De histórias do nosso brilho. Por
HENRIQUE SALLES DA FONSECA e seus
comentadores.
HENRIQUE SALLES DA FONSECA
A BEM DA NAÇÃO, 10.10.24
Fartos de tanto chumbo, os liberais bateram com a porta da Assembleia e
desligaram-se do «velho amigo» deixando-o desamparado. Marcelo recusou,
entretanto, assumir a substituição de Américo Tomás na Presidência da
República. Passados alguns dias, os mastins «convidaram-no» a ir passar uns
tempos ao Palácio de Queluz donde só sairia quando Américo Tomás dissesse.
Caetano teve que negociar a sua própria liberdade e remodelou o Governo
substituindo tecnocratas por burocratas inqualificáveis. Pediu ajuda à «Brigada
do Reumático» em vez de falar com os Capitães já em movimento e o caldo ferveu.
Então, quando a corda estava já tão emaranhada que não havia ponta por onde
pegar, os «militares de Abril» saíram à rua, cometeram a injustiça de
tratarem Marcelo e Tomás por igual e deitaram o Ultramar para o caixote do lixo
no Largo do Carmo. Passados 50
anos, a maior parte desses militares de Abril, ainda não acredita que foi
manipulada por Moscovo.
Cada acção governativa de Marcelo foi um dedo apontado a cada
defeito político de Salazar; dos defeitos de Marcelo é este texto fértil.
E agora? «Agora é tarde e Inês é
morta» como disse Pedro I, Rei de Portugal. Será? Creio que a Democracia
arranja solução.
Outubro de 2024
1- FRANCISCO G. DE AMORIM 10.10.2024 16:21: Solução??? Cada vez mais longe da vista e
a afastar-se!
2- ADRIANO MIRANDA
LIMA 10.10.2024 19:33
Confesso que não tenho memória de
"os mastins terem 'convidado' Marcelo Caetano a ir passar uns tempos ao
Palácio de Queluz donde só sairia quando Américo Tomás dissesse, tendo que
negociar a sua própria liberdade". Bem, se a censura controlava a
informação, filtrando-a e seleccionando-a para apenas chegar ao público o que
convinha aos "mastins", não admira que eu não tivesse sabido de nada,
pois imagine-se agora o que (não) chegaria em matéria de informação a quem
estava no interior de África, como foi o meu caso! Bem, terá sido um
encarceramento dourado, prelúdio do que aconteceria pouco tempo depois?
Este é mais um texto do Dr. Salles da Fonseca em que resplandecem a ironia e
a metáfora na sua arte de comunicar dizendo tudo em poucas palavras e deixando
que o leitor faça o seu julgamento. E o meu só pode ser de apreço pelo rigor e
respeito pela factologia histórica, o que só é possível a quem se despe
de partidarismo e sectarismo ideológico.
Caetano poderia ter falado com os capitães em vez de se encostar à
"brigada de reumático"? Sim, talvez, mas resta saber quais teriam
sido os seus resultados práticos. Os capitães não tinham qualquer preparação
política, tanto assim que aceitaram pacificamente que Marcelo entregasse o
poder a um general para que ele não caísse na rua. Só que ele acabou por cair
mesmo na rua com a soltura de mastins de outras cores que só seriam açaimados
em 25 de Novembro de 1975. Admitindo que Marcelo poderia ter sobrevivido
politicamente, com um pouco de cedência, tolerância e tacticismo, mas acabaria
por ser arrastado e devorado pelos acontecimentos tal como sucedeu com outros
actores da cena político-revolucionária.
Apesar de tudo, conseguiu-se salvar a democracia liberal de que hoje usufruímos,
sim, com perplexidades e atribulações no seu percurso, mas incomparável com os
regimes iliberais pelas potencialidades que oferece. O Dr. Salles encerra o seu
texto com chave de ouro com o "epitáfio" certeiro que faz do antigo
governante.
HENRIQUE SALLES DA FONSECA
A BEM DA NAÇÃO, 09.10.24
Com Marcelo Caetano na liderança do Governo, a polarização política
deixou de ser bi entre «regimistas» em torno de Salazar e o «reviralho» (PCP +
nuvem quântica de oposicionistas) para passar a tripolar entre «marcelistas»,
«ultras» em torno de Américo Tomás e reviralho. Dois grandes temas em
debate na Assembleia Nacional e fora dela: a
legalização de Partidos políticos; a evolução política das parcelas
ultramarinas.
Marcelo preconizava a «evolução
na continuidade», e os seus «jovens amigos» - como se referia aos membros da
«Ala Liberal» - queriam a evolução acelerada rumo à democracia e os «ultras»
queriam o imobilismo, mais do que a continuidade.
