Hoje.
Um ano depois, Israel cortou "a cabeça da serpente". A morte de
Sinwar pode libertar os reféns e pôr fim à guerra em Gaza?
Líder do Hamas foi morto pelas IDF um
ano depois do 7 de Outubro. Famílias dos reféns e EUA querem um acordo agora; mas a "cabeça da serpente" para o governo de
Telavive afinal pode ser outra: o Irão.
CÁTIA BRUNO Texto
OBSERVADOR, 17 out. 2024, 21:2325
Índice
O “Carniceiro de Khan Younis” que perseguia os
palestinianos que colaboravam com Israel
Tinham passado dois meses desde o
ataque do Hamas a Israel, a 7 de outubro de 2023, quando o primeiro-ministro
israelita fez um anúncio: “Disse na
noite passada que as nossas forças conseguiam chegar a qualquer sítio da Faixa
de Gaza. Neste momento, estão a cercar a casa de Sinwar. A casa dele não é a
sua fortaleza e, embora ele possa fugir, é apenas uma questão de tempo até
o apanharmos.”
Yahya Sinwar era à altura um dos principais alvos das Forças de
Defesa de Israel (IDF na sigla original), pelo seu papel dentro da liderança do
Hamas e ajuda na preparação do ataque de 7 de Outubro. À altura, muitos
em Telavive repetiam constantemente a expressão de que, para derrotar o Hamas,
era necessário “cortar a cabeça da serpente”. Sinwar
representava isso. Mas, ao longo dos
meses seguintes, o dirigente palestiniano conseguiu sempre iludir os soldados
israelitas. Fugia pelos túneis
do Hamas, desaparecendo sem deixar rasto debaixo de terra, enquanto à superfície
Gaza continuava a ser bombardeada.
Em
agosto, Israel voltou a estar perto. “Estivemos na sua base subterrânea.
Encontrámos lá muito dinheiro. O café ainda estava quente, havia armas
espalhadas”, resumiu o brigadeiro-general Dan Goldfus ao Canal
12. E, uma vez mais, Sinwar desapareceu.
O homem a quem não faltam alcunhas
tenebrosas — desde “A Face do Mal” até “O Carniceiro de Khan Younis” —
conseguiu sobreviver durante mais de um ano desde o 7 de Outubro. “Se me dissessem quando a guerra começou que,
11 meses depois, ele ainda estaria vivo, teria achado impressionante”, comentava com o The Guardian em setembro Michael
Milshtein, antigo agente das secretas militares de Israel (a Aman).
Até que, esta quinta-feira 17 de
outubro, foi morto na sequência de uma troca de fogo entre militantes do Hamas
e soldados israelitas num edifício em Rafah, no sul da Faixa de Gaza. Depois de
algumas horas de dúvida, enquanto se aguardavam a os resultados dos testes de
ADN, impressões digitais e registos dentários, chegou a confirmação: “O homicida em massa Yahya Sinwar,
responsável pelo massacre e atrocidades de 7 de outubro, foi hoje morto por
soldados das IDF”, afirmou o ministro dos Negócios Estrangeiros de
Telavive, Israel Katz.
▲ Sinwar acabou por ser morto numa operação num edifício
em Rafah, no sul de Gaza dpa/picture alliance via Getty I
O “Carniceiro de Khan Younis” que perseguia os
palestinianos que colaboravam com Israel
A “cabeça da serpente” do Hamas foi assim cortada. Mas o que significa isso para um conflito
que se arrasta há um ano? Um conflito onde ainda há dezenas de reféns
israelitas sequestrados em Gaza, dezenas de milhares de palestinianos mortos e
um rastilho que se alastra ao Líbano e, potencialmente, a todo o Médio Oriente.
Pode a morte de um homem colocar um travão à guerra?
A
demora de Israel em apanhar Sinwar explica-se, em parte, por uma razão: a de
que o líder do Hamas tem estado quase sempre por perto dos reféns
israelitas em Gaza, usando-os como uma forma de escudo. “Tiveram
oportunidades [de o matar]? Sim. Mas quem ia dar a ordem? Não sei de nenhum
líder israelita que aprovasse bombardear Sinwar quando este estava rodeado de
reféns”, resumiu ao The Times Ehud Yaari, jornalista israelita que
entrevistou Sinwar no passado e que garante que manteve contacto indirecto com
ele ao longo deste ano.
