O texto de António Barreto, enviado pelo Luís, que o encontrou no
Facebook. Como sempre, de uma caracterização impecável, sobre os nossos noticiários
pobres, repetitivos, abundantes em informações sensacionalistas, em que a
vulgaridade assenta, parcos em notícias do mundo, excessivos em percurso nacional,
exaltante, sem elevação, revisteiro, espezinhando a paciência, com,
actualmente, muitas agulhas perfurando as carnes nas vacinações infindáveis e
absurdas. António
Barreto estiliza, como sempre. E arrebata, na beleza do seu
discurso vivo e perspicácia das suas anotações definitivas. Inúteis, em termos
de eficácia transformadora. Por cá.
O Governo-sombra
ANTÓNIO
BARRETO
13/1/22
“É simplesmente desmoralizante. Ver e
ouvir os serviços de notícias das três ou quatro estações de televisão é pena
capital. A banalidade reina. O lugar-comum impera. A linguagem é automática. A
preguiça é virtude. O tosco é arte. A brutalidade passa por emoção. A
vulgaridade é sinal de verdade. A boçalidade é prova do que é genuíno. A
submissão ao poder e aos partidos é democracia. A falta de cultura e de
inteligência é isenção profissional. Os
serviços de notícias de uma hora ou hora e meia, às vezes duas, quase únicos no
mundo, são assim porque não se pode gastar dinheiro, não se quer ou não sabe
trabalhar na redacção, porque não há quem estude nem quem pense. Os
alinhamentos são idênticos de canal para canal.
Quem marca a agenda dos noticiários são os partidos, os
ministros e os treinadores de futebol. Quem estabelece os horários são
as conferências de imprensa, as inaugurações, as visitas de ministros e os
jogadores de futebol. Os directos excitantes, sem matéria de excitação, são
a jóia de qualquer serviço. Por tudo e nada, sai um directo. Figurão no
aeroporto, comboio atrasado, treinador de futebol maldisposto, incêndio numa
floresta, assassinato de criança e acidente com camião: sai um directo, com
jornalista aprendiz a falar como se estivesse no meio da guerra civil, a fim de
dar emoção e fazer humano.
Jornalistas em
directo gaguejam palavreado sobre qualquer assunto: importante e humano é o
directo, não editado, não pensado, não trabalhado, inculto, mal dito, mal
soletrado, mal organizado, inútil, vago e vazio, mas sempre dito de um só
fôlego para dar emoção! Repetem-se quilómetros de filme e horas de conversa
tosca sobre incêndios de florestas e futebol. É o reino da preguiça e da
estupidez.
É absoluto o
desprezo por tudo quanto é estrangeiro, a não ser que haja muitos mortos e
algum terrorismo pelo caminho. As questões políticas internacionais quase não
existem ou são despejadas no fim. Outras, incluindo científicas e artísticas,
são esquecidas. Quase não há comentadores isentos, ou especialistas competentes, mas
há partidários fixos e políticos no activo, autarcas, deputados, o que for,
incluindo políticos na reserva, políticos na espera e candidatos a qualquer
coisa! Cultura? Será o ministro da dita. Ciência? Vai ser o secretário de
Estado respectivo. Arte? Um director-geral chega.
Repetem-se as cenas pungentes, com lágrima de mãe, choro de
criança, esgares de pai e tremores de voz de toda a gente. Não há respeito pela
privacidade. Não há decoro nem pudor. Tudo em nome da informação em directo.
Tudo supostamente por uma informação humanizada, quando o que se faz é
puramente selvagem e predador. Assassinatos de familiares, raptos de crianças e
mulheres, infanticídios, uxoricídios e outros homicídios ocupam horas de
serviços.
A falta de critério
profissional, inteligente e culto é proverbial. Qualquer tema importante,
assunto de relevo ou notícia interessante pode ser interrompido por um
treinador que fala, um jogador que chega, um futebolista que rosna ou um adepto
que divaga.
Procuram-se presidentes e ministros nos corredores dos
palácios, à entrada de tascas, à saída de reuniões e à porta de inaugurações.
Dá-se a palavra passivamente a tudo quanto parece ter poder, ministro de
preferência, responsável partidário a seguir. Os partidos fazem as notícias, quase
as lêem e comentam-nas. Um pequeno partido de menos de 10% comanda canais e
serviços de notícias.
A concepção do pluralismo é de uma total indigência: se uma
notícia for comentada por cinco ou seis representantes dos partidos, há
pluralismo! O mesmo pode repetir-se três ou quatro vezes no mesmo serviço de
notícias! É o pluralismo dos *papagaios no seu melhor!
Uma consolação: nisto, governos e partidos parecem-se uns com
os outros. Como os canais de televisão.
*Papagaios não, chilreada de periquitos sim!*”
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