sexta-feira, 14 de janeiro de 2022

Um título curioso

Que, naturalmente, não será verdadeiro, embora o mundo pareça evoluir nesse sentido, tal o absurdo da degradação espiritual para que ele pende há muito, com a evolução das sociedades num sentido de democracia, que vai, imparavelmente, afundando requintes sociais e civilizacionais, ontem com as guerras massificadoras, hoje com as tecnologias robotizadoras que “Tempos Modernos” de Chaplin tão bem caricatura. A tristeza que é o desaparecimento do Latim e do Grego (e do Francês) nos liceus (que também desapareceram)! E todavia, quando leio as traduções dos clássicos gregos de Frederico Lourenço, a sua Bíblia incluída, fico feliz, ao ter em conta a persistência da raça humana em manter viva a chama vinda de tão longe, no tempo. Fredericos Lourenços irão nascendo, no mundo, sempre, bem como os Soares de Oliveira, a traduzir as máximas que fabricam, com as suas muitas leituras, tão necessárias a quem se limita às gotas que vão colhendo, aqui e ali, sem grande persistência, mas com a alegria que essas leituras, ou outras, vão proporcionando. Não, não quero crer na morte de Homero. Pese embora o crescendo de bestialidade… ou de encolhimento, pela preguiça mental…Quanto à Guerra Atómica… Deus, salva a nossa Terra!...

 Texto de LUIS SOARES DE OLIVEIRA

Facebook, Ontem às 13:01  · 

Quem matou Homero?

Os patrões industriais continentais europeus não conseguiram restabelecer no pós- I Guerra Mundial a disciplina do trabalho. Os trabalhadores tinham saído da conflito mundial conscientes da importância da sua condição. Logo surgiram novos dirigentes capazes de os manipular para fins políticos. O patronato recorreu também à solução política. Na Itália, na Alemanha, na Hungria e, finalmente, em Espanha, depois de três anos de guerra civil sangrenta, a democracia parlamentar foi descartada e substituída por modelos autoritários de discurso nacionalista. O patriotismo do povo serviu de tábua de salvação à propriedade privada. Enquanto os cientistas recomendavam a especialização, os políticos optavam pois pela massificação.

A identificação numa sociedade de classes era facilmente entendida por todos. Era produto do amor de infância e guardava a ritualística de festa. Ainda trazia consigo a aldeia e a freguesia. Já na sociedade de massas, produto da industrialização, a liturgia era tóxica. A ritualística sindical não traz consigo qualquer conforto para a alma. Taberna, comícios políticos, greves, boycotts, pancadaria não inspiram coesão e solidariedade espontânea. Além do que, como notou Hannah Arendt, "um grande número de indivíduos agrupado numa multidão desenvolvem uma tendência quase irresistível para o despotismo". Era pois preciso algo mais. Em Portugal, a burguesia já tinha optado pelo autoritarismo respeitador do folclore popular, vestido com a roupagem da doutrina social da Igreja. O fascismo alemão (nazismo) deitou mão ao racismo. A identificação própria odeia o alienígena. Em Viena, o núcleo alemão original, sentindo-se perdido perante o afluxo de imigrantes vindo do Leste, optou pela fusão com a Alemanha nazi. Aliás, o führer alemão era austríaco. A perseguição dos judeus tornou-se praxe obrigatória em todo o espaço germânico. Em França, os trabalhadores chegaram a tomar conta do poder. Os radicais apoiados pelo grande capital representado pelo Comité des Forges perderam a maioria parlamentar no confronto com o Front Populaire. As greves e as manifestações populares passaram a ser de rigor e a economia nacional entrou rapidamente em depressão. Comprovou-se ali que a eficiência económica exige a injustiça social. O mundo sempre tinha sido falho de lógica e a crescente artificialização, produto do avanço da ciência, acentuou o seu cunho absurdo.

Por toda a parte, procuravam-se bons gestores. Salazar era tido como tal; Paul Bauduin, banqueiro francês, era outro. Este propôs a subordinação do Estado francês ao alemão uma vez que os nazis estavam a dar provas de terem conseguido a cooperação do operariado. E não só propôs a combinação transnacional como acabou por a realizar na qualidade de membro do governo do regime de Vichy. O grande capital europeu manifestava pois preferência por regimes autoritários - ainda que estrangeiros - capazes de reporem pela força a autoridade dentro das fábricas. Perante o flagelo do desemprego, as massas mostraram-se dispostas a abdicar dos seu direitos a troco de habitação e alimentos. O recém-chegado fascismo prometia respostas a uns e outros. Os lords ingleses também se deixaram influenciar pela doutrina de Bauduin. O appeasement entrou na ordem do dia e levou o primeiro ministro britânico duas vezes à Alemanha, donde regressou com um papel rubricado por Hitler em que este se comprometia a não atacar sem consulta prévia. "Paz no nosso tempo", bradou à sua chegada a Londres enquanto exibia o dito papel. Confirmava-se que as elites não operam num vácuo mas interagem entre si. Estaline, assustado, declarou o "socialismo num só país" e passou a perseguir os partidários da revolução marxista mundial.

O humanismo apagava-se no horizonte e isto com gáudio de cientistas e artistas. C. P. Snow, romancista policial e professor de Física em Cambridge, numa famosa oração de sapiência, denunciou a atitude social "desprezível" dos humanistas. Não se deu ele conta de que o cientismo tornou o cidadão indiferente à sorte do seu semelhante.

Perante tais fenómenos, Arthur Koestler escritor judeu húngaro nacionalizado inglês passou a certidão de óbito a Homero. "Quem matou Homero?" interroga-se num escrito famoso e acrescenta "nada mais triste do que a morte de uma ilusão". Versando o mesmo tema, Oscar Wilde emitira a seu tempo a opinião de que o individualismo nasce com o homem mas não está e nunca estará ao seu alcance. Tal era a origem do absurdo. O individualismo exerce atracção irresistível mas não coage. Pelo contrário, diz ao homem que não deve tolerar nenhuma coação. Dir-se-ia que homem ficou para todo o sempre saudoso do seu primitivo passado de predador mas simultaneamente ficou consciente de que fora da sociedade não há salvação.

Nem todos pensavam assim. Shostakovitch, , Graham Green, St. Exupéry, Orwell, Malraux - cada um à sua maneira - não abdicaram. Para eles, não se conformar era a marca do herói. A esta conclusão chegaria mais tarde Camus. " Se a razão se dirige a um mundo irracional é preciso que criemos sentido por nós mesmos. Temos o desejo de felicidade e isso permite-nos ir ao limite. Toda uma vida pode nascer como consequência de uma boa batalha com o absurdo". E as batalhas - mais sangrentas do que nunca - não se fizeram tardar. Já ocupavam a cena mundial ainda antes de terminada a década absurda.

E assim chegamos à I Guerra Atómica.

 

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