Sempre em bonança por cá
Sempre os ventos de França sopraram um
poucochinho em Portugal, pelo menos no que toca às Letras, e bem fez JNP recordando-o - para prazer nosso - juntamente com os ventos
políticos, pese embora a larga distanciação. Não, a nossa política por aqui se
mantém, prestável para quem se esforça, sem pruridos nem escrúpulos excessivos,
mesmo de intelectualidade imitativa…
Ventos de França
Macron, que se prepara para recolher o
voto útil da esquerda na segunda volta, situa-se claramente à direita de Rui
Rio, que se prepara para encabeçar uma hipotética frente de direita doméstica.
JAIME NOGUEIRA
PINTO
OBSERVADOR, 07
jan 2022Subscrever
A França foi o
laboratório da moderna política europeia. Com Luís XIV, criou e experimentou o despotismo iluminado, que outros soberanos
continentais – de Frederico da Prússia a Dom José I – iriam implantar. No século XVIII, com os Philosophes e a Enciclopédia, foi também a pátria da
contestação à sociedade política tradicional, assente no trono e no altar. E
com a experiência vertiginosa da Revolução, seria, entre 1789 e 1815, um borbulhante tubo
de ensaio de ideias e regimes políticos.
O pioneirismo político francês
Se Bossuet
teorizou o absolutismo real sob o patrocínio divino, Montesquieu
glosou o liberalismo moderado e conservador inglês, que os enciclopedistas traduziriam em
versão híper-individualista e pré-revolucionária. Depois libertinos
cínicos, como Laclos, fizeram a desconstrução elegante da sociedade
tradicional e libertinos desesperados, como Sade,
trouxeram a essa desconstrução contornos apocalíticos de promiscuidade e
perversão.
É
também em França que, com Rivarol e Joseph de
Maistre, nascem as teorias
da contra-revolução e, com Chateaubriand, o romantismo conservador. Fora ainda ali que,
no curso de Revolução, com Gracchus Babeuf
e a “Conspiração dos Iguais”,
aparecera um igualitarismo revolucionário que o próprio Marx reconheceria como
precursor.
No século XIX,
com a luta política a passar, com facilidade, do Parlamento para a rua ou
para a guerra civil, repetindo a monarquia legitimista, a monarquia
liberal, várias repúblicas e até um segundo Império, a França,
na sua instabilidade governativa, continuou a ser um manancial de ideias e
constituições, à direita e à esquerda, de ultramontanos a anarquistas radicais,
de positivistas progressistas a românticos reacionários, de Comte a Baudelaire.
Tudo isto sob um pano de fundo de grandes ficcionistas – Stendhal, Balzac,
Flaubert, Maupassant, Zola.
No
final do século XIX, na douceur de vivre do Paris da República dos
Duques e das grandes exposições universais, onde reinava a belíssima Elizabeth
de Greffulhe (que inspiraria a Oriane de Guermantes de Proust), eram, outra
vez, pensadores franceses que criavam os novos antagonismos: Maurice Barrès
lançava as bases do nacionalismo identitário e patriota, que Charles Maurras e a Action Française transformariam num movimento orgânico que teria
réplicas e seguidores em toda a Europa latina.
Zeev Sternhell, um historiador
israelita de esquerda que em tempos entrevistei com o Nuno Rogeiro para o Futuro
Presente, defendia, precisamente, a tese das raízes francesas do fascismo, que
filiava numa ideologia “anti-Lumières”, nada e criada em França, com
antepassados tão diferentes como o anarquista Proudhon, os nacionalistas Barrés
e Maurras, o caudilho Boulanger e o filósofo da violência Georges Sorel.
Assim,
no fim do século XIX, um quarto de século antes de Mussolini fundar os Fascii
di Combattimento em Milão,
nascia em França uma “direita revolucionária”. O facto de
a Itália e de a Alemanha, duas nações rivais ou inimigas da França, serem os
lugares do triunfo do fascismo, em 1922, e da sua variante nacional-socialista,
em 1933, criou condições adversas para que a direita revolucionária francesa se
afirmasse, condições que se agravariam com a Guerra, a Derrota, o Armistício, o
governo de Vichy e a Colaboração.
Aí,
na zona ocupada, floresceu toda uma geração de escritores “malditos” de grande talento, um curioso “fascismo dos
escritores”, com Drieu de la Rochelle, Robert Brasillach, Lucien Rébatet, Louis
Ferdinand Céline.