PARTIDOS POLÌTICOS – Depois de breve discussão doutrinária, o
assunto reduziu-se à eventualidade da legalização do PCP com os «liberais» a
argumentarem que a melhor forma de liquidar o comunismo seria trazê-los à crítica
geral, em vez de continuarem na
clandestinidade a engordar aura que não mereciam. Mas os «ultra» não
quiseram e o máximo que permitiram foi a criação de Associações Cívicas –
SEDES como único «think tank»
que continua a existir.
ULTRAMAR – Foi o livro do General
Spínola «Portugal e o Futuro» que trouxe para a praça pública a discussão
sobre o Ultramar. Grande sucesso editorial, gerou amplo consenso, com
excepção dos radicais: à direita, os «ultras» que queriam o «statu quo» e à esquerda,
os russófilos queriam que as Colónias
Portuguesas passassem para o domínio soviético (o que viriam a conseguir em
1975 pela mão do «camarada Vasco».
E a corda, em vez de esticar e
partir, começou a enrodilhar-se…
O vídeo
apresentado no segundo texto desta série devia ter sido o que segue:
Cerimónia de tomada de posse de Marcelo Caetano – RTP
Arquivos
COMENTÁRIO
Adriano Miranda
Lima 09.10.2024 19:00:
Mais um belo texto nesta viagem do Dr. Salles da
Fonseca em revisita à História. Ele é um guia precioso que os leitores
acompanham com atenção bebendo as suas palavras. Poucas mas ajuizadas e
certeiras palavras, pelo que ficam ansiosos que venham outras.
Ora, os liberais
estavam certos quanto à conveniência, mais que flagrante inconveniência, de
legalizar o PCP. A realidade não o tardou a demonstrar com o primeiro acto
eleitoral e os seguintes, e até à actualidade. O mito que a clandestinidade criou
revelou-se mesmo de pés de barro. Não sei como os seus militantes continuam a
envergar a máscara, aliás os únicos que a ela ainda se agarram na Europa. Na verdade, a
"corda enrodilhou-se" naquele tempo de grande conturbação, com o
"companheiro Vasco" a surpreender os militares moderados ao ostentar
uma "máscara" em cima do proscénio que poucos teriam imaginado.
HENRIQUE SALLES
DA FONSECA
A BEM DA NAÇÃO, 08.10.24
Pedagogo de excelência, Marcelo Caetano dirigia-se a qualquer
audiência com a maior facilidade. Assim
foi que fez um programa na TV e nas Rádios a que chamou «conversas em
família». Eram monólogos e não conversas nos quais abordava temas da
actualidade política que cativavam quem o ouvia. Neste encurtamento da
distância entre a população e o Governo, consta que alguém lhe disse algo como
«quando Salazar falava ninguém percebia o que ele
dizia, mas toda a gente entendia o que ele significava; quando o Senhor fala,
toda a gente percebe o que diz, mas ninguém entende o que significa». Eis a
diferença entre quem se sente dono da casa e quem se sente convidado; um, anda
em frente, mas o outro tem que se acautelar e fazer jogos de cintura, ser
cerimonioso. Salazar contava com a lealdade cega dos mastins, enquanto Marcelo
tinha que acautelar as próprias canelas. Mas, apesar dos perigos muita coisa tinha que mudar. O Regime
cheirava a mofo, era fundamental recuperar o tempo perdido sem que os anéis e,
muito menos, os dedos fossem perdidos. Então começou pelo mais fácil mudando os nomes da «União Nacional» para «Acção Nacional Popular e da PIDE
para DGS. Se nos mastins apenas mexeu no nome, na ANP conseguiu introduzir um grupo reformador
que na Assembleia Nacional ficou conhecido por «Ala Liberal» cuja missão foi a
do debate dos temas que (também) Marcelo queria fazer aprovar, mas que acabavam
chumbados ou desvirtuados pela maioria dos ultras. Entretanto,
naquilo que não dependia da Assembleia, o Governo foi fazendo obra nova criando
o «Banco de Fomento Nacional», o
«Fundo de Fomento e Exportação», a
«COSEC», o Porto
e Complexo industrial de Sines, integração
de rurais e de pescadores na segurança social (assim deixando de terem que trabalhar até à morte),
constituição em ritmo acelerado de Caixas
Profissionais de Previdência e “last but not least”, abriu o
ensino superior à iniciativa privada.
O PIB crescia, crescia…, mas
os «ultras» não terão reparado nisso e esticaram a corda…….
