segunda-feira, 28 de outubro de 2024

PÁGINAS PASSADAS


De histórias do nosso brilho. Por HENRIQUE SALLES DA FONSECA  e seus comentadores.

 

MARCELO CAETANO - 5

 HENRIQUE SALLES DA FONSECA

 A   BEM DA NAÇÃO, 10.10.24

Fartos de tanto chumbo, os liberais bateram com a porta da Assembleia e desligaram-se do «velho amigo» deixando-o desamparado. Marcelo recusou, entretanto, assumir a substituição de Américo Tomás na Presidência da República. Passados alguns dias, os mastins «convidaram-no» a ir passar uns tempos ao Palácio de Queluz donde só sairia quando Américo Tomás dissesse. Caetano teve que negociar a sua própria liberdade e remodelou o Governo substituindo tecnocratas por burocratas inqualificáveis. Pediu ajuda à «Brigada do Reumático» em vez de falar com os Capitães já em movimento e o caldo ferveu. Então, quando a corda estava já tão emaranhada que não havia ponta por onde pegar, os «militares de Abril» saíram à rua, cometeram a injustiça de tratarem Marcelo e Tomás por igual e deitaram o Ultramar para o caixote do lixo no Largo do Carmo. Passados 50 anos, a maior parte desses militares de Abril, ainda não acredita que foi manipulada por Moscovo.

Cada acção governativa de Marcelo foi um dedo apontado a cada defeito político de Salazar; dos defeitos de Marcelo é este texto fértil.

E agora? «Agora é tarde e Inês é morta» como disse Pedro I, Rei de Portugal. Será? Creio que a Democracia arranja solução.

Outubro de 2024

  COMENTÁRIOS (2)

1- FRANCISCO G. DE AMORIM  10.10.2024  16:21: Solução??? Cada vez mais longe da vista e a afastar-se!

2- ADRIANO MIRANDA LIMA  10.10.2024  19:33

Confesso que não tenho memória de "os mastins terem 'convidado' Marcelo Caetano a ir passar uns tempos ao Palácio de Queluz donde só sairia quando Américo Tomás dissesse, tendo que negociar a sua própria liberdade". Bem, se a censura controlava a informação, filtrando-a e seleccionando-a para apenas chegar ao público o que convinha aos "mastins", não admira que eu não tivesse sabido de nada, pois imagine-se agora o que (não) chegaria em matéria de informação a quem estava no interior de África, como foi o meu caso! Bem, terá sido um encarceramento dourado, prelúdio do que aconteceria pouco tempo depois?
Este é mais um texto do Dr. Salles da Fonseca em que resplandecem a ironia e a metáfora na sua arte de comunicar dizendo tudo em poucas palavras e deixando que o leitor faça o seu julgamento. E o meu só pode ser de apreço pelo rigor e respeito pela factologia histórica, o que só é possível a quem se despe de partidarismo e sectarismo ideológico.
Caetano poderia ter falado com os capitães em vez de se encostar à "brigada de reumático"? Sim, talvez, mas resta saber quais teriam sido os seus resultados práticos. Os capitães não tinham qualquer preparação política, tanto assim que aceitaram pacificamente que Marcelo entregasse o poder a um general para que ele não caísse na rua. Só que ele acabou por cair mesmo na rua com a soltura de mastins de outras cores que só seriam açaimados em 25 de Novembro de 1975. Admitindo que Marcelo poderia ter sobrevivido politicamente, com um pouco de cedência, tolerância e tacticismo, mas acabaria por ser arrastado e devorado pelos acontecimentos tal como sucedeu com outros actores da cena político-revolucionária.
Apesar de tudo, conseguiu-se salvar a democracia liberal de que hoje usufruímos, sim, com perplexidades e atribulações no seu percurso, mas incomparável com os regimes iliberais pelas potencialidades que oferece. O Dr. Salles encerra o seu texto com chave de ouro com o "epitáfio" certeiro que faz do antigo governante.

 

MARCELO CAETANO - 4

 HENRIQUE SALLES DA FONSECA

A BEM DA NAÇÃO, 09.10.24

Com Marcelo Caetano na liderança do Governo, a polarização política deixou de ser bi entre «regimistas» em torno de Salazar e o «reviralho» (PCP + nuvem quântica de oposicionistas) para passar a tripolar entre «marcelistas», «ultras» em torno de Américo Tomás e reviralho.  Dois grandes temas em debate na Assembleia Nacional e fora dela: a legalização de Partidos políticos; a evolução política das parcelas ultramarinas.

Marcelo preconizava a «evolução na continuidade», e os seus «jovens amigos» - como se referia aos membros da «Ala Liberal» - queriam a evolução acelerada rumo à democracia e os «ultras» queriam o imobilismo, mais do que a continuidade.

