz muito sobre o que está em jogo e os riscos inerentes.
Que o referendo se faça.
SIM Álvaro Barreto. Um político e um patriota na melhor tradição dos servidores públicos, que combinava a competência técnica com o sentido estratégico e o rasgo cultural.
NÃO Procuradora-Geral da República. Se a nova directiva sobre o modo e conteúdo do exercício do poder hierárquico no Ministério Público não tem nada de novo, ela serve afinal para quê?
COMENTÁRIO:
Maria Marques, 11.02.2020 : A política foi primeiro a arte de impedir as pessoas de se intrometerem naquilo que lhes diz respeito. Em época posterior, acrescentaram-lhe a arte de forçar as pessoas a decidir sobre o que não entendem.“ Paul Valéry
Em 2016 o Canadá legalizou a eutanásia e o suicídio medicamente assistido; foi calculado que esta medida iria reduzir os gastos do Estado com a assistência médica entre $34.7 milhões de dólares a $138.8 milhões".Slavoj Žižek explica muito bem como os avanços tecnológicos são apresentados às pessoas como benéficos mas que ocultam implicações e consequenciais nefastas. A ideologia reforça a liberdade individual mas oculto está o capitalismo de mercado. Exemplo - está a suceder - você tem uma doença cujo tratamento é muito oneroso e sua Cª de Seguro não tem a garantia que resulte a 100%, portanto pagam-lhe apenas a eutanásia. Não duvido que o articulista não saiba que a eutanásia (é uma medida de capitalismo de mercado) vai resolver a miragem que são os cuidados e paliativos no País.


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