domingo, 9 de janeiro de 2022

Boa defesa

 

Julgo que os argumentos de José Rodrigues dos Santos a respeito da deturpação grosseira feita por alguém à sua ideologia supostamente nazi, equiparando judeus a porcos, são perfeitamente claros e justos, e o seu texto lê-se com agrado, tal como o único livro que dele li, já há uns anos – “Códex 632”- que me pareceu bem escrito, numa intriga de cariz detectivesco, embora denso na pesquisa e exposição de dados sobre a nacionalidade do descobridor da América, apesar de não ter chegado, todavia, a esclarecer tal dúvida. Mas penso que JRS fez bem em se defender, acompanhado pela maioria dos comentadores - alguns outros, na realidade, avessos à “certidom da verdade”, preferindo optar pela suposição de maquiavélicas manobras publicitárias do seu autor, que me parecem antes expressão de maldade ou pretensiosismo cioso, desses tais.

Matadouros, Auschwitz e Literatura

Sou nazi porque disse que o dia chegará em que as gerações futuras verão o que fazemos aos animais da mesma maneira que nós hoje vemos o que nazis e comunistas fizeram nos seus campos de concentração?

JOSÉ RODRIGUES DOS SANTOS, Jornalista e romancista

OBSERVADOR, 08 jan 2022

O meu romance O Jardim dos Animais com Alma anda a agitar as águas da pecuária. Ainda bem. Os produtores e respectivas associações já me dirigiram vários ataques em textos que têm o condão de alimentar o debate sobre este assunto. Excelente. As ideias e os problemas existem para serem discutidos. Já a minha resposta aos argumentos dos produtores está no meu romance – e remeto-os para a respetiva leitura.

Acontece que o presidente da Federação dos Suinicultores, David Neves, publicou um texto no Observador que vai muito para além de um debate normal sobre a cognição animal, a pecuária e as alterações climáticas. Usando uma declaração minha a propósito dos meus romances O Mágico de Auschwitz e O Manuscrito de Birkenau, David Neves resolveu dizer que a minha “grande referência moral” é Hitler e que eu estou “equiparando judeus a porcos”. Chegou ao ponto de afirmar que para mim “é um acto de humanismo gasear seres humanos” e que eu tenho “um discurso antissemita travestido de estratégia comercial”.

Estas declarações são graves, difamatórias e lamentáveis, e deveriam envergonhar quem as produz. A vida ensinou-me que só precisa de recorrer à ofensa quem não tem outros argumentos. Não alimento a menor ilusão de que David Neves queira verdadeiramente ser esclarecido sobre o que eu realmente disse e escrevi sobre o Holocausto, pois sei bem que os seus insultos não passam de mero expediente, discurso de ódio lançado por quem sente que lhe estão a tocar no negócio e para quem vale tudo, incluindo a calúnia. Este texto não é pois destinado a David Neves, mas aos leitores do Observador.

Comecemos pela tentativa de me associar a uma suposta desculpabilização do Holocausto. Em causa está o extrato descontextualizado de uma entrevista que dei no ano passado a propósito dos meus romances O Mágico de Auschwitz e O Manuscrito de Birkenau. Durante uma explicação sobre a forma gradual como os nacional-socialistas tomaram a decisão de exterminar os judeus, culminei dizendo: “A certa altura há alguém que diz: ‘Eh pá, estão nos ghettos, estão a morrer à fome, não podemos alimentá-los. Se é para morrer, mais vale morrer de uma forma mais humana. E porque não com gás?’.”

Num acto que me abstenho de qualificar, o jornalista Carlos Vaz Marques resolveu isolar esta frase e metê-la na Internet, proclamando aos quatro ventos que eu estava a defender que o gaseamento dos judeus foi um ato humanitário. Como se pode dizer um disparate destes é coisa que me deixa embasbacado, pois não se compreende que se confunda uma citação com uma opinião. Eu estava a citar.

