Independentemente do projecto em si
(SaIL), fixo-me no texto infra, para uma leitura que leve a uma ponderação
sobre os valores morais que, adulterados ao sabor de ventos e marés, vão
transformando as sociedades em algo de irracionalmente construído, todo um
mundo arrastado na violência e na virulência selvática da leviandade e do ódio
soltos, que os próprios governos apoiam, fingindo simpatias que não escondem
senão ambições, vaidades e egoísmos mascarados de virtude. Um excelente texto
de Afonso Teixeira da Mota, para
reflexão urgente, se é que esta existe ainda, independente do estômago e do ego
de cada um.
Só a Liberdade
Vergados às minorias colectivizadas,
aceitamos o cancelamento por parte dos que nos “libertam” de nós próprios, da
nossa inocência infantil, do nosso egoísmo, do nosso património, da nossa
religião...
AFONSO TEIXEIRA DA MOTA Membro da direção da SalL,
Associação para a defesa da Liberdade
OBSERVADOR, 10 jan 2022, 00:07
No processo de “grande reinício”
promovido pelo Fórum Económico Mundial, foram feitas uma série de previsões
sobre como será o mundo em 2030.
Pelo
menos relativamente a uma delas, atrevo-me a dizer que não se trata de uma
previsão, mas antes uma constatação
de facto, perfeitamente observável no mundo de 2022.
Segundo
essa previsão, “os valores
que construíram o Ocidente terão sido (até 2030) testados até ao seu ponto
de ruptura” (tradução
minha).
Creio
que isto já se verifica relativamente a muitos dos valores tradicionais do
Ocidente e em particular quanto ao valor estruturante da Liberdade.
A
compreensão tradicional de Liberdade, sem querer simplificar demasiado, via
nela, a
faculdade de procurar o bem por si mesmo, como exercício da razão e, em consequência, de escolher o bem em vez de escolher um mal. Certo é que a Liberdade, enquanto conceito implicou
sempre, pelo menos para o homem ocidental, um discernimento entre realidades de
valor diferente, pressupondo uma escala de valores, uma graduação assente na
verificação de que as coisas, os factos e os actos humanos são diversos, não têm
todos o mesmo valor, nem resultam nas mesmas consequências.
Abreviando
uma longa história, não é difícil observar que com a ilustração o mesmo homem ocidental decidiu abraçar a promessa de liberdade
sem condições.
Dolorosamente,
logo após a Revolução Francesa, a Europa experimentou o amargo sabor desse
elixir que parecia trazer a eterna felicidade aos homens, nas pontas das
baionetas dos soldados de Napoleão.
Desde
então, em nome de ideais mais ou menos libertadores ou libertários, o velho
continente, exangue, não deixou de avançar por esta senda, caminhando entre
turbulentas revoluções, quer liberais quer comunistas, filhas da mesma
promessa.
Daí
em diante a história é conhecida: o sonho da república de Weimar, liberdade
e niilismo, a reacção nacionalista germânica e o desastre de 39-45, que
paulatinamente conduziu os povos europeus ao desespero, e a mais niilismo, mais
relativismo e consequentemente a menos Liberdade, pelo menos daquela Liberdade
que não é autonomia negativa, que não se define apenas por não ter limites, que
não se constrói a si mesma por um subjectivismo e individualismo radical… E
assim chegámos a 68…
A
partir daí, avançámos, sem reflectir, para a aquilo a que CS Lewis
chamou a abolição do homem, num ambiente de aparente liberdade,
mas de uma nova liberdade que nos permite sair da nossa realidade, voltar as
costas àquilo que nos é próprio de maneira clara e evidente, uma liberdade
expressa pelo eufemismo da autodeterminação ou do livre desenvolvimento da
personalidade.
Em
consequência, num brevíssimo período de tempo, no prazo de uma geração, assistimos à deslocação da compreensão da realidade em
matérias de antropologia, de filosofia, de política e de direito. Aquilo que nos anos oitenta era aceitável, a nossa
mundividência, a verdade em que assentávamos os nossos planos, deslocou-se
debaixo dos nossos pés, até à marginalidade radical… As modas, os nossos
hábitos e costumes, mudaram até a um ponto em que tudo que estava para trás foi
sendo progressivamente posto em causa e proscrito.
