Do Dr.
Jaime Nogueira Pinto em trazer à baila o assunto, que parecia já ter
morrido, a seu tempo. Com as prepotências de Maduro, que incomodam inutilmente
apenas os seus. Quem pode, pode. Em terra de cegos, quem tem olho é rei. Em
casa de ferreiro, espeto de pau. Pão pão, queijo queijo… E mais o que lembraria
aos Sanchos Panças da boa sabedoria “madura” ou chavista proverbial, a que se
poderia acrescentar o “por que no te callas?” de uma realeza impaciente com o
pacóvio rico, por conta de uma riqueza geológica propícia ao parasitismo humano
embrutecedor, se orientado no deslumbramento autoritário da posse malandra. Mas
isso vê-se em muitos lados, a terra generosa permitindo a escassez de regras de
conduta por via de uma plutocracia de má-fé. Maduro sabe-o, como o seu
antecessor. E muitos mais, ansiosamente desejosos de igual sorte tamanha, propícia
aos despotismos pacóvios - afinal idênticos aos mais ilustrados.
Maduro: regresso às origens
O sucessor de Chávez, Nicolás Maduro,
parece não ter sequer vontade de simular virtudes democráticas, quer a
manipular eleições, quer a reprimir os descontentes com o resultado dessa
manipulação.
JAIME NOGUEIRA PINTO, Colunista
do Observador
OBSERVADOR, 19 out.
2024, 00:1823
Na União Soviética, o artigo 64 da Lei Fundamental Provisória de
1922 dava direito de voto a todos os cidadãos. Eram amplas liberdades
democráticas. Talvez demasiadamente amplas. Felizmente para o povo, o artigo 65
do mesmo diploma indicava os suspeitos e subversivos que teriam de ser privados
desse direito universal para que os amanhãs cantassem. Eram eles:
Os
que empregavam trabalhadores para alcançarem um aumento de lucros;
Os
que obtinham rendimentos sem trabalho, como juros de capital e rendas de
propriedade;
Os
comerciantes privados;
Os
monges e os clérigos;
Os
funcionários ou agentes da antiga Polícia de segurança Okhrana, (polícia
secreta czarista) e os membros da antiga dinastia reinante;
Os
dementes ou deficientes mentais;
Aqueles
a quem o soviet local tivesse retirado os direitos de cidadania.
Ou
seja, todo o empresário, por pequeno que fosse, não tinha direito de voto; o
mesmo para qualquer rentista, proprietário ou comerciante. Os religiosos não
faziam, evidentemente, parte dos cidadãos de bem. Nem, claro, os
ex-funcionários da antiga polícia e da Segurança de Estado, a Okhrana. Também
não tinham direito a voto a família do czar – a que não tinha sido massacrada –
e a aristocracia que não morrera na guerra civil nem fugira para a Europa
Ocidental para alimentar a literatura romântica de cordel com figuras como o
príncipe “Chauffeur russo”.
Os regimes comunistas seguiram esta
regra: extinguiram ou excluíram as pessoas ou classes que lhes podiam ser
hostis e cortaram qualquer laivo de independência económica e social que
pudesse alimentar a fogueira da oposição política.
Estes regimes desapareceram entre
1989 e 1992, com a implosão da União Soviética e dos seus satélites na Europa
Oriental e com as mudanças na China de Pequim, originadas por uma certa
liberalização da Economia, seguida nos últimos anos por um regresso ao controlo
político pelo partido único.
Assim, regimes comunistas
declarados restam muito poucos além do de Cuba e da Coreia do Norte.
As raízes do chavismo
É por isso que a Venezuela e o que se
passa na Venezuela é singular e surpreendente.
Hugo Chávez fundou
em 1982 o Movimento Bolivariano. Chávez era um militar esquerdista que,
com alguns dos seus companheiros – uma espécie de capitães de Abril
latino-americanos –, criou o dito Movimento, sob a
égide de uma revolucionaríssima trindade: Jesus Cristo, Karl Marx e Simón Bolívar. Karl Marx
e Simón Bolívar eram óbvios;
Jesus Cristo porque, como explicava Chávez a Don Mário Soares: “fue
el primero socialista…” (Ao que o Dr. Mário Soares, não muito comovido com
evocação da piedosa filiação das convicções que metera para a gaveta, retorquia
no seu criativo dialecto de Cervantes: “Si, pelo haz-lo com libertad!”
Não sabemos se por respeito à
recomendação do pai da lusa democracia, Chávez ainda terá tido alguns
escrúpulos nesta matéria, mas o seu sucessor, Nicolás Maduro, parece não ter
sequer vontade de simular virtudes democráticas, quer a manipular eleições,
quer a reprimir os descontentes com o resultado dessa manipulação.