 PARTIDOS POLÌTICOS – Depois de breve discussão doutrinária, o assunto reduziu-se à eventualidade da legalização do PCP com os «liberais» a argumentarem que a melhor forma de liquidar o comunismo seria trazê-los à crítica geral, em vez de continuarem na clandestinidade a engordar aura que não mereciam. Mas os «ultra» não quiseram e o máximo que permitiram foi a criação de Associações Cívicas – SEDES como único «think tank»

que continua a existir.

ULTRAMAR – Foi o livro do General Spínola «Portugal e o Futuro» que trouxe para a praça pública a discussão sobre o Ultramar. Grande sucesso editorial, gerou amplo consenso, com excepção dos radicais: à direita, os «ultras» que queriam o «statu quo» e à esquerda, os russófilos queriam que as Colónias Portuguesas passassem para o domínio soviético (o que viriam a conseguir em 1975 pela mão do «camarada Vasco».

E a corda, em vez de esticar e partir, começou a enrodilhar-se…

O vídeo apresentado no segundo texto desta série devia ter sido o que segue:

Cerimónia de tomada de posse de Marcelo Caetano – RTP Arquivos

COMENTÁRIO

 Adriano Miranda Lima  09.10.2024  19:00:

Mais um belo texto nesta viagem do Dr. Salles da Fonseca em revisita à História. Ele é um guia precioso que os leitores acompanham com atenção bebendo as suas palavras. Poucas mas ajuizadas e certeiras palavras, pelo que ficam ansiosos que venham outras.
Ora, os liberais estavam certos quanto à conveniência, mais que flagrante inconveniência, de legalizar o PCP. A realidade não o tardou a demonstrar com o primeiro acto eleitoral e os seguintes, e até à actualidade. O mito que a clandestinidade criou revelou-se mesmo de pés de barro. Não sei como os seus militantes continuam a envergar a máscara, aliás os únicos que a ela ainda se agarram na Europa. Na verdade, a "corda enrodilhou-se" naquele tempo de grande conturbação, com o "companheiro Vasco" a surpreender os militares moderados ao ostentar uma "máscara" em cima do proscénio que poucos teriam imaginado.

MARCELO CAETANO - 3

 HENRIQUE SALLES DA FONSECA

A BEM DA NAÇÃO,  08.10.24

Pedagogo de excelência, Marcelo Caetano dirigia-se a qualquer audiência com a maior facilidade. Assim foi que fez um programa na TV e nas Rádios a que chamou «conversas em família». Eram monólogos e não conversas nos quais abordava temas da actualidade política que cativavam quem o ouvia. Neste encurtamento da distância entre a população e o Governo, consta que alguém lhe disse algo como «quando Salazar falava ninguém percebia o que ele dizia, mas toda a gente entendia o que ele significava; quando o Senhor fala, toda a gente percebe o que diz, mas ninguém entende o que significa». Eis a diferença entre quem se sente dono da casa e quem se sente convidado; um, anda em frente, mas o outro tem que se acautelar e fazer jogos de cintura, ser cerimonioso. Salazar contava com a lealdade cega dos mastins, enquanto Marcelo tinha que acautelar as próprias canelas. Mas, apesar dos perigos muita coisa tinha que mudar. O Regime cheirava a mofo, era fundamental recuperar o tempo perdido sem que os anéis e, muito menos, os dedos fossem perdidos. Então começou pelo mais fácil mudando os nomes da «União Nacional» para «Acção Nacional Popular e da PIDE para DGS. Se nos mastins apenas mexeu no nome, na ANP conseguiu introduzir um grupo reformador que na Assembleia Nacional ficou conhecido por «Ala Liberal» cuja missão foi a do debate dos temas que (também) Marcelo queria fazer aprovar, mas que acabavam chumbados ou desvirtuados pela maioria dos ultras.  Entretanto, naquilo que não dependia da Assembleia, o Governo foi fazendo obra nova criando o «Banco de Fomento Nacional», o «Fundo de Fomento e Exportação», a «COSEC», o Porto e Complexo industrial de Sines, integração de rurais e de pescadores na segurança social (assim deixando de terem que trabalhar até  à morte), constituição em ritmo acelerado de Caixas Profissionais de Previdência e “last  but  not  least”, abriu o ensino superior à iniciativa privada.

O PIB crescia, crescia…, mas os «ultras» não terão reparado nisso e esticaram a corda…….

