quarta-feira, 16 de outubro de 2024

Tanta exaltação

 

A respeito dos governantes precedentes, que distribuíam o dinheiro de fora e de dentro sem cuidar de desenvolver as estruturas funcionais do país, que uma esquerda daninha fez quebrar, por via do conceito sobre capitalismo explorador de má memória – para ela, esquerda, embora agora pareça já ter-se afeito mais a esses prazeres do capital, graças aos seus actuais cargos salientes - e uma das primeiras medidas tomadas pelo novo governo, crítico do anterior, é dar um pontapé na RTP, como indica HELENA GARRIDO. A gente afeiçoa-se às coisas e às pessoas, mas pela leitura dos textos seguintes, parece que só o José Rodrigues dos Santos escapa, na RTP, quando há tantos elementos de lá que gosto de ouvir, nem que seja só de vez em quando – por defeito meu, contudo, que vario nas opções e obrigações de vida. Os comentadores do texto alargam-se em razões, muito plenos de saber, muito críticos do saber alheio. Discordo de muitos, como discordo da opção de Montenegro de mexer na RTP, quando prometeu debruçar-se mais sobre a produção económica, parece que descurada pelo Governo anterior. Será que estas notícias farfalhudas, que também incluem aeroportos, servem apenas para dar nas vistas, ou encher as medidas de alguns para deixar escorregar o tal desenvolvimento económico prometido para o rol dos esquecidos?

Erros e ilusões no plano para a RTP

Antes do plano para os media, o Governo devia ter-se informado melhor em vez de cair na superficialidade. O plano para a RTP é um erro e alimentou o populismo e o desconhecimento.

HELENA GARRIDO, Colunista

OBSERVADOR, 15 out. 2024, 00:2245

O Governo resolveu apresentar um plano de acção para os media ao mesmo que anunciava os seus projectos para a RTP e a Lusa. Começou logo aqui o seu primeiro erro, como um erro é reduzir e, a prazo, acabar com a publicidade na RTP. Misturou o seu papel de accionista com o de actor de políticas públicas, contribuiu para a desinformação e o populismo sobre o papel multifacetado do canal público de televisão e rádio e, em última instância, divulgou medidas para o sector público de media que, em vez de ajudarem, agravam a situação, especialmente no que diz respeito ao papel determinante da informação, num tempo em que as democracias enfrentam enormes desafios e o modelo de negócio dos media colapsou. Tudo isto, contrariamente ao que podem pensar os grupos privados.

Permitam-me que escreva na primeira pessoa para fazer uma declaração de interesses. Sou jornalista, também colaboradora da RTP, na rádio e na televisão. Podem certamente acusar-me de ser parcial nesta análise, ainda que, obviamente não seja essa a minha perspectiva. O que apresento aqui são raciocínios lógicos, que permitem chegar à conclusão de que é um erro acabar com a publicidade na RTP. E com um esforço activo de distanciamento e isenção que nós, jornalistas, que optamos por critérios de objectividade, temos sempre de fazer quando olhamos para a realidade. Claro que seremos sempre marcados pela nossa história e a forma como vemos o mundo. E quem ache que o Estado deve ser mínimo ou máximo dificilmente encontrará uma lógica nesta minha análise.

O problema da mistura que o Governo fez entre o seu papel na definição de políticas públicas e o de accionista percebe-se bem com um exemplo. Imagine-se que o Governo anunciava um conjunto de medidas para a banca e, ao mesmo tempo, o seu projecto para a CGD. Sim, felizmente hoje não é possível porque o poder está na União Europeia. Mas mesmo que fosse possível, ninguém acharia isso normal. E agora imaginem que, entre essas medidas, obrigava o banco público a reduzir as suas receitas, a ser menos competitivo e a conceder crédito a empresas ditas “estratégicas”. Nada que não tenha sido tentado no passado e até concretizado com péssimos resultados.

O Estado accionista deve criar um ambiente, no sector em que está a actuar, que não distorça a concorrência mas também que também sem prejudicar a empresa que é sua, ou seja, de todos os contribuintes, para, pelo menos teoricamente, beneficiar os outros participantes no mercado.