Vichy
e a colaboração tanto
dividiram a direita como a esquerda: o Partido Comunista só passaria para a
Resistência depois da invasão da União Soviética pela Alemanha. No Verão de 1940, por indicação da Internacional
Comunista e por mediação da embaixada soviética em Paris, houve contactos com o
representante de Hitler na capital francesa, Otto Abetz, para que o jornal L’Humanité,
do PCF, voltasse a ser publicado. Mas em Agosto, por ordem de Dimitrov, do
Comintern, as controversas negociações foram suspensas.
Em 1940, a direita dividiu-se entre os
que seguiam De Gaulle e a Resistência, os que seguiam Pétain e Vichy, e os mais
radicais, que defendiam a colaboração com os alemães. Depois da guerra, da Ocupação e da Libertação, as guerras coloniais – da Indochina e da Argélia, mas, sobretudo a da
Argélia – voltavam a definir e dividir as direitas. De Gaulle, chamado pelo movimento militar e civil do 13 de Maio
de 58 para salvar a Argélia francesa, ia ser o grande artífice da negociação
com o FLN e da independência, criando uma fractura na direita de que o
antigaullismo de Jean-Marie Le Pen é, ainda hoje, um símbolo vivo.
Uma distopia iliberal?
Estas
histórias da História das direitas francesas podem ajudar a entender a presente
situação pré-eleitoral. Ao contrário do que, aparentemente, se passa em
Portugal, em França, o eixo da política deslocou-se flagrantemente para a
direita. Tanto que Emmanuel
Macron, o
candidato que se prepara para recolher o voto útil da esquerda na segunda
volta, se situa claramente à direita do Dr. Rui Rio, o candidato que se prepara
para encabeçar uma suposta frente de direita doméstica, embora se afirme um
homem de centro-esquerda (ou uma espécie de “católico não-crente” da direita).
Faltam 4 meses para as eleições
francesas; e, entre a
evolução da pandemia, com as acesas polémicas que levanta, e as tensões
multiculturais de um país que se debate com uma imigração não-integrada, onde
surgem núcleos agressivos, muita coisa pode ainda passar-se. De qualquer forma, numa sondagem publicada na
revista Marianne, com base num questionário feito entre 27 e 31 de
Dezembro de 2021, o conjunto das direitas à direita de Macron somaria 44, 5%
dos votos (Valérie Pécresse, a candidata dos Republicanos, teria 15%; Eric
Zemmour também 15%; e Marine Le Pen 14,5%). À esquerda, Mélanchon teria 13%, o
“verde” Jadot 4% e a socialista Christiane Taubira 4,5%. O Presidente Macron
recolheria, numa primeira volta, 23% dos votos.
O
principal apoio de Macron parece estar entre os votantes mais velhos e o
eleitorado dito “burguês”. Marine Le Pen, que há muito liderava o voto da
direita, perde significativamente entre as classes médias e médias-altas para
Zemmour, que reúne também apoios entre os eleitores conservadores. Os núcleos
de apoio de Le Pen são, sociologicamente, empregados e operários e,
politicamente, os eurocépticos. Mélanchon recruta sobretudo entre a chamada
“esquerda cultural” – académicos, jornalistas e funcionários públicos.
A direita tem, assim, três candidatos
quase a par: Marine Le Pen, que representa uma linha identitária
popular e logo o “discurso de ódio”, procurou moderar-se nas eleições regionais
e não lhe correu bem; Zemmour, o judeu francês da Argélia,
“pied-noir” mas, ainda assim, profusamente apelidado de “nazifascista e
xenófobo”, surge como o intelectual que desce ao terreno com um programa
nacional identitário, apelando para os riscos de decadência da França; Valérie
Pécresse, da direita conservadora, acusada pelas outras
direitas de ambiguidade, é, claramente, a mais moderada dos três – o que, no
entanto, não a impediria de ser considerada por comentadores portugueses como
uma espécie de Salazar de saias.
Isto
quer dizer que, enquanto o
eixo da política francesa se deslocou para a direita, o eixo da política
portuguesa, não só continua enviesado à esquerda, como se vem reverencialmente
inclinando para melhor acolher a angélica extrema-esquerda “com provas dadas em
democracia”.
No
entanto, não deixa de ser também visível a ligeira flexão para a direita do
eixo do mal (o eixo que separa o aceitável do inaceitável e que outrora
segregava o PSD de Pedro Passos Coelho e do CDS de Paulo Portas), para isolar
em cerca sanitária o recém-chegado “nazi-fascismo” do Chega de André Ventura.