Se eu noticiar que quem se opõe à vacinação diz que “a vacinação é perigosa”, isso significa que eu acho que a vacinação é perigosa? Quando um jornalista ou um investigador faz citações não é porque concorda ou discorda, mas porque essas citações expõem o ponto de vista de alguém. Alguém que não eu. Citar não é validar. Faz-me confusão que uma coisa tão elementar não seja compreendida.

Mas então quem estava eu a citar? Leia-se este documento enviado de Poznan a Adolf Eichmann a 16 de julho de 1941 pelo oficial SS Rolf Hoppner: “Existe este inverno o perigo de não se conseguir alimentar todos os judeus. Dever-se-ia considerar seriamente se não seria uma solução mais humana eliminar os judeus, designadamente os que não conseguem trabalhar, através de um agente de morte rápida. Seria melhor do que deixá-los morrer à fome.”

Este documento é de tal modo relevante que é citado por Hannah Arendt em Eichmann in Jerusalem e por um grande número de historiadores especializados no estudo do Holocausto. Fazendo um rápido apanhado, constata-se que entre os historiadores que valorizaram o documento Hoppner estão Raul Hilberg em Documents of Destruction, Paul Bartrop e Michael Dickerman em The Holocaust – An Encyclopedia and Document Collection, Donald McKale em Hitler’s Shadow War – The Holocaust and World War II, Nicholson Baker em Human Smoke – The Beginnings of World War II, The End of Civilization, Michael Robert Marrus em The Nazi Holocaust – The Final Solution, Hans Mommsen em “Die Realisierung des Utopischen: Die ‘Endlosung der Judenfrage’ im ‘Dritten Reich’”, entre muitos outros, e sobretudo Christopher Browning, o maior especialista mundial sobre as etapas que conduziram ao Holocausto, em The Origins of the Final Solution – The Evolution of Nazi Jewish Policy, 1939-1942 e em The Path to Genocide – Essays on Launching the Final Solution. Browning observou que desde Mommsen que o documento Hoppner era encarado como uma maneira de naquele momento se “racionalizar o assassínio em massa como uma alternativa mais ‘humana’”[1] à morte pela fome nos ghettos.

Está claro agora?

É importante sublinhar que o rabino Shlomo Pereira, professor universitário nos Estados Unidos e especialista no Holocausto, autorizou-me a citá-lo a dizer que estava “pasmado” com a polémica e que tinha “a convicção imediata de que quem comenta não leu os livros”. Ele fez uma apreciação sobre as obras em causa que, de tão esclarecedora, vale a pena ver neste link.

A distorção caluniosa das minhas palavras desencadeou as habituais correntes de ódio, de que o texto de David Neves é apenas o último exemplo. Levados ao engano por esta campanha de difamação, alguns espectadores apresentaram queixa contra mim à ERC. Esta abriu um inquérito para apurar os factos, mas curiosamente as suas conclusões não foram na altura noticiadas por ninguém. Vamos então ver o que descobriu a ERC:

“Cumpre dizer, em primeiro lugar, que as declarações de José Rodrigues dos Santos na entrevista sinalizadas nas participações dirigidas à ERC não podem, sob pena de as mesmas se encontrarem truncadas, ser observadas sem o devido contexto, discurso e raciocínio explanados ao longo de toda a entrevista pelo entrevistado. E, nessa medida, a análise permitiu verificar que o entrevistado não minimiza nem aligeira os crimes cometidos contra os judeus nos campos de concentração, patente em declarações como: a) ‘Porque quando nós vamos ler os documentos e os testemunhos originais em textos muito especializados, percebemos que a realidade era pior do que aquilo que eu estava habituado a ver nas descrições da televisão ou noutros romances. De tal maneira foi assim que, a certa altura, quando eu estava a fazer a pesquisa, há um momento em que eu desisti de escrever o livro (…)’; b) ‘(…) as pessoas que sobreviveram são, de facto uma ínfima minoria. Portanto, quando lemos essas histórias, dá a impressão que, pronto, quase toda a gente sobreviveu e tal, e, na verdade, quase toda a gente morreu. E falta na literatura uma obra que mostre a voz dessas pessoas. E, portanto, foi isso que eu fui recuperar.’; c) ‘Mas a maior parte dos judeus que foram para Auschwitz, eles não foram para um campo, não tinham uma escola, eles foram para ser mortos. E a voz desses judeus não é contada’.”

