sábado, 8 de janeiro de 2022

Sempre em bonança por cá

 

Sempre em bonança por cá

Sempre os ventos de França sopraram um poucochinho em Portugal, pelo menos no que toca às Letras, e bem fez JNP recordando-o - para prazer nosso - juntamente com os ventos políticos, pese embora a larga distanciação. Não, a nossa política por aqui se mantém, prestável para quem se esforça, sem pruridos nem escrúpulos excessivos, mesmo de intelectualidade imitativa…

Ventos de França

Macron, que se prepara para recolher o voto útil da esquerda na segunda volta, situa-se claramente à direita de Rui Rio, que se prepara para encabeçar uma hipotética frente de direita doméstica.

JAIME NOGUEIRA PINTO

OBSERVADOR, 07 jan 2022Subscrever

A França foi o laboratório da moderna política europeia. Com Luís XIV, criou e experimentou o despotismo iluminado, que outros soberanos continentais – de Frederico da Prússia a Dom José I – iriam implantar. No século XVIII, com os Philosophes e a Enciclopédia, foi também a pátria da contestação à sociedade política tradicional, assente no trono e no altar. E com a experiência vertiginosa da Revolução, seria, entre 1789 e 1815, um borbulhante tubo de ensaio de ideias e regimes políticos.

O pioneirismo político francês

Se Bossuet teorizou o absolutismo real sob o patrocínio divino, Montesquieu glosou o liberalismo moderado e conservador inglês, que os enciclopedistas traduziriam em versão híper-individualista e pré-revolucionária. Depois libertinos cínicos, como Laclos, fizeram a desconstrução elegante da sociedade tradicional e libertinos desesperados, como Sade, trouxeram a essa desconstrução contornos apocalíticos de promiscuidade e perversão.

É também em França que, com Rivarol e Joseph de Maistre, nascem as teorias da contra-revolução e, com Chateaubriand, o romantismo conservador. Fora ainda ali que, no curso de Revolução, com Gracchus Babeuf e a “Conspiração dos Iguais”, aparecera um igualitarismo revolucionário que o próprio Marx reconheceria como precursor.

No século XIX, com a luta política a passar, com facilidade, do Parlamento para a rua ou para a guerra civil, repetindo a monarquia legitimista, a monarquia liberal, várias repúblicas e até um segundo Império, a França, na sua instabilidade governativa, continuou a ser um manancial de ideias e constituições, à direita e à esquerda, de ultramontanos a anarquistas radicais, de positivistas progressistas a românticos reacionários, de Comte a Baudelaire. Tudo isto sob um pano de fundo de grandes ficcionistas – Stendhal, Balzac, Flaubert, Maupassant, Zola.

No final do século XIX, na douceur de vivre do Paris da República dos Duques e das grandes exposições universais, onde reinava a belíssima Elizabeth de Greffulhe (que inspiraria a Oriane de Guermantes de Proust), eram, outra vez, pensadores franceses que criavam os novos antagonismos: Maurice Barrès lançava as bases do nacionalismo identitário e patriota, que Charles Maurras e a Action Française transformariam num movimento orgânico que teria réplicas e seguidores em toda a Europa latina.

Zeev Sternhell, um historiador israelita de esquerda que em tempos entrevistei com o Nuno Rogeiro para o Futuro Presente, defendia, precisamente, a tese das raízes francesas do fascismo, que filiava numa ideologia “anti-Lumières”, nada e criada em França, com antepassados tão diferentes como o anarquista Proudhon, os nacionalistas Barrés e Maurras, o caudilho Boulanger e o filósofo da violência Georges Sorel.

Assim, no fim do século XIX, um quarto de século antes de Mussolini fundar os Fascii di Combattimento em Milão, nascia em França uma “direita revolucionária”. O facto de a Itália e de a Alemanha, duas nações rivais ou inimigas da França, serem os lugares do triunfo do fascismo, em 1922, e da sua variante nacional-socialista, em 1933, criou condições adversas para que a direita revolucionária francesa se afirmasse, condições que se agravariam com a Guerra, a Derrota, o Armistício, o governo de Vichy e a Colaboração.

Aí, na zona ocupada, floresceu toda uma geração de escritores “malditos” de grande talento, um curioso “fascismo dos escritores”, com Drieu de la Rochelle, Robert Brasillach, Lucien Rébatet, Louis Ferdinand Céline.

