sexta-feira, 30 de setembro de 2022

Antes pelo contrário


Para um texto isento – de JOÃO MARQUES DE ALMEIDA – um comentário realista, que repito, com prazer, de Ark NabuL : «A novilíngua neo-marxista dilui todos os conceitos. Como diz quem sabe, usam as mesmas palavras mas um dicionário diferente. Fascismo significa, para eles, que são quem manda na comunicação social e nas instituições mundiais, toda a pessoa que se opõe à nova grande religião secular. Porque sabem que a religião cristã se opõe como alternativa religiosa, gritam fascismo. Porque sabem que a nação atrasa a revolução mundial que está em marcha, gritam fascismo. Porque sabem que a família é um obstáculo na criação da Guarda Vermelha Maoista, gritam fascismo. Orban, no meio de todos os seus defeitos e virtudes, irá ficar para a história, se ainda houver quem a pratique daqui por poucas décadas, como um herói na Hungria, por ter construído um dique perante a maré vermelha que alastra no mundo». 

Coisas assustadoras para que já apontava George Orwell no seu monstruoso «1984», de uma sociedade sem alternativa.

 

Assustar com o “fascismo” já não chega

Nada tenho contra Draghi mas valorizo acima de tudo a democracia. Por isso, acho que é muito bom para a democracia italiana que a vencedora das eleições seja a próxima PM de Itália. 

JOÃO MARQUES DE ALMEIDA, Colunista do Observador

OBSERVADOR, 28 set 2022, 05:1548

É impressionante como o chamado “pensamento de manada”, ou a recusa em pensar de um modo independente, domina a análise e o comentário político. A propósito das eleições em Itália (e também na Suécia), quase todos os cronistas falam do “neo-fascismo”, do “pós-fascismo”, da “extrema direita” sem pensar sobre o que estão a escrever e sobre a validade e o rigor dos conceitos que usam. Escrevem isso porque os outros que “pensam” como eles também o fazem. Parece que escrevem com fórmulas copiadas e gastas em vez de argumentos bem pensados. Chegámos a uma pobreza intelectual que mete dó. 

Parece óbvio que o eleitor comum (em cada vez mais países europeus) percebe muito melhor o que é o fascismo do que os comentadores. A Europa não ficou subitamente cheia de fascistas. Talvez fosse mais útil tentar perceber esse eleitorado do que simplesmente tentar assustá-lo com a palavra fascista. Não funciona. Além disso, a vulgarização do termo fascismo é terrível: quem se preocupa verdadeiramente com a liberdade, a justiça e a democracia não vulgariza uma ideologia que assassinou milhões de pessoas e destruiu países inteiros. Se não querem aprender, sejam pelo menos responsáveis.  

Obviamente, Meloni não é fascista. É uma conservadora e nacionalista, com algumas semelhanças com os conservadores britânicos. Ao contrário dos comunistas portugueses, na guerra da Ucrânia está ao lado de quem luta pela liberdade nacional e pela democracia, contra o imperialismo militar russo. Sim, defende “Deus, pátria e a família.” Mas isso não significa ser “fascista”. A esmagadora maioria dos Católicos, dos patriotas e daqueles que consideram a família como o elemento central das nossas sociedades não é fascista. O facto de Mussolini ter usado a mesma expressão, como alguns notaram, não serve para colocar Meloni na família fascista. Stalin também usava a expressão “classe trabalhadora”, e isso não significa que todos os socialistas e sociais democratas que também a usam sejam comunistas.   

Aliás, vale a pena recordar uma data: 20 de Setembro de 2019, 80 anos depois do início da Segunda Guerra Mundial. No Parlamento Europeu, o grupo dos Conservadores, do qual o partido de Meloni faz parte, apresentou uma resolução a condenar os crimes dos totalitarismos comunista, fascista e nazi. Mais de 80% dos deputados europeus votaram a favor da resolução. No caso dos representantes portugueses, o PS, o PSD, o CDS e o PAN votaram a favor. O PCP e o Bloco votaram contra. Na questão política mais importante da história europeia do século XX, democracia vs totalitarismos, o PCP e o Bloco votaram ao lado dos totalitarismos, e o partido de Meloni votou ao lado das democracias. No editorial de segunda feira, o Director do Público mostra uma grande preocupação com a “extrema direita” dos Irmãos de Itália, falando ao mesmo tempo da “normalização” do PCP. Em que mundo vive este senhor? Até onde se pode ir para negar a realidade?  

Também é verdade que no passado Meloni foi dura com a União Europeia. Mas criticar Bruxelas ou ser eurocéptico não é equivalente a ser fascista. A União Europeia foi formada por países democráticos, pluralistas e com sociedades abertas. É inteiramente legítimo atacar a União Europeia. Nas democracias liberais, nada está acima das críticas. Além disso, as críticas de Meloni à Europa devem ser entendidas no contexto italiano.

Há problemas muito sérios com a democracia italiana. Nem é preciso recuar à profunda corrupção da Primeira República, dominada pelos socialistas e os democrata-cristãos, e ambos pró-europeus. Basta ir a 2008, o último ano em que a Itália viu o vencedor das eleições chegar a PM. É verdade que nas democracias representativas, por vezes, os PMs não são os vencedores das eleições (muito provavelmente, vai acontecer isso na Suécia). Mas 14 anos sem um vencedor das eleições a PM é um problema sério. O que sentiriam os portugueses se isso acontecesse em Portugal?

