Conclusão do texto anterior sobre a
Insegurança por cá, na questão das drogas e suas consequências. Texto de Carlos Diogo
Santos. Julgo que o dinheiro é o grande responsável pelos
desastres sociais. Não houvesse tanta ambição, não se fabricariam tantas
drogas, mas esses fabricantes parece não serem chamados à liça das
responsabilizações, e seguem impavidamente a sua carreira criadora de
destruição social.
Fonte:
RASI 2023
Tendo em conta todos estes fenómenos, para a Polícia Marítima
não há dúvidas de que mais do que uma mera sensação, hoje há mais insegurança: “Objectivamente, e de acordo com os dados
do último Relatório de Segurança Interna publicado, foi registado um aumento
no último ano, tanto na criminalidade geral, como na criminalidade
violenta e grave. Em linha
com essa tendência, a Polícia Marítima registou, em 2023, mais 37 crimes do que
havia registado em 2022 (906 e 869, respectivamente)”. E para tentar contrariar
“o sentimento de insegurança que possa eventualmente estar a aumentar”, a
Polícia Marítima revela que “tem vindo a desenvolver um importante esforço na
gestão dos seus recursos, procurando adoptar, na maior extensão possível, um
modelo preventivo e de proximidade ao cidadão”.
Em paralelo, esta força de segurança diz
estar a desenvolver “diversas operações de vigilância”, com vista “à análise situacional de
determinados locais e à análise preditiva de futuras ocorrências, assim como ao
nível da recolha de informações operacionais
que permitam uma actuação mais oportuna e dirigida”. E, para que a prevenção e o combate a
estes crimes sejam eficazes, é fundamental a cooperação policial entre forças e
serviços de segurança, “como vem sendo demonstrado, nomeadamente, pela
implementação dos planos de segurança existentes em determinadas praias (que
envolvem a Polícia Marítima, a PSP, a Polícia Municipal e a
GNR)”.
Ao Observador, a Polícia
Marítima diz ainda ser “necessário continuar a realizar um reforço de
visibilidade da autoridade do Estado junto da população, incluindo operações
dirigidas de combate à criminalidade em toda a área de jurisdição, em
cooperação com outras forças e serviços de segurança”. O que nem sempre é fácil, dados os
recursos existentes, tornando-se, por isso, “imperativo continuar a fazer uma
gestão eficiente dos elementos da Polícia Marítima, maximizando o patrulhamento
e a presença visível em zonas criteriosamente identificadas, promovendo junto
da população e, em particular, dos frequentadores das áreas balneares, o
aumento do sentimento de segurança”.
A terminar, esta polícia reconhece a
“carência de efectivos”, dizendo que “para o mitigar está em curso a formação
de 50 agentes, estando ainda previsto este ritmo de recrutamento anual
manter-se nos próximos quatro anos”.
Estações, terminal de cruzeiros e
aeroporto também são pontos de preocupação
Ao que o Observador apurou, a PSP define
como pontos de especial preocupação algumas infraestruturas, como o aeroporto de Lisboa, da Gare do
Oriente, a estação de Santa Apolónia, a de Entrecampos e o terminal de
Cruzeiros — tudo por serem locais de grande aglomeração e de entrada de pessoas
na cidade (e no país).
Ao Observador, a Administração
do Porto de Lisboa (APL), questionada
sobre os desafios de segurança e indicadores de criminalidade em
infraestruturas como o terminal de cruzeiros, garantiu que “todos os
terminais portuários do Porto de Lisboa cumprem a legislação relativa à
existência e implementação de planos de protecção que visam prevenir a
introdução ilícita de pessoas ou objectos nos cais e navios”. “Estes
planos são ferramenta eficaz, pois asseguram mecanismos de proteção que, no
entanto, apenas se refletem dentro das instalações portuárias e das embarcações
nelas acostadas. Deste ponto de
vista, nenhum indicador nos leva a crer existir um aumento da prática de actos
ilícitos ou criminosos, dentro dos terminais portuários do Porto de Lisboa”, explica
ainda. MIGUEL A. LOPES/LUSA
Salientando não
ter intervenção nem ser sequer “indirectamente parte da acção policial
organizada para combate à criminalidade”, a APL afirmou não ter outros dados
que não os do Relatório de Segurança Interna de 2023: “Por esse motivo
reforçamos que no exterior dos terminais do Porto de Lisboa e em termos de
tendências gerais, apenas as autoridades policiais ou judiciais se poderão
pronunciar sobre o tema da segurança e do policiamento”.
