De um descritivo literariamente
impoluto, na pontaria certeira das suas observações, políticas ou outras, firmes
e corajosas, e na originalidade elegante do seu estilo. Tal me pareceu mais esta
crónica de uma pena bem feminina – a de MARIA
JOÃO AVILLEZ.
Um e outro
Seja como for será com estes dois homens muito
diferentes e à roda deles que gravitará a vida política social e económica de
Portugal. Goste-se ou não deles, tenha-se ou não votado neles.
MARIA JOÃO AVILLEZ
Jornalista, colunista do Observador
OBSERVADOR, 30 out. 2024, 00:224
1 Não, de facto como diz um camarada
amigo, Pedro Nuno Santos não é conhecido como “calculista”: a precipitação não
costuma conceder tempo ao cálculo e a imprevisibilidade não casa com a
ponderação. Talvez não fosse porém isto que eu teria escrito com tanta
assertividade sobre o actual líder do PS quando o conheci há cerca de um ano e
meio, ainda ele não chefiava as tropas socialistas e já não era ministro.
Conversámos pela primeira vez num gabinete da Assembleia da República para onde
regressara como deputado e, da segunda vez, na grande sala da biblioteca. Tomei aliás de imediato boa nota de uma
imensa popularidade: a amável troca de cumprimentos trocados entre Miranda Sarmento, então líder parlamentar do PSD que atravessava a
sala, e Pedro Nuno Santos que
escolhia onde se sentar, nada tinha de falsa. E pude
medir essa popularidade quando à saída observei o tempo que vi ser necessário
ao deputado socialista para atravessar os corredores do parlamento, tantas as
interrupções à sua passagem: um
cumprimento, um murmúrio, uma troca cúmplice de olhares, saudações cordiais,
vinda das suas hostes — ou de grande parte delas – e de várias moradas.
A
política é inseparável da expectativa e ela estava inegavelmente do lado de
Pedro Nuno Santos, pelo menos dentro daquelas solenes paredes. Mas o
(meu) ponto é este: no fundo ainda não começara nada de verdadeiramente
sério para ele mesmo que parecesse: não
comandara tropas, não deixara memória de “governante-fazedor” e, ao contrário
da lenda, só na constelação socialista “se” achava que ele fora bom ministro.
O país chocara-se com as leviandades
da TAP, não havia uma marca na ferrovia nem na habitação; o então Primeiro
Ministro António Costa havia-se enfurecido com o anúncio do local do novo
aeroporto, “escolhido” unilateralmente pelo seu ministro das Infraestruturas e
estampado em Diário da Republica com o total desconhecimento do chefe do
Governo. Etc. Haveria mais exemplos mas não interessavam a uma
considerabilíssima parte do PS que tinha nele os olhos postos enquanto a vasta plateia parlamentar de S. Bento parecia olhá-lo
– e segui-lo – com curiosidade. Numa palavra, era popular e isso ia
bastando a uns e espantando os outros.
2 E quanto a mim, das duas vezes em que
conversámos – antes e depois do verão de 2023 –, Pedro Nuno Santos, atencioso,
desenvolto, popular e radical, surgiu-me ainda como um político seguro mas talvez eu estivesse a confundir
vaidade com segurança: o mundo era dele, a vontade também. Não havia ainda nessa altura nem
arrogância, nem intempestividade, nem a hesitação onde ele parece tropeçar hoje
com facilidade e frequência. Pelo contrário: “um dia iria ganhar o PS”, sim
“não tinha disso a menor dúvida”. Subentendido: quando Costa caísse ou saísse,
era uma questão de tempo. E sim, claro “tinha o partido com ele”; ah “e faria
uma nova geringonça”, também não duvidava. Estava aliás tão certo que, com um
sorriso absolutamente convicto, se dispensava de falar comigo sobre a famosa
negociação (o pretexto do meu pedido de encontro) que desaguara no casamento de
conveniência do PS com comunistas e bloquistas.
Ora
“se ele iria repetir todas essas negociações quando ganhasse a liderança
socialista e depois a do país em eleições legislativas” (“fossem quando
fossem”), como poderia contar o passado? Não podia de todo (“seria até muito
despropositado”) entrar em confidências públicas sobre se fora mais espinhoso
negociar com A ou com B, ou contar-me quem dissera o quê no curso das
negociações do PS com o PCP e o BE.
Insisti, telefonei, troquei sms, cheguei
a mandar um questionário, mas “não” .
Percebi: a possibilidade do remake de um acordo
tripartido com as esquerdas radicais vetava-lhe qualquer publicitação sobre tão
cara matéria: era uma das suas linhas vermelhas de então. Nada publicitar,
esperar. Novo subentendido: ou não lhe iria tudo um dia parar à
mão? Alguém enfim que não ignorava o poder da sedução e da ambição, praticando
uma e outra enquanto esperava a sua hora, e sem sombra de remorso com o que
(não) fizera nas Infraestruturas, nem em lado nenhum. E que com boas maneiras
cortou cerce a minha curiosidade e o pedido profissional que eu lhe fora fazer.
