Entre uma e outro, divididos, mas, sobretudo,
preocupados, quer em relação a um, quer em relação a outro… Venha o diabo e
escolha… Mas Kamala foi anjinha, faltando ao tal jantar, talvez com receio de
assédio às suas teorias governativas … Sim, venha o diabo e escolha…
Estados Unidos: angústia para o jantar
Kamala Harris resolveu não comparecer no
Al Smith Dinner, ainda que o voto católico se incline para Trump e possa ser
decisivo.
JAIME NOGUEIRA PINTO Colunista do
Observador
OBSERVADOR, 26 out. 2024, 00:1827
Al Smith (1873-1944) foi um político e governador de Nova
Iorque, filho de mãe americana de origem irlandesa e de pai italo-americano, um
dos primeiros católicos com uma carreira política significativa nos Estados
Unidos, pelo Partido Democrata.
Na História da América, os
católicos começaram por ser uma ínfima minoria; só
a partir da segunda metade do século XIX, com as migrações para o Novo Mundo,
primeiro de irlandeses e alemães e, para o fim do século, de italianos e
polacos, aumentaram de cerca de milhão e meio, antes da guerra civil, para doze
milhões no princípio do século XX.
Por muitos anos o voto dos católicos foi maioritariamente no Partido
Democrata. Os católicos tiveram,
de resto, um papel relevante na coligação do New Deal que apoiou Franklin
Roosevelt quando
James Farley, o primeiro católico em funções governamentais, se tornou o Post
Master General. Al Smith, governador
de Nova Iorque, é desse tempo; o tempo da Lei Seca,
aprovada logo a seguir à Grande Guerra, sob o nome de Prohibition. Ao
ilegalizar um hábito enraizado, o consumo de álcool, a Prohibition, teve
como efeito perverso o desenvolvimento do crime organizado. Al Smith era contra a Lei Seca e pela
igualdade racial. Em 1932
concorreu contra F. D. Roosevelt à nomeação democrática, mas perdeu. Depois
apoiou Roosevelt na campanha, mas foi crítico do New Deal.
A
partir daí, embora mantendo algumas actividades políticas, Smith dedicou-se
sobretudo aos negócios imobiliários, nomeadamente à sociedade construtora e
proprietária do Empire State Building. Morreu em 1944.
É
este Al Smith o patrono da Alfred E. Smith Memorial Foundation, uma instituição de beneficência de Nova
Iorque, muito activa no apoio a crianças pobres. E desde 1960 é da
praxe os candidatos presidenciais – democratas e republicanos – marcarem
presença no jantar de gala da instituição católica. É um acontecimento social,
de smoking, a que vai “toda a gente”, ou seja, a elite da cidade – os ricos, os políticos, os ex-políticos,
as celebridades.
Um ritual americano
John Kennedy e Richard Nixon estiveram no jantar em 1960, bem como
quase todos os outros candidatos presidenciais em ano de eleições; Jimmy Carter e Ronald Reagan estiveram lá em 1980, George H. Bush e Michael Dukakis em 1988,
Al Gore e George W. Bush em 2000, Barak Obama e John McCain em 2008, Hillary
Clinton e Donald Trump em 2016, Trump e Biden em 2020.
É um ritual, uma espécie de trégua sagrada, em que as piadas e
provocações de parte a parte fazem parte da tradição.
Este
ano, Kamala
Harris resolveu
não comparecer e mandar uma mensagem filmada – dizem que a conselho da sua
directora de campanha, Julie Chavez, para acautelar os votos LGBT.
A
provocação que escolheu foi intercalar a sua mensagem solene com uma rábula
protagonizada pela própria e por uma actriz cuja personagem mais conhecida,
Mary Catherine, é uma caricatural aluna de colégio católico que junta o
uniforme com mini-saia à Lolita ao ar freirático, o cérebro desprovido de
neurónios à fé fervorosa, e o feminismo gesticulante de cheer leader à
falta de graça. Enfim, uma católica fervorosa, mas uma
indefectível apoiante de Kamala e uma frenética feminista. É ver para crer.
