sábado, 12 de outubro de 2024

Incertezas


Entre um e outro…

Acalmem-se, não é Hitler contra Estaline

Nos EUA, Hitler não defronta Estaline. Qualquer conservador, sem medo do que dele pode dizer a esquerda, encontra razões para votar em Trump, como qualquer esquerdista para votar em Harris.

RUI RAMOS Colunista do Observador

OBSERVADOR, 11 out. 2024, 00:22109

Talvez não acreditem, mas nas eleições americanas, Hitler não concorre com Estaline. Sim, Kamala Harris diz que Donald Trump é uma “ameaça à democracia”, e Trump que Harris é “comunista”. Em eleições anteriores, o nível de exagero era mais baixo. Mas só por ter subido, não quer dizer que seja mais credível.

Trump e Harris já governaram os EUA, cada um por quatro anos. Nem por isso os EUA são hoje o III Reich ou a URSS. O que vemos, quando levantamos o véu da polarização, é outra coisa. Os candidatos dramatizam, mas também se amaciam: Trump está mais indulgente com o aborto, e Harris com as armas. No debate dos vices, J.D. Vance e Tim Walz passaram o tempo a concordar (infelizmente, também sobre o proteccionismo). A probabilidade de o governo continuar “dividido” – um partido a controlar a presidência, outro o Congresso – não augura grandes transformações, ganhe quem ganhar.

Quando têm de demonstrar que Trump ameaça a democracia, os Democratas não citam nada que ele tenha feito no governo. Trump não foi um Richard Nixon. Contra ele, vale apenas a recusa de reconhecer que perdeu as eleições de 2020. É péssimo, mas não o singulariza: os Democratas também não admitiram que tinham sido vencidos em 2016. Há dois factos aqui. O primeiro é que não aceitar a derrota passou a ser um hábito na política americana, como já é no futebol europeu. O segundo é que, apesar desse feio costume futebolístico, Barack Obama cedeu o lugar a Trump em 2017, e Trump a Joe Biden em 2021. O segundo facto é, apesar de tudo, mais importante do que o primeiro. A invasão do Capitólio por umas centenas de manifestantes descomandados em 2021 foi lamentável, mas não foi um golpe de Estado. E a esse respeito, os Republicanos poderiam citar a benevolência dos Democratas com a violência política nas ruas em 2020.

Kamala Harris é uma candidata imposta ao eleitorado pela oligarquia do Partido Democrata, que em 2024 arredou Biden tal como em 2020 tinha afastado Bernie Sanders. Não tem força própria. Donald Trump é o contrário: um candidato imposto pelo eleitorado à oligarquia do Partido Republicano. É um excêntrico que o establishment nunca domou. O seu estilo, entre a demagogia e o desleixo, e o seu nacionalismo não foram feitos para agradar aos conservadores que dirigiam o Partido Republicano. Alguns, como Dick Cheney e a filha, nunca lhe perdoarão tê-los tornado irrelevantes. Os activistas evangélicos, porém, reconciliaram-se com Trump, apesar da sua pouca santidade. Não é inesperado. Trump está mais próximo do conservadorismo, do que uma Harris que ainda há quatro anos papagueava os lugares-comuns da extrema-esquerda. E mobiliza um eleitorado que não está ao alcance de outro republicano neste momento.

Quem gosta de responsabilidade orçamental, não terá razão para se entusiasmar com Trump (nem com Harris). Mas para quem se inquieta com o modo como o wokismo restringe a liberdade ou como a imigração descontrolada subverte a coesão social, Trump é uma opção mais razoável do que Harris. Tal como para aqueles que acham importante a direita não se deixar intimidar por uma campanha de demonização que não é muito diferente das que a esquerda conduziu contra Ronald Reagan ou George W. Bush. Qualquer conservador sem medo do que dele pode dizer a esquerda encontra razões para votar em Trump, como qualquer esquerdista para votar em Harris.

Resta o grande tema: a defesa do Ocidente. Foi Trump quem suspendeu a indulgência ocidental com a China e o Irão. Sobre a Ucrânia, tem alimentado a incerteza. Mas a sua imprevisibilidade pode também criar dúvidas a Putin. O facto é este: foi com Obama e Biden que Putin se sentiu à vontade para invadir a Ucrânia, e não com Trump.