Em 2011, no meio da crise financeira, Berlusconi foi deposto por Berlim e Paris, e substituído por Mário Monti. Os seja, Merkel e Sarkozy, na altura, substituíram os eleitores italianos. Desde aí, a Europa tornou-se menos popular em Itália, o que não surpreende. E muitas críticas são dirigidas ao domínio da Alemanha e da França e não à União Europeia, o que é diferente. Após as eleições de 2013, o líder da coligação de esquerda, Bersani, não conseguiu formar governo (não tinha maioria absoluta), e foi Lette que chegou a PM, fazendo uma coligação com Berlusconi (que credibilidade tem agora Lette para chamar “neo fascista” a uma coligação onde está um seu antigo aliado?). Em 2015, num golpe dentro dos Democratas, Renzi substituiu Lette como PM, daí o ódio entre os dois e a impossibilidade de terem feito uma coligação de centro esquerda contra a direita liderada por Meloni. Nas eleições de 2018, as chamadas eleições dos populismos, o vencedor foi a 5 Estrelas, com a Liga em segundo lugar. Mas o PM foi um independente, Conte, porque ninguém confiava no líder da 5 Estrelas, Di Maio, ou no líder da Liga, Salvini. Em 2021, Conte foi substituído por outro PM não eleito, Draghi.

Nada tenho contra Draghi, foi um grande Presidente do BCE e espero que seja o próximo Presidente italiano (e o mais rapidamente possível), mas valorizo acima de tudo a democracia. Por isso, acho que é muito bom para a democracia italiana que a vencedora das eleições seja a próxima PM de Itália. 

Também celebro que pela primeira vez a Itália tenha uma mulher como PM. Como estariam os nossos comentadores a celebrar se a esquerda italiana tivesse eleito uma mulher como PM. Mas a esquerda italiana não gosta de mulheres líderes. Desde 1945, o PS italiano e depois o Partido Democrata nunca tiveram uma mulher como candidata a PM. E a direita tem sido igual, com a excepção de Meloni agora.    

Mas, apesar das celebrações iniciais, não estou optimista em relação ao futuro governo italiano. Julgo que será mais moderado do que muitos julgam, e Meloni e Draghi poderão mesmo fazer uma aliança que eleve o ainda PM a Presidente italiano. Mas é a primeira vez que os Irmãos de Itália vão governar e convém que haja um escrutínio apurado sobre o governo. Sobretudo, convém prestar atenção a tentações para violar o estado de direito e a independência da justiça, mas isso aplica-se a muitos partidos políticos. Também será importante observar se o governo irá contribuir para uma maior polarização em relação à oposição democrática. Se é um enorme disparate chamar fascista a Meloni, também será um grande erro se o futuro governo de Itália diabolizar a oposição. 

Mas, pior ainda, são os aliados de Meloni, Berlusconi e Salvini. Não são de confiança. Serão os maiores adversários de Meloni e passarão a vida a conspirar contra ela. Berlusconi é um sexista sem princípios nem maneiras que nunca aceitará uma mulher como líder. Salvini não perdoa ter sido ultrapassado por Meloni. O melhor que poderia acontecer a Meloni seria a substituição de Salvini na presidência da Liga por alguém disposto a trabalhar de um modo construtivo com os Irmãos de Itália. Mas desconfio que a democracia italiana continuará na mesma: incapaz de resolver os problemas mais sérios que o país enfrenta. Isso é que é grave. Esqueçam o fascismo

DEMOCRACIA   SOCIEDADE   ITÁLIA   EUROPA   MUNDO

COMENTÁRIOS:

João Floriano: Mas 14 anos sem um vencedor das eleições a PM é um problema sério Em 2015 aconteceu-nos o mesmo. Dir-me-ão que a partir daí António Costa já venceu mais duas eleições legislativas e uma delas com maioria absoluta mas a verdade é que em 2015 a História de Portugal deu uma reviravolta inesperada e não anunciada, pelo menos para a maioria dos eleitores e isso tem tido consequências desastrosas na nossa democracia. Nunca saberemos o que poderia ter sido Portugal se a geringonça não tivesse existido. Em relação ao texto de JMA, está felizmente desgarrado da manada. Faz a separação nítida entre Meloni e os seus parceiros do poder e a análise é objectiva e  clara. A esquerda vai ter de arranjar outro papão porque está claro que o papão do fascismo já não serve para as famosas linhas vermelhas. Foi demasiado banalizado.                   Pedro Ferreira > Mario Guimaraes:  Não sei quem é mais fascista, se a Meloni ou as pessoas que acham que todos os outros devem pensar como elas                 Madalena Sa:  Muito bem, alguém que fale com clareza! Ja chega de demagogia!                João Floriano > Fernando Cascais: Excelente comentário. Mais tarde ou mais cedo e eu parece-me que será mais cedo, a Europa vai ter de se confrontar com  a realidade e a realidade é que é impossível escancarar as portas da Europa e dar um bom acolhimento  a todos os emigrantes, refugiados, fugitivos da miséria e da guerra, já não só de África e Ásia mas agora também da própria Europa com a guerra na Ucrânia. O comentário do Fernando fala na concorrência desleal no sector laboral, mas há outros aspectos a considerar como as más condições de alojamento, a ilegalidade da permanência que gera todo o tipo de chantagem e exploração e a importação de diferentes culturas que facilitam a formação de ghettos. Os governos europeus vão ter de enfrentar um banho gélido de realidade              Fernando Cascais: O sucesso eleitoral dos ditos partidos populistas ou de extrema direita está muito relacionado com a emigração. Trump falava da construção de um muro com México, Le Pen defende os valores culturais franceses e agora Meloni quer criar uma solução para impedir o salto dos emigrantes para Itália através do mediterrâneo. Nas últimas eleições na Suécia o tema da emigração também deu uma vitória á direita. O nosso André Ventura também carrega na tecla da xenofobia, porque a esquerda em associação com a Comunicação Social classifica qualquer abordagem á emigração como xenofobia ou racismo. A verdade é que os países que acolhem as massas de emigrantes que fogem dos seus países pelas mais variadas razões são muito influenciados nas suas dinâmicas económicas e sociais pelo grande número de emigrantes que recebem. Para as esquerdas e centro direita a emigração é um não assunto. Para a sociedade civil votante a emigração é uma preocupação grave, importante e actual. Em países como Suécia, Noruega, Finlândia ou mesmo Alemanha existe um sentido cívico apuradíssimo. As sociedades têm o seu desenvolvimento económico e social construído nos alicerces do civismo. Se estas sociedades vêem toda a sua base social a ser desconstruída pela integração de novas culturas trazidas por ondas maciças de emigrantes, obviamente, que é um assunto importante para as pessoas que pode gerar um sentimento de revolta. O problema das esquerdas e centro-direita é não saberem como abordar o assunto de forma politicamente correcta para não caírem nas acusações de xenofobia e racismo. Augusto Santos Silva é um bom exemplo. Em Portugal o CHEGA também vai continuar a crescer com eleitorado dissidente dos socialistas. Os ordenados em Portugal são muito baixos e a culpa, em parte, é dos emigrantes que se sujeitam a ordenados míseros e a condições de vida sem a mínima qualidade. A emigração é uma concorrência desleal á mão-de-obra portuguesa, dizem já muitas bocas que votaram Costa. A segurança que tem vindo a piorar será outro motivo. Também o gestão dos impostos, designadamente, a serem gastos com os de fora leva votos para o CHEGA. O voto é secreto, e quem vota são os portugueses, não os emigrantes. As esquerdas e centro-direita, mais tarde ou mais cedo, terão que debater as políticas de emigração e segurança sem medo de serem chamados de xenófobos ou racistas. Só assim poderão  manter-se na corrida eleitoral com a extrema direita. A emigração e as políticas de imigração serão o tema político principal desta década.               Tristão: Como se costuma dizer, “está-lhe na massa do sangue”, os me(r)dia esquerdistas vão continuar a sua desonestidade intelectual, aliás, não sabem ser de outra forma, de qualquer forma louvo-lhe o esforço… e como alguém disse, ao chamar fascistas a estes partidos populistas ou mesmo de extrema-direita o que está a fazer é ofender a memória de milhões que morreram e sofreram às mãos dos verdadeiros fascistas e ao mesmo tempo a dar uma ideia errada do que foi o verdadeiro fascismo às gerações mais novas, pois se isto é fascismo então afinal não é assim tão errado. Enfim, tudo uma porca miséria!                 João Ramos: Bom artigo, sem complexos e de uma grande objectividade… ou então somos todos fascistas, só não o são a inútil esquerda que apenas serve para dar cabo dos países!!!               João Eduardo Gata: A Maioria do Jornalismo Português é LIXO esquerdóide, ou seja, é Jornalixo !            Joana Fernandes: Excelente! Muito obrigada pela análise desempoeirada e esclarecida como sempre! Parabéns, JMA!              Censurado sem razão: Mas não esqueçam nunca o comunismo. Ele anda por aí e mais aceso do que nunca. Mudando de assunto. Porque deixou de ser comentador da sic? Muito apreciei as suas intervenções. Até disse para a minha esposa, isto não vai durar muito. O Ricardo Costa pensou, talvez, que você se auto censuraria na presença da estação do irmão do PM.  Você terá sempre o meu respeito. Só lamento que a maioria do comentariado nacional baixe as calças ao Costa.                 Lucas Corso: "Mas 14 anos sem um vencedor das eleições a PM é um problema sério. O que sentiriam os portugueses se isso acontecesse em Portugal?" Claro que não sendo 14 anos, Portugal também teve duas ocasiões em que isso sucedeu. Nos final dos anos 70, como dois governos de iniciativa presidencial, liderados por Maria de Lurdes Pintassilgo e Carlos Mota Pinto. Mais recentemente em 2015, com um primeiro-ministro que não ganhou as eleições, António Costa, a chegar ao poder por uma jogada palaciana. Os portugueses não se escandalizaram, mas imagino que teriam uma síncope se essa jogada tivesse vindo de outra área política.                Tiago Manso: Sim. Esquecem o fascismo. Não existe e é um mito da comunicação social e comentadores, que acham que direita a sério é ser fascista, enquanto com toda a benevolência branqueiam a extrema esquerda, essa sim, nunca banida da Europa, e que, já agora, matou muitos mais milhões que o Hitler!             Ark NabuL > Mario Guimaraes: A novilíngua neo-marxista dilui todos os conceitos. Como diz quem sabe, usam as mesmas palavras mas um dicionário diferente. Fascismo significa, para eles, que são quem manda na comunicação social e nas instituições mundiais, toda a pessoa que se opõe à nova grande religião secular. Porque sabem que a religião cristã se opõe como alternativa religiosa, gritam fascismo. Porque sabem que a nação atrasa a revolução mundial que está em marcha, gritam fascismo. Porque sabem que a família é um obstáculo na criação da Guarda Vermelha Maoista, gritam fascismo. Orban, no meio de todos os seus defeitos e virtudes, irá ficar para a história, se ainda houver quem a pratique daqui por poucas décadas, como um herói na Hungria, por ter construído um dique perante a maré vermelha que alastra no mundo.                Paulo Cardoso: Muito bem!!!👏👏👏