Uma das reféns entretanto
libertadas num dos acordos de cessar-fogo temporários, Yocheved Lifshitz, confirmou
isto mesmo quando contou, já em Israel, como esteve frente a frente com Sinwar
num dos túneis de Gaza: “Ele esteve
connosco três ou quatro dias depois de termos chegado”, disse a
refém de 85 anos ao jornal israelita Davar. “Perguntei-lhe
como é que não tinha vergonha de fazer isto a pessoas que há anos apoiam a paz.
Ele não me respondeu, ficou em silêncio.”
▲ Sinwar
com o antecessor Ismail Haniya numa visita à família do fundador do Hamas,
Ahmed Yassin (na moldura), de quem Sinwar era próximo NurPhoto
via Getty Images
O líder do Hamas teve um
percurso de vida que sublinha a sua dedicação ao grupo, bem como a sua argúcia
e à vontade com a violência. Nasceu
no campo de refugiados de Khan Younis, em 1962, e foi ali que cresceu, numa das
cidades de Gaza onde a Irmandade Muçulmana (grupo xiita pan-islâmico de onde
emergiria mais tarde o Hamas) tinha mais força e ao qual Sinwar se juntou rapidamente.
Não tardou a que se tornasse próximo do Xeque Ahmed Yassin, que viria
a fundar o Hamas em 1987. Essa proximidade, notou à BBC o investigador
israelita Kobi Michael, deu a Sinwar
um “efeito de auréola” dentro do movimento — se tinha a bênção do fundador,
certamente estava destinado a voos mais altos.
Por volta
dessa altura, no final da década de 80, Sinwar, com apenas 25 anos à altura,
fundou com outros membros a Al-Majd, uma espécie de milícia popular que,
por um lado, procurava encontrar espiões israelitas entre o movimento
palestiniano e, por outro, actuava como uma espécie de “polícia da moralidade”. Na
prática, o grupo perseguia tanto palestinianos que tivessem comportamentos
sexuais vistos como “impróprios” — como a homossexualidade, a infidelidade ou a
visualização de pornografia —, como aqueles que fossem suspeitos de colaborar
com Israel.
Foi
pela morte de vários palestinianos e pelo planeamento de um ataque a soldados
israelitas que Yahya Sinwar
foi condenado e preso por Israel, tendo admitido o homicídio de pelo menos
12 “traidores” palestinianos. Foi
nessa altura que a alcunha de “Carniceiro
de Khan Younis” se colou
à sua pele, associada aos relatos de tortura com azeite a ferver,
por exemplo. Como assinala David Remnick num extenso perfil de Sinwar na revista New Yorker, é impossível
provar se estes crimes ocorreram de facto assim ou se fazem parte de uma
“lenda” alimentada quer pelo Hamas, quer por Israel.
"Descreveu-me muito
detalhadamente como matou pessoas. Ele usava uma catana para cortar as cabeças
deles. Pôs um suspeito de colaborar [com Israel] numa cova e
enterrou-o vivo.” Michael Koubi, antigo agente das secretas israelitas
que interrogou Sinwar na prisão
Mas,
nota o jornalista, um relatório de 2009 da Amnistia Internacional comprovou que
muitos palestinianos suspeitos de trabalhar como informadores de Israel em Gaza
foram “raptados, torturados, executados e [os seus corpos] largados em áreas
remotas ou encontrados na morgue de um dos hospitais de Gaza”. Em Israel,
Sinwar acabou por ser condenado a quatro penas de prisão perpétuas.
Aqueles que se cruzaram com ele na prisão traçam um retrato de um
homem brutal, mas inteligente. “Descreveu-me
muito detalhadamente como matou pessoas”, contou à New Yorker Michael Koubi,
antigo agente das secretas israelitas. “Ele usava uma catana para cortar as
cabeças deles. Pôs um suspeito de colaborar [com Israel] numa cova e enterrou-o
vivo.”
O jornalista Ehud Yaari, que o
entrevistou várias vezes na prisão, afirmou à BBC que
o considera um “um psicopata”. “Mas dizer que Sinwar ‘é um psicopata
e ponto’ é um erro”, acrescentou. Há muito mais camadas naquele operativo do
Hamas, disse: “É extremamente astuto,
com manha, um tipo que sabe ligar e desligar uma espécie de charme pessoal.”
No seu tempo na prisão em Israel,
Sinwar aproveitou para absorver tudo sobre o inimigo: aprendeu a falar
hebraico, leu livros sobre o sionismo, ouviu discursos dos líderes israelitas.