Vichy e a colaboração tanto dividiram a direita como a esquerda: o Partido Comunista só passaria para a Resistência depois da invasão da União Soviética pela Alemanha. No Verão de 1940, por indicação da Internacional Comunista e por mediação da embaixada soviética em Paris, houve contactos com o representante de Hitler na capital francesa, Otto Abetz, para que o jornal L’Humanité, do PCF, voltasse a ser publicado. Mas em Agosto, por ordem de Dimitrov, do Comintern, as controversas negociações foram suspensas.

Em 1940, a direita dividiu-se entre os que seguiam De Gaulle e a Resistência, os que seguiam Pétain e Vichy, e os mais radicais, que defendiam a colaboração com os alemães. Depois da guerra, da Ocupação e da Libertação, as guerras coloniais – da Indochina e da Argélia, mas, sobretudo a da Argélia – voltavam a definir e dividir as direitas. De Gaulle, chamado pelo movimento militar e civil do 13 de Maio de 58 para salvar a Argélia francesa, ia ser o grande artífice da negociação com o FLN e da independência, criando uma fractura na direita de que o antigaullismo de Jean-Marie Le Pen é, ainda hoje, um símbolo vivo.

Uma distopia iliberal?

Estas histórias da História das direitas francesas podem ajudar a entender a presente situação pré-eleitoral. Ao contrário do que, aparentemente, se passa em Portugal, em França, o eixo da política deslocou-se flagrantemente para a direita. Tanto que Emmanuel Macron, o candidato que se prepara para recolher o voto útil da esquerda na segunda volta, se situa claramente à direita do Dr. Rui Rio, o candidato que se prepara para encabeçar uma suposta frente de direita doméstica, embora se afirme um homem de centro-esquerda (ou uma espécie de “católico não-crente” da direita).

Faltam 4 meses para as eleições francesas; e, entre a evolução da pandemia, com as acesas polémicas que levanta, e as tensões multiculturais de um país que se debate com uma imigração não-integrada, onde surgem núcleos agressivos, muita coisa pode ainda passar-se. De qualquer forma, numa sondagem publicada na revista Marianne, com base num questionário feito entre 27 e 31 de Dezembro de 2021, o conjunto das direitas à direita de Macron somaria 44, 5% dos votos (Valérie Pécresse, a candidata dos Republicanos, teria 15%; Eric Zemmour também 15%; e Marine Le Pen 14,5%). À esquerda, Mélanchon teria 13%, o “verde” Jadot 4% e a socialista Christiane Taubira 4,5%. O Presidente Macron recolheria, numa primeira volta, 23% dos votos.

O principal apoio de Macron parece estar entre os votantes mais velhos e o eleitorado dito “burguês”. Marine Le Pen, que há muito liderava o voto da direita, perde significativamente entre as classes médias e médias-altas para Zemmour, que reúne também apoios entre os eleitores conservadores. Os núcleos de apoio de Le Pen são, sociologicamente, empregados e operários e, politicamente, os eurocépticos. Mélanchon recruta sobretudo entre a chamada “esquerda cultural” – académicos, jornalistas e funcionários públicos.

A direita tem, assim, três candidatos quase a par: Marine Le Pen, que representa uma linha identitária popular e logo o “discurso de ódio”, procurou moderar-se nas eleições regionais e não lhe correu bem; Zemmour, o judeu francês da Argélia, “pied-noir” mas, ainda assim, profusamente apelidado de “nazifascista e xenófobo”, surge como o intelectual que desce ao terreno com um programa nacional identitário, apelando para os riscos de decadência da França; Valérie Pécresse, da direita conservadora, acusada pelas outras direitas de ambiguidade, é, claramente, a mais moderada dos três – o que, no entanto, não a impediria de ser considerada por comentadores portugueses como uma espécie de Salazar de saias.

Isto quer dizer que, enquanto o eixo da política francesa se deslocou para a direita, o eixo da política portuguesa, não só continua enviesado à esquerda, como se vem reverencialmente inclinando para melhor acolher a angélica extrema-esquerda “com provas dadas em democracia”.