A Internet explica


Com a precisão adequada:

Significado de Cinismo: O que é Cinismo:

«Cinismo, palavra com origem no termo grego kynismós, é um sistema e doutrina filosófica dos cínicos. Em sentido figurado o cinismo tem uma conotação pejorativa, sendo que designa um homem agudo e mordaz que não respeita os sentimentos e valores estabelecidos nem as convenções sociais. Alguém considerado cínico também pode ser alguém que é desavergonhado, descarado, imprudente, impassível ou obsceno.

O cinismo foi uma escola filosófica grega, fundada por Antístenes, discípulo de Sócrates. O seu nome deriva, segundo vários testemunhos, do facto de alguns membros da escola se reunirem no Cinosargo, ginásio situado perto de Atenas. Segundo outros, a sua origem vem da palavra grega kýon (que significa "cão"), pelo facto de Diógenes de Sinope dormir no local que era usado frequentemente como abrigo para cães, para assim demonstrar o seu desacordo com o modo de viver dos homens.

A maior virtude para eles era a autarcia, o que se basta a si mesmo, e renunciar os bens e prazeres terrenos até conseguir uma total independência das necessidades vitais e sociais. O autodomínio permitia alcançar a felicidade, entendida como o não ser afectado pelas coisas más da vida, pelas leis e convencionalismos, que eram valorizados de acordo com o seu grau de conformidade com a razão.

O ideal do sábio era a indiferença perante o mundo. As origens da escola, que remontam aos séculos III e II A.C., com um ressurgimento posterior, nos séculos I e II d.C., foram objeto de discussão. Alguns filósofos a classificam como escola socrática, na linha de Sócrates-Antístenes-Diógenes. Outros negam a relação Antístenes-Diógenes, não a consideram uma escola socrática e vêem em Diógenes o seu fundador e inspirador

 

No breve texto da Internet encontramos, pois, a justificação de muitas das tais atitudes das gentes, de que trata PAULO TUNHAS, que pairam no alto de uma pretensa competência, porque de conceito contrário ao da norma, mesmo esse tal de Diógenes, que andava de candeia em pleno dia à procura do “Homem”. Provavelmente esses que apoiam Putin são os da singularidade, da convicção do seu pairar superior, indiferentes, pois, aos caminhos das dores e das normas cordatas, achando em Putin o homem Diógenes, embora possuindo – esses - outros méritos vivenciais - naturalmente repudiando a pipa onde aquele repousava, preferencialmente adoptada pelos sem-abrigo de hoje, indiferentes, estes, é certo, à candeia, e até servidos pelos generosos distribuidores do seu alimento da mândria diária. As conversas são como as cerejas. Acabam todas no caroço cuspido.

Os tais admiradores de Diógenes, que se julgam imaculados, outrora fixavam-se no Marx. Ou no Mao. Hoje é no Putin. Uma forma de se distinguirem. Com ou sem candeia. E sem sequer viverem em pipa.

 

O sofrimento e a mentira

O que me surpreendeu foi a reacção de alguma gente no Ocidente e particularmente em Portugal. O sofrimento da população ucraniana é como se não existisse, como se fosse fruto da acção dos seus líderes.

PAULO TUNHAS

OBSERVADOR, 29 set 2022, 00:1918

Há um certo número de condições necessárias para que um juízo político tenha lugar e, se essas condições não são satisfeitas, o juízo político não passa de uma fantasmagoria. Não pretendo aqui fazer a lista de tais condições, apenas notar duas que me parecem particularmente salientes: o sentimento de compaixão para com o sofrimento alheio e a sensibilidade bastante para distinguir a verdade da mentira.

São apenas duas das condições do juízo político, como acabei de dizer, mas são condições fundamentais. A insensibilidade ao sofrimento alheio e a incapacidade de distinguir a verdade da mentira designam uma patologia do comportamento político. Quem é incapaz de proceder a esse duplo reconhecimento sofre indiscutivelmente de um problema de cognição política.

Estas condições são, num certo sentido, pré-políticas. Referem-se a um fundo humano que precede o juízo político propriamente dito. A indiferença para com o sofrimento alheio e a incapacidade de distinguir o verdadeiro e o falso verificam-se na vida comum de múltiplas maneiras. Mas, quando transportadas para a vida política, ganham obviamente uma dimensão nova. Quanto mais não seja, porque o sofrimento passa a encontrar-se exposto aos olhos de todos e a mentira salta aos olhos com uma evidência irrecusável.

Isto que acabo de dizer vale para a vida política em geral. Mas vale certamente com mais força para os casos de agressão em grande escala, sobre os quais dispomos de abundante e constante informação. Vale nomeadamente para a invasão russa da Ucrânia e para tudo o que se lhe seguiu.

Houve certamente muitas coisas que me surpreenderam desde o início da invasão. A maneira como ela escapava a hábitos que dávamos por adquiridos. A brutalidade russa. A tentativa de destruição sistemática de um país a mando de Putin. A extraordinária tenacidade dos ucranianos em defenderem a sua pátria e o exemplo de coragem e perseverança em que Zelensky, desde o primeiro momento, se tornou. O sucesso na resistência ao invasor. E por aí adiante.

