segunda-feira, 7 de outubro de 2024

ESTADO DE SÍTIO (II)


Conclusão do texto anterior sobre a Insegurança por cá, na questão das drogas e suas consequências. Texto de Carlos Diogo Santos. Julgo que o dinheiro é o grande responsável pelos desastres sociais. Não houvesse tanta ambição, não se fabricariam tantas drogas, mas esses fabricantes parece não serem chamados à liça das responsabilizações, e seguem impavidamente a sua carreira criadora de destruição social.

Fonte: RASI 2023

Tendo em conta todos estes fenómenos, para a Polícia Marítima não há dúvidas de que mais do que uma mera sensação, hoje há mais insegurança:Objectivamente, e de acordo com os dados do último Relatório de Segurança Interna publicado, foi registado um aumento no último ano, tanto na criminalidade geral, como na criminalidade violenta e grave. Em linha com essa tendência, a Polícia Marítima registou, em 2023, mais 37 crimes do que havia registado em 2022 (906 e 869, respectivamente)”. E para tentar contrariar “o sentimento de insegurança que possa eventualmente estar a aumentar”, a Polícia Marítima revela que “tem vindo a desenvolver um importante esforço na gestão dos seus recursos, procurando adoptar, na maior extensão possível, um modelo preventivo e de proximidade ao cidadão”.

Em paralelo, esta força de segurança diz estar a desenvolver “diversas operações de vigilância”, com vista “à análise situacional de determinados locais e à análise preditiva de futuras ocorrências, assim como ao nível da recolha de informações operacionais que permitam uma actuação mais oportuna e dirigida”. E, para que a prevenção e o combate a estes crimes sejam eficazes, é fundamental a cooperação policial entre forças e serviços de segurança, “como vem sendo demonstrado, nomeadamente, pela implementação dos planos de segurança existentes em determinadas praias (que envolvem a Polícia Marítima, a PSP, a Polícia Municipal e a GNR)”.

Ao Observador, a Polícia Marítima diz ainda ser “necessário continuar a realizar um reforço de visibilidade da autoridade do Estado junto da população, incluindo operações dirigidas de combate à criminalidade em toda a área de jurisdição, em cooperação com outras forças e serviços de segurança”. O que nem sempre é fácil, dados os recursos existentes, tornando-se, por isso, “imperativo continuar a fazer uma gestão eficiente dos elementos da Polícia Marítima, maximizando o patrulhamento e a presença visível em zonas criteriosamente identificadas, promovendo junto da população e, em particular, dos frequentadores das áreas balneares, o aumento do sentimento de segurança”.

A terminar, esta polícia reconhece a “carência de efectivos”, dizendo que “para o mitigar está em curso a formação de 50 agentes, estando ainda previsto este ritmo de recrutamento anual manter-se nos próximos quatro anos”.

Estações, terminal de cruzeiros e aeroporto também são pontos de preocupação

Ao que o Observador apurou, a PSP define como pontos de especial preocupação algumas infraestruturas, como o aeroporto de Lisboa, da Gare do Oriente, a estação de Santa Apolónia, a de Entrecampos e o terminal de Cruzeiros — tudo por serem locais de grande aglomeração e de entrada de pessoas na cidade (e no país).

Ao Observador, a Administração do Porto de Lisboa (APL), questionada sobre os desafios de segurança e indicadores de criminalidade em infraestruturas como o terminal de cruzeiros, garantiu que todos os terminais portuários do Porto de Lisboa cumprem a legislação relativa à existência e implementação de planos de protecção que visam prevenir a introdução ilícita de pessoas ou objectos nos cais e navios”. “Estes planos são ferramenta eficaz, pois asseguram mecanismos de proteção que, no entanto, apenas se refletem dentro das instalações portuárias e das embarcações nelas acostadas. Deste ponto de vista, nenhum indicador nos leva a crer existir um aumento da prática de actos ilícitos ou criminosos, dentro dos terminais portuários do Porto de Lisboa”, explica ainda. MIGUEL A. LOPES/LUSA

Salientando não ter intervenção nem ser sequer “indirectamente parte da acção policial organizada para combate à criminalidade”, a APL afirmou não ter outros dados que não os do Relatório de Segurança Interna de 2023: “Por esse motivo reforçamos que no exterior dos terminais do Porto de Lisboa e em termos de tendências gerais, apenas as autoridades policiais ou judiciais se poderão pronunciar sobre o tema da segurança e do policiamento”.

Já a CP – Comboios de Portugal respondeu que segurança nas estações “é da responsabilidade da Infraestruturas de Portugal”, rementendo todos os esclarecimentos para esta entidade, que não respondeu até à publicação deste artigo. Também a ANA – Aeroportos de Portugal, questionada sobre os desafios de segurança no Aeroporto de Lisboa, não enviou qualquer resposta às questões colocadas.

CONTINUA

“Nunca como agora circularam tantas drogas em Portugal”

Campo de Ourique, Santa Clara, Lumiar e Beato — estas são algumas das juntas de freguesia que explicam ao Observador que parte dos problemas nas suas zonas estão relacionados com o tráfico e o consumo de drogas, com especial destaque para a situação no vale de Alcântara e na Avenida de Ceuta.

João Goulão, presidente do conselho directivo do Instituto para os Comportamentos Aditivos e as Dependências (ICAD), conhece bem a realidade e explica ao Observador que a sensação de insegurança descrita nesses pontos da cidade de Lisboa “não é apanágio único de Portugal”. “Vem sendo sentido em muitos locais do espaço europeu, não é por acaso que, por exemplo, o Observatório Europeu da Droga e da Toxicodependência, que se centrava muito no acompanhamento das questões relacionadas com a saúde, com a oferta de tratamento, de estratégias preventivas relacionadas com drogas, foi agora transformado em agência europeia para as drogas, com um mandato reforçado no âmbito das questões ligadas à segurança”.