ADRIANO
MIRANDA LIMA 09.10.2024 18:37
Foi no meu telemóvel e enquanto estava num Café que
escrevi os comentários dos dois posts anteriores, com as dificuldades próprias
da redução de espaço e com maior risco de haver acidentes informáticos. Foi
assim que despareceu sem eu saber como o comentário que estava a escrever para
este post. Por isso, retomo-o já em casa, no computador, mas ciente de que
daria tudo para recuperar as palavras perdidas, que não consigo recuperar na
íntegra.
Mas vamos lá então, com outras palavras. Começo
por recortar esta passagem do texto que transcreve a observação de alguém,
porque diz tudo: "quando Salazar falava ninguém percebia o que ele
dizia, mas toda a gente entendia o que ele significava; quando o Senhor fala,
toda a gente percebe o que diz, mas ninguém entende o que significa".
Ora, compreende-se que Marcelo Caetano tivesse dificuldade em codificar o seu
discurso no que pudesse conter de mais explicitamente conclusivo. Ou então de
mascarar as suas verdadeiras intenções, porque a ambiguidade seria o que
talvez mais lhe conviesse para não afrontar directamente os ultras. Mesmo
que os liberais se exasperassem ou se impacientassem por verem afastar-se ou
ficar cada vez mais difusa a luz ao fundo do túnel com que sonharam. Claro
que estamos a falar de democratização do Regime, coisa que o governante desde
cedo deve ter concluído que estava fora das suas possibilidades. No
entanto, como fica aqui exposto, foram tomadas medidas reformistas importantes
no plano económico e social e dentro daquilo que não mexia com os ultras,
porque não precisavam da aprovação da Assembleia Nacional. Porém, tal como
reconhecem os especialistas, e o Dr. Salles da Fonseca é um deles, o
crescimento da economia foi uma realidade inequívoca, e de tal forma que só o
25 de Abril iria travar o seu curso. Só que o Ultramar era a pedra no sapato do
Regime e uma reforma que o abrangesse profundamente teria os ultras como
opositores. Assim, é caso para admitir que, sem o problema do Ultramar,
o país poderia ter progredido mais celeramente e sem peias sob a governação do
Marcelo Caetano, com condições para entrar mais cedo na CEE e estar hoje mais
próximo dos seus parceiros. Mas como o nosso atraso em matéria de educação e
escolaridade era significativo, teria sido mesmo assim tão linear? O certo é
que o problema foi mesmo o Ultramar, ou não fosse ele que fez cair o Regime em
1974.
HENRIQUE
SALLES DA FONSECA
A BEM DA
NAÇÃO, 07.10.24
Com a sua típica e estonteante destreza verbal, Américo Tomás
falou à Nação informando que os relatórios clínicos referiam a
irreversibilidade da invalidez do Doutor Salazar. Com grande pesar, sentia-se
na obrigação de o substituir no cargo de Presidente do Conselho de Ministros
pelo que nomeara o Professor Doutor Marcelo José das Neves Alves Caetano a quem
encarregara de formar Governo.
Cumpridas as formalidades constitucionais, Marcelo Caetano decidiu
proferir o discurso inaugural do seu novo mandato com toda a pompa. No
hemiciclo da (então) Assembleia Nacional, com transmissão em directo pela TV e
rádios, espaço completamente cheio pelos próceres do Regime. E eram tantos nas
imagens da RTP…! Mas não vi Régulos da Guiné nem Liberais de Timor.
Discurso formidável, a fazer História, mas destinado a acalmar os que ali
estavam e que se acotovelavam para aparecer nas imagens. O discurso da continuidade, com a diferença de passarem a ser
governados por gente comum e não mais por um génio da Humanidade.
DISCURSO INAUGURAL
DO CONSULADO CAETANISTA
https://arquivos.rtp.pt/conteudos/discurso-de-marcelo-caetano/
Peça
notável, sem dúvida, de grande erudição e que, pontuada pelos «muito bem»,
típicos dos louvaminheiros de então, também deu esperanças aos evolucionistas.
Começava a «Primavera Marcelista».
Após o discurso no Hemiciclo
seguiu-se a cerimónia de cumprimentos no Salão Nobre onde Marcelo e seus
Ministros se puseram a jeito para serem cumprimentados pela longuíssima fila de
«regimistas». Chegada a vez do sucessor de «Jimmy» como mastim alfa, Marcelo
terá dito algo como «O Senhor deve agora ir cumprimentar o Ministro do Interior
que é o seu superior hierárquico». E com estas brevíssimas palavras perdeu a
fidelidade cega e absoluta que os mastins prestavam ao fundador do Estado Novo,
Salazar. Assim se escreve o futuro.
ADRIANO MIRANDA LIMA 09.10.2024 17:05: Recordo-me com toda a nitidez do discurso do Marcelo Caetano.