Em conclusão, depois de estabelecer que eu não minimizei nem aligeirei o Holocausto, bem pelo contrário, e depois de admitir “truncagem” das minhas declarações, a ERC deliberou “não dar provimento” às queixas.

O que nos remete para a verdadeira fonte destas campanhas de ódio: os meus romances. Ao contrário do que alguns académicos pensam, a literatura não serve para fazer exercícios de estilo e de linguagem ou simplesmente para entreter, embora estas funções sejam legítimas e se enquadrem na actividade literária. O que torna a literatura uma arte nobre é a sua capacidade de questionar, de problematizar, de chocar, de suscitar debate, de pôr em causa ideias feitas.

Escrever um romance alinhado com a ideologia do momento, dizendo sempre o que o establishment espera que se diga e nada escrever que ponha em causa o status quo, é a coisa mais fácil. Não traz problemas aos escritores e atrai até a ajuda “benemérita” e “desinteressada” do poder instituído. Chovem convites, viagens e ações de “mecenato”. Não há nada como navegar na onda do momento.

Mas, lamento, não é isso o que se espera de um escritor. As grandes obras literárias não são as alinhadas com o poder político, económico ou ideológico prevalecente em determinado momento, mas aquelas que, em contracorrente com a ideologia dominante, suscitam questões, incomodam e põem em causa os preconceitos do seu tempo.

Eça de Queiroz problematizou a questão do celibato do clero em O Crime do Padre Amaro numa altura em quem isso não se podia fazer, as irmãs Brontë, Flaubert e D. H. Lawrence fizeram o mesmo sobre o papel da mulher na sociedade, George Orwell revelou em 1984 a realidade tirânica de um regime comunista numa altura em que o comunismo era santificado pelos intelectuais ocidentais. Todos estes escritores foram vilipendiados pelo que escreveram, mas, com a sua coragem em enfrentar o status quo, todos eles prestaram um enorme serviço à humanidade.

A descrição do que se passa nos matadouros insere-se nesta linha. O primeiro romance a tocar neste tema foi The Jungle, de Sinclair Lewis. Conta-se que o presidente dos Estados Unidos estava a comer uma costeleta de porco quando leu uma passagem do romance sobre o que acontecia nos matadouros e, chocado, atirou a costeleta pela janela da Casa Branca. O certo é que essa obra de 1906 questionou o status quo e obrigou-o a alterar determinadas práticas nos matadouros americanos.

Não tenho a menor pretensão de chegar aos calcanhares destes gigantes da literatura universal. Mas sei bem qual o papel mais nobre da literatura e qual a minha bússola moral para na atividade literária me orientar. A minha obra não existe simplesmente para entreter nem para fazer exercícios estilísticos; para isso encontram-se em qualquer livraria muitos outros livros. Escrevo sobretudo para questionar, para colocar mitos em causa e para fazer pensar. Precisamos de problematizar as verdades feitas, quebrando dogmas e violando tabus – e é para isso que a literatura existe.

Fazê-lo, porém, implica mexer em interesses instalados. Se os dogmas e os tabus existem é porque convém a alguém que existam. O Último Segredo foi vilipendiado pela Igreja por ter revelado as descobertas dos historiadores sobre Jesus, Vaticanum provocou irritação por abordar a corrupção no Vaticano, O Anjo Branco por questionar o colonialismo, Fúria Divina por mostrar a faceta violenta do islão, A Vida Num Sopro por pôr em causa o Estado Novo, As Flores de Lótus por expor as origens marxistas do fascismo. Tudo temas verdadeiros, tudo tabus que o status quo, ou parte dele, não quer ver expostos nem questionados. Pois foi justamente por isso que os expus e questionei.