À
semelhança do que aconteceu em momentos prévios, de forma aparentemente
liberal, assistimos ao que já sabemos de cor: cancelamento, restrição ao pensamento e às convicções
de cada um, penalização de comportamentos e opiniões tidas por anti sociais e
consequentemente ofensivas, chamadas genericamente “crimes de
ódio”, tudo em nome da liberdade, até à
inevitável imposição de uma nova ortodoxia.
Ao
sabor das obsessões dos «inovadores sociais», apetrechados de uma
cientificidade, nunca comprovada, assistimos
à manipulação da compreensão ocidental da liberdade, sujeitando-a a
perspectivas ideológicas, subjectivistas e individualistas. A pouco e
pouco, vai emergindo um novo conceito de liberdade, baseado
no que me apetece, no que sinto, no que quero…. desligado da realidade
objectiva e das consequências da acção humana, e a ordem social vai sendo
“renovada e substituída” de maneira arbitrária.
Num determinado ponto do processo, o
Estado assume como suas as novas convicções ideológicas e, com o poder que lhe
é próprio, trata de as disseminar indiscriminadamente ameaçando definitivamente
a Liberdade no seu sentido tradicional.
Aquilo que até aqui eram apenas visões
sectárias de pequenos grupos, passam a constituir o diktat do Estado, que as passa a tutelar efectivamente através
de instruções, normas e regulamentos que cristalizam os novos mandamentos.
O
Estado, por exemplo, sempre em nome da liberdade e de um princípio de não
discriminação, não tem hesitado em introduzir, em programas de ensino infantis
e juvenis, as chamadas teorias de género, que se vão
univocamente consolidando com prejuízo para todas as outras visões do homem,
perturbando muitas vezes o crescimento livre e equilibrado das crianças e
jovens.
Vergados
às minorias
colectivizadas, aceitamos
o cancelamento público por parte dos que, condescendentemente, nos libertam de
nós próprios, das nossas ideias tolas, da nossa inocência infantil, da nossa
maldade intrínseca, do nosso egoísmo, do nosso património, da nossa religião…
Confrontados
com esta realidade, no SalL, Associação para a defesa da Liberdade, juristas, médicos, arquitectos, professores, pais
e mães, filhos e estudantes, empenharam-se num projecto, cujo objectivo é
simples: procurar elevar de novo a discussão sobre toda esta
realidade e levá-la para fóruns em que não se faça apenas ruído, nem silêncio,
onde possa acontecer um diálogo racional baseado em tudo aquilo que nós somos,
sem pôr de parte, por preconceito, a realidade que nos coube viver e que temos
diante dos olhos, seja ela a realidade histórica, cultural, económica,
biológica, religiosa etc.
Sem presumir que temos a solução para
todos os problemas do homem, podemos contribuir para discutir algumas soluções
que têm sido adoptadas pelos poderes públicos, com base nesta concepção
negativa da liberdade, com impacto nas nossas liberdades de expressão, de
consciência, de profissão, de religião e de educação.
Pretendemos
contribuir para a avaliação da bondade dessas opções e ponderar as
consequências em que resultam.
Por
isso, a favor da liberdade na educação, a favor da liberdade dos pais a
educarem os filhos e dos filhos a terem uma educação integral, a favor da
liberdade dos professores, sem preconceitos baseados em ideologias, num pequeno
gesto, movemos
uma acção junto dos Tribunais Administrativos, que tem em vista a remoção dos
conteúdos ideológicos da disciplina de educação para a cidadania, que
comprovadamente têm tido impacto em muitas famílias, simplesmente por serem
contrárias às suas convicções mais profundas.
É
que o mundo das ideologias não é o mundo da realidade, mas o mundo da
fragmentação e do sectarismo, e em nome da nova liberdade, é bem provável que
acabemos novamente em campos de concentração, ainda que virtuais, privados da
verdadeira Liberdade.
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