O comentário de Ana Luís da Silva: - «A assertividade de Le
Pen e o seu comportamento institucional irrepreensível, respaldados na sua base
de apoio eleitoral, constituem uma lição de boas práticas numa democracia
consolidada como a francesa e uma bofetada de luva branca nos histriónicos
centro e centro-direita que até foram capazes de se aliar a comunistas e seus
herdeiros para se opor ao Rassemblement National.» - serve de complemento a um pensamento bem
patriótico de um português historiador, que ama o seu país, nesta sua
narrativa sobre uma mulher francesa que mostra amar o seu, contrária a
associações maquiavélicas de quem, sentindo-se bem no poleiro, usa truques de
alianças à esquerda, moda de que somos padrinhos, afinal... Pobre França, de
tão excelsa História civilizacional, pintalgada por tão mísera postura actual,
em função de um tacho, apenas. Teremos nós sido padrinhos, nesta nossa margem
tão precária no saber, embora não no ser - este tão puramente amante do tacho -
como tão bem temos demonstrado, num pioneirismo muito pouco glorioso, este?
O
árbitro da política francesa
Entre Barnier, o républicain de Matignon, e Macron, o ensembliste do
Eliseu, há agora um árbitro, por insultável que seja: Le Pen, a
national-populiste do Palais Bourbon.
JAIME NOGUEIRA PINTO Colunista
do Observador
OBSERVADOR, 05
out. 2024, 00:1820
Quando,
na segunda volta das eleições legislativas, a Extrema-Esquerda, a Esquerda, o
Centro e o Centro-Direita se aliaram numa “frente antifascista” para impedir a
vitória do Rassemblement National, Marine Le Pen disse duas coisas: que a
aliança contra-natura para a pôr fora de jogo e aos 11 milhões de franceses que
representava ia tornar o sistema ingovernável; e que o tempo jogava a seu
favor.
O que aconteceu a seguir veio dar-lhe
razão: o Rassemblement National tornou-se o árbitro da
política francesa.
O Nouveau
Front Populaire de Jean Luc Mélenchon que,
por obra e graça de uma geringonça eleitoral de um dia, pôde nomear um
candidato a primeiro-ministro, escolheu Lucie
Castets, uma obscura burocrata adornada com todos os adereços ideológicos e
políticos do Wokismo. Porém, o presidente Macron achou que Castests não
reunia condições para formar governo e foi à procura de outra solução. Primeiro pensou em Xavier Bertrand mas depois arrepiou caminho e escolheu Michel Barnier, um tecnocrata do partido Les
Républicains.
Xavier Bertrand, o auto-intitulado “inimigo número 1 do
Rassemblement National”, tinha sido
chumbado por Marine, que, a 3 de Setembro, dissera a Macron que os deputados do
Rassemblement nunca deixariam passar um governo chefiado por quem “não tinha
coluna vertebral”, “não respeitava as oposições” e encarnava “o pior do
sistema”; e que exigia para Matignon alguém que soubesse
respeitar os milhões de franceses que tinham votado no Rassemblement National. Ao contrário de Bertrand, Michel
Barnier tinha uma percepção sobre
a imigração próxima dos nacionais-populares e nunca – segundo Le Pen – fora
arrogante ou insultuoso para com a oposição nacionalista. Além disso parecia
aberto a um modo mais justo, ou seja, mais proporcional, de escrutínio
eleitoral.
As
expulsões e convocações de Antoine Armand
Já depois da nomeação do gabinete, a 24
de Setembro, Antoine Armand, o
novo ministro da Economia, Finanças e Indústria de Barnier, talvez
esquecido da realidade política e parlamentar francesa, repetia a atitude insultuosa de Bertrand e dava origem a outro
episódio: num gesto de
“Centrão” arrogante, intimava a esquerda do Nouveau Front Populaire a votar
pelo novo Governo sob pena de “traição ao arco republicano” e conluio com os
nacionalistas. Do lado da Esquerda a resposta veio
indignada: fora o Centrão, a Macronia, que traíra o “arco republicano”,
recusando Lucie Castets e fazendo causa comum com o Rassemblement.