 COMENTÁRIO:

 ADRIANO MIRANDA LIMA  09.10.2024  18:37

Foi no meu telemóvel e enquanto estava num Café que escrevi os comentários dos dois posts anteriores, com as dificuldades próprias da redução de espaço e com maior risco de haver acidentes informáticos. Foi assim que despareceu sem eu saber como o comentário que estava a escrever para este post. Por isso, retomo-o já em casa, no computador, mas ciente de que daria tudo para recuperar as palavras perdidas, que não consigo recuperar na íntegra.
Mas vamos lá então, com outras palavras. Começo por recortar esta passagem do texto que transcreve a observação de alguém, porque diz tudo: "quando Salazar falava ninguém percebia o que ele dizia, mas toda a gente entendia o que ele significava; quando o Senhor fala, toda a gente percebe o que diz, mas ninguém entende o que significa". Ora, compreende-se que Marcelo Caetano tivesse dificuldade em codificar o seu discurso no que pudesse conter de mais explicitamente conclusivo. Ou então de mascarar as suas verdadeiras intenções, porque a ambiguidade seria o que talvez mais lhe conviesse para não afrontar directamente os ultras. Mesmo que os liberais se exasperassem ou se impacientassem por verem afastar-se ou ficar cada vez mais difusa a luz ao fundo do túnel com que sonharam. Claro que estamos a falar de democratização do Regime, coisa que o governante desde cedo deve ter concluído que estava fora das suas possibilidades. No entanto, como fica aqui exposto, foram tomadas medidas reformistas importantes no plano económico e social e dentro daquilo que não mexia com os ultras, porque não precisavam da aprovação da Assembleia Nacional. Porém, tal como reconhecem os especialistas, e o Dr. Salles da Fonseca é um deles, o crescimento da economia foi uma realidade inequívoca, e de tal forma que só o 25 de Abril iria travar o seu curso. Só que o Ultramar era a pedra no sapato do Regime e uma reforma que o abrangesse profundamente teria os ultras como opositores. Assim, é caso para admitir que, sem o problema do Ultramar, o país poderia ter progredido mais celeramente e sem peias sob a governação do Marcelo Caetano, com condições para entrar mais cedo na CEE e estar hoje mais próximo dos seus parceiros. Mas como o nosso atraso em matéria de educação e escolaridade era significativo, teria sido mesmo assim tão linear? O certo é que o problema foi mesmo o Ultramar, ou não fosse ele que fez cair o Regime em 1974.

 

MARCELO CAETANO – 2

 HENRIQUE SALLES DA FONSECA

 A BEM DA NAÇÃO, 07.10.24

 Com a sua típica e estonteante destreza verbal, Américo Tomás falou à Nação informando que os relatórios clínicos referiam a irreversibilidade da invalidez do Doutor Salazar. Com grande pesar, sentia-se na obrigação de o substituir no cargo de Presidente do Conselho de Ministros pelo que nomeara o Professor Doutor Marcelo José das Neves Alves Caetano a quem encarregara de formar Governo.

Cumpridas as formalidades constitucionais, Marcelo Caetano decidiu proferir o discurso inaugural do seu novo mandato com toda a pompa. No hemiciclo da (então) Assembleia Nacional, com transmissão em directo pela TV e rádios, espaço completamente cheio pelos próceres do Regime. E eram tantos nas imagens da RTP…! Mas não vi Régulos da Guiné nem Liberais de Timor.  Discurso formidável, a fazer História, mas destinado a acalmar os que ali estavam e que se acotovelavam para aparecer nas imagens. O discurso da continuidade, com a diferença de passarem a ser governados por gente comum e não mais por um génio da Humanidade.

 DISCURSO INAUGURAL DO        CONSULADO CAETANISTA

https://arquivos.rtp.pt/conteudos/discurso-de-marcelo-caetano/

 

 Peça notável, sem dúvida, de grande erudição e que, pontuada pelos «muito bem», típicos dos louvaminheiros de então, também deu esperanças aos evolucionistas. Começava a «Primavera Marcelista».

Após o discurso no Hemiciclo seguiu-se a cerimónia de cumprimentos no Salão Nobre onde Marcelo e seus Ministros se puseram a jeito para serem cumprimentados pela longuíssima fila de «regimistas». Chegada a vez do sucessor de «Jimmy» como mastim alfa, Marcelo terá dito algo como «O Senhor deve agora ir cumprimentar o Ministro do Interior que é o seu superior hierárquico». E com estas brevíssimas palavras perdeu a fidelidade cega e absoluta que os mastins prestavam ao fundador do Estado Novo, Salazar. Assim se escreve o futuro.

