quinta-feira, 6 de janeiro de 2022

Vive la France


Toujours. Malgré les grognements… parisiens. E belos passeios para o Dr. Salles…

AVIGNON - 3

 HENRIQUE SALLES DA FONSECA

A BEM DA NAÇÃO 06.01.22

ou

«MALGRÉ PARIS»

«ACH…!!!» e «BUFFF…!!!» - eis duas expressões que os franceses usam a esmo já mesmo sem saberem porquê. Mas, na origem, ambas expressam o enfado (para dentro) e o desprezo  (para fora) de terem que ouvir estupidezes quando ditas em surdina ou de modo mais veemente se o «ofendido» sentir que lhe estão a coarctar os seus sacrossantos e inalienáveis direitos. A este tipo de expressões (que nem sei se se podem classificar como omanotopaicas) eu chamo grunhidos.

Então, a institucionalização do grunhido como instrumento verbal de comunicação humana, começou com a queda dos Valores religiosos e, daí, a queda dos correlativos Valores morais – tardou a implementação da Moral Laica (Republicana); queda dos Valores Éticos de inspiração religiosa – deficiente implementação de um Código de Ética Republicana com prevalência dos Direitos e algum esbatimento dos Deveres de Cidadania, assumpção do «carpe diem» com voracidade.

Eis o pós-modernismo exaustivamente dissecado por Gilles Lipowetsky, eis o urbano-comprimido amoral, aético, associal, o titular de todos os direitos a quem tudo é devido e que bufa constantemente desprezíveis «BACHs…!!!» e «BUFFFs…!!!».

Foi esta a França que NÃO vi!

Perguntados, o Senhor Cheminot e a Senhora Cheminée apressaram-se a dizer que isso é o que acontece na região de Paris. O resto de França continua em paz consigo própria, as pessoas são cordatas, a vida flui docemente…

Ao que respondi: - VIVE LA FRANCE (malgré Paris).

E assim saudámos o ano novo.

3 de Janeiro de 2022

Tags: viagens

COMENTÁRIOS:

 Maria Eugênia  06.01.2022: A França está em profunda crise de identidade nacional: a língua francesa absorveu tanto de todos que já não é francês; o politicamente correcto implicou a aceitação de tantos muçulmanos que, enquanto as igrejas ardem, a cultura e civilização francesas perderam sentido. A França está palerma.

 FRANCISCO gomes de AMORIM  06.01.2022: Boa. Também já gostei de Paris

 

AVIGNON - 2

 HENRIQUE SALLES DA FONSECA

A BEM DA NAÇÃO,  05.01.22

Já só se deve ir a Dublin depois de ler «Ulisses» - sob pena de se perder a epifania da cidade. Mas se um livro assim tão gordo incomoda os seus braços, contrate guia turístico capaz de descrever a essência dos lugares, a «epifania joyceana», como lhe chamo.

Foi, pois, na companhia desta sugestão de James Joyce que dei ordem às pernas para me passearem por Avignon…

Da janela do nosso quarto quase poderíamos espreitar para a intimidade dos aposentos papais e cometer alguma indiscrição caso Suas Santidades por ali estivessem. Não as invoquei com a convicção suficiente para as vislumbrar se por ali pairassem. Mas deu para sentir um ambiente pesado, menos de pompa que de cativeiro. Palácio-Catedral ou Prisão domiciliária papal? Esta última, a versão que tenho por mais evidente durante o reinado de Filipe o Belo e Pontificado de Clemente V (ambos morreram em 1314) mas depois o ambiente foi-se suavizando… até porque Petrarca considerava Avignon «a cidade mais imunda e insalubre do mundo». Vai daí, um dos Papas conseguiu criar as condições convenientes à obtenção da autorização régia para construir novo palácio do outro lado do rio, em Villeneuve, bem como de grandes jardins onde Suas Santidades se poderiam aliviar dos fluxos naturais. Então, em paga de tanta generosidade (homenagem da vítima ao seu carrasco), o tal Papa - cujo nome não interessou a qualquer dos meus neurónios com função ligada à memória -   assumiu a construção da «Tour Philippe».

Palácio papal na janela do quarto, ao sairmos do hotel, estávamos no centro daquele mundo, a «Place de l’Horloge» em que nada acontece quando não acontece ali. Restaurantes e esplanadas porta sim-porta sim bem nutridos de clientela, ringue de patinagem no gelo pejado de crianças, criancinhas, papás e mamãs, carroussel com música até às árvoresA vida como deve ser em época festiva de finais de Dezembro; a Câmara Municipal (Hotel de Ville), o Teatro, o «Banco de França». Duas particularidades: o próximo «Festival de Teatro de Avignon» será dirigido pelo português que até há pouco dirigia o nosso «D. Maria II»; aquela agência do «Banco de França» que passou a emitir escargots, primeurs, poisson meunière… sim, virou restaurante. Aqui fica a sugestão para as agências regionais do nosso BdP - à falta de melhor vocação, vire-se a instituição para as bifanas e sandes de coiratos.

Mesmo no centro do centro histórico desta importante cidade medieval, poucas (ou nenhumas) as fachadas dos edifícios que mantêm alguma estética antiga. Falta grave! Numa cidade em que cada pedra removida teria uma história para contar… bastaria ter mantido a aparência antiga das fachadas, os interiores que sejam todos modernos.

Desde os bancos da escola que eu sabia que a célebre ponte de Avignon estava incompleta pelo que, não desempenhando a função para que fora imaginada, passara a ser usada como local aprazível a que os foliões se dirigiam para ali dançar em roda. Mas não foi bem assim: a ponte foi concluída após sucessivas subscrições públicas mas umas desgraçadas obras de hidráulica no leito e margens do Ródano (Rhône, como por lá chamam ao rio), fizeram com que no degelo alpino seguinte metade da ponte abalasse por ali abaixo… até hoje. Tempos medievais em que a engenharia dos fluidos não tinha o apuro de hoje.

Habituadas à meia-ponte, as gentes parecem por ali felizes.

(continua)

2 de Janeiro de 2022

 

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