O preço a pagar são os insultos do costume. Mas todas estas campanhas de ódio e difamação apenas devem é envergonhar os seus autores. Sou nazi porque disse que o dia chegará em que as gerações futuras verão o que fazemos aos animais da mesma maneira que nós hoje vemos o que os nazis e os comunistas fizeram nos seus campos de concentração?

Então leia-se a epígrafe final de O Jardim dos Animais com Alma, uma citação de Isaac Bashevis Singer. “No seu comportamento para com as criaturas, todos os homens são nazis”, escreveu ele. “A presunção de que o homem pode lidar com as outras espécies como bem lhe apetecer exemplifica as teorias racistas mais extremas, o princípio de que a força tem sempre razão”. Isaac Bashevis Singer era Prémio Nobel da Literatura. E, permitam-me lembrar, judeu.

Já agora, os vegetarianos não me passaram nenhuma procuração para os defender, mas o que dizer da sugestão de David Neves de que Hitler é a “grande referência moral” de quem desaconselha o consumo de carne porque Hitler era vegetariano? Então agora também os vegetarianos são nazis?

Não há dúvida, o disparate anda à solta.

© José Rodrigues dos Santos, 2022

[1] Christopher Browning, “Nazi Ghettoization Policy in Poland: 1939-41”, Central European History, Volume 19, Número 4, Cambridge University Press, dezembro de 1986, p.344.