Nunca mais esqueci esta troca de impressões, nem a minha própria
impressão: conversara com um navegador da política, cuja simpatia não
disfarçava a sua genuína radicalidade política e que, sendo determinado, estava
mais centrado em obter o comando da barca do que nos instrumentos de uma boa
navegação. Os ventos diriam, não as bússolas.
3Um dia – mais cedo do que ele antecipara
– a maior fornecedora de surpresas que é política foi de novo generosa: António
Costa saiu da cena – alguma vez saberemos porquê? –, Pedro Nuno Santos entrou e sentou-se no Largo do Rato. Não
– como ele julgava – com todo o partido atrás: o “aparelho” ia na sua mochila,
mas os costistas continuavam vivos e a querer que se soubesse. Apesar
da sua entronização no congresso socialista do início deste ano, Pedro Nuno Santos teve por
exemplo que sinalizar as suas discordâncias com Fernando Medina, também conhecido – ainda hoje – como o “delfim” de
Costa, sobre os respectivos (des)entendimentos sobre finanças públicas. Ou seja, tudo menos deixar o Delfim à solta a
ensinar o novíssimos líder sobre o bom uso dos dinheiros públicos.
4Vieram as eleições, o PS perdeu por pouco e a seguir começou a
perder por muito: o sorridente, confiante e seguro deputado socialista do verão
de 2023 despediu o sorriso e parece ter-se zangado de vez: com o mundo, a vida,
o jogo partidário, com ele próprio. E,
submergido pela pressão, a responsabilidade de ter de decidir, a divisão
interna, começou a fazer política (irremediavelmente?) mal. Nunca nada parece
ir-lhe de feição; nada é sempre a mesma coisa, o caminho é sempre feito de
curva e contra- curva: umas farão naturalmente parte da estrada de um líder da
oposição, outras são inexplicáveis (receios? desnorteios?).
A passagem de uma candidatura ao poder para a sede do poder às vezes
tem destas coisas: muita incerteza e pouca ossatura. Desaba, como os soufflés.
É o caso?
5O outro chama-se Luís Montenegro e o
mundo entretinha-se em certezas sobre o seu não-destino: era como se estivesse só interinamente a
tomar conta do PSD e de empréstimo. Não era verdade que iria perder as eleições
europeias que se realizariam meses depois de ele ter sido eleito e ser
despedido logo a seguir com aquela voracidade com o que o PSD sempre se desfez
dos seus quando foi “preciso”? Ia, que eu lembro-me.
Mas também me lembro de ter achado subestimação a mais: tendo
acompanhado de perto algumas frentes de combate dos anos da troika, recordo-me
bem de um general parlamentar chamado Luís Montenegro, ágil, politicamente
hábil, paciente, insistente e omnipresente no hemiciclo de S. Bento, onde
liderou em condições duríssimas a coligação PSD/CDS. A vitória da mesma coligação nas eleições de 2015, contra todos os
ventos e todas as marés da época, tem também alguma coisa a ver com ele: com a
convicção de aço com que respondia à fúria inclemente das esquerdas, ou com a
paciência de renda com que acalmava dúvidas, iras e amuos no CDS. Não foi fácil
mas foi bem feito. E talvez não fosse para qualquer um.
Nada do que acabo de recordar me impede porém de dizer que também eu
me surpreendi – e surpreendo – com alguns passos, atitudes, decisões, escolhas
do actual Primeiro Ministro. Melhor será dizer – porque melhor o resume – com o
modo como Montenegro entende e depois pratica a política.
Há a sobriedade, o recato na
praça pública, uma invulgar desnecessidade de pré – avisar ou sequer de avisar
medidas, nomes, escolhas, decisões antes do (seu) tempo. Não estávamos
habituados. Nem ao uso de um bom senso que nele chega a ser quase desarmante.
Isto pelo lado da forma. Depois há o parlamentar e a sua alta definição nestas
lides. Boa capacidade de expor e defender o seu rumo, autoridade serena,
fluidez no discurso (embora sempre prolixo), velocidade nos remoques com as
outras bancadas. Um surfista.
6Mas… Mas depois não sabemos – eu não
sei – se haverá um bom chefe do Governo. Um magnifico parlamentar não garante um bom primeiro-ministro. Luís
Montenegro, elenca e produz medidas, mas medidas não são reformas. Sendo muito
louvável cumprir politicamente as promessas eleitorais do PSD, o país precisa
de mais do que aquilo que nelas coube. E é aí que residem – ou podem vir a
residir – dúvidas ou reticências.
Mexeu-se no fisco? Sim, um bocadinho. Na burocracia? Talvez se venha
a mexer. Na diminuição das vergonhosas desigualdades a vários níveis? Mexeu-se.
Nas empresas era porém preciso ter feito mais e ido mais longe. Prestado muito
maior atenção. É a partir delas como únicas criadoras de riqueza que se pode
aspirar a vidas menos baças, equilibrando desigualdades que demorarão a
esmorecer. Empresas e empresários continuam porém mal amados e sempre olhados
com o viés de serem “dos ricos”. Pouco se ouve, com a veemência e a força de
que Portugal careceria, pronunciar palavras como “criação de riqueza” ou apelar
à “produtividade”. A quem ocorre fazer disso uma indispensável frente de
combate, mobilizando o país para a vital importância dessa indispensabilidade?