 COMENTÁRIOS

 ADRIANO MIRANDA LIMA  09.10.2024  17:05: Recordo-me com toda a nitidez do discurso do Marcelo Caetano. Estava um dia luminoso e ficou a pairar nos espíritos a esperança de que ia haver mudanças significativas. Mas não, elas apenas seriam modeladas pelo consentimento dos ultras, daí se terem, de facto, cingido às aparências. Mas estou convencido de que o Marcelo Caetano as teria introduzido se tivesse tido pujança moral para enfrentar os ultras. Contudo, é inegável que o problema era o Ultramar. E a verdade é que o gato ficou escondido com o rabo de fora ao não estarem presentes na cerimónia as autoridades tradicionais das intituladas províncias ultramarinas. Portanto, usemos a palavra apropriada: fantochada, a mesma fantochada que para Salazar era o regime de Mussolini.

 

MARCELO CAETANO - 1

 Henrique Salles da Fonseca

 06.10.24

 Foi durante a guerra civil espanhola que os italianos tiveram as mais amplas oportunidades para exibirem a sua prodigiosa inutilidade militar, a ponto de Franco se ter visto obrigado a inventar um pretexto qualquer para os devolver à origem sem que Mussolini se ofendesse.

 Perante tal escândalo, Salazar ficou desconfiado do modelo político italiano e pediu a Marcelo Caetano que fosse presidir (?) à cerimónia de inauguração da Cátedra de Estudos Portugueses da Universidade de Roma e que, discretamente, tentasse averiguar da credibilidade do Regime de Mussolini. Corria o ano de 1938.

Como era de esperar, Marcelo saiu-se bem da missão que lhe fora confiada.  Sobre a parte oficial da missão terá produzido documento que se encontra nalgum arquivo e sobre a parte não oficial terá, presumivelmente, feito relato verbal a Salazar e o que dessa conversa transpareceu foi apenas que Marcelo achou que o Regime de Mussolini era apenas uma comédia teatral (a Salazar não era necessário nem conveniente empregar a palavra mais apropriada, a de «Fantochada»).

Salazar decidiu despegar-se do modelo italiano não mexendo, contudo, no corporativismo e só mexendo em alguma coisa pra que tudo continuasse na mesma. Mas só depois de Espanha acalmar-se.

Esperou por 1940 para nomear Marcelo Comissário Nacional da Mocidade Portuguesa. O «S» na fivela do cinto das fardas deixava de significar «Salazar» para passar a significar «Servir», o exacerbamento do patriotismo passava a ser feito apenas pelos cânticos e pelo desfile no 1º de Dezembro enquanto a grande actividade passou a ser desportiva na ginástica, hipismo e vela; nas horas vagas, alguma Ordem Unida para induzir a disciplina e o «espírito de unidade» - mas isto era só para quem não estava inscrito num desporto.

Estava na hora de dizer aos remanescentes do Integralismo Lusitano que ou se integravam ou zarpavam e que o Direito Canónico era «coisa» da igreja e não do Estado Português. Pedro Teotónio Pereira integrou-se no Regime e serviu como Embaixador de Portugal em vários postos, nomeadamente em Madrid e em Washington, enquanto Francisco Rolão Preto optou pelo exílio só regressando depois do 25 de Abril de 1974.

Sem prejuízo da sua docência na Faculdade de Direito na Universidade de Lisboa, Marcelo despolitizou o mais possível a Mocidade Portuguesa, mas em 1944 deu a missão por fastidiosa.

Dedicou-se plenamente à Universidade até Salazar o convidar para seu Delfim como Ministro da Presidência.

Das muitas iniciativas que tomou, duas ficaram para a memória: uma campanha de alfabetização de adultos e a criação da RTP.

Seguiu-se a Reitoria da Universidade e todas as convulsões das greves académicas que tanto incomodaram o Regime… até que a cadeira de Salazar se partiu.

 Henrique Salles da Fonseca  07.10.2024  14:13

COMENTÁRIOS:

Se Marcelo tivesse ficado, seguindo a sua política de a- pouco e pouco, indo pondo a casa em dia, hoje não estávamos como estamos, tendo tudo chegado a bom porto Isabel Pedroso

 Adriano Miranda Lima  09.10.2024  16:50: O Dr. Salles da Fonseca revisita a História tocando no que é fundamental com mestria, subtileza e até com humor. Como lhe é habitual, o humor é mais induzido do que verbalmente exposto. A este respeito, é como defino a introdução tendente a explicar que o mussolinismo era uma "fantochada", como de facto era.
Até aqui, faz-nos entender, e com plausibilidade histórica, que o
Marcelo Caetano era bem um moderado do Regime e acalentava um desejo sinsero de o fazer evoluir sem disrupções sensíveis. O problema grave e central era o Ultramar, que os ultras seguravam com convicção inabalável e fúria canina. Ou não estivesse no cerne dos seus interesses pessoais. A leitura foi deliciosa.

 

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