Ao dar-se conta das possíveis
repercussões da sua ausência, Kamala terá ficado incomodada a ponto de ter
maltratado a sua directora de campanha.
Donald
Trump esteve lá, perante uma assembleia dividida, dizia ele, entre os que o
adoravam e o odiavam, quase todos seus velhos parceiros da elite liberal de
Nova Iorque. Falou cerca de 25 minutos no seu registo de entertainer,
bombardeando presentes e ausentes com graças quase sempre excessivas e
corrosivas, mas a arrancarem muitas gargalhadas. A tradição, dizia Trump,
pedia-lhe uns momentos de humor auto-depreciativo, mas talvez fosse melhor não
se pôr ali a disparar sobre si próprio quando já outros o faziam.
Quanto à ausência de Harris, lembrava
que, em 1984, Walter Mondale, o candidato democrata que também faltara
ao jantar, fora castigado “from above”, perdendo nos 49 Estados da União e
proporcionando a Ronald Reagan uma gigantesca maioria; pedia também aos presentes para não se
sentirem demasiadamente insultados pela ausência de Kamala Harris: afinal
se os Democratas quisessem mesmo brindá-los com uma ausência que se visse,
teriam mandado Joe Biden – “if Democrats really wanted someone
not being with us this evening they would have sent Joe Biden”.
A evolução política dos católicos
Até aos anos 60 do século XX, manteve-se a tendência do voto
católico nos Democratas. Kennedy
beneficiou disso. Depois houve mudanças profundas, quer nos programas e
nas posições dos partidos, quer no comportamento eleitoral dos católicos. É preciso lembrar que, com os
protestantes divididos em várias igrejas, os católicos são hoje a primeira confissão religiosa na América.
Embora
os protestantes Evangélicos continuem a ser um “núcleo duro” dos Republicanos, a
verdade é que a posição dos Democratas em matérias da vida e da sua defesa tem
contado muito para a mudança de muitos eleitores católicos para o campo
republicano.
Em 2020, a percepção de Joe
Biden como um democrata “middle of the road”, católico e com raízes na classe
trabalhadora foi importante em alguns swing states para vencer Donald
Trump. Mas as posições de
compromisso que Biden – e Nancy Pelosi, outra católica – com o abortismo
militante e o wokismo levaram muitos bispos a pronunciarem-se sobre a
incompatibilidade com a fé católica de semelhantes transigências; e em Abril
deste ano, ainda com Biden como candidato a um segundo mandato, um inquérito da Pew Research dava 55% do
voto católico para Trump e 43% para Biden.
No entanto, se em relação a Joe Biden
ainda chegou a haver dúvidas, em
relação a Kamala Harris e ao seu segundo, Tim Walz, só restam certezas, ainda
que os candidatos democratas tenham vindo a procurar fazer passar o seu radical
progressismo pelo buraco da agulha – com Kamala Harris a confessar-se uma “capitalista pragmática” e uma
detentora de armas de longa data e a decalcar os programas de nacionalismo
económico e de reindustrialização dos Republicanos. Já quanto ao aborto, a
orwelliana designação de “liberdade
reprodutiva” com que agora foi rebaptizado tem ajudado na
cruzada. Cruzada em que Kamala se mantém de pedra e cal, secundada pelo seu
igualmente motivado segundo, outro americano de classe média, bem-disposto e
disposto a fantasiar pela causa sobre o seu serviço na Guarda Nacional e as
suas aventuras na China em Tianamen.
Bem sabemos que o anti-trumpismo, que entre
nós atingiu casos extremos de verdadeira obsessão e recusa de contraditório,
pode e poderá explicar e influenciar muita coisa; mas a eleição para
Presidente dos Estados Unidos é nos Estados Unidos, e não aqui, e vai-se
decidir por poucos votos e em poucos Estados.