Estava um dia luminoso e ficou a pairar nos espíritos a esperança de que ia
haver mudanças significativas. Mas não, elas apenas seriam modeladas pelo
consentimento dos ultras, daí se terem, de facto, cingido às aparências. Mas
estou convencido de que o Marcelo Caetano as teria introduzido se tivesse tido
pujança moral para enfrentar os ultras. Contudo, é inegável que o problema era
o Ultramar. E a verdade é que o gato ficou escondido com o rabo de fora ao não
estarem presentes na cerimónia as autoridades tradicionais das intituladas
províncias ultramarinas. Portanto, usemos a palavra apropriada: fantochada, a mesma fantochada que para
Salazar era o regime de Mussolini.
Henrique Salles da Fonseca
06.10.24
Foi
durante a guerra civil espanhola que os italianos tiveram as mais amplas
oportunidades para exibirem a sua prodigiosa inutilidade militar, a ponto de
Franco se ter visto obrigado a inventar um pretexto qualquer para os devolver à
origem sem que Mussolini se ofendesse.
Perante
tal escândalo, Salazar ficou desconfiado do modelo político italiano e pediu a
Marcelo Caetano que fosse presidir (?) à cerimónia de inauguração da Cátedra de
Estudos Portugueses da Universidade de Roma e que, discretamente, tentasse
averiguar da credibilidade do Regime de Mussolini. Corria o ano de 1938.
Como
era de esperar, Marcelo saiu-se bem da missão que lhe fora confiada.
Sobre a parte oficial da missão terá produzido documento que se encontra nalgum
arquivo e sobre a parte não oficial terá, presumivelmente, feito relato verbal
a Salazar e o que dessa conversa transpareceu foi apenas que Marcelo achou que
o Regime de Mussolini era apenas uma comédia teatral (a Salazar não era
necessário nem conveniente empregar a palavra mais apropriada, a de «Fantochada»).
Salazar decidiu despegar-se do modelo
italiano não mexendo, contudo, no corporativismo e só mexendo em alguma coisa
pra que tudo continuasse na mesma. Mas só depois de Espanha acalmar-se.
Esperou
por 1940 para nomear Marcelo Comissário Nacional da Mocidade Portuguesa. O «S»
na fivela do cinto das fardas deixava de significar «Salazar» para passar a
significar «Servir», o exacerbamento do patriotismo passava a ser feito apenas
pelos cânticos e pelo desfile no 1º de Dezembro enquanto a grande actividade
passou a ser desportiva na ginástica, hipismo e vela; nas horas vagas, alguma
Ordem Unida para induzir a disciplina e o «espírito de unidade» - mas isto era
só para quem não estava inscrito num desporto.
Estava
na hora de dizer aos remanescentes do Integralismo Lusitano que ou se
integravam ou zarpavam e que o Direito Canónico era «coisa» da igreja e não do
Estado Português. Pedro Teotónio
Pereira integrou-se no Regime e serviu como Embaixador de Portugal em vários
postos, nomeadamente em Madrid e em Washington, enquanto Francisco Rolão Preto
optou pelo exílio só regressando depois do 25 de Abril de 1974.
Sem prejuízo da sua docência na
Faculdade de Direito na Universidade de Lisboa, Marcelo despolitizou
o mais possível a Mocidade Portuguesa, mas em 1944 deu a missão por fastidiosa.
Dedicou-se plenamente à Universidade até
Salazar o convidar para seu Delfim como Ministro da Presidência.
Das muitas iniciativas que tomou, duas
ficaram para a memória: uma campanha de alfabetização de adultos e a criação
da RTP.
Seguiu-se
a Reitoria da Universidade e todas as convulsões das greves académicas que
tanto incomodaram o Regime… até que a cadeira de Salazar se partiu.
Henrique Salles da Fonseca 07.10.2024 14:13
COMENTÁRIOS:
Se
Marcelo tivesse ficado, seguindo a sua política de a- pouco e pouco, indo pondo
a casa em dia, hoje não estávamos como estamos, tendo tudo chegado a bom porto Isabel Pedroso
Adriano
Miranda Lima 09.10.2024 16:50: O Dr. Salles da Fonseca revisita a História tocando no que é
fundamental com mestria, subtileza e até com humor. Como lhe é habitual, o
humor é mais induzido do que verbalmente exposto. A este respeito, é como
defino a introdução tendente a explicar que o mussolinismo era uma
"fantochada", como de facto era.
Até aqui, faz-nos entender, e com plausibilidade histórica, que o Marcelo Caetano era bem um moderado do Regime e acalentava um desejo sinsero de o fazer evoluir
sem disrupções sensíveis. O problema grave e central era o Ultramar, que os ultras seguravam com convicção inabalável
e fúria canina. Ou não estivesse no cerne dos seus interesses pessoais. A leitura foi deliciosa.
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