O caso Shilat e a “lição” da importância
dos reféns para o líder do Hamas. “Só se fazem manchetes com sangue”
A maior lição chegou, precisamente, através da sua experiência
pessoal. Em 2011, o Hamas e Israel
chegaram a um acordo para trocar o soldado Gilad Shalit, que tinha sido
feito refém cinco anos antes, por mil prisioneiros palestinianos. Sinwar
foi incluído no grupo. “O
Hamas percebeu que, historicamente, os israelitas estão dispostos a libertar
muitos prisioneiros em troca de um único dos seus”, notava em agosto
David Remnick numa entrevista. Quando o caso de Shalit aconteceu,
acrescenta, “isso foi um enorme
indicador para Sinwar”.
Um indicador tão relevante que ajuda a
explicar parte do arrastar das negociações entre o Hamas e Israel ao longo dos
últimos meses. “No final do dia, só há
duas pessoas na negociação”, resumiu Gershon Baskin, activista de paz israelita
envolvido nas conversações da troca de Shalit pelos mil prisioneiros de 2011.
“Um é Yahya Sinwar, do lado do Hamas, o outro é Benjamin
Netanyahu, do lado
de Israel.”
▲ Yahya
Sinwar esteve mais de dez anos preso em Israel, onde aprendeu hebraico Anadolu
via Getty Images
O envolvimento do líder do grupo era tal
que, segundo o New York Times, as negociações chegaram a estar
suspensas enquanto a delegação do Hamas esperava por respostas do próprio
Sinwar a partir dos túneis de Gaza. Sem recurso a telemóveis — para evitar ser apanhado através de
comunicações — o contacto fazia-se por uma rede de mensageiros.
Se do lado de Israel se registava
resistência por parte do governo de Netanyahu a algumas das exigências do
Hamas, como os EUA fizeram saber várias vezes em público,
do lado do Hamas Sinwar também mantinha firme a decisão de não ceder em vários
pontos, por contar com a vantagem de ainda ter reféns do seu
lado — e esperar assim fazer Telavive ceder à pressão da opinião
pública. “Temos os israelitas
exactamente onde os queremos”, chegou a dizer o líder palestiniano em
comunicações internas a que o Wall Street Journal teve acesso, onde também notava
que o elevado número de mortes de civis jogava a favor do grupo.
Nada de novo no modus
operandi de Sinwar. Em 2018, ao ser entrevistado pela jornalista italiana Francesca Borri, o dirigente
do Hamas já dizia que o recurso ao disparo de rockets sobre
Israel era necessário por ser eficaz: “Só
se fazem manchetes com sangue. Não só aqui. Sem sangue, não há notícias”,
decretou.
Sinwar era “o escalpe de que Israel mais precisa”. Mas isso pode não
chegar para pôr fim à guerra em Gaza
Com o arrastar das conversações sobre Gaza, há muito que a
administração de Joe Biden depositava esperanças na eliminação de Sinwar como
um desbloqueador da negociação. “Responsáveis
norte-americanos olhavam para Sinwar, de forma clara, como o escalpe de
que Israel mais precisa para poder declarar que não quer mais a guerra em
Gaza”, resumia a CNN esta tarde.
Mas agora que Telavive conseguiu o escalpe de Yahya Sinwar, não é assim tão líquido que a guerra termine
rapidamente. “Ainda não sabemos o que isto significa”, dizia ao
mesmo canal uma fonte de Washington. Pode haver um movimento “rápido” em direcção
a um cessar-fogo e a uma troca de reféns e prisioneiros, dizia, ou “pode ainda
haver um longo caminho pela frente”.
Em julho, em entrevista ao Observador, o
escritor Joshua Cohen, que vive em Israel, descrevia como para “o imaginário
popular” dos israelitas, a
ideia de “Sinwar num túnel, rodeado dos reféns que restam” é a imagem forte que
colou à “psique” dos israelitas “e que, de certa forma, se tornou
no objetivo”.
O Fórum das Famílias dos
Reféns, principal grupo dos familiares dos sequestrados em Gaza, reagiu de
imediato às notícias dizendo que este “sucesso militar” deve ser usado como
vantagem para “conseguir um acordo imediato”. Em julho, em entrevista
ao Observador, o escritor Joshua Cohen, que vive em Israel, descrevia como
para “o imaginário popular” dos israelitas, a ideia de “Sinwar num túnel, rodeado dos reféns que restam” é a
imagem forte que se colou à “psique” dos israelitas “e que, de certa forma, se
tornou no objetivo”.