Lamentavelmente, o fim da publicidade na RTP, há muito reivindicada por alguns grupos privados, alimenta a ilusão de que haverá mais receita para o sector privado. Quem assim pensa imagina certamente que Portugal é um retângulo, fechado sobre si mesmo, e continua contaminado pelas políticas do passado, de condicionamento industrial, quando no Estado Novo protegia quem já estava instalado. Hoje o país é aberto e a era digital removeu ainda mais as fronteiras, como é óbvio. E uma decisão destas tem efeitos nefastos em várias frentes.

Primeiro, é altamente improvável que a publicidade retirada da RTP se dirija para os outros canais. Com maior probabilidade vai directamente para o digital. Além disso, havendo menos espaço de publicidade, os preços aumentam, e se o mercado funcionar a publicidade na RTP até deveria passar a ser mais cara do que nos outros canais, uma vez que estamos perante uma situação de racionamento. Além disso, todos sabem que os telespectadores fogem nos intervalos – não é por acaso que as televisões se fiscalizam umas às outras, por exemplo, nos jornais da noite, entrando em intervalo praticamente ao mesmo tempo, anulando assim a potencial vantagem do concorrente. Com menos publicidade, a RTP tem condições para captar mais audiência e, se a deixarem, cobrar mais pela publicidade. Claro que, mesmo com isso, a receita, com elevada probabilidade, cairá.

A Associação Portuguesa de Anunciantes (APAN) alerta aliás para o risco não só de vermos esvair esses anúncios para o digital como de assistirmos a uma espiral de preços num mercado já de si saturado. Representando 80% do mercado publicitário em Portugal, o secretário-geral da APAN, Ricardo Torres Assunção, chama ainda a atenção para outro aspecto especialmente interessante: “As marcas têm também um papel fundamental na sociedade, porque são elas que, por vezes, começam a abordar questões ‘tabu’, como, por exemplo, saúde mental, ou a menopausa”. E a RTP, que queremos que tem como principal função o serviço público, deixaria de ter esses conteúdos.

Olhemos agora para o argumento de que a RTP, rádio e televisão, já têm muito dinheiro através da Contribuição para o Audiovisual (CAV) e também muitos recursos humanos. Além disso, argumenta-se, o sector privado também presta serviço público. Quem assim argumenta pode não estar a ter a fotografia completa do que faz a televisão e a radiodifusão portuguesa.

Vamos aos canais. Na televisão, além dos três em geral mais referidos, existem mais cinco canais:  a RTP Açores e Madeira, a RTP Internacional e a África e a RTP Memória. Além disso, no mundo digital tem  a RTP Play com conteúdos gratuitos e onde se juntamRTP Arquivos,  a RTP Ensina, a RTP Palco muito importante no tempo da pandemia, a RTP Desporto e a RTP Europa. No caso da rádio, temos sete canais, as Antenas 1 a 3, a África e Internacional e a Madeira e Açores.

Entremos agora no argumento de que também o sector privado presta serviço público e, por isso, afirmam alguns, também devia receber uma contribuição. Sendo certo que também prestam serviço público, no sentido em que a informação jornalística é isso mesmo, também é verdade que, nesse menu, podem escolher o mais rentável. Por exemplo, quem faz a cobertura de eventos desportivos, nalguns casos de nicho? E quem fez a cobertura dos jogos olímpicos? E quem dá espaço para direitos de antena?

Por último, sem que seja menos relevante, o grupo RTP é uma importante ferramenta de política cultural e podia até sê-lo mais, soubesse o seu accionista aproveitar essa potencialidade. A RTP Palco é um exemplo de como soube reagir e apoiar as actividades culturais em tempo de pandemia, mas temos os apoios ao cinema, aos documentários e à música portuguesas – que tem no Festival da Canção um dos seus exemplos.

