Em aura de virtude. Com o doente ou o
velho, assinando a sua declaração de querer morrer em beleza, facilitando a
vida aos que se apressarão a matá-lo, se virem que está a mais e sem que isso
implique crime destes. O assinante é o responsável pela sua própria morte, não
tendo sido, contudo, responsável pela sua vida, que há quem diga que é um dom
de Deus. Eu chamo-lhe milagre da vida, mas não me importo que seja Deus o
responsável primeiro. Mas a forma encarniçada com que os defensores da
eutanásia, por cá, usam truques de pseudo erudição para levarem a sua despenalização
avante, é muito curiosa. Ouvi o debate esta noite, na TV24 e mais uma vez
comprovei a forma caprichosa e deselegantemente açambarcadora com que a filha
de Adriano Moreira defende a despenalização da eutanásia, equiparando-a às
demais conquistas libertadoras do 25 de Abril, como outras despenalizações e
outros modelos sociais de vida que o 25 de Abril trouxe, provavelmente com o
seu auxílio na defesa desses direitos democráticos, pois parece que é advogada.
Mas são direitos de vida os tais, não direito a matar impunemente. Vê-se que Isabel Moreira está desesperada por despachar alguém
da família ou dos seus amigos, espero que não seja visado o seu nobre pai.
O texto de Paulo Rangel apresenta argumentos contra a despenalização da
eutanásia ou, pelo menos, a favor do referendo. Como escreveu em tempos João Miguel Tavares, o
referendo uma vez susteve a hemorragia, mas, ao contrário da canção espanhola do
“no pasarán”, desta vez “pasará”, a tal, segundo a opinião da Isabel Moreira que parece ter poderes fortes, como é
caso típico das Isabéis, (por cá e mesmo lá de fora, de espaço outrora nosso), incluindo
a do milagre das rosas da nossa tradição benemérita. Isabel
Moreira inaugurará
outra, a tradição mortífera, e não será queimada na fogueira, que isso é da
Joana.
OPINIÃO
Eutanásia: em defesa do referendo
Choca o modo pressuroso e despachado
com que alguns grupos parlamentares ou alguns parlamentares querem legislar
sobre a matéria.
11 de Fevereiro de 2020
1.
Nunca minimizando a delicadeza e a sensibilidade do tema, que não se presta a
simplismos nem a maniqueísmos, sou convictamente contra a legalização da eutanásia.
Nos anos mais recentes, escrevi, aliás, dois artigos em que dei conta dessa
minha posição. Um primeiro, na Revista do Expresso, em Fevereiro de 2016,
intitulado “In dubio, pro vita”. E um segundo, aqui neste espaço, em
Maio de 2018, denominado “Eutanásia, um ‘não’ sereno”. Nesses
dois textos, está o percurso argumentativo que fui fazendo, ao longo de muitos
anos, e que me sedimentou a convicção sobre a substância do tema.
2.
Mais uma vez, a Assembleia da República pretende resolver uma questão desta
densidade e desta complexidade, sem que tenha havido um amplo e profundo
debate nacional. A aceitação da eutanásia – da eutanásia activa em sentido
próprio – toca os fundamentos e os princípios da vida de qualquer sociedade.
Diz respeito ao mais profundo dos mistérios humanos – a morte – e, por isso,
mexe directamente com sentimentos, crenças, razões que povoam o mais íntimo de
cada um de nós e da nossa esfera relacional. Não é aceitável, numa sociedade
democrática, que uma decisão desta natureza e deste alcance, ainda que tomada
por uma instância legítima, venha a sê-lo sem um alargadíssimo debate nacional,
esclarecido e esclarecedor. A tomada de uma decisão desta envergadura, pela sua
implicação antropológica, não pode ser reduzida a uma simples e mera tramitação
parlamentar. Não se trata aqui de mais uma lei, entre centenas delas. Trata-se
da decisão que legaliza ou pode legalizar a eutanásia.
3.
Admito, por razões de ordem bem diversa e até de sinal contraditório, que haja
alguma resistência que este tipo de matérias – aquelas que dizem respeito à
vida humana, à sua subsistência e protecção, à sua configuração como
direito – seja objecto de referendo. Para aqueles que perfilham a
mundividência de que os direitos fundamentais não se referendam e não estão
sequer à disposição do eleitorado ou do legislador, o referendo é inadmissível.
Como para outros, e talvez nos antípodas destes últimos, a complexidade do
assunto não se coaduna com as opções binárias, de simples “sim” ou “não”, que,
no quadro de uma campanha, tendem a extremar-se e a radicalizar-se. Digo,
de resto, que se me parecesse que a sociedade portuguesa fez o debate maduro e
aprofundado e que estava razoavelmente elucidada, não me bateria por um
referendo. Comecei mesmo, durante largo tempo, por ter hesitações e
resistências a um referendo sobre esta questão. Mas, presentemente, em função
do quase nulo debate existente na sociedade portuguesa e, mais ainda, de uma
profunda confusão conceitual, afigura-se imperativo defender a organização
de um referendo.