O ministro dos Negócios Estrangeiros Katz, ao anunciar
a confirmação da morte de Sinwar, falou nesse sentido, dizendo que a morte do líder do Hamas “cria uma
possibilidade” para conseguir um acordo para os reféns. Mas nada é assim tão simples
dentro do próprio governo de Benjamin Netanyahu. Pouco depois das declarações
de Katz, os ministros do executivo
que pertencem a partidos de extrema-direita falavam em sentido contrário:
Bezalel Smotrich apelou a que as IDF “aumentem a pressão militar sobre a Faixa”, enquanto Itamar Ben Gvir pediu que o
país continue “até à vitória absoluta”.
"[Sinwar] seria substituído e há estruturas montadas para isso.
Isto não é como matar Bin Laden; há outros líderes políticos e militares de
relevo dentro do Hamas.” Hugh
Lovatt, especialista em Médio Oriente do Conselho Europeu para as Relações
Internacionais
Por um lado, os especialistas sempre alertaram que matar as lideranças do
Hamas não se traduz no desaparecimento do grupo — o próprio Sinwar subiu a
líder efetivo depois da eliminação do comandante militar Mohammed Deif e do
líder político Ismail Haniyeh por Israel ao longo do último ano. “Seria
um golpe”, especulava nas primeiras horas de dúvida o analista Hugh Lovatt,
do think tank Conselho Europeu para as Relações Internacionais, à BBC.
“Mas [Sinwar] seria substituído e há
estruturas montadas para isso. Isto não é como matar Bin Laden; há outros
líderes políticos e militares de relevo dentro do Hamas.”
A que se somam os objectivos do actual governo de Israel, que
sempre justificou a invasão a Gaza como uma resposta ao 7 de Outubro, mas que,
ao longo do tempo, tem maximizado os seus objectivos. Há uma
semana, o ministro da Economia Nir Barkat, do Likud (partido de centro-direita
de Netanyahu) dava uma entrevista à France24 onde voltou a falar na necessidade de se
matar “a serpente”. Mas, desta vez, não considerava que a sua cabeça
fosse Yahya Sinwar; dizia sim ser “o Irão”.
▲ Itamar Ben-Gvir, ministro de Segurança
de Israel, quer que operação em Gaza continue "até à vitória
absoluta" Bloomberg
via Getty Images
Esta terça-feira, 48 horas antes de um
grupo de soldados israelitas matar “O Carniceiro de Khan Younis”, Itamar
Ben-Gvir reforçava a mesma ideia, deixando um apelo ao seu
primeiro-ministro: “Temos uma oportunidade para cortar a cabeça da
serpente”, disse em declarações à rádio das IDF. Não se referia a Yahyan Sinwar
— falava, uma vez mais, da República Islâmica do Irão.
CONFLITO
ISRAELO-PALESTINIANO MUNDO HAMAS ISRAEL MÉDIO ORIENTE
COMENTÁRIOS (de 25)
Zose Pereira Asdrubal Souto: Nós podemos perdoar os árabes por matarem as nossas crianças. Mas
não podemos perdoar-lhes por nos forçarem a matar as suas crianças. Nós só
teremos paz com eles quando eles amarem mais suas próprias crianças do que nos odiarem
a nós! Golda
Meir: Mais não precisa de dizer. Hugo
Silva > Asdrubal Souto: Com ou sem reféns, Israel não iria parar. O genocídio de
terroristas em Gaza só tem um responsável, o Irão e o Hamas. E o melhor bocado
está guardado para quem o irá comer... O Irão vai colher o que semeou. Jorge
Pereira: Há dias bons. Jorge
Pereira: Quem será o terrorista
candidato a morrer em 30? 60? dias? Em bom rigor pode chamar-se de, não apenas um
terrorista-suicida, mas também de um líder-suicida. HaHaHa! ÁLVARO
VENÂNCIO: Israel, pela mão de Netanyahu, volta a tornar o Mundo Livre um
pouco mais seguro. Obrigado Israel e USA! Força Israel! Viva Israel!🇮🇱🇺🇸🇪🇺🇩🇪🇺🇦🇵🇹 Carlos
Carvalho: Quantos mais melhor Jorge
Espinha: Aleluia pertinaz Asdrubal Souto:
Louco… Armando
Azevedo: O Guterres está em choque. Lourenço de Almeida > Asdrubal Souto:
Não seja ridículo. O Cunhal
passou-lhe a cassete, foi? Lourenço
de Almeida: Malta! O objectivo não é acabar
com a guerra mas sim acabar com o Hamas! A II Guerra só acabou em 1945 porque a
Alemanha foi arrasada e o Japão rendeu-se. Israel não combate por gosto mas
porque tem que cumprir um objectivo e as limitações que lhe são impostas, só
atrasam esse objectivo e com isso o fim da guerra. Cisca
Impllit: Venham tempos de paz.
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