Mas, confesso, o que, num certo sentido, mais me surpreendeu, foi a reacção de vária gente a tudo isso. Não a reacção, sublinho, de muitos russos. Que seria de esperar de uma grossa fatia de um povo que não conheceu, ao longo da sua existência, nenhuma contribuição para a história da liberdade que é constitutiva do chamado Ocidente? E que não conheceu nunca, permito-me acrescentar, qualquer tradição filosófica digna desse nome, que, desde os Gregos, foi constitutiva da experiência ocidental da liberdade? A indiferença para com o sofrimento alheio e a incapacidade de distinguir a verdade da falsidade encontram-se inscritas nesse modo multisecular de ser, no conjunto das significações imaginárias sociais, como diria um filósofo, que fazem parte daquela sociedade.

O que me surpreendeu realmente foi a reacção de alguma gente no Ocidente e particularmente em Portugal. O sofrimento da população ucraniana é como se não existisse ou como se fosse o fruto da acção dos seus líderes, ou do Ocidente através deles, sendo a invasão russa a consequência estrita dessa mesma acção. Não ver o sofrimento que toda a gente vê, não ver as suas causas, que estão dispostas ao olhar de todos, releva de uma patologia moral magnificada em patologia política.

O mesmo se dirá da incapacidade em reconhecer a colossal e sistemática mentira que salta aos olhos em tudo o que vem da Rússia de Putin, desde o argumentário para a invasão e do nome – “operação militar especial” – escolhido para a designar até aos recentes referendos nas zonas ocupadas pelos russos, passando por tudo o que ocorreu entre uma coisa e outra. Não se medita suficientemente sobre a corrupção do espírito que preside a essa cegueira face à mentira. Volto ao que disse atrás: há uma patologia moral que se desdobra numa patologia política.

Estamos muito longe do conflito de argumentos que é constitutivo da vida ética e política. Só na aparência se pode julgar que o que temos face a nós prolonga tal conflito. Na verdade, trata-se da negação do fundo racional comum, por mais aproximativo que seja, que subjaz a esse conflito. O poder de não ver – a alucinação negativa que nos impede de ver o copo que está, ao olhar de todos, pousado sobre a mesa – releva de uma patologia singular para a qual não parece haver cura possível.

A incapacidade de distinguir a verdade da falsidade, no caso em que a distinção não oferece o mínimo vestígio de dúvida, é talvez o exemplo por excelência de uma má-fé que tomou conta do ser na sua integralidade. Face a um tal grau de má-fé, confinando com a loucura, toda a conversa se torna impossível. Resta a repugnância que se sente por quem se coloca decididamente fora do patamar da decência humana.

GUERRA NA UCRÂNIA   UCRÂNIA   EUROPA   MUNDO

COMENTÁRIOS:

Teresa Figueiredo: Excelente e sucinta abordagem desta sociedade em que vivemos. Felizmente há ainda alguns lúcidos por cá. A indiferença de certa gente neste Portugal face ao conflito na Ucrânia é talvez um dos sentimentos que mais me aflige. Vivemos num confortável alheamento para com os que morrem, sofrem nesta guerra injusta, mas também para os que mentem compulsivamente. Invade-me a tristeza de pouco poder fazer.

Jorge Carvalho: Excelente artigo. Obrigado                    Carlos Quartel: As nossas sociedades foram resvalando para um egoísmo endémico, para a construção de universos minúsculos, onde a escolha da marca das sapatilhas merece muito mais atenção do que a tragédia ucraniana, a fome na Etiópia ou as inundações no Paquistão.  Algo falhou  e o resultado está à vista, comodistas, cobardes, mendigos, sempre com receio de que algo ou alguém perturbe o seu pequeno mundo.                 S Belo: Muito bem!  Paulo Tunhas focou um  bom tema para bem necessária reflexão.              Cisca Impllit: Porque vale a assinatura no Observador.  Entre uma coisa e outra, Paulo Tunhas nos convoca o pensamento e a atenção! E de forma simples, própria de quem sabe.

quinta-feira, 29 de setembro de 2022

Pena

 

Que não tenha sido convidado para Ministro da Agricultura. Ou pelo menos para conselheiro do ministro. E dos mais ministros da Economia. Uma panorâmica económica que afasta encómios, é claro. Mas não afasta espantos, apesar dos muitos avisos. E assim vamos resvalando no desfiladeiro, onde jazerão estilhaçados os herdeiros malogrados das Tágides secas de agora.

«...E VÓS, TÁGIDES MINHAS...» - 5

 HENRIQUE SALLES DA FONSECA

A BEM DA NAÇÃO,  29.09.22

O MUNDO VISTO A PARTIR DE LISBOA

 Hoje, começo com um axioma: «O dinheiro só foge de onde se sente em perigo».

Digo, perigo de falta de liberdade ou de nacionalização por confisco ou por carga fiscal excessiva. Limitações à livre circulação dos capitais, situações de instabilidade política ou custos de contexto asfixiantes são motivos para a drenagem financeira com destino a paragens consideradas mais benignas.

Em Portugal, já passámos por todos estes cenários em singelo e conjugados. Actualmente, bem gostaríamos de ver uma descida significativa na carga fiscal. Aliás, esta redução pode mesmo constituir um bom instrumento de combate à economia paralela (v. «QUANDO IRÁ O FISCO AO LUPANAR?»  https://abemdanacao.blogs.sapo.pt/128218.html ).