Vão-se
subindo uns degrauzinhos mas nunca a íngreme escadaria que seria preciso galgar
para sermos mais produtivos, menos pobres, mais concorrenciais, menos
envelhecidos; mais empenhado, menos instalados, mais comprometidos, menos
cepa-torta. Mais pátria de nível europeu, por muito que a “Europa” quase
agonize diante dos nossos olhos e o mundo trema de incerteza por debaixo dos
nossos pés.
7 Só um distraído achará que
Montenegro, por ter o orçamento viabilizado, embarcará num mar de rosas. Vai
haver muito espinho. Cedeu demais nas negociações com o PS num primeiro tempo e
no segundo que agora (re)começa, vai ter esse mesmo PS à perna só a
dificultar-lhe a vida. É preciso mostrar serviço as tropas.
8Um, Pedro Nuno Santos, exaltar-se-á,
hesitará, exagerará, far-se-á caro. É um radical, expõe estados de alma, e
talvez comece a estar mais só do que se sabe ou ele aparenta. Acredita-se menos
nele hoje do que há meses atrás. O país sabe-o embora o futuro a Deus pertença.
O outro, Luís Montenegro, é sensato,
sossegado, reservado. Não age por impulso, detesta “novidades”, não é dono de
rasgo. É um resiliente tranquilo que apurou a habilidade na luta política. O
país percebeu.
Por razões muito diferentes das do seu adversário socialista também
está mais só do que se supõe: precisaria de um núcleo duro, politicamente muito
mais forte, mais arguto, mais experimentado. Tudo, ou quase, está, para o bem e
para o mal, em cima dos ombros do Primeiro-Ministro.
Seja como for será com estes dois homens
muito diferentes e à roda deles que gravitará a vida política social e
económica de Portugal. Goste-se ou não deles, tenha-se ou não votado neles.
Há um terceiro que sobe e desce, como nos
entretenimentos das feiras. Nunca lhe prestei grande atenção. Talvez esteja
enganada, mas entretanto tenho-me poupado a despesa da observação.
PS: Que
eu tenha notado – mas admito não ter visto tudo – o Patriarca de Lisboa, D. Rui
Valério foi o primeiro membro da Igreja, logo na passada quinta-feira, a dizer
em nota do Patriarcado a sua “consternação” pela violência ocorrida na
periferia de Lisboa. E também julgo que o único sacerdote a usar publicamente
do plural na manifestação dessa “consternação”, mencionando “os envolvidos”
nestes acontecimentos e “lamentando profundamente a perda de uma vida e os
vários feridos que deles resultaram”. Haja alguém no vasto mundo da Santa Madre
Igreja que reze e se condoa no plural.
POLÍTICA PEDRO NUNO SANTOS LUÍS MONTENEGRO
COMENTÁRIOS:
JOHN MARTINS: Mesmo sem lermos esta crónica de MJA, é fácil distinguir a capacidade de
Montenegro da comprovada imaturidade de Nuno Santos. Basta recordar a
trapalhada do anúncio do aeroporto por Nuno Santos. Já Montenegro não só
aprovou o projecto em Conselho de Ministro, como batizou o aeroporto de Luis de
Camões. Pelo modo e circunstâncias, Montenegro é o homem do futuro. De notar
que Santos e esquerda ainda não ganharam nada. Perderam as legislativas, bem
como as europeias 10 para esquerda e 11 para a direita... Jorge
Frederico Cardoso Vieira Barbosa: Bom "retrato" (leia-se, artigo) Quanto ao
Luis Montenegro ele tem garra e comporta-se como um estadista, pelo que vem
parecendo. Poderia mesmo ser um excelente governante (reformador) caso não
tivesse cometido o GIGANTE e GROTESCO erro do injustificado "não é
não" e da gratuita hostilização publica do CHEGA o que naturalmente
só serviu para hostilizar parvamente o AV dificultando certamente (?) em
definitivo a união da DIREITA e a subida desta ao poder por várias legislaturas
já que o governo desta feita parece excelente. O PM não percebeu que agora, com
o CHEGA pelo menos estabilizado e toda a esquerda coligada ainda que com cuspo,
a AD jamais ganhará votos ao centro-esquerda, até porque o "caminho das
pedras" é o Montenegro que o vai trilhar. Deus queira que me engane
pois, com a minha idade se desta feita a AD se perder, então à DIREITA não mais
a verei no poder, nada mais restando aos meus netos do que emigrarem. unknown unknown: Ou seja, só o Nuninho e o
marido da xuxi é que contam. Um é refém da sua ideologia bacoca e o outro da
sua prepotência. E, segundo a jornalista sem carteira profissional, é bom que
todos nós aceitemos esta inevitabilidade. O inverno está à porta e a Maria João
quis trazer um pouco mais de depressão. Não, obrigado. Fique com você com esses
dois. Jorge
Ferreira: Tal como eu
poupei a despesa da leitura..... Foi só ir directo ao último parágrafo... O
resto....
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