Armand é um ex-aluno da École
Nationale d’Administration, o berço da tecno-burocracia francesa das últimas
gerações, e foi convocado quando Laurent Wauquiez, a primeira escolha de
Barnier para as Finanças, recusou o lugar. Wauquiez
queria o Ministério do Interior, entregue a Bruno Retailleau que, em 2022, se abstivera na segunda volta entre
Marine Le Pen e Emmanuel Macron, ganhando assim créditos junto do
Rassemblement.
Os donos
da bola
Ao
declarar, a 24 de Setembro, à France Inter, a sua abertura ao “arco
republicano”, excluindo o Rassemblement National e convocando a Esquerda e os
radicais de La France Insoumise, Antoine Armand comprometia a aprovação do
governo de Barnier, que dependia dos 126 votos do Rassemblement.
Marine Le Pen pediu
explicações ao chefe do governo que lhe apresentou desculpas e chamou o jovem
Armand à ordem: o ministro que tivesse em relação ao Rassemblement National a
cortesia devida, até porque o governo dependia do partido de Le Pen. E que
apresentasse desculpas.
Segundo Carl Meeus do Le Figaro
Magazine, Barnier vinha em
quarto ou quinto lugar na lista inicial de Macron, depois de Xavier Bertrand, de Bernard
Cazeneuve, e de um par de tecnocratas. Fora
o poderoso secretário-geral do Eliseu, Alexis Kohler, que insistira no seu
nome. Barnier tinha sido ministro de Chirac e de Sarkozy e, nos últimos anos, aproximara-se das posições dos
nacionalistas quanto à Europa e à imigração.
Era, por isso, o único a poder contar com a benevolência, ou pelo menos com a
“dúvida expectante”, de Le Pen.
Assim, por obra e graça da geringonça
que os afastara do jogo, os nacionais populares passavam a ser os donos da bola. Entre
o républicain de Matignon e o ensembliste do Eliseu havia agora um árbitro, por insultável
que fosse: a national-populiste do Palais Bourbon. Um terceiro elemento oportunisticamente
excluído do poder mas que se revelara, inesperadamente, o dono da bola; alguém
capaz de pôr fim ao jogo se quisesse, quando quisesse e conforme lhe conviesse.
A SEXTA
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COMENTÁRIOS (de 20)
Ana Luís da Silva: A assertividade de Le Pen e o seu comportamento institucional irrepreensível, respaldados na sua base de apoio eleitoral, constituem uma lição de boas práticas numa democracia consolidada como a francesa e uma bofetada de luva branca nos histriónicos centro e centro-direita que até foram capazes de se aliar a comunistas e seus herdeiros para se opor ao Rassemblement National. bento guerra: O partido da Le Pen foi objecto de uma barreira verbal e de conluio, inadmissível em democracia (excepto com o Chega, em Portugal). Agora, lá como cá, as contas das cadeiras são um problema. A ver quem ri no fim Pedro Belo > Jorge Pereira: Pode explicar-me porque é que chama o autor de anti-democrático? Roberto Carlos: O português médio é levado, pela CS alimentada por subsídios, a apelidar a direita de "extrema direita" e, a engavetar a dita como "carta fora do baralho". Trata-se tão somente de puro medo, pavor do tempo que passa, tal como um ladrão que rouba, já com o alarme a tocar. Em Portugal a esquerda é maioritária, contrariamente ao que muitos dizem, mas até quando? A D: Ironia do destino, a chefe de governo material em França é, agora, Le Pen! Queira Deus que seja o último acto da farsa em que a França se tornou antes da tomada formal do poder pelos verdadeiros franceses. José Costa-Deitado: Mesmo que sendo um “mal comparado”, tótós e gajada da bolha da imprensa a que temos direito, talvez o comparem… "Um terceiro elemento oportunisticamente excluído do poder mas que se revela, inesperadamente, o dono da bola; alguém capaz de pôr fim ao jogo se quiser, quando quiser e conforme lhe convier". Leiam, parem para pensar e decerto encontrarão semelhanças! Otavio Luso > Pedro Belo: Bem pode esperar sentado. Nem que por milagre recebesse uma sobredose de neurónios, conseguiria explicar. Tim do A > João Ramos: Eu diria antes, ingovernável.
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