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COMENTÁRIOS (de 125)

José B Dias: Aleluia! Finalmente uma opinião que se suporta em factos e não nas narrativas da maior parte dos midia.                Manuel Gonçalves: Complemento, para evitar equívocos: o wokismo deve ser combatido sem medo.                   Tim do A: Artigo com bom senso.                Pedro Carlos Real: Vale a pena aprofundar o tema do Capitólio, nomeadamente vendo as audições no congresso e analisando as manipulações dos vídeos quanto ao que Trump efectivamente disse. A realidade é bem diferente daquela que os media tradicionais tentam passar.                   José Bento > Filipe Paes de Vasconcellos: Tão perigoso que, em 4 anos como presidente do país mais poderoso do mundo, não acabou com o dito mundo, nem com a dita democracia americana! Deve ser um perigoso muito leeeeeento! O da barbearia foi muito mais rápido! Já com a Meloni vinha aí o fascismo! Ainda ninguém o viu... E hoje a Ursula é BFF  com a Meloni! Com o Milei vinha o fim da Argentina! Ainda está no mapa. Confirmei...  O verdadeiro perigo é passar a vida a gritar LOBO, e depois o lobo não aparece. Isso sim, é perigoso, porque quando ele vier ninguém vai ligar. Já agora, onde é que o cronista "alinhou' com o Trump? Não consegui encontrar nenhum alinhamento...              Coxinho: Pois. Quando escasseiam ideias é difícil despir a camisola do clube, compreendo. Por isso me parece o artigo do RR impregnado de bom senso -- o bom senso comum que se esforça por analisar os factos sem os exacerbar nem atenuar sob a pressão de uma ideologia a defender. Obrigado, RR, o seu artigo tem pelo menos a enorme virtude de não ser politicamente correcto.               Coxinho > Filipe Paes de Vasconcellos: Pode, por favor, esclarecer por que razão é Trump tão perigoso para nós ? E, já agora, tão quanto?Obrigado.             Filipe Paes de Vasconcellos: Eu estou calmo, mas muito preocupado quando vejo pessoas do nível intelectual de Rui Ramos alinhar com um tipo tão perigoso para todos nós.                Manuel Gonçalves: Outro ângulo, sinteticamente: Trump vai negociar uma paz à Lenine. Entrega a Ucrânia, para obter o beneplácito da Rússia e da China e se consolidar no poder como verdadeiro autocrata que é. No início vai parecer delicodoce e até engana os tontos, mas tem um objetivo muito concreto de iniciar uma dinastia Trump e fragmentar a Europa- pode ou não ser bem-sucedido; aparecerá um Churchill? Acerca do seu mandato, escrever com ligeireza acerca do 6/1, mas esquecer as opiniões dos seus anteriores e mais próximos colaboradores, que em uníssono o descrevem como um indivíduo incapaz de se concentrar e com atitudes muito perigosas, para além de todas as alarvidades que vimos publicamente, não é uma boa ideia. Kamala até poderá vir a ser um Jimmy Carter ou, pelo contrário, um presidente bastante mais relevante - ninguém sabe - mas todos, sem exceção, sabemos que não tem um projeto autoritário/totalitário. Parem de morrer de medo com o wokismo: é uma imbecilidade que se está a evaporar, como o nudismo dos anos 60/70 - na altura também se temia que íamos andar todos “pelados e a roupa ía acabar - pelo simples e elementar motivo de que as práticas de costumes muito artificiais nunca vingam.         Nuno Borges > José Vilaça: Biden foi um presidente fraco e a fraqueza é um convite à agressão. Kamala seria ainda pior.              bento guerra: O que está em escolha são pessoas e suas capacidades. Como os tempos internacionais vão complexos, Trp já conhece a função ,ao contrário da Kamala que parece uma barata tonta, a escolha "nossa" é fácil. Contudo...              José B Dias > Pedro: Mas a realidade não interessa aos que preferem as narrativas que constroem os seus preconceitos.        Glorioso SLB > Manuel Gonçalves: Pois eu nasci 15 anos depois e nunca senti tanta tentativa de disrupção social como agora. As pessoas ñ votam no Trump por causa do Trump. Votam no Trump, apesar do Trump ou seja, apesar do q Trump diz. Pq do outro lado, têm o wokismo.             José B Dias > Coxinho: Subscrevo! E basta ler alguns dos comentários aqui apostos para se confirmar a tendência para o achismo suportado em manipulação, desinformação e mentiras muitas vezes repetidas ...            José B Dias > João Angolano: Pelo nível intelectual ...              José B Dias > Ruço Cascais: Trump did mention bringing UV rays and disinfectants into the body, but let's remember what Biden said. He said his predecessor, quote, "told Americans all they had to do was inject bleach in themselves, just take a shot of UV light." That is not what Trump said. It was by no means a demand, an instruction, a recommendation. Trump was speaking off the cuff. And then, scientists say, in an ill-advised way. He was not telling anyone to do anything. He was floating ideas for potential treatments to be tested. That's why we rated Biden's claim that Trump told people to inject bleach mostly false.         