«Paraísos fiscais» aparte e partindo do pressuposto de que o Plano Oficial de Contas Europeu já é uma realidade consolidada, interessa considerar a concorrência fiscal dentro da União Europeia onde já só parece faltar a harmonização dos métodos de cálculo das matérias tributáveis para que - então e só então - as taxas sejam o grande parâmetro da tão desejada competitividade fiscal. (Usar a disparidade dos métodos de cálculo das matérias tributáveis como parte integrante da concorrência fiscal, pode ser politicamente muito interessante, mas à U, E. não caberá o epíteto «União»).

O tratamento discriminatório dado pela negativa ao investimento nacional relativamente ao estrangeiro fez com que a política de internacionalização da nossa economia se traduzisse na venda de empresas portuguesas a investidores estrangeiros. Uma vez na posse dessas empresas, os novos proprietários fechavam-nas e passavam a abastecer o nosso mercado a partir das respectivas sedes localizadas «lá fora». Também os processos de reprivatização de empresas pareceu hostil aos capitais nacionais optando pelas alienações em grandes blocos a interessados estrangeiros. Como se em Portugal não houvesse Bolsa(s) de Valores. Tudo, num processo que, afinal, teve como consequência o desbragamento da nossa economia e a destruição de importantes unidades fabris. Se a isto somarmos o encerramento de empresas para «partir os dentes aos Sindicatos» … dá para imaginar o caminho que nos resta percorrer para voltarmos a ser uma economia competitiva na produção de bens transacionáveis.

E hoje não refiro a questão da clarificação do método de formação dos preços agrícolas pois isso quase pareceria um Programa de Governo e eu não sou candidato a Ministro da Agricultura. Nem sequer fui convidado.

Lisboa, 29 de Setembro de 2022

Henrique Salles da Fonseca

Tags:: "economia portuguesa

·        COMENTÁRIO:

 Adriano Miranda Lima  01.10.2022  00:07:  O Dr. Salles da Fonseca deixa-nos aqui uma reflexão sobre uma matéria de magna importância e de gritante actualidade. Não é assunto da minha especialidade e por isso sinto-me grato pelo carácter didáctico da sua abordagem. Parece ficar evidente que a uniformização completa das políticas fiscais dentro da UE não será meta alcançável num horizonte temporal mais próxima dadas as disparidades entre as economias. E será alguma vez possível? Depois, fica claro que o problema que coloca relativamente à discriminação entre os investimentos nacionais e estrangeiros deixa as economias mais frágeis ainda mais vulneráveis, donde se conclui que uma internacionalização geradora de equilíbrio e justiça é uma miragem. Quanto aos paraísos fiscais, que ninguém parece interessado em extinguir, não serão eles o paradigma do que há para corrigir no sistema global?

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Mas está a dilatar-se


A guerra na Ucrânia. E há quem defenda a Rússia neste caso. Cada um é seus valores. E caminhos, por conseguinte. "Onde Sancho vê moinhos / D. Quixote vê gigantes”. Neste caso acredito nos gigantes. Os dos moinhos apenas remoem. Sem água, mas a ver para que lado chove…

GUERRA NA UCRÂNIA

Kremlin considera absurdas acusações de sabotagem no Nord Stream

Dmitri Peskov, porta-voz do Kremlin, aconselha os países a pensarem sobre a própria cabeça antes de fazerem acusações sobre o que considera "estúpido e absurdo", negando responsabilidades da Rússia.

AGÊNCIA LUSA: Texto

OBSERVADOR, 28 set 2022, 13:04 4 

A União Europeia prometeu "uma resposta firme" ao que chamou sabotagem e o governo da Dinamarca declarou que as explosões "foram actos deliberados"

MAXIM SHIPENKOV/EPA

O Kremlin criticou as acusações de sabotagem ao Nord Stream, considerando “estúpido e absurdo” suspeitar da Rússia no caso das várias fugas no gasoduto, detectadas após explosões.

Segundo países europeus, as fugas fazem parte de acções de sabotagem por parte da Rússia.

“Já era previsível” que “alguns” colocassem a Rússia em causa, declarou o porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov, em conferência de imprensa, acrescentando que lançar suspeitas sobre a Rússia é estúpido e absurdo”, frisando que as fugas nos gasodutos Nord Stream 1 e 2 são problemáticas para Moscovo.

“O gás está caro”, afirmou Peskov, referindo-se às fugas detectadas esta semana nos tubos da infraestrutura de abastecimento que liga a Rússia à Alemanha através do Mar Báltico.

Os dois gasodutos foram afectados por explosões submarinas detectadas ao largo de uma ilha dinamarquesa no Báltico.

A União Europeia prometeu “uma resposta firme” ao que chamou sabotagem e o governo da Dinamarca declarou que as explosões “foram actos deliberados”.

Peskov apelou “a todos” para reflectirem antes de falarem e pediu para se aguardar pelos resultados das inspeções que vão determinar se as fugas foram provocadas por “uma explosão ou não”.

 “Esta situação exige diálogo e uma interação rápida entre todas as partes para se descobrir o que aconteceu. Até este momento, constatamos a ausência total de diálogo”, afirmou.

Na prática, as fugas diminuem a possibilidade da retoma das entregas de gás para a Europa ocidental via Nord Stream 1, que já tinham sido interrompidas em setembro no contexto das tensões provocadas pela campanha russa contra a Ucrânia.