Afinal, sendo a França, historicamente, um país de pioneirismo ideológico e
institucional, o mais natural é que Portugal se vá, lentamente, arrastando
atrás…
…Ou talvez
não. O que seria da nossa “democracia exemplar” e do nosso clima, tão propício
à prática do “socialismo”, se, numa distopia iliberal, estes ventos de França
galgassem os Pirenéus e passassem a Meseta, ainda antes de 24 de Março, “o dia
em que o tempo da democracia supera o tempo da ditadura”, ensombrando os
trabalhos da comissão para as cinquentenárias comemorações de Abril?
A SEXTA
COLUNA CRÓNICA OBSERVADOR FRANÇA EUROPA MUNDO LEGISLATIVAS 2022 ELEIÇÕES POLÍTICA PSD
COMENTÁRIOS:
Ar: Macron é um fantoche como a Greta. A sua esposa e ex-professora é a sua handler. A Greta também tem uma.
"Macron est un psychopathe", l’analyse d’un
psychiatre italien – youtube Le
professeur Adriano Segatori est un psychiatre et psychothérapeute italien. Son
analyse du profil d’Emmanuel Macron, basée notamment sur sa biographie et ses
images de campagne, le pousse à conclure, de manière très argumentée: « Macron
est un psychopathe qui travaille uniquement pour lui-même.» Enganou-se só na parte do lui-même caso
contrário não seria um fantoche... Rosmarina Nunes: rótulos. chega !!! nazi ou Fascista põem mais tabaco
nisso depois de um texto digno de nota de uma aula de história politica.
vem afirmar nazismo do chega!!!!??? josé maria:
Gostei muito de
saber que a Marine continua em queda livre... Helder Machado: O futuro não pertence aos
homens, nem mesmo aos mais ilustres. advoga diabo: Raramente JNP terá sido tão
eloquente a demonstrar rigorosamente o contrário do que pretende. Se fosse
preciso um texto paradigmático da falência da velha nomenclatura ideológica
esquerda/direita, este texto é perfeito. Na verdade o que sobra é o Poder de um
lado e o Humanismo do outro, e, quanto a isso, se Macron e Rio deixam dúvidas,
já o escriba... Winter Is Here: Interessante análise histórica sobre as movimentações
da Direita francesa e eventual génese histórica do fascismo. Quanto ao mais, não me parece
que o eleitorado português decida o seu voto olhando para o que se passa em
França. Não sabem o que se passa para lá dos limites do Bairro ou, na melhor
das hipóteses, de Badajoz. O Chega não se explica por uma influência ou corrente
política de moda. O Chega e congéneres explicam-se por um imenso mal-estar das
populações de todas as nações ditas ocidentais com os seus regimes políticos de
há 50 anos que estão minados pela corrupção. Muita gente vota nesses partidos
porque estes têm líderes e agentes políticos que simplesmente gritam sem
qualquer auto-censura e constrangimento que está tudo podre. São oportunistas e
demagogos? São todos. Em Portugal está à vista de todos quem é o demagogo-mor.
As massas sentem-se alienadas pelas elites. Liga-se uma TV e tudo aquilo,
desde a informação ao entretenimento, são exercícios de auto-comprazimento e
promoção recíproca, que nada tem que ver com o cidadão comum (exibem de vez
em quando umas desgraças de uns pobres para o público se poder relacionar
brevemente). Os psicodramas que simulam engajamento nas "causas
públicas" já não entretêm ninguém e creio ser esta razão pela qual o
psicodrama COvid tem sido alimentado. É um grande "f.uck it. I don´t
care". Vendo os debates vê-se claramente quem leva porrada e quem dá porrada.
Ganha por KO. Carlos
Matos > Winter Is Here: excelente comentário Fenix Europa > Winter Is Here: Excelente. Parabéns! Joaquim
Carvalho: Sim a França tem
um passado pioneiro e inspirador. Hoje está prisioneira de interesses obscuros. Com um
Macron fantoche dos Rothschild, do Forum de Davos ou do que lhe quiserem
chamar. Perante a evidente revolta da população, estes mesmos interesses obscuros
saltam com esta estratégia de dividir a direita com três candidatos. Pobre
França, Quando a revolta atingir 90% da população, eles vão lançar cinco
candidatos para ganhar o deles. Cuidado com a nossa Iniciativa Liberal. Fenix Europa > Joaquim Carvalho: Bem visto. Mas existe sempre a
esperança de um dos 3 candidatos de direita conseguir ir a segunda volta.