Já a CP – Comboios de Portugal respondeu que segurança nas estações “é
da responsabilidade da Infraestruturas de Portugal”, rementendo todos os
esclarecimentos para esta entidade, que não respondeu até à publicação deste
artigo. Também a ANA – Aeroportos de Portugal,
questionada sobre os desafios de segurança no Aeroporto de Lisboa, não enviou qualquer resposta às questões
colocadas.
CONTINUA
“Nunca como agora circularam tantas
drogas em Portugal”
Campo
de Ourique, Santa Clara, Lumiar e Beato — estas são algumas das juntas de
freguesia que explicam ao Observador que parte dos problemas nas suas zonas estão
relacionados com o tráfico e o consumo de drogas, com especial destaque para a
situação no vale de Alcântara e na Avenida de Ceuta.
João Goulão, presidente do conselho
directivo do Instituto para os Comportamentos Aditivos e as Dependências (ICAD), conhece
bem a realidade e explica ao Observador que a sensação de insegurança
descrita nesses pontos da cidade de Lisboa “não é apanágio único de Portugal”.
“Vem sendo sentido em muitos
locais do espaço europeu, não é por acaso que, por exemplo, o Observatório
Europeu da Droga e da Toxicodependência, que se centrava muito no
acompanhamento das questões relacionadas com a saúde, com a oferta de
tratamento, de estratégias preventivas relacionadas com drogas, foi agora
transformado em agência europeia para as drogas, com um mandato reforçado no
âmbito das questões ligadas à segurança”.
O médico afirma que para esta realidade
contribuem tanto as características da população consumidora, como as próprias
substâncias que circulam e os próprios padrões de consumo — “o
policonsumo”. Sobre
relatos de consumo de substâncias como o gás de isqueiro em zonas da cidade
como o Beato, João Goulão confirma que são diversas as substâncias utilizadas actualmente:
“A questão do gás ilustra bem o que estava a dizer. As pessoas estão a utilizar
uma panóplia alargadíssima de substâncias que alteram o seu estado de
consciência”. E na base de tudo pode estar uma
“manifestação de um sofrimento social que vem crescendo também em toda a
Europa”, justifica.
Além do gás de isqueiro, destaca um
“surto, que parece ter diminuído, de
utilização do gás
hilariante (óxido nitroso)”. Em
causa está, como no caso do gás de isqueiro, um produto lícito, usado em várias
actividades lícitas. Mas, no
caso do óxido nitroso, depois de se detectar que estava a ser usado como droga,
este acabou por ser “incluído na lista de substâncias psicoactivas e viu a sua comercialização para uso
recreativo dificultada”. Além disso, assiste-se a um “uso muito significativo de medicamentos
psicotrópicos fora do uso terapêutico”.
São muitas as substâncias
usadas hoje, além das que são vulgarmente chamadas de “drogas clássicas, que
são proibidas ou de uso ilícito”, sublinha o médico ao Observador, a propósito
da situação vivida na cidade de Lisboa. “Nunca como agora circularam tantas drogas
em Portugal. O uso de substâncias lícitas, como o álcool, como os medicamentos,
juntamente com substâncias ilícitas, com novas substâncias psicoactivas — os
tais coquetéis — faz com que possa dizer isso. Quando digo que nunca circularam
tantas drogas, é no sentido da diversidade e não da quantidade disponível”.