No entanto, não deixa de ser também visível a ligeira flexão para a direita do eixo do mal (o eixo que separa o aceitável do inaceitável e que outrora segregava o PSD de Pedro Passos Coelho e do CDS de Paulo Portas), para isolar em cerca sanitária o recém-chegado “nazi-fascismo” do Chega de André Ventura. Afinal, sendo a França, historicamente, um país de pioneirismo ideológico e institucional, o mais natural é que Portugal se vá, lentamente, arrastando atrás

Ou talvez não. O que seria da nossa “democracia exemplar” e do nosso clima, tão propício à prática do “socialismo”, se, numa distopia iliberal, estes ventos de França galgassem os Pirenéus e passassem a Meseta, ainda antes de 24 de Março, “o dia em que o tempo da democracia supera o tempo da ditadura”, ensombrando os trabalhos da comissão para as cinquentenárias comemorações de Abril?

A SEXTA COLUNA   CRÓNICA   OBSERVADOR   FRANÇA   EUROPA   MUNDO   LEGISLATIVAS  2022   ELEIÇÕES   POLÍTICA   PSD

COMENTÁRIOS:

Ar: Macron é um fantoche como a Greta. A sua esposa e ex-professora é a sua handler. A Greta também tem uma. "Macron est un psychopathe", l’analyse d’un psychiatre italien – youtube Le professeur Adriano Segatori est un psychiatre et psychothérapeute italien. Son analyse du profil d’Emmanuel Macron, basée notamment sur sa biographie et ses images de campagne, le pousse à conclure, de manière très argumentée: « Macron est un psychopathe qui travaille uniquement pour lui-même.» Enganou-se só na parte do lui-même caso contrário não seria um fantoche...          Rosmarina Nunes: rótulos. chega !!! nazi ou Fascista põem mais tabaco nisso depois de um texto digno de nota de uma aula de história politica. vem afirmar nazismo do chega!!!!???          josé maria: Gostei muito de saber que a Marine continua em queda livre...          Helder Machado: O futuro não pertence aos homens, nem mesmo aos mais ilustres.           advoga diabo: Raramente JNP terá sido tão eloquente a demonstrar rigorosamente o contrário do que pretende. Se fosse preciso um texto paradigmático da falência da velha nomenclatura ideológica esquerda/direita, este texto é perfeito. Na verdade o que sobra é o Poder de um lado e o Humanismo do outro, e, quanto a isso, se Macron e Rio deixam dúvidas, já o escriba... Winter Is Here: Interessante análise histórica sobre as movimentações da Direita francesa e eventual génese histórica do fascismo. Quanto ao mais, não me parece que o eleitorado português decida o seu voto olhando para o que se passa em França. Não sabem o que se passa para lá dos limites do Bairro ou, na melhor das hipóteses, de Badajoz. O Chega não se explica por uma influência ou corrente política de moda. O Chega e congéneres explicam-se por um imenso mal-estar das populações de todas as nações ditas ocidentais com os seus regimes políticos de há 50 anos que estão minados pela corrupção. Muita gente vota nesses partidos porque estes têm líderes e agentes políticos que simplesmente gritam sem qualquer auto-censura e constrangimento que está tudo podre. São oportunistas e demagogos? São todos. Em Portugal está à vista de todos quem é o demagogo-mor. As massas sentem-se alienadas pelas elites. Liga-se uma TV e tudo aquilo, desde a informação ao entretenimento, são exercícios de auto-comprazimento e promoção recíproca, que nada tem que ver com o cidadão comum (exibem de vez em quando umas desgraças de uns pobres para o público se poder relacionar brevemente). Os psicodramas que simulam engajamento nas "causas públicas" já não entretêm ninguém e creio ser esta razão pela qual o psicodrama COvid tem sido alimentado. É um grande "f.uck it. I don´t care". Vendo os debates vê-se claramente quem leva porrada e quem dá porrada. Ganha por KO.        Carlos Matos > Winter Is Here: excelente comentário           Fenix Europa > Winter Is Here: Excelente. Parabéns! Joaquim Carvalho: Sim a França tem um passado pioneiro e inspirador. Hoje está prisioneira de interesses obscuros. Com um Macron fantoche dos Rothschild, do Forum de Davos ou do que lhe quiserem chamar. Perante a evidente revolta da população, estes mesmos interesses obscuros saltam com esta estratégia de dividir a direita com três candidatos. Pobre França, Quando a revolta atingir 90% da população, eles vão lançar cinco candidatos para ganhar o deles. Cuidado com a nossa Iniciativa Liberal.           