Talvez não se anulem todos uns aos outros. E se um deles conseguir ir a segunda
volta a reeleição de macron não está garantida. Tem o voto útil da
esquerda? Tem. Mas na segunda volta também o candidato de direita terá o voto
útil dos outros dois. Tudo é possível. Madalena Magalhaes
Colaco: Gostei muito de
ler esta síntese dos ventos da França. Taylerand é talvez o exemplo perfeito,
do político francês, que soube adaptar-se à monarquia, ao império e à república,
servindo a todos. No que respeita a Macron não partilho a sua opinião. Macron
foi eleito por um poder, centrado nos interesses de Davos, de grandes
multinacionais que pretendem guiar o mundo. Começaram pela Europa, e colocaram
Macron no poder dominando a comunicação social. Quando se candidatou nas últimas
eleições, Macron foi capa do Paris-Match 68 vezes, mais jornais e televisões,
conseguiram, com a ambiguidade de Macron, o elegerem, e essa imprensa paga por
esses homens. Macron, a marionete de Davos, quer uma Europa federalista, até
chegou mesmo a dizer que não há uma cultura francesa, o que chocou os franceses.
Zemmour aparece para dar voz aos franceses que amam a sua pátria, a
sua cultura e a sua identidade, e por isso é apelidado de todos os nomes. Ver
um Pedro Mexia, um Carlos Moedas dizerem na televisão que votariam em Macron
com medo do extremismo de Zemmour é elucidativo do que é a nossa direita. Estes
ventos não atravessaram a França como pressupõe no final da sua análise. Rui Lima: Gostei desta expressão sobre
Rui Rio : “uma espécie de “católico não-crente” da direita” Para o espaço
utilizado é um magnífico resumo sobre a França, mas tudo tem um preço vou falar
da parte que vai matar a França, a despesa pública chegou aos 62%, comprar a
paz das minorias custa uma fortuna, além do défice interno há outro mais grave
de mês para mês o défice com o exterior bate records o de Novembro é 9 000
milhões de euros algo nunca visto . Só a existência do Euro permite a sobrevivência
da França, com moeda própria haveria guerra civil a queda do poder de compra
seria tal que levaria aos caos, hoje a direita e a esquerda radical aceitam o
euro . Hoje a Grande França está dependente dos alemães como nunca esteve e já
esteve ocupada. Américo
Silva: Para
compreender o que se passa tem de se perceber que Maio de 68 foi apadrinhado pelo grande
capital internacional, sendo o diretor do Le Monde na altura agente da CIA.
Macron é o candidato Rothschild, da ENA, do deep state, e o facto de ser menos
popular que o desejável fez aparecer três candidatos da direita, o que faz
desconfiar. Lembram-se da Lurdes Pintassilgo? Se calhar são três alternativas
para impedirem uma alternativa ganhadora. bento guerra: Em França há uma direita com expressão. Em Portugal ,a "esquerda"
tem a simpatia de 52 porcento dos portugueses. Segundo a Constituição, gente
cheia de direitos, desde que alguém empreste ou pague a despesa. Df 24 de março... : Bem observado. Era
engraçado, o que diz no último parágrafo. Daria alguma esperança a Portugal. Mas
se o PS tiver maioria absoluta também não será mal. Por uma vez deita-se na
cama que fez. Ou o retorno da geringonça também não estará mal, para
aprofundarmos o caminho do socialismo real. Se calhar este eleitorado precisa
de uma vacina de algumas décadas de socialismo real para abrir os olhos. Na
Europa do Leste a vacina parece estar a funcionar bem. Enfim, umas
eleições em que todos os resultados são bons. Mas como diz o Rui Ramos aqui ao
lado, o melhor ainda é o rapaz do CDS. Tem um discurso sério, e mostrou
fibra a fechar as portas aos irrevogáveis...
Riaz Carmalidf: Também aprecio Francisco
Rodrigues dos Santos e uma das razões é precisamente ele ter corrido com os
apoiantes do Irrevogável. Nuno de
Sousa: É bom lembrar que
Macron foi ministro do último governo PS que a França teve. Tone da Eira > Nuno de Sousa: Sim, até foi espécie de
super-ministro e por isso penso que pelo menos nessa altura devia estar
alinhado com as ideias do PS / François Hollande.
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