segunda-feira, 31 de janeiro de 2022

Não há fome


Que não dê em fartura. Foi o que mais nos alarmou, nestas eleições de brincadeira: a quantidade de partidozinhos sem expressão  suficiente, mas que pulularam de repente, a dizer do seu bestunto, nitidamente para exibirem diversas figuras  da nossa mendicidade hodierna, a que a televisão, com uma seriedade que a mim me pareceu antes troça – ou menoridade também - chamou ao palco das baboseiras politiqueiras dessa nossa menoridade mental. Fragmentação foi obra, de facto, por cá. Até o Tino de Rans voltou a esse palco da nossa democracia de “sapatinho bate bem”…

A fragmentação que ainda nos ultrapassa

A institucionalização das questões políticas dá-lhe um cunho de durabilidade e legitimidade que não volta atrás.

DIANA SOLLER, Colunista do Observador

OBSERVADOR, 29 jan 2022

Tornou-se um lugar-comum dizer que a democracia nos países europeus está em crise. Alega-se que nasceram e cresceram, nos diferentes estados, movimentos populistas e extremistas (acrescento, tanto à direita como à esquerda), muitos com assento parlamentar. Os que não têm poder institucional suficiente, têm apoio popular que os legitima, acabando por transformar as agendas políticas dos partidos moderados com propostas mais arrojadas e, essencialmente, com propostas discriminatórias. Da direita vem um nacionalismo exclusivista, da esquerda a radicalização da igualdade.

Numa democracia, estas expressões são tão legítimas como quaisquer outras – o que não quer dizer igualmente toleráveis. O estado de direito permite que qualquer força ideológica se possa expressar em igualdade de circunstâncias. E, quer queiramos quer não, os movimentos populistas e extremistas (não têm de ser uma e a mesma coisa) surgem em momentos de profunda crise social. Desde 2008 que a Europa já não é a Europa da prosperidade nem da solidariedade. Desde 2013 que a Europa se debate com crises migratórias – que dão azo a todo o tipo de preconceitos muito facilmente instrumentalizáveis e a ataques híbridos de países terceiros. Desde 2019 a Europa passou a ser tão permeável a problemas de saúde pública como qualquer outro continente. E a pandemia demonstrou ainda que as nossas desigualdades sociais são acentuadas e as nossas liberdades frágeis. As populações estão cada vez mais descrentes da bondade dos partidos políticos, e cada vez mais atentas a comportamentos erráticos, nomeadamente no que respeita à corrupção e à resposta da justiça.

A todas estas questões junta-se uma outra de que pouco se fala na imprensa: a crise institucional que a chegada de um sem número de pequenos partidos trouxe para os estados. Se até à década passada havia uma certa estabilidade na estrutura político-partidária, ela estilhaçou-se, dando lugar a um fenómeno a que chamamos fragmentação.

A definição é evidente: num espaço político ocupado por forças tradicionais e mais ou menos estáveis, há agora dois problemas: o da imprevisibilidade e o da governabilidade.

A imprevisibilidade está em dois domínios: o eleitoralos eleitores dos partidos de protesto são extremamente voláteis, o que faz com que os números mudem de eleição para eleição – e ao nível da constituição parlamentar. Os pequenos partidos impedem maiorias absolutas e passam a ser parte da decisão das coligações que as substituem. Evidentemente, este problema tem características mais vincadas em sistemas semipresidencialistas e parlamentares, que dependem de coligações para governar com estabilidade.

Tem sido adotada uma de duas soluções: a constituição de blocos de esquerda e de direita que no seu conjunto cheguem à maioria. É o caso da coligação “Frankensteinem Espanha que junta todos os partidos de esquerda, mesmo os dos extremos e os separatistas. Esta solução tem dois riscos enormes: a normalização dos extremismos e a consolidação de um falso sistema bipartidário. Nos tempos que correm vamos sabendo que um sistema de dois blocos – ou dois partidos quase-únicos – vem com um risco de substituir a fragmentação pela polarização, um fenómeno que me parece bem mais perigoso e difícil de combater.

A outra possibilidade são as coligações entre partidos do centro político. É o caso da Alemanha, que neste momento é governada pela coligação “Semáforo” (sociais democratas, liberais e verdes), mas foi por muitos anos liderada pela “Grande Coligação” que unia democratas cristãos e sociais democratas. Esta solução também não é perfeita. Os “blocos centrais” são tendencialmente estáticos e tendem a esbater as opções políticas. Aqui o que pode acabar por acontecer é a criação de uma grande indiferença pública em relação à política, que se torna uma sucessiva repetição do que já foi, e deixa os eleitores sem opções reais.

Nenhum dos cenários é famoso. Mas é destas questões de ideologia e governabilidade que deve ser feito o debate na Europa. Se sobre a primeira têm corrido rios de tinta, sobre a segunda pouco de fala. E não devia ser assim. A institucionalização das questões políticas dá-lhe um cunho de durabilidade e legitimidade que não volta atrás. Daí a importância de pôr estes temas em cima da mesa o mais brevemente possível.

DEMOCRACIA    SOCIEDADE   EUROPA   MUNDO

COMENTÁRIOS

Vou ali e já volto: Entre o nacionalismo exclusivista e a radicalização da igualdade, venha o diabo e escolha. Os blocos centrais apenas cumprem a sua função se conseguem expor esta polarização ao seu ridículo e insignificância, por ser totalmente inadmissível. Outra forma de controlar a polarização, e então a fragmentação pode ser útil, é obrigar os deputados a ocupar lugar no Parlamento de forma aleatória, sem estarem acantonados como os árabes em Paris: quando o deputado André Ventura tiver de sentar ao lado da deputada Joacine Katar Moreira, ambos acabarão por moderar as suas intervenções, ou ambos serão postos para fora do Parlamento. Pode-se até pensar “uma já foi”. Mas se esta for substituída pelo que está a correr no lugar dela, fazê-lo sentar-se a lado do outro tornar-se-á um momento de apreciação. A polarização apenas é possível pelo distanciamento ou acantonamento. A proximidade cria novos sabores, que funcionarão como atenuantes da polarização. Por que não projetar uma Grande Coligação capaz de incluir estes extremos que conseguirem perceber o ridículo das suas propostas? Há que andar para a frente e deixar-se de lamúrias!              Francisco Tavares de Almeida: Gostei de ler. É muito mais um artigo de jornalista do que de comentador, apresenta os factos e não escolhe as soluções.           klaus mullerFrancisco » Tavares de Almeida: Graças a Deus que já lá vai o tempo em que a Diana se sentia na obrigação de dizer mal do Trump em cada artigo que publicava, mesmo que não viesse a propósito.            bento guerra: Não sei se a democracia está em crise, mas sei que não presta. A maneira como se organiza o espectáculo dos votos, em Portugal, ou agora, em Itália, a escolha do próximo Presidente, mostram a distância entre os "donos do negócio" e o sentimento popular.

 

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