Fenix Europa > Joaquim Carvalho: Bem visto. Mas existe sempre a esperança de um dos 3 candidatos de direita conseguir ir a segunda volta. Talvez não se anulem todos uns aos outros. E se um deles conseguir ir a segunda volta a reeleição de macron não está garantida.  Tem o voto útil da esquerda? Tem. Mas na segunda volta também o candidato de direita terá o voto útil dos outros dois.  Tudo é possível.          Madalena Magalhaes Colaco: Gostei muito de ler esta síntese dos ventos da França. Taylerand é talvez o exemplo perfeito, do político francês, que soube adaptar-se à monarquia, ao império e à república, servindo a todos. No que respeita a Macron não partilho a sua opinião. Macron foi eleito por um poder, centrado nos interesses de Davos, de grandes multinacionais que pretendem guiar o mundo. Começaram pela Europa, e colocaram Macron no poder dominando a comunicação social. Quando se candidatou nas últimas eleições, Macron foi capa do Paris-Match 68 vezes, mais jornais e televisões, conseguiram, com a ambiguidade de Macron, o elegerem, e essa imprensa paga por esses homens. Macron, a marionete de Davos, quer uma Europa federalista, até chegou mesmo a dizer que não há uma cultura francesa, o que chocou os franceses. Zemmour aparece para dar voz aos franceses que amam a sua pátria,  a sua cultura e a sua identidade, e por isso é apelidado de todos os nomes. Ver um Pedro Mexia, um Carlos Moedas dizerem na televisão que votariam em Macron com medo do extremismo de Zemmour é elucidativo do que é a nossa direita. Estes ventos não atravessaram a França como pressupõe no final da sua análise.              Rui Lima: Gostei desta expressão sobre Rui Rio : “uma espécie de “católico não-crente” da direita” Para o espaço utilizado é um magnífico resumo sobre a França, mas tudo tem um preço vou falar da parte que vai matar a França, a despesa pública chegou aos 62%, comprar a paz das minorias custa uma fortuna, além do défice interno há outro mais grave de mês para mês o défice com o exterior bate records o de Novembro é 9 000 milhões de euros algo nunca visto . Só a existência do Euro permite a sobrevivência da França, com moeda própria haveria guerra civil a queda do poder de compra seria tal que levaria aos caos, hoje a direita e a esquerda radical aceitam o euro . Hoje a Grande França está dependente dos alemães como nunca esteve e já esteve ocupada.           Américo Silva: Para compreender o que se passa tem de se perceber que Maio de 68 foi apadrinhado pelo grande capital internacional, sendo o diretor do Le Monde na altura agente da CIA. Macron é o candidato Rothschild, da ENA, do deep state, e o facto de ser menos popular que o desejável fez aparecer três candidatos da direita, o que faz desconfiar. Lembram-se da Lurdes Pintassilgo? Se calhar são três alternativas para impedirem uma alternativa ganhadora.          bento guerra: Em França há uma direita com expressão. Em Portugal ,a "esquerda" tem a simpatia de 52 porcento dos portugueses. Segundo a Constituição, gente cheia de direitos, desde que alguém empreste ou pague a despesa.           Df 24 de março... : Bem observado. Era engraçado, o que diz no último parágrafo. Daria alguma esperança a Portugal. Mas se o PS tiver maioria absoluta também não será mal. Por uma vez deita-se na cama que fez. Ou o retorno da geringonça também não estará mal, para aprofundarmos o caminho do socialismo real. Se calhar este eleitorado precisa de uma vacina de algumas décadas de socialismo real para abrir os olhos. Na Europa do Leste a vacina parece estar a funcionar bem.  Enfim, umas eleições em que todos os resultados são bons. Mas como diz o Rui Ramos aqui ao lado, o melhor ainda é o rapaz do CDS. Tem um discurso sério, e mostrou fibra a fechar as portas aos irrevogáveis...    Riaz Carmalidf: Também aprecio Francisco Rodrigues dos Santos e uma das razões é precisamente ele ter corrido com os apoiantes do Irrevogável.            Nuno de Sousa: É bom lembrar que Macron foi ministro do último governo PS que a França teve.          Tone da Eira > Nuno de Sousa: Sim, até foi espécie de super-ministro e por isso penso que pelo menos nessa altura devia estar alinhado com as ideias do PS / François Hollande.

 

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