Tinha uma empresa privada atracção por todas estas funções, boa parte delas sem rentabilidade? Obviamente que não. E devia o país desistir dessas funções? Claro que não. Daí que faça todo o sentido ter um grupo público de media. Daí que faça todo o sentido todos contribuirmos, enquanto comunidade, para os multifacetados serviços públicos que a RTP presta através da Contribuição para o Audiovisual (CAV) e para o jornalismo. Mas é igualmente racional que se alivie os bolsos dos contribuintes, através da publicidade, ou corremos o risco de termos o grupo público ainda mais depauperado, especialmente em tempos de apertos orçamentais no Estado. Dizer que há outros canais públicos na Europa que também não têm publicidade não é um argumento. Cada caso é um caso e não devemos imitar os outros só porque são estrangeiros.

Fazendo tudo isto, que muitas vezes é esquecido nas análises mais precipitadas sobre recursos, a RTP sofreu, como todas as empresas do Estado, com o aperto orçamental do Estado e as cativações, que levaram a défice de investimento, à falta de aumentos do capital que lhe era devido e à ausência de autonomia da gestão.

Quer isto dizer que a RTP é perfeita? Claro que não. A gestão precisa de mais autonomia, o Governo tem de cumprir os seus compromissos financeiros, provavelmente o grupo precisa de ser racionalizado e, no domínio da informação, é necessário investir mais em todo o país, com mais delegações e com o reforço das que existem, como já aconteceu no passado, um pilar fundamental da coesão territorial.

O modelo de governação, concretizado por Miguel Poiares Maduro, no governo de Pedro Passos Coelho, com a criação do Conselho Geral Independente contribuiu de forma muito importante para os objectivos que o então ministro definiu: “Diminuir o risco de governamentalização da RTP”. Agora, era preciso dar um novo salto em frente e isso não se faz, seguramente, com o que o Governo pretende fazer em matéria de redução da publicidade.

O sector dos media vive, em termos globais, um problema grave, depois de o seu modelo de negócio ter colapsado com a internet e especialmente com a Google e a MetaContrariamente ao que parece pensar o Governo, todos os grupos, não apenas em Portugal, têm procurado alternativas de rentabilização, sem ameaçar a independência do jornalismo, em equilíbrios difíceis e desafiantes para todos, especialmente para os jornalistas.

Ninguém ganha quando o primeiro-ministro, por ignorância ou leviandade, faz as criticas aos jornalistas baseado em auriculares e olhares para o telemóvel.  Podem sempre dizer que falamos em causa própria, mas hoje é muito mais desafiante fazer jornalismo em redações com equipas mínimas e poucos seniores, com uma concorrência feroz, a exigir actualizações ao minuto e grande espírito de sacrifício de profissionais mal pagos. Sendo a informação um pilar fundamental para o exercício da cidadania em democracia, é claro que o sector precisa de apoios e igualmente claro que é má ideia fragilizar o grupo público que pode desempenhar, nesta batalha contra a desinformação e ao lado do sector privado, um papel importante.

Antes de apresentar o seu plano para os media, o Governo devia ter-se informado melhor em vez de cair na tentação das medidas ilusórias e de afirmações dignas das precipitações e superficialidades das redes sociais. O plano para a RTP, mais grave do que ter sido anunciado no lugar errado, alimentou o desconhecimento sobre a importância para o jornalismo, para a cultura e para a coesão territorial de um grupo público de comunicação social nos tempos conturbados em que vivemos.

RTP      TELEVISÃO      ECONOMIA      GOVERNO      POLÍTICA

COMENTÁRIOS (de 45)