4.
Os resultados deste défice de debate começam logo por se ver numa preocupante
confusão conceitual. Uma parte relevante daqueles que dizem ser a favor da
legalização da eutanásia quer, com essa declaração, dizer apenas que são contra
o encarniçamento terapêutico e que defendem cuidados paliativos que, por
efeitos secundários, podem antecipar o momento da morte. Ou seja, muitas
pessoas que recusam a obsessão terapêutica, em que a vida é quase que
artificialmente prolongada, julgam que só evitarão essa prática se a eutanásia
for legalizada. Ora, é preciso um amplo esclarecimento: aquilo a que se
chama eutanásia passiva e que consiste na recusa desse tratamento obstinado é
totalmente legal, consubstanciando uma prática comum, em rigor, uma boa prática
médica. O mesmo se pode dizer da administração de fármacos e de tratamentos
que, aliviando a dor e dando melhores condições de vida ao doente terminal,
acabam por acelerar o momento da morte. É aquilo que, por vezes, se chama a
eutanásia indirecta e que também congraça uma prática médica normal e
recomendável, a todos os títulos permitida pela lei. Basta estar ciente de que
uma enorme parte dos cidadãos não está ciente nem consciente destas diferenças
e distinções para logo perceber quão importante é promover um fundo e vasto
debate nacional.
5. Choca
ainda de sobremaneira o modo pressuroso e despachado com que alguns grupos
parlamentares ou alguns parlamentares querem legislar sobre a matéria. E não se
compreende de todo o horror ou a repulsa que lhes causa, nesta questão
particular, a organização de um referendo. Com efeito, será aceitável, será
admissível, que uma matéria desta natureza possa ser decidida num simples e
normal agendamento, como se de um mero regulamento se curasse? A dignidade
do tema não justificaria uma grande campanha nacional, uma discussão
participada e informada, precedida por debates no espaços mediático e das redes
sociais, mas também por “assembleias dos cidadãos” inspiradas no modelo
irlandês (que antecederam os referendos sobre o aborto e o casamento de pessoas
do meso sexo)? Não seria esta uma ocasião magna para convocar os cidadãos,
fazê-los partícipes do processo de discussão e decisores num assunto que tudo
tem de humano e de íntimo? O que pode levar tantos responsáveis
políticos, genuinamente interessados no bem comum, a não consultar directamente
os seus eleitores numa matéria que, mais do que qualquer outra, lhes diz
respeito?
6.
Termino com uma nota breve, mas extremamente preocupante. A Holanda
e a Bélgica têm sido pioneiras em matéria de suicídio assistido e de eutanásia.
O balanço não é propriamente recomendável. Na Holanda, propõe-se agora que, ao
atingir 70 anos de idade, cada cidadão receba uma “pílula sem dia seguinte”,
que originará a sua morte assim que se decida a ingeri-la. Nada disto está
agora em causa em Portugal. Mas a simples ponderação deste passo, diz muito
sobre o que está em jogo e os riscos inerentes.
Que
o referendo se faça.
SIM Álvaro
Barreto. Um político e um patriota na melhor tradição dos servidores
públicos, que combinava a competência técnica com o sentido estratégico e o
rasgo cultural.
NÃO Procuradora-Geral
da República. Se a nova directiva sobre o modo e conteúdo do
exercício do poder hierárquico no Ministério Público não tem nada de novo, ela
serve afinal para quê?
COMENTÁRIO:
Maria Marques, 11.02.2020 : „A política foi primeiro a arte de impedir as pessoas
de se intrometerem naquilo que lhes diz respeito. Em época posterior,
acrescentaram-lhe a arte de forçar as pessoas a decidir sobre o que não
entendem.“ Paul Valéry
Em 2016 o Canadá legalizou a eutanásia e
o suicídio medicamente assistido; foi calculado que esta medida iria reduzir os
gastos do Estado com a assistência médica entre $34.7 milhões de dólares a
$138.8 milhões".Slavoj Žižek explica muito bem como os avanços
tecnológicos são apresentados às pessoas como benéficos mas que ocultam
implicações e consequenciais nefastas. A ideologia reforça a liberdade
individual mas oculto está o capitalismo de mercado. Exemplo - está a suceder -
você tem uma doença cujo tratamento é muito oneroso e sua Cª de Seguro não tem
a garantia que resulte a 100%, portanto pagam-lhe apenas a eutanásia. Não
duvido que o articulista não saiba que a eutanásia (é uma medida de capitalismo
de mercado) vai resolver a miragem que são os cuidados e paliativos no País.
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