Que, naturalmente, não será verdadeiro, embora o mundo pareça evoluir nesse sentido, tal o absurdo da degradação espiritual para que ele pende há muito, com a evolução das sociedades num sentido de democracia, que vai, imparavelmente, afundando requintes sociais e civilizacionais, ontem com as guerras massificadoras, hoje com as tecnologias robotizadoras que “Tempos Modernos” de Chaplin tão bem caricatura. A tristeza que é o desaparecimento do Latim e do Grego (e do Francês) nos liceus (que também desapareceram)! E todavia, quando leio as traduções dos clássicos gregos de Frederico Lourenço, a sua Bíblia incluída, fico feliz, ao ter em conta a persistência da raça humana em manter viva a chama vinda de tão longe, no tempo. Fredericos Lourenços irão nascendo, no mundo, sempre, bem como os Soares de Oliveira, a traduzir as máximas que fabricam, com as suas muitas leituras, tão necessárias a quem se limita às gotas que vão colhendo, aqui e ali, sem grande persistência, mas com a alegria que essas leituras, ou outras, vão proporcionando. Não, não quero crer na morte de Homero. Pese embora o crescendo de bestialidade… ou de encolhimento, pela preguiça mental…Quanto à Guerra Atómica… Deus, salva a nossa Terra!...
Facebook, Ontem às 13:01 ·
Quem matou
Homero?
Os patrões
industriais continentais europeus não conseguiram restabelecer no pós- I Guerra
Mundial a disciplina do trabalho. Os trabalhadores tinham saído da conflito mundial
conscientes da importância da sua condição. Logo surgiram novos dirigentes capazes de os manipular para fins políticos. O patronato recorreu também à
solução política. Na Itália,
na Alemanha, na Hungria e, finalmente, em Espanha, depois de três anos de
guerra civil sangrenta, a democracia parlamentar foi descartada e substituída
por modelos autoritários de discurso nacionalista. O patriotismo do povo serviu de tábua de salvação à
propriedade privada. Enquanto os cientistas recomendavam a especialização, os
políticos optavam pois pela massificação.
A identificação numa sociedade de classes era facilmente entendida por
todos. Era produto do amor de infância e guardava a ritualística de festa. Ainda trazia consigo a aldeia
e a freguesia. Já na sociedade de massas, produto da industrialização,
a liturgia era tóxica. A ritualística sindical não traz consigo qualquer
conforto para a alma. Taberna, comícios políticos,
greves, boycotts, pancadaria não inspiram coesão e solidariedade espontânea. Além do que, como notou Hannah Arendt, "um
grande número de indivíduos agrupado numa multidão desenvolvem uma tendência
quase irresistível para o despotismo". Era pois preciso algo mais. Em Portugal, a burguesia já tinha optado pelo
autoritarismo respeitador do folclore popular, vestido com a roupagem da
doutrina social da Igreja. O fascismo alemão (nazismo)
deitou mão ao racismo. A identificação própria odeia
o alienígena. Em Viena, o núcleo alemão original, sentindo-se perdido perante o
afluxo de imigrantes vindo do Leste, optou pela fusão com a Alemanha nazi.
Aliás, o führer alemão era austríaco. A perseguição dos judeus tornou-se praxe obrigatória em todo o espaço
germânico. Em França, os trabalhadores chegaram a tomar conta do poder. Os radicais apoiados pelo
grande capital representado pelo Comité des Forges perderam a maioria parlamentar no confronto com o Front Populaire. As greves e as manifestações populares passaram a ser
de rigor e a economia nacional entrou rapidamente em depressão. Comprovou-se
ali que a eficiência económica exige a injustiça social. O mundo sempre tinha sido
falho de lógica e a crescente artificialização, produto do avanço da ciência,
acentuou o seu cunho absurdo.
Por toda a parte, procuravam-se bons gestores. Salazar
era tido como tal; Paul Bauduin, banqueiro francês, era outro. Este propôs a subordinação do
Estado francês ao alemão uma vez que os nazis estavam a dar provas de terem
conseguido a cooperação do operariado. E não só propôs a combinação
transnacional como acabou por a realizar na qualidade de membro do governo do
regime de Vichy. O grande capital europeu manifestava pois
preferência por regimes autoritários - ainda que estrangeiros - capazes de
reporem pela força a autoridade dentro das fábricas. Perante
o flagelo do desemprego, as massas mostraram-se dispostas a abdicar dos seu
direitos a troco de habitação e alimentos. O recém-chegado fascismo prometia respostas a uns e
outros. Os lords ingleses também se deixaram influenciar pela doutrina de
Bauduin. O appeasement entrou na ordem do dia e levou o primeiro ministro
britânico duas vezes à Alemanha, donde regressou com um papel rubricado por
Hitler em que este se comprometia a não atacar sem consulta prévia.
"Paz no nosso tempo", bradou à sua chegada a Londres enquanto exibia
o dito papel. Confirmava-se que as elites não operam num vácuo
mas interagem entre si. Estaline, assustado, declarou o
"socialismo num só país" e passou a perseguir os partidários da
revolução marxista mundial.
O humanismo apagava-se no
horizonte e isto com gáudio de cientistas e artistas. C. P. Snow, romancista
policial e professor de Física em Cambridge, numa famosa oração de sapiência,
denunciou a atitude social "desprezível" dos humanistas. Não
se deu ele conta de que o cientismo tornou o cidadão indiferente à sorte do seu
semelhante.
Perante tais fenómenos, Arthur Koestler escritor judeu
húngaro nacionalizado inglês passou a certidão de óbito a Homero. "Quem matou Homero?" interroga-se num
escrito famoso e acrescenta "nada mais
triste do que a morte de uma ilusão". Versando o mesmo tema, Oscar Wilde emitira a seu tempo a opinião
de que o individualismo nasce com o homem mas não está
e nunca estará ao seu alcance. Tal era a origem do absurdo. O individualismo exerce atracção irresistível
mas não coage. Pelo contrário, diz ao homem que não deve tolerar nenhuma
coação. Dir-se-ia que homem ficou para todo o sempre saudoso do seu primitivo
passado de predador mas simultaneamente ficou consciente de que fora da
sociedade não há salvação.
Nem todos pensavam assim. Shostakovitch, , Graham Green,
St. Exupéry, Orwell, Malraux - cada um à sua maneira - não abdicaram. Para eles, não se
conformar era a marca do herói. A esta conclusão chegaria mais tarde Camus. " Se a razão se dirige a um mundo irracional é
preciso que criemos sentido por nós mesmos. Temos o desejo de felicidade e isso
permite-nos ir ao limite. Toda uma vida pode nascer como consequência de uma
boa batalha com o absurdo". E as batalhas - mais
sangrentas do que nunca - não se fizeram tardar. Já ocupavam a cena mundial
ainda antes de terminada a década absurda.
E assim chegamos à I Guerra Atómica.
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