Que não dê em fartura. Foi o que mais nos alarmou, nestas eleições de brincadeira: a quantidade de partidozinhos sem expressão suficiente, mas que pulularam de repente, a dizer do seu bestunto, nitidamente para exibirem diversas figuras da nossa mendicidade hodierna, a que a televisão, com uma seriedade que a mim me pareceu antes troça – ou menoridade também - chamou ao palco das baboseiras politiqueiras dessa nossa menoridade mental. Fragmentação foi obra, de facto, por cá. Até o Tino de Rans voltou a esse palco da nossa democracia de “sapatinho bate bem”…
A
fragmentação que ainda nos ultrapassa
A institucionalização das
questões políticas dá-lhe um cunho de durabilidade e legitimidade que não volta
atrás.
DIANA SOLLER, Colunista do Observador
OBSERVADOR, 29 jan
2022
Tornou-se
um lugar-comum dizer que a democracia nos países europeus está em crise.
Alega-se que nasceram e cresceram, nos diferentes estados, movimentos
populistas e extremistas (acrescento, tanto à direita como à esquerda), muitos
com assento parlamentar. Os que não
têm poder institucional suficiente, têm apoio popular que os legitima, acabando
por transformar as agendas políticas dos partidos moderados com propostas mais
arrojadas e, essencialmente, com propostas discriminatórias. Da
direita vem um nacionalismo exclusivista, da esquerda a radicalização da
igualdade.
Numa
democracia, estas expressões são tão legítimas como quaisquer outras – o que
não quer dizer igualmente toleráveis. O estado de direito permite que qualquer
força ideológica se possa expressar em igualdade de circunstâncias. E, quer
queiramos quer não, os movimentos populistas e extremistas (não têm de ser uma
e a mesma coisa) surgem em momentos de profunda crise social. Desde 2008 que
a Europa já não é a Europa da prosperidade nem da solidariedade. Desde
2013 que a Europa se debate com crises migratórias – que dão azo a todo o tipo
de preconceitos muito facilmente instrumentalizáveis e a ataques híbridos de
países terceiros. Desde 2019 a Europa passou a ser tão permeável a
problemas de saúde pública como qualquer outro continente. E a pandemia
demonstrou ainda que as nossas desigualdades sociais são acentuadas e as nossas
liberdades frágeis. As populações estão cada vez mais descrentes da bondade
dos partidos políticos, e cada vez mais atentas a comportamentos erráticos,
nomeadamente no que respeita à corrupção e à resposta da justiça.
A todas estas questões junta-se uma
outra de que pouco se fala na imprensa: a crise institucional que a chegada de
um sem número de pequenos partidos trouxe para os estados. Se até à década
passada havia uma certa estabilidade na estrutura político-partidária, ela
estilhaçou-se, dando lugar a um fenómeno a que chamamos fragmentação.
A
definição é evidente: num espaço político ocupado por forças tradicionais e
mais ou menos estáveis, há agora dois problemas: o da imprevisibilidade e o da governabilidade.
A imprevisibilidade
está em dois domínios: o eleitoral – os
eleitores dos partidos de protesto são extremamente voláteis, o que faz com que
os números mudem de eleição para eleição – e ao nível da constituição
parlamentar. Os pequenos
partidos impedem maiorias absolutas e
passam a ser parte da decisão das coligações que as substituem.
Evidentemente, este problema tem características mais vincadas em sistemas
semipresidencialistas e parlamentares, que dependem de coligações para governar
com estabilidade.
Tem
sido adotada uma de duas soluções: a
constituição de blocos de esquerda e de direita que no seu conjunto cheguem à
maioria. É o caso da
coligação “Frankenstein” em Espanha que junta todos os partidos de esquerda, mesmo os
dos extremos e os separatistas. Esta solução tem dois riscos enormes:
a normalização dos extremismos e a
consolidação de um falso sistema bipartidário. Nos tempos que correm vamos sabendo que um sistema
de dois blocos – ou dois partidos quase-únicos – vem com um risco de
substituir a fragmentação pela polarização, um fenómeno que me parece bem mais
perigoso e difícil de combater.
A
outra possibilidade são as coligações entre partidos do centro político. É o caso da Alemanha, que neste momento é
governada pela coligação “Semáforo” (sociais democratas, liberais e verdes), mas foi por muitos anos liderada pela “Grande
Coligação” que unia democratas cristãos e sociais democratas. Esta solução
também não é perfeita. Os “blocos centrais” são tendencialmente estáticos e
tendem a esbater as opções políticas. Aqui o que pode acabar por acontecer é a
criação de uma grande indiferença pública em relação à política, que se torna
uma sucessiva repetição do que já foi, e deixa os eleitores sem opções reais.
Nenhum
dos cenários é famoso. Mas é destas
questões de ideologia e governabilidade que deve ser feito o debate na Europa. Se sobre a primeira têm corrido rios de tinta,
sobre a segunda pouco de fala. E não devia ser assim. A institucionalização
das questões políticas dá-lhe um cunho de durabilidade e legitimidade que não
volta atrás. Daí a importância de pôr estes temas em cima da mesa o mais
brevemente possível.
DEMOCRACIA SOCIEDADE EUROPA MUNDO
COMENTÁRIOS
Vou ali e já volto: Entre o
nacionalismo exclusivista e a radicalização da igualdade, venha o diabo e
escolha. Os blocos
centrais apenas cumprem a sua função se conseguem expor esta polarização ao seu
ridículo e insignificância, por ser totalmente inadmissível. Outra forma de controlar a polarização, e então a
fragmentação pode ser útil, é obrigar os deputados a ocupar lugar no
Parlamento de forma aleatória, sem estarem acantonados como os árabes em Paris:
quando o deputado André Ventura tiver de sentar ao lado da deputada Joacine
Katar Moreira, ambos acabarão por moderar as suas intervenções, ou ambos serão
postos para fora do Parlamento. Pode-se até pensar “uma já foi”. Mas se esta
for substituída pelo que está a correr no lugar dela, fazê-lo sentar-se a lado
do outro tornar-se-á um momento de apreciação. A polarização apenas é possível pelo distanciamento ou
acantonamento. A proximidade cria novos sabores, que funcionarão como
atenuantes da polarização. Por que não projetar uma Grande Coligação capaz de
incluir estes extremos que conseguirem perceber o ridículo das suas propostas? Há
que andar para a frente e deixar-se de lamúrias! Francisco Tavares de Almeida: Gostei de ler. É muito mais um artigo de jornalista do
que de comentador, apresenta os factos e não escolhe as soluções. klaus mullerFrancisco » Tavares de Almeida: Graças a Deus que já lá vai o tempo em que a Diana se
sentia na obrigação de dizer mal do Trump em cada artigo que publicava, mesmo
que não viesse a propósito. bento guerra: Não sei se a democracia está em crise, mas
sei que não presta. A maneira como se organiza o espectáculo dos votos, em
Portugal, ou agora, em Itália, a escolha do próximo Presidente, mostram a
distância entre os "donos do negócio" e o sentimento popular.
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