Carlos Chaves: Estou em completo desacordo com a opinião da Helena Garrido. Um canal público financiado por todos nós consumidores de electricidade, e ainda por cima triplamente financiado se juntarmos as transferências dos diversos governos para a RTP e o que pagamos no “cabo”, não deve estar em concorrência desleal com os canais do sector privado! Até porque não deve ser esse o papel do canal público. Os diversos governos do Reino Unido e a BBC devem estar enganados há décadas! Depois fala do Estado Novo que “(…) protegia quem já estava instalado”, ó senhora jornalista, mas afinal, o que é que a esquerda (que por vezes defende com afinco, basta lembrar o apoio descarado aos governos do sr. que está agora sentado em Bruxelas a rir-se de nós) tem andado a fazer neste pobre país desde o 25 de Abril de 1974? Nunca lhe ouvi uma voz a denunciar este comportamento impróprio quando a esquerda esteve no poder.  “Além disso, no mundo digital tem  a RTP Play com conteúdos gratuitos (…)” A sério? Conteúdos gratuitos??? Então acabou de escrever no parágrafo anterior que todos pagamos o CAV e logo a seguir fala em gratuitidade??? A senhora está bem?    “Ninguém ganha quando o primeiro-ministro, por ignorância ou leviandade, faz as críticas aos jornalistas baseado em auriculares e olhares para o telemóvel.” Não esperava desta jornalista esta “ignorância” ou “leviandade”, isto é a forma tradicional de reagir dos grupos protegidos, quando alguém decide mexer no vosso “queijo”! A ofensa gratuita é sinal de desespero!   Neste país não se consegue fazer absolutamente nada, só a esquerda é que parece conseguir fazer alguma coisa, manter os lobbies dependentes do Estado (leia-se nós os contribuintes) mesmo que isso signifique destruição! Este artigo não tem pés nem cabeça!                 Joao Cadete: Incrível como há pessoas que continuam a defender que com aproximadamente 200 milhões por ano a RTP não sobrevive... vão pastar.                     francisco ornelas: Toda a argumentação cai por terra com a taxa. Desleal é a concorrência da RTP que além da publicidade ainda recebe a taxa da EDP. E se fizesse um serviço como a PBS, BBC ou ARTE ainda vá, agora ando a pagar para que Jorge Gabriel e afins andem nas feiras. Não 🚫                     José B Dias: Melhor teria sido a manutenção da publicidade com a abolição da servidão da taxa que todos pagamos por simplesmente contratarmos fornecimento de energia eléctrica ...                Augusto vaz serra sousa: A HG apresenta um artigo de opinião com os seus fundamentos que são pertinentes e de quem conhece o assunto .  Mas a inoportunidade do assunto com tantas outras questões a exigirem atenção e a forma desastrada como foi apresentado , deixa dúvidas sobre a "bondade" o que está por detrás deste anúncio atabalhoado.  Mande ver a estrutura interna da RTP, os desmandos clamorosos nos vencimentos pagos a colaboradores medíocres, a rede de compadrio aí instalada e depois pense no resto!                Eduardo Cunha: é por artigos como este que a rtp é uma vaca sagrada. tem uma audiência residual mas é intocável.                   Lápis Afiado: Com o valor da taxa que nos chulam deveria dar para fazer um grupo de média com muita qualidade.                      paulo mariano: Não precisamos de televisão paga pelos contribuintes para nada. A esquerda conseguiu empoleirar a TV pública de militantes do estatismo, que defendem este modelo. Não precisamos da "verdade" teleguiada duma pretensa empresa pública, que serve acima de tudo os interesses partidários e políticos duma faixa da população com quem não me identifico e para a qual estou obrigado a pagar.                  Americo Magalhaes: Sim HG concordo....é  um ERRO há muitos anos.  RTP já deveria ter fechado há muito, é um ninho dos governos, infestada de incompetentes, medíocres e tendenciosos socialistas, marxistas e agora também wokistas. Na RTP  aproveitava apenas um, José Rodrigues dos Santos, uma excelência do jornalismo e de imparcialidade. Já  agora, por que raio a CS tem de ser subsidiada? Como toda e qualquer empresa têm  de aprender a sobreviver pela qualidade do produto.  Não têm nem devem viver à custa dos Impostos dos portugueses.            bento guerra: A RTP não presta, custa muito dinheiro, é uma coutada de incapazes, faz propaganda do poder e ninguém tem mão naquilo. O resto é convosco...                Nelson Goncalves: A RTP Play não funciona fora do rectângulo. Para um país que tem quase 1/4 da população emigrada, a RTP Play poderia ser uma cola cultural. Mas... não funciona.....  O que em si não é novidade. Quem quiser ver um filme ou uma série portuguesa, que se dirija a Portugal. E depois queixem-se da pirataria.

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