A Rússia cortou o abastecimento invocando problemas técnicos mas a Europa ocidental, que depende do gás russo, sobretudo para o aquecimento durante os meses de inverno, acusa Moscovo de utilizar o abastecimento como forma de pressão.

GUERRA NA UCRÂNIA   UCRÂNIA   EUROPA   MUNDO

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Coronavirus corona; Não tomo partido em nenhuma das partes nesta guerra. Cada qual tem as suas razões e motivos. Mas vamos lá ver uma coisa: que benefício tiraria a Rússia com este ataque? Se não quer vender simplesmente não vende, que é o que tem feito. O gasoduto destruído é do interesse de quem não quer que futuramente as exportações venham a ser retomadas.  Em vez de se reagir pavlovianamente quando se lê "Rússia" apelo a dois dedos de maturidade e reflexão.           bento guerra: Elementar, Dmitri, mas a malta tem preguiça de pensar              Vitor Batista > bento guerra: Pelo que sei. dimitri não é detective, mas um reles assassino,  enxerga-te.            Eduardo Cunha: estes dirigentes russos vão todos acabar empalhados ou a gozar a reforma num emirado qualquer.             Maria da Conceição Gaivão: …”lançar suspeitas sobre a Rússia é “estúpido e absurdo”… Claro que sim!    Os principais prejudicados são a Alemanha e a Rússia. Os principais “beneficiados” são Polónia, Ucrânia e EUA.  Siga a guerra e a destruição da Europa via UE e EUA/Nato.

Há muitas Marias na Terra


O Dr. Luís Soares de Oliveira ironiza sobre as Marias governantes, a propósito da eleição de Giorgia Meloni na Itália, que Jorge Fernandes vem defender. Cá entre nós também muitas mulheres se salientaram, e cito M. Lurdes Pintassilgo, mas refiro outras de quem gostei – Manuela Ferreira Leite e Maria Luís Albuquerque, que me pareceram sempre bem aprumadas. Da Infopédia transcrevo alguns dados sobre a 1ª Ministra MLP. Mas também de Golda Meir, que admirei. Como construtora de uma nação.

Da INTERNET:

Maria de Lourdes Ruivo da Silva de Matos Pintasilgo GCC • GCIH • GCL (AbrantesSão João18 de janeiro de 1930 — Lisboa10 de julho de 2004) foi uma engenheira química, dirigente eclesial e política portuguesa. Foi a única mulher que desempenhou o cargo de primeira-ministra em Portugal, tendo chefiado o V Governo Constitucional, em funções de julho de 1979 a janeiro de 1980. Foi a segunda mulher a desempenhar o cargo de primeira-ministra na Europa, dois meses depois da tomada de posse de Margaret Thatcher no Reino Unido.         

Golda Meir (em hebraicoגולדה מאיר; em árabeجولدا مائير; nascida Golda Mabovitch) (KievImpério Russo, 3 de Maio de 1898 — Jerusalém, 8 de Dezembro de 1978) foi uma fundadora e Primeira-ministra do Estado de IsraelEmigrou para a Terra de Israel no ano de 1921, onde actuou no sindicato Histadrut e no partido trabalhista Mapai. Além de primeira embaixadora israelense, na extinta União Soviética, em 1948, ela foi Ministra do Interior, Ministra das Relações Exteriores, Ministra do Trabalho e secretária-geral do Mapai.  Conhecida pela firmeza de suas convicções, estava à frente do Estado de Israel em seu momento mais dramático: a Guerra do Yom Kipur, na qual tropas egípcias e sírias atacaram Israel, cuja população estava distraída pelas comemorações do Dia do Perdão judaicoDavid Ben-Gurion, certa vez, disse, dela: "Golda Meir é o único homem do meu gabinete".

TEXTOS:

I - Do Facebook de LUIS SOARES DE OLIVEIRA

Ontem às 11:38 :           «Ao ouvir a nova chefe do governo italiano, Giorgia Meloni, admito que não se trata de fascismo, nem de populismo, mas tão-somente de Marianismo. A Itália aderiu finalmente ao MARIANISMO. A França para lá caminha, a Alemanha já lá está e bem assim o UK. Quando chegará a nossa vez

COMENTÁRIOS:

Henrique Borges: Luis, nós estamos em coma profundo...           José Correia Guedes: "Marianismo"? Lá vou ter que consultar o doutor Google           Maria João Correia: Que Marias no horizonte português? 🤔

II - Eleições italianas: Estão surpreendidos? Eu não

Seria surpreendente que os eleitores italianos, depois de experimentarem (quase) tudo ao longo dos últimos 20 anos não acabassem por chegar ao momento em que iriam ceder à tentação das soluções fáceis

JORGE FERNANDES               OBSERVADOR,  28 set 2022,

No  domingo à noite, a Europa sofreu um novo abalo sísmico. Desta vez, num dos países fundadores da União Europeia. A direita mais dura chegou ao poder em Itália com Giorgia Meloni a preparar-se a ascender ao cargo de primeira-ministra. A confirmar-se, será a primeira mulher de sempre na Europa do Sul a aceder a tal cargo depois de eleições, um momento simbólico que não deve ser desvalorizado. Antes de continuar este artigo, noto aqui que vivi durante cinco anos em Itália. Depois de já ter vivido noutras latitudes durante vários anos, considero Itália o país mais maravilhoso do mundo. Isto não me habilita especialmente para falar sobre as eleições neste país, até porque Itália, tal como o Brasil, não é para principiantes. Habilita-me, no entanto, a dizer que, da minha experiência, Itália não tem um quarto da população composta por xenófobos, misóginos e racistas.