POLÉMICA   POLÍTICA   ANIMAIS   NATUREZA   AMBIENTE   CIÊNCIA   LIVROS   LITERATURA   CULTURA

COMENTÁRIOS

Alexandra Moreira: A minha solidariedade e apoio a JRS, pela coragem de denunciar as duras realidades, a crueldade e os graves impactos globais que a indústria pecuária intensiva quer manter bem longe dos olhares públicos. É natural que o andem a perseguir, é o que costumam fazer a quem se “atreve” a desmascarar os meandros ocultos do negócio da pecuária massiva. Muito obrigada pelo seu importante contributo, JRS!       José Carvalho: Acusar JRS de simpatias com o nazismo é indesculpável. Mas o animalismo é um dos vários temas estúpidos que estão na moda. "A vida alimenta-se de vida", para sobreviver é preciso matar, é cruel mas é mesmo assim. Mesmo que uma alface não sofra ao ser comida (do que não estou certo) há muitos animais que não podem ser vegetarianos, outros melhoram muito sendo carnívoros. Nesta circunstância, o que importa é minimizar o sofrimento dos que têm que ser abatidos. Com a actual geração é a primeira vez que uma espécie se preocupa com minimizar o sofrimento dos que tem de matar. O que se faz ainda é pouco, e é preciso melhorar o bem-estar animal? Sem dúvida! Mas não é possível que as gerações futuras nos rotulem de nazis por matar animais, porque se os fundamentalistas forem seguidos simplesmente não haverá gerações futuras.          Thunder Jack: O que o JRS propõe por "razões éticas" é simplesmente uma alteração de hábitos alimentares: não devemos comer seres vivos do reino animal, devendo substituí-los na nossa alimentação por seres vivos dos outros reinos, onde avulta desde logo o das plantas, que desgraçadamente nem conseguem fugir quando são atacadas. Essas razões éticas ignoram que todas as formas de vida são justamente isso: formas de vida, que no caso do planeta Terra têm quase seguramente todas elas um antepassado comum, o que significa que, sem esticar muito a ética, o Homem pratica o canibalismo porque come os seus parentes mais distantes!... Mas mesmo que as formas de vida na Terra não tenham um antepassado comum, partilham a característica mais essencial de qualquer forma de vida no Universo: a vontade de sobreviver, a qual é obviamente incompatível com a vontade de acabar no prato e no garfo do JRS. A ideia de que eticamente é "mais certo" comer plantas do que comer animais baseia-se num sistema de valores antropocêntrico, que eu julgava ultrapassado desde que a Ciência tirou a Terra do centro do Universo e o Homem como a medida de todas as coisas. Não tenho a mínima dúvida de que um sistema de valores que promove à classe da Nobreza os Animais e mantem os outros seres vivos na classe do Povo tem, à semelhança da Monarquia, os dias contados. Em síntese, o livro do JRS para romance de cordel está muito bem. Procurar nele uma lição moral é tão absurdo como fazer esse esforço com o Mein Kampf.           Amando Marques: "Matadouros, Auschwitz e Literatura" -  é só acrescentar antirracismo temos um best-seller da extrema esquerda.          Luis Nabais: Nao JRS. Graves e difamatórias são as acusações que fazes relativamente ao tema. É que das duas uma: Ou nada sabes do tema e como tal devias era estar calado. Foram propositadas com o intuito, conseguido, de ganhar propaganda. Qualquer uma indigna, e grave para quem exerce a profissão de jornalista.           Salazar Presente: É natural, perante o estado de consciencialização humana extremamente baixo do momento presente, que este romance levante os mais disparatados comentários críticos (o que é sempre bom), destrutivos (já é péssimo), e pessoais... A diabolização dos nossos irmãos animais (parece que grande parte da humanidade se esqueceu que são animais,  constatação facilmente comprovada pelos seus comportamentos de rebanho)...É das mais antigas tradições culturais humanas (exceptuando algumas tribos com uma visão holística da vida). Destruímos no nosso imparável" desenvolvimento" incontáveis espécies de flora e fauna e seus ecossistemas, envenenando no processo, rios, oceanos, atmosfera e terra numa ignorância soberba de elefantes á solta num armazém de porcelana. E apelidamos este processo de "civilizacional", "progresso" e "desenvolvimento". Paralelamente à exterminação de uma exuberante e diversificada plêiade de culturas humanas, perdidas para sempre neste afã uniformizador canibal, tão próprio da moderna civilização planetária ocidental. Triste conquista! Esta que assenta em cima da avidez, ganância, brutalidade e exploração mais abjecta, sem integridade ou ética de espécie alguma. Merecemos bem tudo o que a universal e justa lei universal do retorno enviar para nos corrigir e afastar desta tenebrosa senda. O mundo e tudo o que nele existe, subsiste bem sem a humanidade, esta não é nada sem o mundo...             José Rafael Branco: Texto brilhante!          