Foi o que fez na eleição presidencial do
fim de Julho, em que o candidato da oposição unida, Edmundo González, claro vencedor segundo as actas recolhidas nas
mesas de voto, apareceu como vencido nos resultados oficiais proclamados pelo
poder e confirmados por um organismo jurídico-eleitoral de clara filiação
chavista.
Desde aí, a oposição venezuelana no
interior do país e no estrangeiro tem defendido junto dos governos e organismos
internacionais a causa de González.
Edmundo
exilou-se em Madrid, e daí tem orientado a luta pelo reconhecimento da vontade
popular dos venezuelanos, tendo conseguido alguns progressos no Parlamento
Europeu e junto dos governos dos Estados membros.
Nós por cá, tudo bem
Ontem
no Parlamento português a Venezuela foi motivo de diversas moções partidárias –
da Iniciativa Liberal, do PSD, do Chega, do BE e do PCP. A IL era a mais radical: queria o
reconhecimento de Edmundo
González como Presidente eleito.
O Parlamento Europeu, em 19 de Setembro, tinha reconhecido González como
“presidente legítimo e democraticamente eleito do país” por 309 votos a favor,
201 contra e 12 abstenções. E reconhecera também a existência fraude eleitoral.
Em Lisboa, em S. Bento, não se atreveram
a ir tão longe: a moção da Iniciativa Liberal para considerar
González o presidente eleito, apoiada pelo Chega, por dois deputados
socialistas e por três sociais-democratas, acabou rejeitada.
É evidente que estas posições são mais
simbólicas do que políticas por não terem exequibilidade. Mas servem para medir
a temperatura ideológica de cada força (ou fraqueza) partidária. Assim, a
Iniciativa Liberal e o Chega, por uma vez juntos, foram os mais determinados em reconhecer González. A moção do PSD (partido que votou contra o reconhecimento
de González), para
que não se reconhecesse Maduro como presidente, denunciando a violação dos
direitos humanos e a perseguição política na Venezuela e mencionando a diáspora
portuguesa que teria de ser acautelada, foi a mais votada. A
unanimidade só foi quebrada pelo PCP, perante o perigo para a democracia
representado por González, a tentativa de ingerência americana e as manobras da
“extrema-direita” contra Maduro.
Os comunistas portugueses pediram
depois “solidariedade e respeito pela soberania da Venezuela”: os cidadãos venezuelanos tinham votado; e
porventura o presidente Nicolás Maduro entendera, a bem do bom povo (bom mas
inconsciente das manobras fascistas), que as liberdades demasiadamente amplas
podiam ser um “perigo para a democracia”, e tratara de as restringir a
posteriori, seguindo a cadência artigo 64/ artigo 65 da Lei Fundamental
Provisória de 1922 dos mestres e pioneiros do Socialismo.
A SEXTA COLUNA HISTÓRIA CULTURA NICOLÁS MADURO VENEZUELA MUNDO COMENTÁRIOS (de 23)
Francisco Louro: Gostei do artigo. Em linha com aquilo que representa o autor. Um homem de direita culto que irrita solenemente a esquerda arrogante que acha que só eles têm neurónios. Paulo Luis da Silva: Excelente e educativo, como sempre. A votação na AR veio mostrar uma vez mais como PS e PSD são farinha do mesmo saco. Gente sem coluna vertebral, mornos, a fazer equilíbrio em cima de um muro que não sabem mas tem dono. A D > Maria Emília Ranhada Santos: Os militares só mudarão quando sentirem que os seus privilégios estarão em risco de se perder, tal como ocorreu em Portugal em 1974. Jorge Frederico Cardoso Vieira Barbosa: Excelentíssimo artigo, RACIONAL e SÉRIO contra o politicamente correcto socializante que incompreensivelmente ainda prevalece no Estado e na nossa comunicação social televisiva. Vergonhosa é a postura dos deputados dos partidos alegadamente democráticos - caso do PS, do PSD e do CDS - cujos deputados (salvo as honrosas excepcões de 3 socialistas e de 3 PSDs) votaram, apoiando indirectamente o criminoso Maduro. Ricardo Pinheiro Alves: A IL propôs em Portugal o que não votou no parlamento da UE. Esta inconsistência ou falta de coordenação mostra que as convicções são mais fortes no discurso do que na realidade. Joaquim Almeida: Sem tristeza nem indignação, ao contrário do socialista Francisco Assis, os ignorantes e parolos deputados da AD-Montenegro, covardes, que nem a coragem alheia se atrevem a apoiar regatearam e negaram simples apoio verbal à heróica Corina Machado e milhões de seus eleitores, homens e mulheres resistentes contra a ditadura de Maduro, gente de coragem que nessa resistência democrática arrisca a sua liberdade e suas vidas. E na AR um magote de bananas que se dizem democratas, sem vergonha. (E não venham, seus trouxas, com essa treta, que nem Maduro perfilha, de proteger os emigrantes portugueses). Francisco Ramospronouncer *: Em que livro é que aprendeu que o "regime fascista português" era mesmo fascista?
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