Paulo Machado > Eduardo Costa: E come crianças ao pequeno almoço! Já do outro lado é só violinos, tudo gente pura e casta.              Nuno Abreu: Boa crónica. Concordo com muitas das ideias que Trump aplicou enquanto presidente. Penso que devemos derrotar o wokismo. Mas não suporto a sua incivilizada linguagem.                       vitor gonçalves > José B Dias: Há que separar a personalidade de Trump das suas políticas e aqui, no seu consulado, foi bastante eficaz, nomeadamente em política externa. Agora no caso Europeu ninguém gostou que Trump  fosse bastante insistente na regra da contribuição dos 2 por cento de cada país para a NATO. E aqui tem toda a razão. Os USA não têm obrigação interna de defender uma Europa que prefere alimentar os seus eleitorados a defender-se.              Ruço Cascais: Então Rui Ramos, em vez de acertar nos submarinos anda a atirar aos patos de borracha.  Harris and Trump are nice guys, blá blá pardais no ninho e no final um parágrafo em jeito de rodapé sobre a guerra da Ucrânia e o perigo para a Europa com uma vitória de Putin. Fez-me lembrar aqueles contratos habitualmente de seguros e empréstimos à banca onde no final, nas costas das folhas, aparecem uma data de letras muito pequeninas que ninguém consegue ler.  A invasão do Capitólio em 2020 não foi um golpe de estado, foi apenas uma birra de mau perder idêntica à dos democratas em 2016. É comparável?       Fonix:  Rui Ramos, o Hitler também não era mau se comparável com António Costa, e eu detestei António Costa enquanto governante, mas, há coisas que não são comparáveis.  Faz-me confusão, faz-me mesmo muita confusão como é que Rui Ramos um dos melhores espíritos a escrever aqui do Observador consegue ter admiração - já nem falo das políticas - por um narcisista que despediu e zangou-se com mais de metade da sua administração enquanto foi presidente. Lembro-me de Trump quando participou numa reunião dos G8 ou G9, que ao aproximar-se do grupo entra de rompante empurrando os outros membros para o lado de forma grosseira para se chegar â frente. Uma atitude do piorio. Infelizmente não houve ninguém com coragem para também lhe ter dado um empurrão forte que o derrubasse no chão.  Nota: o Rui Ramos esqueceu-se de um pormenor muito importante que deveria ter dado um Prémio Nobel a Trump na ciência, que foi curar os vírus com lixívia. Provavelmente se Trump fosse português, muita malta daqui tinha-se matado com injeções de desinfectante. Esperava que Rui Ramos não fosse um deles,                  Americo Magalhaes: Um bom texto de RR sem dúvida alguma . Revejo-me perfeitamente nesta análise,  feita com distanciamento histórico , mas com equidistância em relação  aos 2 candidatos . Parabéns RR , por favor não abandone  o Observador .         José B Dias > vitor gonçalves: O que as pessoas "sabem" sobre Trump é, basicamente, o que lhes é rotineiramente "vendido" por activistas travestidos de jornalistas/comentadores e órgãos ditos de informação ao serviço de interesses. Se se perguntar aos que por aqui desdenham de Trump o que fez este de tão errado nos seus 4 anos de presidência, iremos ter como respostas as tradicionais conversas do "very fine people, do "bleach" ou da retirada dos USA de determinados Tratados/Organizações da moda. E a falácia da sujeição a Putin e do abandono da NATO ... Se se perguntar o que fez a "fantástica" candidata Democrata ... será divertido constatar a dificuldade nas respostas. PS: não deixa de ser sintomático da ignorância e da "opinião" sem suporte o olímpico ignorar do mandar às urtigas a vontade dos eleitores que andaram a votar nas primárias Democratas ... a lógica é hoje a de poderem escolher quem quiserem, desde que no fim o candidato seja o escolhido pelas elites. E depois chamam-lhe Democracia!             joaquim Pocinho: E depois, Rui Ramos, Trump é o primeiro candidato vencido que, depois da certificação das eleições, continua a não as reconhecer. Em tudo o resto pode ter razão, mas Trump tornou-se inelegível após a invasão do capitólio. Foi o único vencido a não comparecer na tomada de posse do vencedor. E isso é muito, muito mais do que se pensa, grave para o equilíbrio da democracia.     joaquim Pocinho: Hoje não concordo com o Rui Ramos! Para tudo há uma primeira vez. Fez-me impressão a desvalorização da invasão do capitólio vindo de uma das mais Lúcidas mentes em Portugal.

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