Francisco Crato Nunes: Lá está ele a promover-se (e aos seus "romances"). Qualquer pretexto serve, até os animaizinhos... Vaidade sem limites...        Tiago Maymone: Posso até concordar com algumas coisa que o autor diz, mas contestar por contestar não é, em si, uma virtude. Não define a nobreza ou sequer a função dum escritor. Segundo, que “establishment” é que o autor está a pôr em causa com uma obra deste tipo (assim como algumas das anteriores que ele próprio refere)? Diz ele não andar alinhado? Se atacar a Igreja ou defender que não se consuma carne não é andar alinhado com a cultura do momento, então não sei o que seja.          FME: Já li uns quantos livros de José Rodrigues dos Santos, e gosto. Um estilo muito inspirado em Dan Brown, mas bom. Como é português é sempre uma escolha a considerar para a cota de escritores de língua oficial portuguesa na minha biblioteca. Por falar em escritores de língua oficial portuguesa, acabei recentemente um excelente (melhor para quem tem vivências de Moçambique, mas não só) romance de Paulina Chiziane - Balada de Amor ao Vento - que se for parar aos olhos de Carlos Vaz Marques, certamente irá acusar Paulina Chiziane de defender a poligamia. Fica a dica para um próximo romance; a poligamia, que muita gente culta defende como uma forma de proteger a mulher e de não a deixar ao-deus-dará; não numa sociedade Parisiense como é óbvio.  Portugal é uma fábula às avessas, já que para alguém ler um livro é um caso sério. Com as “Netflix’s” a coisa piorou e piorou muito, porque não foi apenas a parca leitura que foi à vida, foi também a vontade de fazer alguma coisa pelo trabalho. Ler foi sempre uma coisa complicada e muito cansativa. Tarda o dia em que possamos injectar um livro via Bluetooth pela mioleira adentro enquanto assistimos a um debate para as legislativas ou a mais um episódio da série preferida. Encontrar frases chocantes num livro e denunciá-las publicamente fora do contexto é como esgravatar um bolo rei sem o provar para encontrar o brinde; sinal de grande inteligência nos dias de hoje. Para muito boa gente, ler um livro é ler a resenha crítica de alguém com que nos identificamos ou que possa partilhar a mesma opinião. Como JRS deve ter muitos amigos de estimação e outros tantos com dor de cotovelo, deve também ter resenhas críticas feitas por medida. Como diz o outro, os cães ladram e a caravana passa. Não obstante, não consigo entender tanta celeuma à volta dos livros de JRS. Será que animais falam mesmo?         João Floriano > FME: Bom dia FME: A celeuma tem a ver com uma certa inveja da intelectualidade doméstica. A literatura correcta tem de ser de molde a que o leitor não perceba nada do que está  a ler. Tenho aí um livro de uma consagrada escritora portuguesa cuja leitura eu já iniciei várias vezes e não continuo porque não entendo nadica do que estou a ler. Com o cinema português é a mesma coisa. Se aparecer um filme sucesso de bilheteira é imediatamente considerado uma obra menor, porque  a nossa tradição de cultura de esquerda leva  a diabolizar o lucro. Um filme só é bom quando é subsidiado pelo erário público e depois aplaudido por uma pequena plateia de elite. Ao fim de uma semana de sala às moscas a obra-prima desaparece. Por isso JRS não é bem visto por certos sectores. Eu gosto do escritor. Sobretudo os primeiros livros: A Filha do capitão, A vida num Sopro, o Anjo Branco, a Fúria Divina. Não tenho este dos animais. Também pedi para não me darem mais livros mas agora vou mesmo dar  a indicação para os meus anos em Abril.             Maria Soares: É natural que se congratule pelo facto de o seu último romance estar a agitar as águas… Sempre poderão ser mais uns livros comprados por incautos leitores movidos por curiosidade mórbida e pouco seletiva nas escolhas. O que é facto é que um estado de espírito alterado, ou mesmo a sua vaidade, o levou a comparar o Holocausto aos matadouros. A leviandade (no mínimo), a ignorância, o relativismo moral contidos nessa comparação, constituirão uma nódoa no seu intelecto e na sua dimensão ética, que o irão marcar para sempre               Antiwoke Tuga: Esquerdistas a cancelar esquerdistas. Acho isso irónico. Já só há dois campos: nazis de esquerda e nazis de direita. Vivemos numa espécie de ditadura das redes sociais em que a guilhotina do cancelamento paira em cima da cabeça dos que recusam aderir às duas facções extremistas. Vivemos uma idade das trevas em que se promove a mediocridade, a cor da pele e a orienta ao sexual ao invés do mérito. Não contem comigo para entrar neste circo.            Cisca Impllit: Pode -se não simpatizar com JRS por mil e um pretextos, mas neste caso encontro-lhe razão. Não banaliza nem diminui no comparativo que faz, mas expõe a ferocidade desalmada dos humanos - contra si próprios e contra os demais animais das outras espécies.  