As
sondagens são mais que muitas e servem várias teorias, mas, de um modo geral,
Harris mantinha-se à frente na votação geral popular e Trump com uma ligeira
vantagem nos Swing States. Entretanto, ontem, sexta-feira 25 de Outubro,
uma sondagem do New York Times/Sienna College dava-os, pela primeira vez, empatados
no voto nacional. Quanto ao voto
católico nos Swing States parece ir maioritariamente para Trump e
para o seu segundo, Vance, um católico convertido, e pode ser decisivo em
Estados como o Wisconsin e o Michigan. De qualquer forma, enquanto a
divisão entre os católicos é de 52% para Trump e 47% para Harris, entre os
protestantes é de 61% para Trump e 37% para Harris.
Como notou a propósito o Santo Padre, a
escolha para os cristãos e para os católicos nas eleições americanas é entre dois
males, ou entre dois candidatos anti-vida: “seja
aquele que expulsa os migrantes, seja aquela que mata crianças”.
Entre estes dois males, não tenho
dúvidas de qual é o pior e o mais camaleónico. Mas há quem tenha.
A SEXTA
COLUNA HISTÓRIA CULTURA ELEIÇÕES
EUA ESTADOS
UNIDOS DA AMÉRICA AMÉRICA MUNDO DONALD TRUMP
COMENTÁRIOS (de 21)
josé cortes: São as dúvidas dos civilizacionalmente superiores,
aqueles que sabem as coisas melhor, os Europeus de um modo geral. A Europa a
afundar-se e a dizer, que bem que anda a orquestra. Precisamos urgentemente de
um Reagan deste lado do charco. Rui Lima: Bruxelas está em pânico com a possível vitória de Trump
dizem que há reuniões diárias, está gente se tivesse lido. “ Ideologia e Razão
de Estado “ Escrito pelo autor desta crónica, sim são 1000 páginas e essa gente
não tem tempo para ler, ficariam a saber e saberiam separar a sua ideologia
do interesse da Europa ou seja, por razão de Estado, a Europa terá de ser
próxima dos USA não importa quem é ou será presidente. bento guerra: Kamala, embalada
pelo entrevistador, chamou "fascista" ao Trump e isso, a duas semanas
da eleição, foi um tiro nos dois pés Paulo
Cardoso: Caro Jaime,
com quem comungo de uma significativa parte do pensamento. Não sei se lhe perdoo.
Preferia manter-me no desconhecimento a ter assistido à lastimável e lamentável
- como lhe hei-de chamar? - coisa filmada, para onde nos encaminha no texto. Por
vezes, a ignorância é uma bênção. Trump, na sua generalidade, é uma personagem
pouco ou nada recomendável, mas está longe de ser o demónio que a comunicação
social pinta. Um presidente como Trump é obra do resvalar wokista a que o
partido democrata se sujeitou, sendo Kamala uma das suas principais artífices.
No que respeita à escolha americana para presidente, estou uma vez mais de
acordo consigo. Pelas mesmíssimas razões, mas com a ordem de prioridade inversa
de algumas delas. Paulo Luis da Silva: Democracias como a dos EUA têm mostrado uma maior
dificuldade em ter bons candidatos à Presidência. Um paradoxo. Um perigo pelas
repercussões. Um sinal de algo muito errado se passa nestas sociedades. Um
prelúdio de que algo vai mudar radicalmente cedo ou tarde, como nos ensina a
História. E os EUA não são, como sabemos, caso único. Por cá padecemos de
semelhante mal. Ronin
kaishakunin: Preocupado
fico se Kamala ganhar as eleições e as consequências dessa vitória, para os USA
que ainda têm várias formas de amortecer essa vitória, ou seja as intercalares
para o Senado e Representantes, para equilibrar ou não as coisas. Por cá e na
Europa gostam muito do pântano e da "estabilidade" mantido por
balofos e pelas miasmas que dele se aproveitam, ou seja manter a desgraça e o
crescimento anémico ou de soma zero e como se tem visto, por exemplo, a
"aflição" da harpia à frente do BCE, à espera sempre do que sucede
nos USA, já que as "potências" na Europa estão moribundas devido à
vacina do socialismo de que não se livram e da entrega da indústria aos BRIC,
gozando apenas disto os donos das marcas, até ao empobrecimento provocado pela
armadilha em que caíram os filhos e netos.
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