No caso do antigo Casal
Ventoso, João Goulão garante que os problemas que existem actualmente naquela
zona de Alcântara só vão aumentar se nada for feito. “Enquanto não conseguimos
satisfazer as necessidades básicas dos nossos cidadãos e daqueles que se vão
juntando a nós também — integração na sociedade, acesso à habitação, aos
cuidados de saúde, aos níveis mais básicos de cidadania — estes problemas só
podem aumentar”.
Sobre o que se
passa naquela área da cidade, o médico alerta para o risco
de cristalização do fenómeno. “As pessoas vão migrando, vão passando de um local para o outro
território. E é importante que esses territórios não cristalizem como o polo de
atracção e de fixação”, afirma, acrescentando que é isso que pode estar a
acontecer de novo no Vale de Alcântara.
Aumentou o número de detidos por tráfico de droga
“No
que concerne ao tráfico de estupefacientes, o território nacional possui
características geográficas muito específicas que propiciam operações de
tráfico destas substâncias, desenvolvidas por organizações criminosas de âmbito
transnacional, as quais introduzem quantidades significativas de cocaína e
haxixe em território nacional, com a colaboração de grupos criminosos de origem
portuguesa e com o principal intuito de abastecer o mercado dos países
europeus. De destacar os aumentos no número de detidos por tráfico de
estupefacientes (+9,2%) e das apreensões efectuadas (+13,6%).”
Em outras áreas, como o Beato, que acolhe uma parte
significativa das respostas à população em situação de sem-abrigo (em que se
registam percentagens elevadas de pessoas com dependências de álcool e drogas),
João Goulão acredita que “haveria vantagem em diversificar esse tipo de
respostas em vários territórios da cidade, porque senão os poucos existentes
transformam-se também em polos de atração e só vão crescer”.
Sobre as drogas
clássicas, o especialista lembra a predominância da heroína nas décadas de
80 e 90 — e como a estratégia seguida em Portugal foi eficaz: “Fomos
conseguindo, paulatinamente, mas fomos conseguindo esses progressos. Neste
momento temos limitações ao nível da capacidade de resposta para oferecer
tratamento. O ICAD foi constituído com alguma efectividade a partir de apenas de
1 de abril, estamos ainda nos primeiros passos, mas um dos grandes objectivos
que temos é eliminar listas de espera e permitir um acesso facilitado a todos
aqueles que pretendem tratar-se”.
Actualmente há, no entanto,
desafios maiores, nomeadamente com a proliferação
do crack. “As pessoas quanto mais usam, mais querem usar.
Por outro lado, em muitos casos, e contrariamente ao que acontecia com os
nossos conhecidos utilizadores de heroína, que eram tipicamente pessoas
cordatas, pouco dadas à violência, os utilizadores de crack passam, com alguma
facilidade, ao acto. São mais difíceis de tratar,
menos fáceis de lidar, em boa verdade.” Além disso, exemplifica, em relação ao crack, não há “armas terapêuticas
como temos em relação à heroína, com a substituição por opiácio, com
medicamentos que aliviam o sofrimento pela carência, nomeadamente a metadona, e
que nos permitem contribuir para o equilíbrio das pessoas e para estar em tal
processo de doença”.
A disseminação
do crack e o que esta droga provoca nos utilizadores é, por isso, mais um
motivo que pode impactar na segurança ou sensação de insegurança em
determinadas áreas. “Está disseminado, ganhou
muito dos espaços que umas décadas atrás eram ocupados pela heroína.
Tudo por ser mais barato e porque a
heroína se autodesprestigiou, digamos assim, por ser associada à ideia da
degradação”. Ainda assim, remata, o crack ainda não é o principal
gerador de problemas no que toca a dependências: “Colocaria em primeiro lugar o álcool, mas logo em
segundo lugar o crack”.
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