O médico afirma que para esta realidade contribuem tanto as características da população consumidora, como as próprias substâncias que circulam e os próprios padrões de consumo — “o policonsumo”. Sobre relatos de consumo de substâncias como o gás de isqueiro em zonas da cidade como o Beato, João Goulão confirma que são diversas as substâncias utilizadas actualmente: “A questão do gás ilustra bem o que estava a dizer. As pessoas estão a utilizar uma panóplia alargadíssima de substâncias que alteram o seu estado de consciência”. E na base de tudo pode estar uma “manifestação de um sofrimento social que vem crescendo também em toda a Europa”, justifica.

Além do gás de isqueiro, destaca um “surto, que parece ter diminuído, de utilização do gás hilariante (óxido nitroso)”. Em causa está, como no caso do gás de isqueiro, um produto lícito, usado em várias actividades lícitas. Mas, no caso do óxido nitroso, depois de se detectar que estava a ser usado como droga, este acabou por ser “incluído na lista de substâncias psicoactivas e viu a sua comercialização para uso recreativo dificultada”. Além disso, assiste-se a um “uso muito significativo de medicamentos psicotrópicos fora do uso terapêutico”.

São muitas as substâncias usadas hoje, além das que são vulgarmente chamadas de “drogas clássicas, que são proibidas ou de uso ilícito”, sublinha o médico ao Observador, a propósito da situação vivida na cidade de Lisboa. Nunca como agora circularam tantas drogas em Portugal. O uso de substâncias lícitas, como o álcool, como os medicamentos, juntamente com substâncias ilícitas, com novas substâncias psicoactivas — os tais coquetéis — faz com que possa dizer isso. Quando digo que nunca circularam tantas drogas, é no sentido da diversidade e não da quantidade disponível”.

No caso do antigo Casal Ventoso, João Goulão garante que os problemas que existem actualmente naquela zona de Alcântara só vão aumentar se nada for feito. “Enquanto não conseguimos satisfazer as necessidades básicas dos nossos cidadãos e daqueles que se vão juntando a nós também — integração na sociedade, acesso à habitação, aos cuidados de saúde, aos níveis mais básicos de cidadania — estes problemas só podem aumentar”.

Sobre o que se passa naquela área da cidade, o médico alerta para o risco de cristalização do fenómeno. “As pessoas vão migrando, vão passando de um local para o outro território. E é importante que esses territórios não cristalizem como o polo de atracção e de fixação”, afirma, acrescentando que é isso que pode estar a acontecer de novo no Vale de Alcântara.

Aumentou o número de detidos por tráfico de droga

“No que concerne ao tráfico de estupefacientes, o território nacional possui características geográficas muito específicas que propiciam operações de tráfico destas substâncias, desenvolvidas por organizações criminosas de âmbito transnacional, as quais introduzem quantidades significativas de cocaína e haxixe em território nacional, com a colaboração de grupos criminosos de origem portuguesa e com o principal intuito de abastecer o mercado dos países europeus. De destacar os aumentos no número de detidos por tráfico de estupefacientes (+9,2%) e das apreensões efectuadas (+13,6%).”

Em outras áreas, como o Beato, que acolhe uma parte significativa das respostas à população em situação de sem-abrigo (em que se registam percentagens elevadas de pessoas com dependências de álcool e drogas), João Goulão acredita que “haveria vantagem em diversificar esse tipo de respostas em vários territórios da cidade, porque senão os poucos existentes transformam-se também em polos de atração e só vão crescer”.

Sobre as drogas clássicas, o especialista lembra a predominância da heroína nas décadas de 80 e 90 — e como a estratégia seguida em Portugal foi eficaz:Fomos conseguindo, paulatinamente, mas fomos conseguindo esses progressos. Neste momento temos limitações ao nível da capacidade de resposta para oferecer tratamento. O ICAD foi constituído com alguma efectividade a partir de apenas de 1 de abril, estamos ainda nos primeiros passos, mas um dos grandes objectivos que temos é eliminar listas de espera e permitir um acesso facilitado a todos aqueles que pretendem tratar-se”.

Actualmente há, no entanto, desafios maiores, nomeadamente com a proliferação do crack. “As pessoas quanto mais usam, mais querem usar. Por outro lado, em muitos casos, e contrariamente ao que acontecia com os nossos conhecidos utilizadores de heroína, que eram tipicamente pessoas cordatas, pouco dadas à violência, os utilizadores de crack passam, com alguma facilidade, ao acto. São mais difíceis de tratar, menos fáceis de lidar, em boa verdade.” Além disso, exemplifica, em relação ao crack, não há “armas terapêuticas como temos em relação à heroína, com a substituição por opiácio, com medicamentos que aliviam o sofrimento pela carência, nomeadamente a metadona, e que nos permitem contribuir para o equilíbrio das pessoas e para estar em tal processo de doença”.

A disseminação do crack e o que esta droga provoca nos utilizadores é, por isso, mais um motivo que pode impactar na segurança ou sensação de insegurança em determinadas áreas. “Está disseminado, ganhou muito dos espaços que umas décadas atrás eram ocupados pela heroína. Tudo por ser mais barato e porque a heroína se autodesprestigiou, digamos assim, por ser associada à ideia da degradação”. Ainda assim, remata, o crack ainda não é o principal gerador de problemas no que toca a dependências: “Colocaria em primeiro lugar o álcool, mas logo em segundo lugar o crack”.

 

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