Infelizmente, o achincalhamento tornou-se um desporto com muitos praticantes.            bento guerra: Ainda Auschwitz? Promoção de autor.        Battering EU: Em breve um desses apaixonados por recriar um Auschwitz contemporâneo, ligará ao jornalista, e perguntará:  "Porque escreveu aquilo? Não haverá a possibilidade de aceitar incentivo financeiro (€)?"            César Fernando Diniz das Neves: Olhe que os aliados fizeram bem pior na mesma altura. Depois da guerra acabada: os EU, deliberada e intensionalmente, deixaram dois milhões de soldados alemães em cativeiro, a grande maioria crianças, morrer á fome. Os alemães, pelo menos, invocaram a desculpa de não terem comida para alimentar os judeus, para os gazear: os EU e a Inglaterra não: isso era ter consciência a mais: deixaram a comida apodrecer nos armazéns de propósito, e não a distribuíam, para o sofrimento ser superlativo. Assim,  enquanto rezavam um Salmo, e a propaganda guinchava que eles eram os melhores dos melhores, e que tinham salvo a Europa, iam matando aquelas crianças deliberadamente à fome em profundo sofrimento. E claro: a dialéctica e a propaganda tinham papel igual ao de agora para branquear as atrocidades. Agora, a propaganda chama às invasões que chacinam crianças às centenas de milhar, "implantações de democracia". Por sua vez: as crianças chacinadas são "danos colaterais". Os bombardeamentos que chacinam as crianças são "cirúrgicos". O fomento de guerras civis que chacinam e deslocam milhões de pessoas, são "primaveras". Pois na altura a treta já era a mesma. Os soldados alemães massacrados eram: " combatentes inimigos desarmados". E as crianças que morriam á fome: "other casualties". Convinha falar disto: mas claro, o pessoal que provavelmente o tem bem abocanhado pelo cachaço não o permite. E já agora: para nada ficar para o gato digo: você escreve mal como o caraças: e provavelmente não vende livro nenhum: mas não há problema os seus prováveis donos encarregam-se de o fazer. Nota: As barbaridades dos EU na Alemanha ocupada após a II Guerra Mundial, estão bem descritas no livro. After the Reich: The Brutal History of the Allied Occupation de Giles MacDonogh: está á venda na Amazon: no livro, poderão ver que nas suas ocupações, os nazis foram mais humanos que os EU.       Julio Carreira > César Fernando Diniz das Neves: Vá mentir para o diabo          Miguel Rodrigues Franco > César Fernando Diniz das Neves: Caro César Neves, também li esse livro q mencionou, e outros sobre o tema. São testemunhos reais da triste e cruel realidade, escondida e disfarçada pela vitória do "bem sobre o mal"... Mas, o q chega ao comum cidadão, é uma informação distorcida e completamente manipulada, já na época, e mais fácil ainda com o passar do tempo, o esquecimento generalizado e o desaparecimento gradual dos poucos sobreviventes. No final, prevalece sempre mais do mesmo: quem vence, dita a Lei e escreve a História... Distorcida e manipulada, conforme a conveniência instituída. A propaganda existiu dos dois lados, cada um tinha seus motivos e fortes razões, mas no rescaldo, aumentam-se uns factos para eliminar outros, ou trocar de lado os q sejam mais inconvenientes... Massacre de Katyn, Holomodor, bombardeamento de Dresden, entre muitos outros, são também factos q representam a morte de milhões de pessoas, sem quaisquer justificações militares ou necessidade, mas q não convém lembrar, nem sequer q se saibam, ou, se alguém falar nisso, foram os outros q fizeram, os "maus da fita"...          César Fernando Diniz das Neves > Julio Carreira: A sua raiva é sinal que sabe que o que digo é verdade. Mas para ninguém ficar com dúvidas, tente por favor apontar uma única coisa que eu tenha dito que não seja verdade. Veja  lá se é capaz.          Carlos Matos: Vivemos tempos de loucura, ignorância e intolerância.        José Dias: Perdoa-lhes Rodrigues dos Santos que eles não sabem o que dizem ... são daqueles que dos livros lêem as críticas e uma resenha ao estilo "reader's digest". Reflectir sobre o que lêem implicaria primeiro que efectivamente lessem! PS: será escusado referir que há por aí muita gente que nunca percebeu, ou irá perceber, a diferença entre ficção e não ficção ... o que lhes justifica a existência é meramente indignarem-se.        FME > José Dias: Muito bem.        Ana Palhais: Tens vindo a apanhar nas orelhas e, neste caso, lamento, mas são bem dadas e tens que apanhar mais. Não posso deixar de confessar que sempre tive a maior simpatia e respeito pelo trabalho e presença do jornalista, mas esta coisa de enriquecer a vender livros, trouxe exigências com impacto e consequências muito substanciais, e esta parvoíce última do fundamentalismo animalista foi um rombo fatal. Embora o veja como perda até pessoal, o que espero e desejo, é que o jornalismo deixe de contar com a presença do escritor de massas.

 

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