Antes de falar das causas próximas da eleição de Meloni, vejamos o contexto. Itália está há vinte anos estagnada economicamente. Depois do milagre económico do pós-guerra, que levou Itália a ser um dos países mais ricos e desenvolvidos do mundo durante a segunda metade do século XX, os últimos vinte anos foram um desastre. Os dados económicos podem surpreender. Até 2005, os dados do Banco Mundial mostram que Itália era mais rica do que o Reino Unido e era tão rica como a Alemanha, medidos em PIB per capita a preços constantes em paridade de poder de compra. Desde então, o país tem vindo a perder lugares relativos na União Europeia e a testemunhar a fuga de milhares de jovens que partem para outros países em busca de oportunidades de emprego. Ainda utilizando o medidor do Banco Mundial, Itália tem hoje uma posição não só relativa, mas também absoluta pior do que no início dos anos 2000. O declínio do estatuto de Itália e dos seus votantes é indesmentível.

Em segundo lugar, a crise dos refugiados teve (e tem) um peso desproporcional em Itália. A União Europeia assinou em Dublin, em 1991, um tratado que visava o tratamento comum dos refugiados. Todavia, na prática, quase todos os países, com a excepção da Alemanha, deixaram Itália sozinha para lidar com os problemas na fronteira sul. Recai sobre Itália todo o esforço financeiro, logístico e social de receber a esmagadora maioria dos refugiados Africanos que tentam chegar à Europa de barco. Em 2015, a CNN realizou uma reportagem sobre crianças que se prostituíam em redor de Roma Termini, a principal estação de comboios de Roma, para pagarem as dívidas contraídas para cruzar o Mediterrâneo. Apesar dos apelos continuados à solidariedade europeia, Itália ouviu sempre um rotundo não, especialmente dos seus vizinhos franceses que, agora, pela voz da primeira-ministra, aparecem preocupados com os direitos humanos no país do Renascimento. A hipocrisia em todo o seu esplendor.

Em terceiro lugar, os últimos anos viram despontar em Itália aquilo que poderemos designar de tecno-democracia, isto é, uma democracia esvaziada da sua componente popular e maioritária, na qual os eleitores escolhem os políticos nas urnas. Pelo contrário, em dois momentos, com a ascensão de Monti e, mais tarde, de Draghi, as forças exógenas da União Europeia conseguiram colocar um primeiro-ministro no poder, o qual, apesar de tolerado pelas duas câmaras do parlamento italiano, não emanava verdadeiramente da vontade popular.

Face a este caldo de cultura, alguém fica espantado que uma populista como Meloni, auxiliada por um geriátrico Berlusconi e por Salvini ascenda ao poder? Pelo contrário, em minha opinião, seria surpreendente que os eleitores italianos, depois de experimentarem (quase) tudo ao longo dos últimos vinte anos, tirando a extrema-esquerda ex-comunista, não acabassem por chegar a um momento em que iriam ceder à tentação das soluções fáceis.  As eleições de domingo foram analiticamente interessantes. Em primeiro lugar, tiveram a mais baixa participação eleitoral da democracia italiana do pós-guerra, com apenas 63,8% dos eleitores a irem às urnas. A descida da participação eleitoral aponta para um desencanto com as soluções propostas e com a oferta partidária. Em segundo lugar, pela primeira vez na história, as regiões da Toscana e da Emilia Romagna têm uma maioria de direita. A perda destes bastiões históricos da esquerda demonstra a nacionalização da vitória da direita nas eleições de domingo.

Finalmente, como afirma Leonardo Carella, um cientista político italiano de Oxford, estas eleições são, acima de tudo, de continuidade e não de ruptura. São a continuidade da grande coligação social e política montada por Berlusconi e Lega Nord, alicerçada no anti-comunismo, o desejo pela baixa de impostos, a clivagem entre o Norte industrial e rico e o Sul pobre e agrícola, a luta contra a mudança de valores e ainda a perda relativa de status, que tão bem foi analisada pelos cientistas sociais na explicação do fenómeno Trump. Esta coligação teve já várias declinações. Em 1994, 2001 e 2008, Berlusconi ganhou as eleições com esta coligação eleitoral. Em 2022, Meloni articulou um discurso para mobilizar esta massa de eleitores, prometendo mudança e um virar de página. Tal como os seus antecessores, a mudança não chegará. E isso, neste caso, é bom. Felizmente, Itália tem uma democracia e sociedade civis suficientemente fortes e cheia de pontos de veto que impedirão grandes aventuras e flutuações à la Orban.

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COMENTÁRIOS:

Maria Clotilde Osório: A ver vamos. Nós por cá temos votado na esquerda ou no centro-esquerda e é o que se vê. Primeiros dos últimos a caminhar para últimos. E não somos governados há mais de 17 anos (em 20) por partidos de esquerda? E não aumenta paulatinamente o índice de pobreza e de diferença social e económica entre os portugueses? E estamos melhores?           manuel rodrigues: Afinal as linhas vermelhas não funcionaram e a "direita mais dura" chegou ao poder: "Eles" passaram! .. A expressão "direita mais dura" é do articulista. Acho interessante. Talvez a nossa direita fofinha aprenda alguma coisa.